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Retrospectiva 2019

31 de Dezembro de 2019

Ano de muita fartura e alta qualidade. Foram mais de 500 garrafas de alto nível, todas elas sonho de consumo de muito enófilos. Safras históricas como Sassicaia 85, Mouton 45, Hermitage La Chapelle 78, Yquem 21, entre outros.

e94bf8c2-35f1-42b2-bf54-174f55cc3aa8a nata DRC em grandes safras!

Separando por tipos, poderíamos fazer várias seleções num mundo ideal. Foram muitas borbulhas, brancos, tintos, Yquens, e grandes Portos.

img_6902rótulo dourado: Um dos melhores P3 da história!

Champagne

Foram muitos entre Krug, Cristal e Dom Perignon, os champagnes que mais prevaleceram nos encontros. No entanto, o destaque fica para o Dom Perignon P3, não disponível no Brasil. Com mais de 20 anos sur lies, esta maravilha tem uma cremosidade e delicadeza sem igual. Amplo, perfeito, num final de alto acabamento.

img_7081-1um dos mais exclusivos desta apelação numa safra perfeita

Brancos

Embora alguns riesling e grandes Bordeaux brancos tenham desfilados, os brancos da Borgonha reinaram absolutos com produtores do quilate de Roulot, Coche-Dury, Leroy, Domaine Leflaive, Ramonet, entre outros. Para os Chablis, Raveneau e Dauvissat jogam na Premier League.

img_7079-1uma promessa e a safra perfeita, 1970

Tintos

Embora os grandes Bordeaux e os espetaculares borgonhas possam dar conta do recado com folga, os tintos do Rhône, os cult wines americanas, e alguns italianos, completaram a lista dos grandes tintos degustados. 

Escolher alguns dos Bordeaux é tão difícil que as injustiças são inexoráveis. Poderíamos citar a turma de 82 como Latour, Pichon Lalande, Le Pin, entre outros tantos. Para destacar algum, vamos de Petrus, o Bordeaux mais enigmático e difícil de atingir o ponto ideal. Uma garrafa perfeita de Petrus 70 com seus quase 50 anos, justifica plenamente a fama deste mítico vinho. Totalmente acessível, sedutor, mas com uma força e estrutura que nenhum outro Merlot é capaz de alcançar.

img_5880Cros-Parantoux: lieu-dit criado por Jayer

Dos Borgonhas, o assunto fica ainda mais complicados. Produtores com Rousseau, Mugnier, e Ponsot, fazem verdadeiras obras-primas, sobretudo em safras espetaculares como 85. Destaque especial para o Hospices de Beaune Mazis-Chambertin de Madame Leroy 1985. Um vinho para sonhar. Menção especial para o mestre Jayer com seus Cros Parantoux e Richebourg, degustados algumas vezes neste ano. Para falar dos DRC, vamos ficar com o La Tache, um vinho completo que representa com louvor a prole, bem mais simpático que o sisudo Romanée-Conti. Não estarei vivo para confirmar, mas o La Tache 99 será um dos grandes borgonhas daqui a 20 ou 30 anos, justificando as palavras de Hugh Johnson: “um dos maiores vinhedos sobre a Terra”.

img_7001Jaboulet e Chave: o epítome em Hermitage

Da parte do Rhône, vinhos pouco degustados este ano, comparativamente, a trilogia Guigal continua impecável. Dos Hermitages, La Chapelle de Jaboulet e Cuvée Cathelin de Jean Louis Chave, chegam à perfeição, sem muito espaço para os demais produtores. Os La Chapelle 90 e 78 são inesquecíveis. O primeiro uma promessa, o segundo uma realidade. São vinhos viris que demandam décadas de amadurecimento.  Dos Cuvée Cathelin, a safra de 90, a primeira que deu origem à série, é perfeita e difícil de ser ombreada.

img_6044Harlan: O Latour das Américas

Dos americanos, difícil bater um Harlan Estate, o Latour das Américas. Dominus, o mais bordalês dos americanos, sempre uma boa pedida. Dos exóticos e espetaculares vinhos com inspiração no Rhône, a butique Sine Qua Non faz coisas surpreendentes e fora da curva. Nenhum país do Novo Mundo chega perto destes vinhos. O grande problema é que são caros demais, mais caros até que os originais franceses.

img_5639obras-primas dos irmãos Conterno

Da parte italiana, a briga dos irmãos Conterno está sempre em voga. Dos Monfortinos, o Barolo de escola clássica, menção especial para o 99, ainda muito vigoroso, e o sedutor 78 com seus terciários pedindo trufas. Da parte de Aldo Conterno, o Granbussia 2006 é uma grande promessa, enquanto o badalado 90 faz jus à fama. O 1988 é surpreendente e merece mais fama do que tem. Quanto a Angelo Gaja, sua trilogia continua mágica e seu Barolo tem alto refinamento. Em resumo, uma pitada da classe francesa na Itália, sem contar com seu branco Gaia & Rey, o Borgonha da Itália. 

a evolução perfeita e a promessa da juventude

Yquem e suas safras

Nos vinhos doces, alguns alemães desfilaram, bem como alguns Tokaji, mas o destaque ficou para os inúmeros Yquens degustados. Basicamente, há dois tipos de Yquem. Aqueles mais clarinhos, novos, com toda a força da juventude. Normalmente até seus vinte anos de idade. Daí pra frente, as cores vão ficando mais escuras, mais amarronzadas, equilibrando mais os açucares e ganhando complexidade aromática.

raridades em safras históricas

Portos

Dos fortificados, os Vintages foram os mais prestigiados. Nomes como Taylor´s, Graham´s, Fonseca, e Quinta do Noval, foram os mais degustados. Menção especial para o Noval Nacional, elaborado com parreiras pré-filoxera e de produção diminuta. Alguns Madeiras notáveis devem ser lembrados, sobretudo do século dezenove.

Enfim, um pouco do que foi degustado neste ano com alguns dos vinhos lembrados neste artigo. Outros tantos poderiam ser mencionados e ainda assim, injustiças seriam cometidas. Graças a Deus porque a fartura imperou. Esperemos que 2020 seja tão farto, generoso, e magnífico como 2019 que já deixa saudades. 

Feliz Ano Novo!

A Chave de Hermitage

24 de Novembro de 2019

A maioria das pessoas não tem a dimensão exata do que é um grande Hermitage, um dos maiores tintos da França. A razão é simples. Poucos têm paciência em esperar pelo menos vinte anos de safra para abri-lo e além disso, desembolsar um valor considerável por uma garrafa dos produtores como Jean-Louis Chave e Paul Jaboulet com seu mítico La Chapelle.

Em almoço inesquecível no Parigi Bistrot do Shopping Cidade Jardim, tivemos a oportunidade de provar lado a lado uma trilogia de primeira grandeza desta apelação na excepcional safra 1990. Para entender melhor esta degustação, é bom esclarecer os detalhes e a concepção dos grandes Hermitages.

hermitage lieux ditsa montanha de Hermitage fatiada

Hermitage é uma das mais prestigiadas apelação do chamado Rhône-Norte, juntamente com a apelação Côte-Rôtie. Embora Hermitage se baseie na uva Syrah, é um vinho de assemblage, não de uvas, mas de pequenos vinhedos conhecidos como Lieu-Dit. Ao contrário da Borgonha, onde os vinhedos são individualizados, em Hermitage a complexidade do vinho dá-se pela junção de vários Lieux-Dits. É justamente esta diversidade e quantidade maior de Lieux-Dits que fazem de Chave e Jaboulet seus maiores expoentes nesta apelação. Neste contexto, fica fácil entender porque a periférica apelação Crozes-Hermitage é apenas uma pequena sombra do Gran Vin.

Olhando o mapa acima, temos uma montanha de subsolo granítico e solos variados entre areia, pedras, argila, e depósitos aluviais. Sua área é de apenas 136 hectares de vinhas, aproximadamente a área de um grande Bordeaux de margem esquerda como o Chateau Lafite. Na parte mais ocidental da montanha, temos os melhores lieux-dits para o chamado Hermitage tinto. Já a parte oriental fica predominantemente para os longevos Hermitages brancos com as uvas Marsanne e Roussanne. Analisando individualmente os lieux-dits, temos as seguintes informações:

L´Hermite

Fica bem no topo da montanha onde vemos a famosa capela com visão privilegiada do rio. A maioria das vinhas pertence a Jean-Louis Chave com solo granítico e de idade avançada, ao redor de 80 anos.

Les Grandes Vignes

Também de solo granítico, os produtores Jaboulet e Delas possuem as principais vinhas.

Les Bessardes

De solo granítico e pedregoso, talvez seja o lieu-dit mais famoso, pois suas vinhas têm grande participação na Cuvée Cathelin do produtor Chave e do lendário La Chapelle de Paul Jaboulet.

Les Beaumes

Boa participação de Chave nesta vinhas com solo misturado de areia, argila e depósitos aluviais.

Le Méal

Solos com depósitos aluviais e muito cascalho. Planta-se Syrah e Marsanne com boa participação do produtor Marc Sorrel.

Les Greffieux

Solos aluviais com muito cascalho e argila. Exclusivamente Syrah.

Péléat

Terroir quase todo de Chave com solos sedimentares pedregosos, argila, e sílex. Tanto uva Syrah, como Marsanne para o Hermitage branco.

Les Doignières

Além das uvas Marsanne e Roussanne, há um pouco de Syrah. Vários produtores se abastecem de suas uvas, inclusive Chave.

Les Vercandières

Vinhedo na parte baixa da colina, onde Chave cultiva Syrah e Marsanne.

Les Recoules

Outro reduto para as uvas brancas Marsanne e Roussanne em solos de argila, calcário e pedras glaciais. Muito importante para os Hermitages brancos de Chave.

Falando agora dos dois melhores produtores de Hermitage, embora nomes como Chapoutier, Delas, Marc Sorrel, devam ser lembrados, Jean-Louis Chave e Paul Jaboulet estão num degrau acima.

Jean-Louis Chave

Chave elabora dois Hermitages tintos e um Hermitage branco. Possui 14 hectares de vinhas, sendo 10 hectares de Syrah. O restante fica entre Marsanne (80%) e Roussanne (20%). As vinhas são muito antigas com média de idade de 50 anos.

Sua superioridade começa com a diversidade de vinhedos. Possui 14 parcelas espalhadas por nove Lieux-Dits mencionados acima. O Lieu-Dit Bessard onde Chave possui dois hectares tem vinhas que chegam a 80 anos. É considerado pelos especialistas, o coração e a alma dos vinhos de Chave.

As vinhas destinadas ao Hermitage branco são de solos variados e muito antigas. Isso faz destes brancos algo único na apelação com níveis de qualidade e complexidade bem longe da concorrência.

Os Hermitages tintos de Chave passam cerca de 18 meses em barricas de carvalho, sendo de 10 a 20% novas, dependendo da safra. Muitos dos barris usados vêm da Borgonha.

Sua cuvée de luxo, Cuvée Cathelin, parte de um blend especial onde o Lieu-Dit Les Bessards tem grande importância. O vinho tem mais concentração, mais finesse, e a porcentagem de barricas novas em seu amadurecimento é maior. São apenas 200 caixas por safra, onde somente em anos excepcionais ocorre sua elaboração. As garrafas são numeradas e sua primeira safra foi em 1990.

Paul Jaboulet

Este produtor possui 22 hectares de vinhas muito bem localizadas nos principais Lieux-Dits, entre eles, Le Méal com 6,8 hectares, Les Bessards com 2,6 hectares, além de Greffieux, Recoules, e mais alguns outros. Sua mais famosa cuvée La Chapelle parte do assemblage destes vinhedos mencionados. A porcentagem de barricas novas depende muito da qualidade da safra em questão. Geralmente o vinho é encorpado, bela estrutura tânica, e apto a longo envelhecimento. Nas grandes safras, seu apogeu costuma acontecer a partir de 30 ou 40 anos. São por volta de 2000 caixas de La Chapelle por safra.

Decantação

É imprescindível uma longa decantação com os vinhos de Hermitage, tantos brancos, como tintos. A uva Syrah é bastante redutiva e nesta apelação ela se torna mais robusta e fechada. Portanto, precisamos de duas a três horas de decantação antes de servi-los. No caso do La Chapelle, talvez um pouco mais pela robustez do vinho.

img_7001a fina flor de um grande Hermitage

Um embate sem perdedores. A ótima safra de 1990 só ratifica a excelência destes vinhos. O mestre Chave mostra um Hermitage mais delicado, cheio de nuances, e uma acidez, um frescor, impressionantes. O vinho mesmo depois de decantado, demorou a se abrir na taça. Muita mineralidade, algo terroso, toques defumados bem sutis, frutas vermelhas com muito frescor, notas de especiarias, e um toque de azeitonas. Um Hermitage de certa sutileza onde sua acidez comanda o equilíbrio do vinho, além de sua incrível longevidade.

No lado de Jaboulet, a cuvée La Chapelle mostra toda a virilidade de um grande Hermitage. O mais fechado e o mais denso entre os dois. Essa safra de 90 é tão espetacular como foram as lendárias 1961 e 1978. Com quase 30 anos, ainda é um vinho jovem, longe de seu apogeu. Deve seguir os mesmos passos do 1978, agora atingindo a plenitude. Um vinho espetacular com taninos finos e abundantes. Os aromas são arredios, difíceis de se mostrarem, mas o toque defumado, de frutas escuras, pimenta, e um lado animal, lembrando sela de cavalo ( um misto de suor e couro), são sensacionais. Um Hermitage de livro. Ao mesmo tempo que é blockbuster, seu equilíbrio é perfeito com todos os seus componentes (álcool, acidez e taninos) nivelados por cima. Um dos tintos mais poderosos da França. 

img_6999a maestria de Jean-Louis Chave

Aqui não se trata do melhor ou pior, trata-se de estilos de vinho. Nesta Cuvée Cathelin, imprime uma lado mais musculoso, mais exuberante, fugindo um pouco de seu classicismo de sutileza e discrição. A espinha dorsal dos vinhos é a mesma. Há um DNA em comum, na Cuvée Cathelin existe um poder de ousadia, sem perder jamais o refinamento. O vinho é mais musculoso, mais envolvente, mais direto, mas continua elegante e sedutor. É uma questão de gosto, mas o perfume do Cuvée Cathelin é arrebatador. Tem um mix de especiarias e incenso que lhe dá um toque oriental maravilhoso. E em boca, é pura seda. Em termos de longevidade não se enganem. Ele é maravilhoso agora e o será por anos a fio. 

img_6998um guisado de pato maravilhoso

Para acompanhar estas preciosidades, nada melhor que um belo guisado de pato, especialidade da Chef Vanessa, discípula do mestre Jacquin. De fato, o pato é a única ave não indicada para Borgonhas, normalmente muito delicados. Esta carne é sempre mais escura, mais sanguínea, de trama mais fechada. Isso pede vinhos mais densos e tânicos, haja vista as indicações de Cahors e Madiran no sul da França. 

Voltando aos Hermitages, eles foram muito bem com o prato num caldo muito saboroso, incluindo um mix de cogumelos. Os taninos se amoldaram muito bem com a fibrosidade da carne, enquanto a acidez cortou magnificamente a gordura do prato. Uma combinação espetacular.

a exclusividade de Madame Leflaive

Antes dos Hermitages, tivemos a companhia do ótimo Batard-Montrachet Domaine Leflaive safra 1996. Um vinhedo de menos de dois hectares com vinhas de idade entre 1962 e 1974. O mosto é fermentado em barricas de carvalho dos bosques de Allier e Vosges, e posteriormente amadurece mais doze meses em barricas com bâtonnage. 

Este exemplar teve uma evolução magnifica com seus mais de 20 anos. Notas de frutas secas e frutas confitadas, notas empireumáticas de caramelo e tostado, especiarias e muita mineralidade. Acompanhou muito bem vieiras grelhadas ao ponto com creme de couve-flor. Tanto a sutileza de sabores, como a textura de ambos, prato e vinho, se harmonizaram perfeitamente.

img_6995execução perfeita

Enfim, vinhos e pratos excepcionais, além da companhia dos amigos. Agradecimentos especiais ao Presidente que escolheu a dedo todas estas preciosidades com a generosidade de sempre. Os pratos só abrilhantaram ainda mais as taças degustadas. Que Bacco nos guie sempre nos melhores caminhos!

A elite do Rhône e DRC de carona

7 de Setembro de 2019

Além da Bourgogne e Bordeaux, os franceses contam com o Rhône e seus belos vinhos, alguns deles muito especiais, tanto tintos como brancos. Num ótimo almoço no restaurante Vecchio Torino pudemos comprovar esta excelência com vinhos de tirar o fôlego.

 harmonização sensacional!

Não é todo dia que provamos um Hermitage branco, principalmente desta categoria. Uma seleção parcelar especial de Chapoutier com vinhas Marsanne praticamente centenárias em solo granítico. O vinho fermenta e estagia em barricas entre 10 e 12 meses com bâtonnages regulares. O resultado é um branco untuoso, macio, e super equilibrado. Deve ser decantado, pois seus aromas e sabores se revelam em camadas. Aromas florais, de mel, de resina, frutas secas, e algo mineral. Persistência aromática intensa e marcante. Os Hermitages brancos envelhecem muito bem, adquirindo sabores exóticos. Ficou muito bom com esta posta de bacalhau com trufas negras (foto acima), tanto em intensidade de sabores de ambos, como a harmonia de texturas. 100 pontos Parker. Espetacular!

outra harmonização de sucesso

Neste momento chega um intruso em meio aos vinhos do Rhône, sua Excelência Domaine de La Romanée Conti Montrachet 2011. Ainda novo e com muita vida pela frente. Poucas vezes vi um Montrachet DRC um pouco acanhado diante do suntuoso Ermitage branco acima descrito. Normalmente, estes DRCs são encorpados e bastante densos na família Montrachet. Entretanto, o Ermitage era mais denso ainda, deixando o DRC com certa leveza. De todo modo, sempre um grande vinho. Aromas elegantes, intensos, muito equilibrado em boca, e uma persistência aromática expansiva. Caiu muito bem com o ravióli de ricota com molho cremoso de queijo, de textura rica, assim como o vinho. Os sabores delicados do prato realçaram a imponência deste branco.

Rayas: um estilo único

Continuando o almoço, o Rhône-Sul foi representado pelo estupendo Chateau Rayas 2007. Um tinto elaborado com uvas  100% Grenache de parreiras antigas. O vinhedo possui um terroir único. Localizado no meio de um bosque com solo arenoso, sem aquele modelo clássico do Chateauneuf-du-Pape em solo de galets (pedras arredondadas). Nestas condições, a Grenache amadurece plenamente sem perder a acidez, já que as noites são relativamente frias com a presença da floresta. O vinho é pacientemente envelhecido em barricas usadas, sem jamais a madeira interferir em seus aromas. Um tinto macio, sedoso, de grande equilíbrio. Seus aromas são sedutores com frutas vermelhas decadentes em compota, lembrando morangos e framboesas. Seus toques de ervas e especiarias tem um ar provençal, embelezando o conjunto. Envelhece muito bem, adquirindo com o tempo toques de sous-bois e de caça. Exemplar magnifico!

hermitage climatsClimats da Montanha de Hermitage

Encerrando o almoço, o Rhône-Norte se faz presente com um magnifico nota 100, Paul Jaboulet La Chapelle 1978. Os tintos de Hermitage têm a fama de enorme longevidade, atravessando décadas em adega. Na foto acima, vemos os vários climats (parcelas) da imponente montanha de Hermitage. No Caso de La Chapelle, é uma cuvée dos melhores vinhedos tais como: Les Bessards, Le Méal, e les Greffieux, entre outros. Essa mescla de terroirs traz complexidade e estrutura ao vinho, proporcionando longa guarda. O único comparável a La Chapelle, são os vinhos do mestre Jean-Louis Chave, referência absoluta nesta apelação.

img_6608comparável ao lendário La Chapelle 1961

Este exemplar com quarenta anos estava magnifico, comparável ao mítico La Chapelle 1961. A cor já impressiona de cara. Estava bem menos evoluído que o Rayas 2007, provado lado a lado. Os aromas são de livros denotando frutas escuras em licor, alcaçuz, tostado de bacon, chocolate, especiarias, e uma nota da caça de envelhecimento perfeito. Combinou maravilhosamente com uma codorna assada com seu próprio molho. A boca é densa, harmoniosa, taninos de rolimã, e um final de prova sem fim. Um vinho praticamente imortal. Lembrando de um La Chapelle 1990 provado a pouco anos, entendemos claramente que estará no ponto por volta de 2030, outra safra estupenda. Não tem jeito, esses vinhos além de dinheiro, é preciso muita paciência para esperar o ponto certo. A recompensa vale a espera!

Yquem: dois nota 100

o Yquem à esquerda da foto é da safra 2001, uma das mais perfeitas deste novo século. O 2015 à direita da foto, foi provado semana passada, também um nota 100. A diferença dos dois além dos catorze anos que os separam, portanto falta evolução no mais novo, talvez seja mais no estilo de cada um. O 2001 é um Yquem clássico, untuoso, imponente, e de grande presença em boca. Já o 2015, parece ter mais frescor, uma textura mais delgada, e portanto menos impositivo nas harmonizações. Talvez um pato com laranja para o 2015, enquanto um potente queijo Roquefort para o 2001. Contudo, a equivalência entre os dois, só o tempo dirá. 

aromas etéreos para encerrar o dia

Passando a régua, nada melhor que uma boa conversa ao redor de Puros e destilados. Neste caso, um Montecristo edição especial (foto acima) inspirado no ícone Montecristo n°2. Este Gran Pirâmides tem bitola um pouco maior, mantendo o modelo figurado. Ring 57 contra ring 52 do Montecristo clássico. A mistura de tabaco é especialíssima e de muita elegância, fugindo da potência do módulo clássico. Para acompanhar, a elite dos Cognacs: Louis XIII da Remy Martin e Richard da Hennessy. Blends da mais alta qualidade com misturas de cognacs antigos, alguns centenários. Elegância e suavidade que acompanhou bem o Montecristo Gran Pirâmides.

São nesses almoços que percebemos que nossa maior riqueza são os amigos em torno de uma mesa, onde os problemas e nossas diferenças ficam esquecidos. O que impera nesses momentos são a generosidade e o congraçamento entre todos. Que Bacco nos ilumine!

Bordeaux Históricos: Chutando o Balde!

27 de Julho de 2019

Sabe aquele dia de maldade.  Aquele dia que você acorda e pensa: hoje eu vou chutar o balde!. Não quero correr riscos, só certezas, o céu é o limite, o dia perfeito. Foi o que aconteceu no ótimo restaurante Picchi, sob a batuta do talentoso Chef Pier Paolo Picchi no comando das panelas, e o competente Ernesto, sommelier da Casa com larga experiência em serviço do vinho.

O tema foi simplesmente vinhos nota 100. Realmente, sem comentários. Vinhos consagrados pela crítica especializada e que se firmaram definitivamente ao longo do tempo. O foco central foram os grandes Bordeaux, mas as estrelas do Rhône, além de Champagne e Borgonha, brilharam igualmente.

 12 anos sur lies

Para iniciar os trabalhos, um Dom Perignon Oenotheque 96 com 97 pontos Parker. Uma maravilha de champagne, ainda com muito frescor dado pelo prolongado contato sur lies. Na atual nomenclatura da Maison, este Oenotheque  equivale ao P2, ou seja, segunda plenitude. Elegante, mineral e com final marcante.

bela harmonização com vieiras

Antes de partir para os tintos, um belo Chevalier-Montrachet de Madame Leflaive foi servido com vieiras e couve-flor. A harmonização enfatizou o frescor e o lado mineral do vinho. Apesar de alguns anos de evolução, safra 2002, o vinho estava macio, envolvente, com toque amanteigados e de frutas secas, sem nenhum sinal de decadência. Quase no nível do 92, o qual é um dos grandes da história do Domaine.

img_6402beirando a perfeição

Já chutando o balde, de cara o Haut Brion 89 no primeiro flight. Uma safra histórica para o Chateau com muita intensidade nos aromas, boca ampla, e equilíbrio perfeito. Não tem como tirar ponto deste vinho. Destaque absoluto do jantar. Seguindo a toada, um Montrose também histórico. Denso, marcante, taninos poderosos e super finos. Longa persistência aromática. Por fim, O La Mission 89 destoou um pouquinho dos demais que estavam perfeitos. Longe de estar com problemas, um vinho ainda um pouco fechado, sisudo, mas com belo frescor e taninos ainda abundantes. Deve ser obrigatoriamente decantado, pois melhorou muito na taça. Início arrebatador!

img_6403ano de muita expectativa

Indo agora para a turma de 90, um trio de respeito. Cheval Blanc esbanjou elegância, o que é mais que esperado. Macio, equilibrado, cheio de sutilezas, e um final muito bem acabado. Já o Montrose 90 que muitas vezes pode apresentar um Brett excessivo (toques animais acentuados), desta feita a garrafa estava perfeita com tudo no lugar. Decidir entre Montrose 90 e 89 é muito mais uma questão de gosto, do que técnica. Mais um vinho para ficar na memória com sabores marcantes e profundos. Por fim, o Margaux 90, um vinho cheio de nuances que ainda não está pronto. Precisa ser decantado com antecedência, além de muita paciência na adega, pois tem segredos a revelar. Foi o que menos emocionou neste trio no momento.

img_6404o Rhône Brilha!

Neste flight, só o fato de termos um La Chapelle 78 já é motivo de contemplação. Um dos Hermitages históricos no nível do mítico 61. Um dos vinhos que requer maior tempo de guarda, após mais de 40 anos de safra, estava divino. Seus toques defumados e de chocolate são muito bem mesclados com a fruta, além dos taninos totalmente polimerizados. Um veludo em boca com grande expansão final. 

Já na trilogia dos Hommages, alguns probleminhas. Começando pela safra 90, estava perfeita. Totalmente íntegro, sem sinais de decadência, este vinho tem muito poder de fruta, rico em ervas e especiarias. Tem um lado balsâmico, um certo toque de incenso, formando um conjunto harmonioso. O grande destaque do trio. Na safra 89, a primeira baixa do jantar. O vinho estava prejudicado com o característico bouchonné. Mesmo assim, dava para perceber a força deste vinho. Denso e de longa persistência. Seria certamente o vinho do flight se estivesse perfeito. Por fim, a safra 98 é bastante atípica para esta cuvée. Com grande porcentagem de Grenache ao invés de Mourvèdre, o vinho apresentou-se muito macio, além de discreta estrutura tânica. Muito agradável de ser tomado, mas falta aquela profundidade dos grandes vinhos.

escargot e coelho no menu

Fazendo uma pausa nos vinhos, a foto acima revela alguns pratos do jantar. O da esquerda (polenta, escargot, e berinjela levemente defumada), formou um belo par com os Bordeaux 89 com toques terrosos e traços empireumáticos casando perfeitamente com os vinhos. No agnolotti de coelho à caçadora, prato muito bem executado, a parte aromática, rica em ervas, além da elegância e textura do conjunto, foram fatores decisivos para amalgamar os ricos sabores da trilogia Hommage. Ponto alto do jantar!

44409b0d-7314-405c-9f3e-f5356a26f17fdois mitos bordaleses

Agora para tudo!. Eis que chegam às taças, Mouton 45 e Haut Brion 61. Difícil traduzir em palavras as sensações provocadas por esses “monstros”. Só a incrível riqueza de frutas que um vinho com mais de 60 anos consegue preservar, já vale a experiência. Este Mouton é daqueles vinhos imortais que desdenham o tempo. Uma força, uma energia, uma maciez em boca, taninos quase glicerinados, e um final arrebatador. O único vinho que lembrou nos aromas algo deste Mouton foi exatamente o Haut Brion 89, outro monstro que está sendo criado ao longo do tempo. 

Falando agora do Haut Brion 61, é outro sonho, outro devaneio. Toda a elegância do Haut Brion potencializada numa grande safra, rica em taninos e de grande frescor. Os terciários deste vinho são incríveis com muita torrefação, ervas, tabaco, e um toque de carne grelhada sensacional. É difícil compara-lo ao Mouton 45, pois obras de arte não se comparam. De todo modo, um exemplo marcante onde a perfeição tem vários caminhos, e todos eles igualmente surpreendentes. Bravo!

img_6406a essência de 82

Neste último grande momento, a elite de 82 pede passagem. O Latour 82 como sempre, todo soberano, de uma altivez e elegância ímpares. Uma estrutura de taninos fabulosa, ainda capaz de vencer décadas em garrafa. Boca perfeita, poderosa, e ampla. 

Quanto aos outros dois, Pichon Lalande 82 é daqueles vinhos que fizeram apenas uma vez e jogaram a fórmula fora. Mesmo sendo um deuxième, se impôs de uma tal maneira sobre o Mouton, mesmo de uma garrafa perfeita. Parece que ele está mais vivo, poderoso e estruturado que o prório Mouton. Elegante ao extremo, taninos ultra polidos e um final de boca duradouro. O Mouton 82 sempre fantástico, mas a cena ficou com o Pichon mais uma vez. 

Fim de noite, muitas conversas, taças ainda guardando as emoções de um grande encontro. Os grandes anos da segunda metade do século XX nos brindando o novo milênio que está só começando. A vida é uma sucessão de fatos que marcam cada época e a transmissão de experiências que se perpetuam. Os grandes Bordeaux ao longo das décadas traduzem com maestria este pensamento, onde a longevidade faz reviver emoções que revelam peculiaridades de um tempo passado.

Agradecimentos eternos a todos os confrades por esses momentos absolutamente inesquecíveis, só mesmo possíveis, pela generosidade e amizade que nos unem. Que Bacco sempre nos proteja nestes devaneios …

Hermitages e os LaLaLas

29 de Setembro de 2018

Um dos tintos mais históricos da França, Hermitage ou Ermitage esculpido no granito em tinto e branco é um dos maiores vinhos de guarda na acepção da palavra. Já bem conhecido dos Romanos, era também apreciados pelos Tsars russos, na corte de Louis XIV, por Alexandre Dumas, e tantos outros.

Por sua incrível potência, fortificava os vinhos bordaleses do século dezoito com a expressão “hermitager”. Aliás, as duas grafias estão corretas. Ermitage, grafia original, foi modificada no século dezenove devida à intensa comercialização do vinho pelos ingleses, os quais apresentavam enorme dificuldade fonética em pronuncia-lo. Acrescentado o H, tudo ficou mais fácil para falar.

montagne hermitagecolina de Hermitage

O terroir de Hermitage tem muita similaridade com o Douro, região portuguesa do Vinho do Porto. Relevo extremamente montanhoso e íngreme em sub-solo granítico. Os rendimentos são muito baixos, gerando vinhos de enorme concentração onde a Syrah assume um caráter potente para os tintos.

Os brancos de Hermitage são elaborados com as uvas Marsanne e Roussanne, e são tão longevos quanto os tintos. A propósito, eles são até meio sem graça, se tomados jovens. Além de brancos e tintos, há um raro Vin de Paille, branco doce elaborado com uvas secadas em esteira, concentrando açúcares e sabores. Jean-Louis Chave em safras excepcionais, faz um raro Vin de Paille com menos de mil garrafas por safra, devido a ínfimos rendimentos pelo processo de elaboração.

Feitas as devidas considerações, vamos aos belos vinhos de um almoço, comemorando o aniversário de um querido confrade.

img_5136o ápice em Champagne

Felizmente, a confraria adotou o Dom Perignon P3 para abrir os trabalhos. Este 1970 já foi descrito recentemente, mas vale a pena comenta-lo de novo. Um champagne de longo trabalho em adega, ficando 25 anos sur lies (sob ação das leveduras). Isso lhe garante uma maciez e cremosidade incríveis, além de alta complexidade aromática. Aromas de pâtisserie, parecendo que estamos entrando numa confeitaria. Espetacular!

Chateau-Grillet: a sublimação da Viognier

O primeiro prato e a harmonização ficaram muito bons. Um spaghetti com molho de Botarga  (ovas de peixe), muito bem executado pelo Chef romano Marco Renzetti da Osteria del Pettirosso. O branco acima é um dos maiores clássicos franceses elaborado no Rhône-Norte. São vinhas de Viognier plantadas em solo extremamente escarpado de micaxisto. Um vinhedo histórico desde a época romana de apenas 3,5 hectares. Foi classificado como um dos cinco melhores vinhedos da França em termos de branco por Curnonsky, Princípe do Gastrônomos, no século passado.

Este 2001 degustado, não tinha sinais da idade. Um vinho fresco, brilhante, e de cor pouco evoluída. Os aromas são exóticos com toques minerais, de erva-doce, mel, e frutas delicadas. Em boca, macio, belo equilíbrio, e sabores tropicais como banana e jaca. O vinho estagia por 18 meses em barricas, as quais se integram perfeitamente ao conjunto. Um branco de exceção e exótico!

img_5144difícil bater esta dupla de Hermitages

Finalmente chegamos a eles, Hermitages nas duas grafias. Não foi exatamente nesta ordem, mas vamos comentar primeiro os Hermitages por uma questão didática. O La Chapelle 1990 impressionou pela potência e ótima conservação da garrafa. O vinho ficou cerca de cinco horas decantado, revelando-se a cada momento na taça. Uma força impressionante de aromas e taninos em profusão. Os toques defumados e de azeitonas foram se abrindo em meio a frutas escuras. Longa persistência e muita vida pela frente. Pelo menos, mais vinte anos com certeza. Previsão de auge para 2040, segundo Parker. Evidentemente, 100 pontos.

Agora o vinho da direita, foi um sério candidato a vinho do almoço, e o preferido de nosso aniversariante com toda a razão. Cuvée Cathelin é a cereja do bolo de mestre Jean-Louis Chave, referência absoluta na apelação Hermitage. Só é elaborado nas melhores safras dando preferência aos vinhedos de Les Bessards, um terroir dos mais respeitados dentro da apelação. Nesta cuvée, Chave utiliza uma porcentagem maior de barricas novas. Este 1990 é a primeira safra de Cathelin e já com 100 pontos. O vinho é de um requinte extremo com notas florais, de alcaçuz, geleia de frutas escuras, e uma harmonia em boca sem fim. Numa sintonia fina, é o Borgonha dos Hermitages, tal a delicadeza e sedosidade em boca. Uma maravilha para ser tomado no momento, embora sua longevidade vá até 2050. Um presente para todos!

bela harmonização

Encerrando os Hermitages, mais um 100 pontos, Chapoutier Le Pavillon 1990, talvez o melhor da história deste tinto. Um vinhedo de apenas quatro hectares de vinhas centenárias com baixíssimos rendimentos. Um tinto extremamente macio, a despeito de uma bela estrutura tânica  de textura extremamente sedosa. Os aromas de frutas e especiarias explodem na taça. Um perfil totalmente contrário ao La Chapelle de mesma safra, bem mais pronto e sedutor. A combinação com a Lingua (foto acima) do Chef Marco Renzetti foi espetacular em termos de textura e sabores.

Agora chega de MiMiMi, e vamos de LaLaLa, a Santíssima Trindade do mestre Guigal. Mudamos agora de apelação. Estamos em Côte-Rôtie, outra margem do rio Rhône mais ao norte. A uva continua Syrah, mas pode haver uma pitada de Viognier, a mesma branca do Chateau-Grillet. Guigal nesses vinhos consegue a magia de integrar 48 meses de barricas novas em vinhos extremamente complexos e de rara elegância.

img_5143200 pontos na mesa!

Este La Turque 1988 estava um negócio!. Um vinho pronto com todos os aromas terciários de um Côte-Rôtie. Trufas, caça, toques balsâmicos, especiarias, tudo muito harmonioso. Em boca, uma sedosidade e equilíbrio sem fim. Não tem como tirar ponto deste vinho. Notas 100 para ele em várias safras é o que não falta. Espetacular!. A combinação deste La Turque com risoto de funghi porcini fresco foi uma covardia (foto abaixo).

a cor de um Guigal de 30 anos!

Para varia, outro nota 100. Desta feita, La Landonne 1988 com esta cor linda da foto acima. Este é 100% Syrah, enquanto La Turque tem uma pitada de 7% de Viognier. Esta cor escura mesmo com 30 anos, deve-se à presença de óxido de ferro no terroir desta vinha na Côte Brune. Bem menos evoluído que o La Turque de mesma idade, além de taninos mais possantes. Previsão de auge para 2030.

mais 200 pontos na mesa!

O pessoal estava animado, e dá-lhe mais LaLaLa com dois vinhos teoricamente perfeitos, sobretudo o La Turque 1985. Na hierarquia dos 100 pontos, Parker coloca o La Turque 85 acima do 88. Degustando lado a lado os dois, percebemos que o 85 apesar de mais velho, está menos evoluído que o 88, com previsão de auge para 2030. Ele tem mais fruta e menos aromas terciários desenvolvidos, mas com certeza, será brilhante com mais alguns anos. O melhor La Turque de toda a história!

Agora o vinho da esquerda, La Mouline 2003 (não dá para ver a safra) foi o infanticídio do almoço. Muitos da mesa ficaram um pouco decepcionados com ele, mas o vinho ainda é muito novo. La Mouline é a cuvée com maior porcentagem de Viognier (11%), além das vinhas atingirem 75 anos de idade. É mais um nota 100 como todos os outros. Seus aromas são ricos em frutas e especiarias. Os aromas terciários ainda são pouco desenvolvidos e seus taninos precisam ser domados pelo tempo. Para quem tem paciência, será mais um grande La Mouline com toda a delicadeza que lhe é peculiar. O mais feminino da trilogia. Previsão de auge para 2030.

img_5142verdadeiros clássicos de Pessac-Léognan

Como a confraria é fiel aos bordaleses, não poderia faltar uma dupla como da foto acima dos eternos rivais e vizinhos de parede. Este La Mission 1982 estava um espetáculo sem nenhum sinal de decadência. Pelo contrário, taninos finos e abundantes, garantindo ainda uma bela guarda. Os aromas terrosos, de chocolate, couro, ervas, são maravilhosos e bem típicos de Graves. Pela potência e vigor, eu até o confundi com o brilhante Haut Brion 89, um nota 100 incontestável. Contudo, esta garrafa não era das melhores. Achei-o meio sem vigor, um pouco cansado, sem o esplendor do outras garrafas. Mesmo assim, um belo vinho, com aromas elegantes e boca harmoniosa. Fim de degustação para os tintos …

o lado doce de Bordeaux

Finalizando o almoço, uma dupla de Yquems separados por 34 anos. Como o almoço era nota 100, não podia faltar o Yquem 2001, uma das safras mais badaladas do novo milênio. Ainda muito jovem, mesmo na cor, mas com uma estrutura fabulosa. Untuoso, harmonioso, e um belo frescor dos grandes Yquems. Já seu parceiro de foto, um Yquem 1967 com rótulo prejudicado, mas um vinho inteiraço. Evidentemente, com todas as notas de um Yquem evoluído com 51 anos. Aromas de caramelo escuro, mel resinoso, e notas de pâtisserie. O Yquem 2001 parecia dizer ao companheiro: eu serei você amanhã!

cremosidade elegante

Acomapanhando os Yquems, duas ótimas sobremesas do Pettirosso, Panna Cotta com mel e o clássico Tiramisu. A cremosidade de ambas garante a harmonização com os vinhos por textura. Evidentemente, o Tiramisu com notas empireumáticas (café) conversa melhor com o Yquem 67. Já a Panna Cotta com este mel delicado, faz a ponte para os vibrantes e puros aromas do Yquem 2001. Belo fecho de refeição!.

Fico até sem palavras para os agradecimentos diante de tantos vinhos esplendorosos. Encontro memorável, bem à altura do aniversariante. Missão quase impossível para os próximos aniversários. Que Bacco nos proteja! Saúde a todos!

Syrah: A joia lapidada no granito

1 de Maio de 2018

No chamado Rhône-Norte, a Syrah encontra seu verdadeiro terroir em sub-solo granítico. Nas encostas escarpadas da Côte-Rôtie, sua primeira expressão de um Syrah profundo e de extrema delicadeza. Mais abaixo, onde o Rhône faz uma curva abrupta, as vinhas se voltam a leste na Montagne de Hermitage. Dois terroirs distintos, mas absolutamente magníficos, conforme mapa abaixo.

o granito e a Syrah

montagne hermitage

a imponente Montagne de Hermitage

A Montanha acima se divide em vários lieux-dits (climats), como Bessards, Méal, Greffieux, Rocoules, entre outros, formando solos  e exposições diferenciadas, onde a conjunção desses vários climats dão a complexidade dos grandes Hermitages.

hermitage lieux dits

os vários climats de Hermitage

A cuvée La Chapelle de Paul Jaboulet possui quatro lieux-dits (Bessards, Méal, Greuffieux, e Rocoules) com vinhas entre 40 e 60 anos em média. Sua primeira safra foi no ano de 1919. Os rendimentos são de 10 a 15 hl/ha, rendimentos de Yquem, e o vinho passa em barricas de carvalho, sendo no máximo, 20 % novas. O climat Bessards fornece estrutura e longevidade ao vinho, por exemplo.

O Hermitage Chave possui nove lieux-dits, o que confere uma complexidade ainda maior, considerado pelos puristas, o melhor Hermitage de toda a apelação. São 10 hectares de vinhas com média de idade de 50 anos. O vinho amadurece por 18 meses em barricas de carvalho com no máximo, de 10 a 20% de madeira nova. Deve ser sempre decantado por no mínimo uma hora. Seus aromas são muito redutivos.

rhone norte mapa

Hermitage, Côte-Rôtie, e Cornas

O nome Hermitage ganha o H na grafia quando o vinho começa fazer sucesso com os ingleses no século dezenove por uma questão fonética. A pronúncia fica bem mais fácil. Alguns mais tradicionais, fazem questão de conservar o nome Ermitage sem H.

cornas vignobles

Cornas: Vignobles

O terroir acima encontra-se na margem oposto de Hermitage com maior exposição solar, e vinhos mais corpulentos, mais tânicos. Normalmente, não apresentam a finesse de um grande Hermitage, mas envelhecem muito bem. Auguste Clape é o mestre nesta apelação com vinhos complexos e de longa guarda. Suas vinhas têm idade média entre 30 e 60 anos em solo granítico. O vinho passa 22 meses em toneis grandes de carvalho usado, no intuito de não marca-lo com a madeira.

IMG_4567.jpgtrilogia perfeita!

O Hermitage La Chapelle 1982 é um deslumbre. Aromas de frutas compotadas, alcaçuz, e um fino defumado, lembrando carne grelhada. Está delicioso, embora sem qualquer sinal de decadência.

O Cornas Clape 2006 ainda é um bebê. Taninos potentes, muito finos, e uma estrutura portentosa. Deve ser imperativamente decantado. Seus aromas de azeitonas negras e destacado defumado, marcam um terroir potente e de grande tipicidade.

O Hermitage Chave 1990 é o tinto mais enigmático. Percebe-se claramente toda sua finesse, mas ele reluta em se mostrar totalmente. Um toque mineral intrigante, muita fruta madura, mas com frescor, quase uma framboesa. Equilíbrio fantástico, e persistência muito longa. É sem dúvida nenhuma no momento, o mais tímido do painel.

guigal la turqueGuigal: La Turque

Agora aqui tudo muda, estamos no terroir Côte-Rôtie, a finesse extrema da Syrah. E quando falamos da trilogia mágica de Guigal com seus três La, La, Las,  tudo fica amplificado. Difícil eleger o melhor, o mais complexo, o mais sedutor.

Neste terroir, as inclinações de terreno pode chegar a 60° graus em sub-solo granítico e solos metamórficos de micaxistos. A chamada Côte Brune possui óxido de ferro em sua composição, tornando os vinhos mais escuros e viris. Já a chamada Côte Blonde, apresenta um perfil mais calcário, dando elegância aos vinhos.

IMG_4566.jpga escolha de Sofia …

O primeiro à esquerda, La Mouline 1981, é teoricamente o mais fraco em termos de safra, mas para esta trilogia a equação é bem complexa. Por estar mais pronto e ser o mais delicado devido à alta porcentagem de Viognier (11% de uvas brancas), o vinho estava extremamente sedutor com toques terciários fantásticos. Não tinha uma persistência tão longa, mais seu final de boca e acabamento eram  arrebatadores. 

La Turque 1985, 100 pontos, com uma pontinha de Viognier no blend, outro vinho sedutor, mas ainda com alguns detalhes a resolver. Taninos finíssimos e de grande profundidade. Deve ainda melhorar, mas pode perfeitamente ser apreciado com grande prazer. Um toque de virilidade evidente.

La Landonne 1985, 100 pontos, 100% Syrah. Vinho musculoso dentro da apelação Côte-Rôtie. Taninos presentes e de textura ímpar. Ainda um pouco fechado, mas de uma complexidade fora do comum. Mais uns cinco anos talvez, e estará em sua plenitude.

IMG_4562.jpgmais um dos pratos do Chef Rouge

O prato acima, o clássico Steak au Poivre, incitou as especiarias do vinho, embora sua força possa ter encobrido as nuances de vinhos tão finos. De todo modo, os mais tânicos, sobretudo Chave e Cornas, deram as mãos com a suculência do prato.

IMG_4568.jpgo vinho que silenciou almoço

O rótulo acima deu o que falar. Um Hermitage 1964 de Paul Jaboulet de grande safra, sem a menção La Chapelle. Tentei pesquisar ao máximo, o porquê desta não menção, mas não tive uma resposta adequada. O fato é que o vinho estava magnífico, lembrando muito o perfil do La Chapelle 1982, mas com mais complexidade e expansão. 

O La Chapelle 1964 foi degustado por Parker em 2000, e foi pontuado com nota 94. Um vinho considerado maduro, e uma das melhores safras de La Chapelle. E realmente, estava deslumbrante, à altura do grande sommelier Manoel Beato, presente no evento, com a safra de seu nascimento. Um final de almoço memorável!

Como sempre, é difícil encerrar artigos como este. Vinhos deslumbrantes, companhia das mais agradáveis, além de pessoas altamente capacitadas neste tipo de evento. O redator, humildemente agradece mais uma vez a oportunidade, desejando vida longa aos confrades. Que Bacco nos proteja sempre!

Obrigado, Maestro

4 de Janeiro de 2018

Iniciando 2018, Vinho Sem Segredo agradece a todos seus seguidores, sempre ávidos e em busca da boa mesa, dos bons vinhos, e de alguma fumaça azul. O ano que se foi há pouco, teve grandes momentos enogastronômicos, mas um disparadamente mereceu destaque, inclusive internacional. Reveja artigo neste blog, Quando o céu é o limite!

Recordando o evento numa mesa exclusiva para dez pessoas, John Kapon, um dos presentes, e um dos maiores degustadores e conhecedores de vinhos raros, habituado a grandes eventos, postou em seu site http://www.ackerwines.com, sua análise, e sobretudo sua enorme satisfação de participar no Brasil de um almoço com vinhos deste quilate. O link abaixo, detalha suas impressões. Muitos desses vinhos estão na sua lista do ano de 2017.

marcos flight john kapon

Obrigado, Maestro – Acker Merrall & Condit

Todo mundo idealiza uma degustação de vinhos excepcionais, vinhos de sonhos, que dificilmente estarão reunidos ao mesmo tempo, num mesmo evento. Neste caso, os vinhos e safras são irrepreensíveis. Senão vejamos, recordar sempre é bom.

Logo de cara, um trio de Krugs envelhecidos. Para muitos, o melhor champagne. Mesmo que você não concorde, é uma Maison de prestígio e qualidade irrefutáveis. Em seguida, um trio de Montrachets. Novamente, produtores como DRC e Ramonet da bela safra 1999 dispensam apresentações.

Passando aos tintos, Richebourgs DRC e Domaine Leroy safra 1988 mostraram a delicadeza e poder de envelhecimento destes Grands Crus. Pulando para o Rhône, quatro tintos de sonhos com safras maravilhosas. Primeiramente, o embate de Chateauneufs. Chateau Rayas e Henri Bonneau, ambos 1990, deram um show de expressão da casta Grenache. Em seguida, no Rhône Norte, Hermitages La Chapelle e Jean-Louis Chave de outra excepcional safra 1978. Momento, raro de provar essas preciosidades de Syrahs envelhecidos numa apelação que exige esse tempo em garrafa. A finalização se deu com dois Pauillacs de primeiro escalão, Mouton e Latour da safra 1959, felizmente meu ano. Decididamente, uma safra de Mouton daquelas inesquecíveis. E olha que bater um Latour 59 é quase uma missão impossível. De fato, a decisão foi no fotochart.

Como é difícil finalizar um almoço desse nível após desfile de vinhos encantadores. É claro que o anfitrião pensou em tudo, e o final tinha que ser arrebatador. Um trio de vinhos de sobremesa, de vinhos doces, ou melhor ainda, de néctares. O que falar de um Yquem 1921, um Porto Colheita Krohn 1900, e um Taylor´s Single Harvest 1863, pré-filoxera. Para escolher o melhor, só no palitinho. 

2018 promete, mas vai ser difícil superar este almoço. Contudo, se tratando do “Maestro”, nada é impossível. Ele conhece o caminho das pedras …

Falando agora de novidades, acaba de entrar na rede o site http://www.pisandoemuvas.com do meu grande amigo Roberto Rockmann. Fanático pelos vinhos da Borgonha, suas postagens são detalhistas sobre o assunto. Ele é capaz de esmiuçar cada um dos 640 Climats Premiers Crus, por exemplo. Além disso, têm vídeos, entrevistas, e belas dicas de enogastronomia.

Feliz 2018 a todos!

 

Quando o céu é o limite!

26 de Agosto de 2017

Felizmente, já participei de inúmeros almoços e jantares de impacto, mas tem alguns que são pontos fora da curva, geralmente fruto de um dos confrades mais generosos e que não tem limites em suas propostas e desafios. Vamos com certeza, descrever flights que para muitas pessoas estão em seu imaginário. Para coroar este encontro, a presença do americano John Kapon, um dos grandes degustadores da atualidade, surpreendendo-se com nosso grupo, mesmo sendo personagem importante no mundo do vinho internacional, acostumado às melhores recepções, vinhos, e eventos raros. Cheers Mr. Kapon!

marcos flight john kapon

a joia do almoço com John Kapon

Chegamos à mesa zerados de álcool. Nada de champagne e outros mimos que pudessem perturbar nossa análise critica do que vinha pela frente, e não era pouco. Estratégia muito bem pensada. Ponto para o anfitrião!

marcos flight krug

Pense em Champagne. What Else?

Em compensação, logo de cara, três champagnes “básicos” da Maison Krug. Aqui preciso puxar a orelha dos confrades quando se referiram à Krug Vintage 1990 como Krug comum para diferencia-la dos outras duas Clos du Mesnil 1988 e 1990. Mas ela se vingou à altura. Ninguém acertou às cegas e a “comum” atropelou as outras duas. Comum o caralho!. Nunca escrevi um palavrão no blog, mas falo por ela que não tem como se defender deste insulto. Brincadeiras à parte, foi sensacional. Esta Krug 1990 era uma garrafa perfeita, com frescor incrível e muita vida pela frente. A Clos du Mesnil 1990, talvez um pouco evoluída, faltando-lhe aquela acidez marcante de um Blanc de Blancs, mas deliciosa. A última, Clos du Mesnil 1988, soberba, viva, vibrante, com um toque de gengibre, típico destes grandes Blanc de Blancs Krug. O início não podia ser mais arrasador.

marcos flight montrachet

aqui não tem jeito de não gostar de Montrachet

Após esse trio magnifico, fica difícil manter o nível. Nesse momento, abram alas, pois esta chegando a turma do Montrachet e as Krugs passam o bastão. Pela ordem, Montrachet DRC, Montrachet Ramonet, e Montrachet Comte Lafon, todos da safra 1999. A primeira e única baixa do dia infelizmente foi o Lafon, já um tanto evoluído e sem aquele encanto costumeiro. Em compensação, o DRC estava maravilhoso, pronto para ser abatido, complexo e macio em boca. Foi o preferido da maioria. Contudo, tem um camarada que rima com Montrachet de nome Ramonet, e estava fantástico. Aquele Montrachet vibrante, fresco, mineral, de grande complexidade. Ainda tivemos mais um DRC na mesa para compensar a baixa sofrida, da tenra safra 2013. Um bebe lindo, ainda engatinhando, mas com um futuro promissor para ser um dos grandes de seu ano.

marcos flight richebourg

estilos opostos, mas igualmente divinos

Vamos começar com os tintos agora? Que tal uma dupla de Richebourgs!. Digamos um DRC e um Domaine Leroy lado a lado da safra 1988, quase trinta aninhos. O preferido da turma foi o DRC, praticamente unânime. Talvez eu tenha sido o único cavalheiro a defender Madame Leroy. A delicadeza de seus vinhos bem de acordo com terroir de Vosne-Romanée é impressionante. Henri Jayer pode descansar em paz, pois tem alguém que ainda pode representa-lo à altura, embora já em idade avançada. Voltando ao DRC Richebourg, vigoroso, musculoso, ainda com bons anos de adega pela frente, tal sua portentosa estrutura tânica. 

marcos flight romanee conti

Romanée-Conti sem rodeios

Para não perder o gancho, vamos comparar esse DRC Richebourg com seu vizinho de mesmo ano 1988, o majestoso Romanée-Conti. Não foi essa a sequencia, mas o contexto exige esta análise imediata. Aqui é que nos deparamos com os mistérios da Terra Santa, o terroir de Vosne-Romanée. Como é possível tanta diferença entre os vinhos, se apenas alguns passos separam o limite de seus respectivos vinhedos?. Realmente, inexplicável, basta admira-los. Numa sintonia fina, o Richebourg parece ser rústico diante da altivez e elegância de seu irmão mais ilustre. Um Romanée-Conti como este, já desabrochando, mostra toda a grandiosidade deste vinho e ratifica sua enorme fama e devoção. Quem tem paciência e pode espera-lo, está diante de um vinho que alia com maestria delicadeza e profundidade, sem ser feminino. É impressionante! Pontos e mais pontos ao anfitrião!

marcos flight chateauneuf du pape

Gênios da Grenache

Calma pessoal!. Temos um longo caminho pela frente. Está chegando agora a turma do Rhône. Melhor dizendo, duas turmas, uma do sul, outra do norte. Pensem naquele Chateauneuf-du-Pape 1990 de sonhos, de livro. Pois bem, lado a lado, Chateau Rayas e Henri Bonneau Cuvée des Celestins. A escolha tem que ser no par ou ímpar. Fantástico flight com vinhos perfeitos. Henri Bonneau, um pouco mais evoluído, com todos os aromas terciários desenvolvidos e lampejos de Haut-Brion. Já o Rayas, um tinto monumental, sublimando tudo o que se espera de um puro Grenache. Ainda com pernas para caminhar, taninos presentes e ultra finos, e um toque de cacau, chocolate amargo, maravilhoso.

marcos flight hermitage

só o tempo para chegar neste esplendor

Vamos ver a turma do Norte?. É inacreditável, mas os vinhos desse almoço não param de aumentar o nível. Onde vamos parar?. Por enquanto, em dois monumentais Hermitages da grandíssima safra 1978. Hermitage é assim, você quer saber porque estes vinhos são tão soberbos?. Tem que esperar mais de trinta anos. Aqui, tivemos uma briga de titãs. Embora o Hermitage Jean Louis Chave estivesse maravilhoso, taninos amaciados pelo tempo, O La Chapelle de Paul Jaboulet, baleado só no rótulo, mostrou porque foi um dos vinhos da caixa do século XX da revista Wine Spectator, no caso o lendário 1961. Este provado, um monstro de vinho, a quantidade e delicadeza de seus taninos é algo indescritível. Ganhou no folego, no vigor, aquela arrancada final para vencer a prova. E convenhamos, para bater um Chave 1978, não é tarefa para amadores. Lindo flight!

marcos flight bordeaux

a essência de Pauillac

Bem, nessa altura, a festa não é completa sem Bordeaux. Graças a Deus, nasci em 1959, e comemorei esta data comme il faut!. Nada mais, nada menos, que Latour e Mouton lado a lado, encerrando o almoço. Normalmente, num embate destes na maioria das safras, Latour leva vantagem. Costuma ter uma regularidade incrível e é sem dúvida o senhor do Médoc. O problema é que este Mouton 59 é um osso duro de roer. Segundo Parker, ele só está atrás do 1945 e 1986, dois monumentos na história deste Chateau. Nesta disputa, Mouton na taça mostrou mais estrutura, mais profundidade, do que o todo poderoso Latour. Notas Parker: 100 para o Mouton com louvor, e 96 para o Latour. Esse Parker é foda! Desculpe, mais um palavrão!.

marcos flight yquem

bebendo história

Parece que terminou, né. Que nada, agora começa a sessão Belle Époque. Lembra aqueles menus da Paris no comecinho do século XX onde tínhamos os grandes vinhos como Yquem, Portos e Madeiras, pois bem, vivemos um pouco do clássico “meia-noite em Paris”. Para começar, o mítico Yquem 1921, este sim na caixa do século, reverenciado por Michael Broadbent, Master of Wine, e um dos maiores críticos de vinhos da história, colocando este Yquem como o melhor do século XX. É até petulância de minha parte, tentar descreve-lo. Um Yquem delicado, educado lentamente pelas várias décadas em repouso absoluto. Ainda totalmente integro, cor amarronzada, mas de brilho, de vida, mostrando sua imortalidade. Sua persistência aromática é emocionante.

marcos flight porto colheita

 vinhos imortais

Mas 1921 não é tão velho assim. Vamos então para 1900 e 1863 saborear alguns Colheitas famosos. Já tinha tomado um Krohn Colheita 1983 maravilhoso em outra oportunidade, mas esse Colheita 1900, engarrafado em 1996, é de ajoelhar. Que concentração! que aromas! que expansão em boca!.

Sem comparações, Taylor´s Single Harvest Port 1863 é outro super Colheita com mais de 150 anos de envelhecimento em casco. Uma concentração ainda maior que seu parceiro centenário. Talvez por isso, não tenha sido a preferência de muitos, por estar menos pronto que seu oponente, extremamente sedutor e prazeroso. Este Colheita foi a última grande safra do século XIX com vinhas ainda pré-filoxera. Seus dados técnicos são impressionantes com 224 g/l de açúcar residual, perfeitamente balanceados pela acidez incrível de pH 3,53. No mesmo nível do Scion, outro tesouro super exclusivo da Casa Taylors. Tirando a comparação, neste caso odiosa, é um Porto monumental, digno de ser listado como um dos melhores vinhos do mundo, na galeria dos imortais. 

a delicadeza dos pratos de Alberto Landgraf

Um parêntese ao Chef Alberto Landgraf que comandou o ótimo almoço, tanto a sequência de pratos, como o tempo certo de chegada dos mesmos. Evidentemente, técnicas precisas e pratos ultra delicados, não arranhando os tesouros degustados. As fotos acima falam por si. À esquerda, Pargo Marinado com Ovas de Salmão. À direita, Lagostins com Creme de Açafrão e Cogumelos Crus Laminados. Parabéns Chef!. Sucesso sempre!.

Para o texto não ficar muito longo, deixo para o próximo artigo a sessão de charutos e destilados com coisas de arrepiar o mais insensível mortal. Aguardem!

Bom, hora de ir para casa antes que a carruagem vire abóbora. Agradecimentos a todos os confrades para mais esses momentos inesquecíveis, e em especial ao anfitrião, se superando a cada encontro. Sem palavras, abraço a todos!

 

 

Syrah e Merlot: Sublimação de Terroirs

29 de Janeiro de 2017

As apelações francesas procuram espelhar a força de seus respectivos terroirs nos vários produtores que formam cada pequena região. E é exatamente a interpretação magnífica de determinados terroirs  que faz a distinção dos grandes produtores, verdadeiras referências, no sentido de procurarem a perfeição e a essência de uma pequena porção de terreno. Neste contexto, o produtor de Hermitage Paul Joboulet com sua cuvée La Chapelle e Le Pin, um ícone de Pomerol, sublimam as uvas Syrah e Merlot, respectivamente. Foi o que aconteceu numa bela degustação mostrando essas maravilhas.

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a imponente montanha de Hermitage

A paisagem lembra um pouco o Douro, terroir português para o inigualável Vinho do Porto. De fato, o subsolo também é granítico, um monolítico esculpido de forma magistral pela natureza. O esquema abaixo, setoriza as várias parcelas da montanha. Hermitage tem um conceito muito particular de terroir, onde a junção das várias parcelas é capaz de produzir um vinho mais complexo e longevo, ao contrário da noção comumente adotada de parcelas individualizadas, ou seja, os melhores Hermitages não são os de vinhedos, e sim os clássicos.

La Chapelle

O segredo deste grande ícone é o domaine Paul Jaboulet trabalhar com vinhas antigas (entre 40 e 60 anos), gerando mostos com rendimentos baixíssimos (entre 10 e 18 hectolitros por hectare). Além disso, o pulo do gato é a mescla judiciosa de seus vários terroirs, conferindo ao vinho uma complexidade ímpar. No caso, são quatro lieux-dits: Les Bessardes, Les Greffieux, Le Méal, e Les Roucoles.

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as várias parcelas da montanha

Les Bessards: confere estrutura e capacidade de envelhecimento com seu solo granítico

Le Méal: confere elegância e complexidade com solos de traços calcários, pedras e sílica

Les Greffieux: confere corpo e elegância com solos aluviais e argilosos

Les Roucoles: terroir mais para brancos com presença de argila e loess, conferindo graça e suavidade

O vinho repousa entre 15 e 18 meses em madeira para depois envelhecer em garrafas por décadas. Este é um dos poucos casos em que vale a  velha máxima: “quanto mais velho, melhor”.

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20 anos os separam, uma viagem no tempo

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esquerda (70) e direita (90)

Difícil descrever em palavras um La Chapelle maduro, com seus aromas terciários já desenvolvidos e seus massivos taninos devidamente domados. Degustados em taças Zalto, a diferença sutil de cor entre as safras acima mostra bem a lenta evolução deste vinho. A safra 1970 pode não ser perfeita, mas com seus 47 anos de evolução encontra-se deliciosa para ser provada e num platô amplo de estabilização. A cor, embora um pouco clara, menos preenchida no centro da taça, não denota sua idade. Os aromas são de uma elegância e refinamento ímpares, persistentes, sem ser impositivos. Vai das frutas escuras, couro, chocolate, especiarias delicadas e um toque defumado bem sutil. Em boca, aquela montanha de taninos domada, integrando-se perfeitamente ao corpo. O equilíbrio de álcool e acidez são notáveis, culminando numa persistência aromática expansiva. Acho que neste ano não há vinho que possa ofuscar-lhe. Perdão, lembrei agora do grande Vega-Sicília 70 …

Já o 1990 ainda é um “monstrinho”, tal a pujança em boca. Este vai chegar fácil aos 47 anos e com certeza, com mais vigor ainda. Os aromas demoraram um pouco a chegar, já que sabemos que a casta Syrah é extremamente redutiva, necessitando de decantação. O perfil aromático, seu DNA, é muito semelhante ao anterior, mas ainda tímido. Coisas que só o tempo resolve. Potente em boca, taninos em abundância e ultra finos. Enfim, pode-se degustar agora com paciência e decantação, mas ainda tem chão pela frente.

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um Pomerol de garagem

Acima, outro dupla de respeito. Como os grandes Bordeaux se impõem em qualquer situação!. Mesmo diante de um Hermitage do quilate do La Chapelle, mostrou corpo e profundidade para não se intimidar. Le Pin é um dos grandes concorrentes do todo poderoso Petrus, inclusive nos preços. Contudo, normalmente tem a vantagem de ser mais abordável, mesmo na juventude.

Sua história é recente, sendo a primeira safra em 1979. São apenas 2,7 hectares produzindo em torno de 500 caixas por colheita com uvas 100% Merlot. Assim como o Sassicaia foi o pioneiro para os Supertoscanos, Le Pin inaugurou o termo “Vin de Garage”, pequenas partidas de vinho feitas num espaço reduzido de microprodução.

O primeiro ponto que chama atenção nas duas safras provadas é o discreto nível de álcool de 12,5° graus, bem abaixo do que estamos acostumados para tintos de corpo. Aqui, vale mais as características de cada uma das safras, já que a diferença entre ambas é de apenas um ano. A safra 89 é bem pontuada e de características muito mais precoces, sendo acessível mesmo jovem. Fruta deliciosa, macio, taninos bem moldados com final longo e harmônico.

A safra 90 é mais estruturada, com alguns segredos ainda a revelar. Seus taninos são mais presentes e abundantes. Evoluiu muito e bem na taça com o passar do tempo. Além da fruta lembrando ameixas, as notas de chocolate, couro e toques balsâmicos completaram seu leque aromático. Em boca, percebe-se a potência e qualidade da safra. Taninos de fina textura, muito equilibrado, e um final longo e expansivo.


Antes dos tintos, dois brancos para aguçar o paladar. Uma novidade em Champagne de produção minúscula. Não há nada melhor para iniciar uma refeição, se não um cremoso Blanc de Blancs. Em seguida, um Corton-Charlemagne de rara beleza, o exclusivíssimo Coche-Dury.

coche-dury-corton-charlemagne

o refinamento de uma apelação

Falar de Coche-Dury é falar em refinamento, exclusividade, requinte. Um domaine irrepreensível com vinhos de sonhos. Seus destaques são os disputadíssimos Meursaults, sempre muito bem cotados. Entretanto, ele faz também uma produção minúscula de Grand Cru Corton-Charlemagne, apenas um terço de hectare (0,33 ha) com vinhas plantadas em 1960. Na safra 2012 (foto acima) foram produzidas apenas 1800 garrafas numeradas.

casa-do-porco-sushi

bela combinação com sushi de papada de porco

O vinho ainda jovem, praticamente um infanticídio, tem um cor linda, brilhante e muito clara. Os aromas são bem minerais, madeira sutil, refinada, um toque floral, indo na linha de um Puligny-Montrachet. Em boca, os Cortons sempre lembram os grandes Chablis, estilo Les Clos, mais encorpados, embora sem a mesma textura da turma lá de baixo da família dos Montrachets. Equilíbrio fantástico. Nada sobra, nada falta. Final longo e muito agradável.

champagne-michel-fallon

delicadeza e elegância

O rótulo acima lembra Selosse, mas seu estilo é de um champagne fresco e vibrante. Michel Fallon é um discípulo de Selosse no sentido de engarrafar sua própria e minúscula produção, apenas 850 garrafas por ano. A cuvée Ozanne é uma referência a um antigo nome da comuna de Avize, uma das mais prestigiada da Côte des Blancs.

Trata-se de um Chardonnay fermentado em barricas como vinho-base. O contato sur lies após a segunda fermentação é de pelo menos três anos. Um champagne vívido, perlage abundante e muito fino. Os aromas cítricos predominam entrelaçados com ervas frescas, damasco e um toque de levedura. Jamais a madeira interfere. A mousse é sensacional com a delicadeza de um autêntico Blanc de Blancs.

Começamos bem 2017. Abraço aos amigos que compartilharam e proporcionaram esses momentos com vinhos espetaculares e de um didatismo único. Aos que faltaram, atenção! Condução coercitiva para o próximo encontro.

Vinhos da Arca de Noé: Parte III

14 de Março de 2016

Chegando ao fim do diluvio, temos o último flight da sobremesa, totalizando doze (quatro brancos, sete tintos e os vinhos doces). Fora da mesa, a festa continuou com Portos, Cognacs e Puros.

climens e yquem

Os ícones de Sauternes-Barsac

As apelações Barsac e Sauternes são separadas pelo rio Ciron e formam terroirs distintos. Os vinhos de Barsac primam pela elegância com os châteaux Coutet, Doisy-Daëne e o astro maior Climens. Já do outro lado do rio, temos Suduiraut, Rieussec, por exemplo, e o incontestável Yquem reinando absoluto.

A comparação foi muito interessante, tratando-se de safras antigas e muito bem avaliadas para os respectivos châteaux. A prática confirmou a teoria. Climens, complexo, delicado e muito equilibrado em todos os seus componentes (açúcar, acidez e álcool). Contudo, quando chega o Yquem, não podemos voltar atrás. Ele é denso, profundo, enibriante, e bem marcado no seu lado potente. A escolha é realmente uma questão de estilo e gosto pessoal.

mil folhas e goiabada

mil-folhas com sorvete e goiabada

Sobremesa do último flight fechando um almoço magnifico. Na sequência, nos esperando no terraço, um Taylor´s Vintage 1945 devidamente decantado. Casa de Vintages lendários, nesta safra mostra um ano histórico.

 taylor´s 1945

O ano da Vitória

Trata-se de uma colheita clássica, abundante e de grande qualidade. Encontra-se num momento extremamente prazeroso, onde os aromas terciários se fazem mais presentes. Tabaco, defumado, especiarias, mas um núcleo frutado ainda brilhante. Platô amplo de estabilização, podendo ser guardado por décadas. Só mesmo uma seleção de Puros abaixo para fazer frente a um Porto de estirpe.

umidores

Seleção de Puros Ímpar

Nosso Noé além dos vinhos, é um aficionado por Puros. A foto acima ilustra bem seu requinte e paladar apurado. Na foto abaixo, um torpedo H. Upmann devidamente maturado, foi uma das estrelas num cenário enevoado. Bitolas e marcas para todos os gostos.

h. upmann rr

Torpedo H. Upmann Reserva Especial

Já com os Puros entre o segundo e terceiro terço, chega a hora dos destilados. A potência vai aumentando e chega o momento dos rums ou cognacs. Diante do cenário abaixo, fica difícil escolher outro destilado. Simplesmente, lado a lado, o topo de gama da Maison Hennessy (Richard, à direita), e o astro maior da Rémy-Martin (Louis XIII, à esquerda). A disputa já começa pela sofisticação das garrafas em cristal Baccarat. O grau de envelhecimento destas bebidas é amplo, repousando nas melhores caves da região. Os aromas e sabores são extremamente complexos, deixando um final de boca interminável. Notas de chá, frutas secas, caramelo, entre outras, estão harmoniosamente distribuídas e bem integradas.

richard e louis XIII

Tudo o que você espera de um Cognac

Os cognacs acima partem de blends minuciosamente balanceados com eaux-de-vie de grande envelhecimento em tonéis (as idades variam entre 40 e 200 anos). O maître de chai (cellar master) precisa ser suficientemente experiente e altamente qualificado para compor uma equação complexa de inúmeras partidas envelhecidas nas proporções exatas. Estas séries são lançadas em garrafas numeradas e de absoluta exclusividade.

polenta calabresa

polenta artesanal de um grande confrade

Para os mais insistentes, a noite chegou e mais vinhos rolaram. Entre eles, o excepcional Hermitage La Chapelle de Paul Jaboulet safra 1978. Como ninguém é de ferro, o confrade Moreira executou uma de suas especialidades, polenta artesanal com calabresa. Feita na hora, o sabor estava sensacional. Talvez, o melhor prato do dia. Grande Moreira!

la chapelle 78

uma das safras míticas desta cuvée

Para tomarmos um Hermitage como se deve, precisamos de tempo, muito tempo em adega. A foto acima, mostra um Hermitage maduro, pleno de sabores, e com taninos completamente polimerizados, momento raro para este tour de force. Além de ser um La Chapelle, a safra de 1978 é sensacional para este vinho. Realmente, um dia e uma noite para ficar na memória.


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