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Retrospectiva 2019

31 de Dezembro de 2019

Ano de muita fartura e alta qualidade. Foram mais de 500 garrafas de alto nível, todas elas sonho de consumo de muito enófilos. Safras históricas como Sassicaia 85, Mouton 45, Hermitage La Chapelle 78, Yquem 21, entre outros.

e94bf8c2-35f1-42b2-bf54-174f55cc3aa8a nata DRC em grandes safras!

Separando por tipos, poderíamos fazer várias seleções num mundo ideal. Foram muitas borbulhas, brancos, tintos, Yquens, e grandes Portos.

img_6902rótulo dourado: Um dos melhores P3 da história!

Champagne

Foram muitos entre Krug, Cristal e Dom Perignon, os champagnes que mais prevaleceram nos encontros. No entanto, o destaque fica para o Dom Perignon P3, não disponível no Brasil. Com mais de 20 anos sur lies, esta maravilha tem uma cremosidade e delicadeza sem igual. Amplo, perfeito, num final de alto acabamento.

img_7081-1um dos mais exclusivos desta apelação numa safra perfeita

Brancos

Embora alguns riesling e grandes Bordeaux brancos tenham desfilados, os brancos da Borgonha reinaram absolutos com produtores do quilate de Roulot, Coche-Dury, Leroy, Domaine Leflaive, Ramonet, entre outros. Para os Chablis, Raveneau e Dauvissat jogam na Premier League.

img_7079-1uma promessa e a safra perfeita, 1970

Tintos

Embora os grandes Bordeaux e os espetaculares borgonhas possam dar conta do recado com folga, os tintos do Rhône, os cult wines americanas, e alguns italianos, completaram a lista dos grandes tintos degustados. 

Escolher alguns dos Bordeaux é tão difícil que as injustiças são inexoráveis. Poderíamos citar a turma de 82 como Latour, Pichon Lalande, Le Pin, entre outros tantos. Para destacar algum, vamos de Petrus, o Bordeaux mais enigmático e difícil de atingir o ponto ideal. Uma garrafa perfeita de Petrus 70 com seus quase 50 anos, justifica plenamente a fama deste mítico vinho. Totalmente acessível, sedutor, mas com uma força e estrutura que nenhum outro Merlot é capaz de alcançar.

img_5880Cros-Parantoux: lieu-dit criado por Jayer

Dos Borgonhas, o assunto fica ainda mais complicados. Produtores com Rousseau, Mugnier, e Ponsot, fazem verdadeiras obras-primas, sobretudo em safras espetaculares como 85. Destaque especial para o Hospices de Beaune Mazis-Chambertin de Madame Leroy 1985. Um vinho para sonhar. Menção especial para o mestre Jayer com seus Cros Parantoux e Richebourg, degustados algumas vezes neste ano. Para falar dos DRC, vamos ficar com o La Tache, um vinho completo que representa com louvor a prole, bem mais simpático que o sisudo Romanée-Conti. Não estarei vivo para confirmar, mas o La Tache 99 será um dos grandes borgonhas daqui a 20 ou 30 anos, justificando as palavras de Hugh Johnson: “um dos maiores vinhedos sobre a Terra”.

img_7001Jaboulet e Chave: o epítome em Hermitage

Da parte do Rhône, vinhos pouco degustados este ano, comparativamente, a trilogia Guigal continua impecável. Dos Hermitages, La Chapelle de Jaboulet e Cuvée Cathelin de Jean Louis Chave, chegam à perfeição, sem muito espaço para os demais produtores. Os La Chapelle 90 e 78 são inesquecíveis. O primeiro uma promessa, o segundo uma realidade. São vinhos viris que demandam décadas de amadurecimento.  Dos Cuvée Cathelin, a safra de 90, a primeira que deu origem à série, é perfeita e difícil de ser ombreada.

img_6044Harlan: O Latour das Américas

Dos americanos, difícil bater um Harlan Estate, o Latour das Américas. Dominus, o mais bordalês dos americanos, sempre uma boa pedida. Dos exóticos e espetaculares vinhos com inspiração no Rhône, a butique Sine Qua Non faz coisas surpreendentes e fora da curva. Nenhum país do Novo Mundo chega perto destes vinhos. O grande problema é que são caros demais, mais caros até que os originais franceses.

img_5639obras-primas dos irmãos Conterno

Da parte italiana, a briga dos irmãos Conterno está sempre em voga. Dos Monfortinos, o Barolo de escola clássica, menção especial para o 99, ainda muito vigoroso, e o sedutor 78 com seus terciários pedindo trufas. Da parte de Aldo Conterno, o Granbussia 2006 é uma grande promessa, enquanto o badalado 90 faz jus à fama. O 1988 é surpreendente e merece mais fama do que tem. Quanto a Angelo Gaja, sua trilogia continua mágica e seu Barolo tem alto refinamento. Em resumo, uma pitada da classe francesa na Itália, sem contar com seu branco Gaia & Rey, o Borgonha da Itália. 

a evolução perfeita e a promessa da juventude

Yquem e suas safras

Nos vinhos doces, alguns alemães desfilaram, bem como alguns Tokaji, mas o destaque ficou para os inúmeros Yquens degustados. Basicamente, há dois tipos de Yquem. Aqueles mais clarinhos, novos, com toda a força da juventude. Normalmente até seus vinte anos de idade. Daí pra frente, as cores vão ficando mais escuras, mais amarronzadas, equilibrando mais os açucares e ganhando complexidade aromática.

raridades em safras históricas

Portos

Dos fortificados, os Vintages foram os mais prestigiados. Nomes como Taylor´s, Graham´s, Fonseca, e Quinta do Noval, foram os mais degustados. Menção especial para o Noval Nacional, elaborado com parreiras pré-filoxera e de produção diminuta. Alguns Madeiras notáveis devem ser lembrados, sobretudo do século dezenove.

Enfim, um pouco do que foi degustado neste ano com alguns dos vinhos lembrados neste artigo. Outros tantos poderiam ser mencionados e ainda assim, injustiças seriam cometidas. Graças a Deus porque a fartura imperou. Esperemos que 2020 seja tão farto, generoso, e magnífico como 2019 que já deixa saudades. 

Feliz Ano Novo!

Briga de Barolos, trufas e muito mais

17 de Dezembro de 2019

Nos últimos eventos de 2019 grandes vinhos desfilaram em mesas refinadas onde as trufas brancas sempre roubam a cena. Entre champagnes, brancos, e tintos, destaque para os Barolos e bordeleses, os vinhos antigos se harmonizando com as trufas. Mais do que Barolos e Barbarescos para combinarem com elas, a idade do vinho e seus aromas terciários são a chave ideal para a combinação perfeita.

estilos diferentes e encantodores

Dois champagnes de luxo abrindo o jantar onde a composição de Chardonnay e Pinot Noir não difere muito, mas os estilos são bem diferentes. Normalmente, há uma leve predominância de Chardonnay no corte do Dom Perignon, o qual tem estilo mais leve, mais delicado, belo frescor e ótimo equilíbrio. Esses 19 anos não se mostraram na taça, tal a extrema juventude demonstrada.

Do lado do Cristal 2009, um champagne de mais corpo e estrutura com leve predominância da Pinot Noir sobre a Chardonnay. Longo em boca, começando com belo frescor e logo em seguida, uma cremosidade notável. Um champagne muito gastronômico.

tartar de salmão e vieiras

A leveza e acidez do tartar de salmão caiu muito bem com a textura e o frescor do Dom Perignon. Uma harmonização estimulante, sempre refazendo o paladar. Do lado das vieiras grelhadas, acompanhando foie gras e trufas, o champagne precisava ser mais rico e estruturado. A maciez e os aromas do Cristal foram muito bem com os sabores do prato.

Montrachet e camarões

O Montrachet Bouchard Pére & Fils em formato Imperial foi o suficiente para regar o jantar. Mesmo com seus 15 anos de idade, o vinho era de um frescor impressionante. Não está no time de cima dos grandes Montrachets, mas é muito elegante e equilibrado. Tem um estilo mais leve e agudo lembrando produtores como Leflaive e Ramonet num nível evidentemente um pouco abaixo. Com a cremosidade delicada do bobó de camarão, a harmonização ficou perfeita.

duas imperiais em momentos distintos de evolução

Os grandes formatos, no caso imperial, ficaram como o Mouton 1975 e o Margaux 95. No caso do Mouton, um vinho maduro, de corpo médio, não muito longo em boca, mas muito equilibrado e com todos os terciários de um grande Pauillac, caixa de charutos, café, e ervas finas. 

Para o Margaux 95, um vinho ainda em transição, saindo da juventude e começando a entrar na maturidade. Mais encorpado que o Mouton, maior carga tânica, embora de alta qualidade, e mais longo em boca. Os aromas florais, de sous-bois, e toques minerais, eram evidentes. Deve evoluir bem por mais vinte anos. Exemplo de um grande Margaux.

pratos de carne consistentes

Um filé mignon na mostarda com molho rôti para o Mouton 75 acompanhado de cuscuz marroquino. A mostarda tem a propriedade de equilibrar vinhos mais novos e ao mesmo tempo, levantar o sabor de vinhos mais maduros. Já para a costela cozida lentamente e defumada de sabores consistentes era exigido um vinho de maior corpo e estrutura. O Margaux 95 deu conta do recado. Sua densidade e tanicidade cairam muito bem. 

Encontro de Barolos e Barbarescos

img_7121Com 30 anos já podemos pensar em trufas

Pena que o Monfortino 88 estivesse levemente prejudicado, algo de bouchonné, embora pudéssemos notar sua grande estrutura. Um vinho de escola tradicional onde os toques terciários de trufas, alcatrão e notas terrosas, ficam bem salientados. Já o Granbussia 88 de Aldo Conterno estava surpreendentemente jovem pela idade, mas com lindos toques de evolução, sem perder a fruta. Foram muito bem com os pratos de trufas.

ravioloni e risoto zafferano

O ravioloni recheado de castanhas e porcini com queijo bel paese estava divino, sobretudo complementado pelas trufas brancas. Já o risoto zafferano é um clássico que dispensa comentários também com trufas raladas. Nem é preciso dizer que esses Barolos evoluídos harmonizaram muito bem. É bom frisar que não basta ser Barolo ou Barbaresco, o vinho precisa estar evoluído para dar liga na harmonização.

img_7127safras históricas de Monfortino

O Monfortino da esquerda não aparece na foto, mas é safra 1985 em formato Magnum. Embora já esteja no auge para ser bebido, esta garrafa está muito bem conservada, podendo evoluir por mais alguns anos. Um Barolo de raça, taninos possantes, e aromas etéreos. Tem 96 pontos. Já o Monfortino 1978 é um  Barolo histórico com 98 pontos e plenamente evoluido. Os toques terrosos, de trufas e alcatrão são didáticos. Para a maioria do pessoal, foi o vinho da degustação.

img_7126o Mestre Angelo Gaja

Aqui no mesmo ano 1989, vê-se claramente a diferença entre Barolo e Barbaresco num mesmo produtor. O Barolo é mais encorpado, mais tânico, mais viril. Agora um Barolo de Angelo Gaja tem uma classe a mais que é difícil de explicar. Uma finesse de aromas e taninos, além de um equilíbrio sensacional e fino acabamento. O Costa Russi, uma das três joias de Gaja é tão fino e delicado que nem parece italiano. Pode coloca-lo no meio de Borgonhas da apelação Pommard que passa fácil. Um tinto encantador com notas florais, de alcaçuz, cerejas escuras em licor, e muita mineralidade. Sensacional dueto!

Yquem e os queijos

Passando a régua, uma double Magnum de Yquem 1999 com vinte aninhos. Já em plena maturidade, um Yquem clássico, untuoso, cheio de botrytis, mel, damascos, caramelo e frutas exóticas. Muito equilibrio e de final longo. Para esta safra temos 13,8 graus de álcool e 128 gramas de açúcar residual por litro. Um prato de queijos de sabores intensos como Serra da Estrela, Brillat-Savarin e outros franceses, caiu como uma luva com o Yquem, fechando a refeição.

Que o Ano Novo comece tão farto quanto o crepúsculo do ano que se encerra com belos vinhos, boa mesa, e muita confraternização entre amigos. Saúde!

 

Leroy e DRC: a perfeição tem preço

8 de Fevereiro de 2019

Quando falamos da Borgonha em vinhos de alto nível, estamos falando de produtores pontuais, especialistas em suas respectivas comunas, as chamadas referências. Neste sentido, há grandes nomes com pontuações altíssimas na crítica especializada e uma consistência notável em várias safras. Contudo, há duas joias que se destacam dos demais. Domaine de La Romanée-Conti com seis Grands Crus irrepreensíveis e Madame Leroy, sobretudo seus vinhos de Domaine e os assombrosos Auvenay, seu Domaine particular.

Em grande jantar realizado no restaurante Fasano, uma série deles desfilaram para escoltar um menu com trufas negras. Para encorpar o time, alguns outros borgonhas fizeram companhia, além dos dois grandes Barolos da família Conterno: Monfortino e Aldo Conterno Granbussia.

img_5627quebra de hierarquia

Antes dos tintos, um trio de brancos aguçaram as papilas com alguns petiscos de entrada, ainda fora da mesa. A dupla acima mostra claramente que alguns produtores se destacam sobremaneira mesmo em terroirs hierarquicamente inferiores. Como comparar um Meursault com o todo poderoso Montrachet. Este 2010 de Louis Jadot tem 98 pontos e é um dos destaques da safra. Evidentemente um grande vinho, bem equilibrado, toques elegantes de barrica, mas não está no time de cima dos melhores Montrachets. Já o Meursault do Roulot é um vinho mágico. Este em particular é um Monopole chamado Clos des Bouchères 2012 com somente 1,37 hectare de vinhas. Um branco vibrante, um toque cítrico elegante, textura rica em boca sem ser pesado. Final persistente e harmonioso. Somente Coche-Dury para ombreá-lo. 

harmonização divina

Só mesmo o vinho acima para fazer esquecer Roulot. Este Domaine Leroy Corton-Charlemagne 2009 degustado várias vezes é um vinho a ser batido. Moldado pela Madame, tem uma textura rica e intensa. As pitangas, frutas secas, notas finamente tostadas sobressaem na taça. Desde sua entrada em boca com uma acidez refrescante, até sua persistência aromática intensa, é um branco sem defeitos. Tudo nele é rico e magnífico. Acompanhou divinamente o tartar de atum com foie gras (foto acima). 

img_5632longevidade para poucos

Começa a sequencia de tintos de forma arrasadora. Dois DRCs Romanée-St-Vivant antigos com dez anos separando as safras. O de safra 88 estava mais evoluído que seu par mais antigo, a começar pela cor. Este safra é classicamente um ano de taninos mais duros, difíceis de amadurecer plenamente. É um belo vinho, mas sem grandes emoções. Se estivesse sozinho, talvez tivesse brilhado mais. Deu azar pela comparação, pois o Romanée-St-Vivant 78 é um vinho mítico. Felizmente, degustado algumas vezes, é sempre grandioso. Seu aroma é um roseiral cheio de nuances e especiarias finas. A boca é um sonho com taninos de seda. Equilíbrio perfeito e um final de boca grandioso. Ainda encontra-se pleno em seu esplendor. Talvez seja um daqueles vinhos imortais. Segundo o próprio Henri Jayer, seu Richebourg 78  que vale uma pequena fortuna nos leilões, foi seu melhor vinho elaborado. Realmente, uma safra mítica!

img_5636Babette se renderia ao Richebourg

Neste embate de gigantes, surge o melhor Richebourg DRC que já provei, safra 90. Ele estava tão delicado que parecia feito pela Madame Leroy. Um vinho encantador com taninos delicados, aromas de carne, terroso, e especiarias doces. Consegue superar o La Tache 90, tarefa para poucos. Já o Clos Vougeot 90 da Madame, Babette não aprovaria. O vinho estava meio sem graça, sem o charme costumeiro deste Domaine. Pode até ser um problema de garrafa, mas estava meio blasé, embora sem defeitos.

Chambertin divino

A baixa da noite aconteceu neste flight acima. Domaine des Chezeaux elaborado pelo Domaine Ponsot estava turvo e com aromas bem estranhos, lembrando um daqueles Barolos rústicos. Pela densidade e concentração, parece ser um grande Chambertin, afinal tem 98 pontos. Contudo, certamente é um problema de garrafa. Fazendo um parêntese, Este Domaine des Chezeaux possui a maior área de vinhas do Grand Cru Griotte-Chambertin. Entretanto, ele delega a vinificação para o Domaine Ponsot com 0,89 hectare, e Domaine Rene Leclerc com 0,68 hectare. Um vinho a ser testado novamente.

Em compensação, Domaine Leroy Chambertin 1990 deu um banho de elegância. Dos Grands Crus do Domaine, só perder em exclusividade para o Musigny. Este Chambertin tem apenas meio hectare de vinhas. Não é o melhor dos Chambertin desta safra, mas a garrafa estava divina. Toda a delicadeza de aroma da Madame com notas de cerejas escuras, florais, madeira finamente tostada, e um fundo mineral sutil. É um vinho que prima mais pela elegância do que pela potência. Final equilibrado e super harmonioso. Um dos destaques da noite.

promessas de adega

Neste penúltimo flight, uma avaliação de longevidade. La Tache é sempre La Tache, um vinho charmoso, elegante, com seus toques orientais de incenso, especiarias finas, e notas terrosas. Embora não seja uma safra grandiosa, 2007 gera vinhos precoces e graciosos. Seu par Echezeaux do excelente Domaine Liger Belair respeitou a hierarquia, embora seja de uma safra brilhante, 2009. Muita fruta no nariz, aromas limpos e de grande pureza com notas florais e de alcaçuz. Em boca, seus taninos são finos, acidez equilibrada e ótima persistência aromática. Um vinho que merece adega por uns dez anos. No caso do La Tache, já está prazeroso, mas evolui com dignidade como é de se esperar de um vinho deste naipe.

img_5639Monfortino numa noite feliz!

No último flight, Barolos de outro planeta. Simplesmente, obras-primas da família Conterno. Aldo Conterno com seu Granbussia 2001 e Giacomo Conterno com o caríssimo Monfortino Riserva 1999. Este Monfortino estava tão elegante que parecia ter sido feito pelo Aldo. O vinho é possante com uma montanha de taninos super bem polidos. Foi o melhor Monfortino que já provei. Longo, persistente, e sem aquela costumeira nota de oxidação e extração excessiva que costuma ter neste mítico Barolo. Já o Granbussia não estava em grande forma, parecia um garrafa um pouco cansada. A próprio cor estava mais evoluída. No entanto, também um grande Barolo, mas sem o brilho costumeiro. As notas confirmam a superioridade do Monfortino com 98 pontos, contra 94 pontos do Granbussia.

trufas e La Mission

Para encerrar a orgia, um bordalês não podia faltar. E ele veio grandioso, La Mission Haut Brion 1998. Um Pessac-Léognan de peso, imponente, taninos densos e finos. Seus aromas de chocolate, couro, estrabaria, e toques de tabaco. Boca harmônica, grandiosa, e de longa persistência. Tem 98 pontos Parker e um dos destaques desta safra. O pessoal nesta altura do campeonato nem deu muita bola pra ele. Ainda bem que não fui na conversa deles. Coloquei o DRC Saint Vivant  1978 logo de cara. Esse eles vão lembrar para sempre.

Quanto ao Fasano, destaque para toda equipe, especialmente o maître Almir Paiva e o competente sommelier Fábio Lima, sempre muito preciso. Todos os pratos do menu com pratos trufados acompanharam bem os vinhos, executados com maestria pelo Chef Luca Gozzani. Destaques para os pratos fotografados pela ordem: ovo crocante com funghi porcini, costeletas de cordeiro com molho do próprio assado, e pastel com queijo taleggio. 

Agradecimentos a todos os confrades presentes numa noite muito animada. Os vinhos escolhidos sempre com imensa generosidade ratificaram um jantar inesquecível. Mais uma vez, muito honrado em ser sommelier deste grupo de craques que não tomam vinhos caros para exibição, e sim pelo profundo conhecimento do grupo. 2019 promete, sempre com a proteção de Bacco! Saúde a todos!

A DOCG Aldo Conterno

1 de Junho de 2018

No reputado terroir de Barolo, um clássico DOCG (Denominazione di Origine Controllata e Garantita) do Piemonte, existe um Barolo à parte de nome Aldo Conterno, especialmente sua cuvée especial, Granbussia. Com vinhas localizadas em Monforte d´Alba, Granbussia nasce da mescla das vinhas Romirasco (70%), Cicala (15%) e Colonnello (15%), somente nas grandes safras.

e9959437-0890-4434-8296-db257fb448aca cúpula reunida em Magnum 

As vinhas Romirasco, espinha dorsal do blend, são plantadas em solo argilo-calcário rico em ferro, um dos terroirs mais austeros para Barolos de grande longevidade. A idade das vinhas gira entre 50 e 55 anos.

As vinhas Cicala e Colonnello complementam o blend, onde Cicala confere mais músculo, mais potência ao vinho, enquando Colonnello fornece certa delicadeza, finesse ao conjunto.

Normalmente, um Granbussia passa cerca de três anos em botti (toneis grandes) e mais seis anos em garrafa, antes de ser liberado ao mercado. A herança de Aldo Conterno é de manter a tradição dos grandes Barolos sem perder de vista a dosada modernidade que o tempo exige. Percebe-se em seus vinhos, a austeridade e estrutura de seus grandes Barolos, mas ao mesmo tempo, uma fruta bem presente, taninos bem trabalhados, e um equilíbrio somente encontrado nos grandes vinhos.

onze anos sur lies

Num belo almoço realizado na Fazenda Sertão, o champagne acima, um Dom Pérignon Oenothéque 1995, abriu os trabalhos. Ele equivale atualmente à nomenclatura P2, conhecida também como segunda plenitude. Trata-se de um envelhecimento prolongado sobre as borras (sur lies) antes do dégorgement. Um champagne complexo, muito fresco, mesclando aromas de brioche, frutas tropicais, e fino tostado. O contato sur lies conserva as borbulhas e uma intensa mousse de maneira admirável, além de conferir uma textura macia ao conjunto. Acompanhou bem ovos levemente cozidos com gema mole e caviar.

harmonização de delicadeza

Para manter o alto nível das borbulhas, em seguida foi servido um champagne Cristal safra 2005. Já com toques envelhecidos, mas com incrível frescor, a maciez e as notas adocicadas do Cristal deram as mãos para um prato de vieiras levemente chapeadas com manteiga e ervas. Aí sim, já estávamos prontos para os Barolos …

img_4703Angelo Gaja não podia faltar

Já estava esquecendo de Angelo Gaja, imperdoável. Um dos melhores brancos italianos, se não for o melhor. De estilo francês e extrema elegância, esse Chardonnay prima pelo equilíbrio e acabamento fantásticos. Embora já com mais de dez anos, seu frescor é incrível. As vinhas de Gaia & Rey localizam-se em Treiso, região do Barbaresco, em solo calcário com 3,6 hectares de área, plantadas em 1979. A fermentação ocorre com leveduras naturais e o vinho amadurece num mix de barricas francesas por seis a oito meses. O resultado é um branco de fruta delicada com perfeita conjunção com a madeira. Esta no nível dos bons Puligny-Montrachet da Borgonha. 

img_4711diferentes momentos de evolução

O trio acima deu o pontapé inicial. O mais antigo, safra 1985, já estava no seu limite de evolução. Não foi das grandes safras deste ícone, mas manteve a classe de sempre. Seus aromas alcatroados e de chocolate escuro (cacau) imperavam num conjunto harmonioso. Não tinha grande persistência, mas seu equilíbrio e final de boca bem acabado eram notáveis.

Agora o 99 e 2005 eram vinhos de grande estrutura em momentos diferentes de evolução. O 99 tinha taninos extremamente finos e lindos toques de alcaçuz. Um Barolo de alta costura. Já o 2005, um tanto arredio, inquieto, próprio de sua juventude. Melhorou muito na taça, necessitando de decantação. Será certamente, um dos grandes Granbussia nas próximas décadas.

img_4712o ponto alto da degustação

Aqui, o ponto alto da degustação. O Granbussia 1989 é considerado pelo Gambero Rosso, o melhor Granbussia de toda a história. De fato, quando fizeram este vinho, jogaram a fórmula fora. Sua juventude se equipara ao 99 degustado acima. Um fresco, uma riqueza de fruta, taninos de rara textura para um Barolo. Enfim, uma maravilha. 

Já o 1990, outro grande vinho, ficou um pouco prejudicado com a comparação, além de uma garrafa de evolução um pouco avançada. De todo modo, outro Barolo de destaque. Taninos finos, aromas terciários bem delineados, e um final marcante e etéreo. Estávamos neste momento, no auge dos pratos e dos vinhos.

img_4713irmãos de estilos diferentes

Briga de titãs e dois gênios do Piemonte, os dois irmãos Aldo e Giacomo Conterno. O Granbussia 1988 é um monstro de vinho ainda não totalmente pronto. Muita estrutura, camadas de taninos, mas uma finesse que só Angelo Gaja consegue nessas terras. Monfortino é a personificação da mais austera tradição piemontese, cheio de virilidade, tensão, uma acidez incrível, e uma montanha de taninos. Seu processo de construção passa por longa maceração na vinificação e longo envelhecimento em botti (grandes toneis). O resultado é um Barolo indestrutível. Embate sem vencedores, a despeito do gosto pessoal que deve ser sempre respeitado.

pratos de resistência

Para enfrentas essas feras, um menu reforçado se fez necessário. Entre vários pratos como Rabada, cabrito, polenta, lasanha, a foto acima, ilustra uma polenta com molho de calabresa e um cabrito com batatas. Aqui se separam os homens dos meninos …

img_4714Alsace em alto nível

Para celar este magnifico almoço, somente um vinho exótico, de presença marcante, como o Vendange Tardive do excepcional produtor alsaciano Zind-Humbrecht. No caso, um Pinot Gris do vinhedo Heimbourg safra 1994. Este é um dos melhores vinhedos de Zind-Humbrecht com ótima exposição solar e grande declividade. Na parte alta do vinhedo de solo pedregoso e de natureza argilo-calcária são somente 1,6 hectare de vinhas da cepa Pinot Gris com baixíssimos rendimentos (menos de 20 hl/ha). O amadurecimento das uvas é lento e de grande concentração. Um vinho de ótima textura em boca e um equilíbrio fantástico entre açúcar e acidez. As notas delicadas de frutas brancas maduras, de flores e de mel, são notáveis. Um final de tarde delicioso!

Mais uma vez, os agradecimentos a todos os confrades, em especial ao nosso Maestro, que proporcionaram esse encontro com vinhos tão distintos e de safras maiúsculas. Depois deste banquete nababesco, é hora de temperança, já pensando nas próximas orgias. Saúde a todos!

Trufas, Barbarescos e Bourgognes

7 de Novembro de 2017

Dando prosseguimento ao sacrifício do artigo anterior, vamos continuar falando das trufas de Alba e vinhos envelhecidos. Agora, a sutileza, a delicadeza, a elegância, são imperativas. Continuando na Itália, vamos a dois Barbarescos de sonho do mestre Angelo Gaja e seus três vinhedos irrepreensíveis. Desta feita, Sori Tildin 1981 e Costa Russi 1990.

carlos gaja sori tildin costa russi

a suprema elegância da Nebbiolo

Nem precisa falar que Costa Russi 1990 tem notas altíssimas (98 pontos Parker) e trata-se de um vinho praticamente perfeito. De fato, a denominação Barbaresco é o lado mais feminino do todo poderoso Barolo. Essas denominações são separadas por pouco quilômetros e por diferenças de altitude. Os Barbarescos costuma ser mais delicados e atinge seu apogeu mais cedo, embora sem pressa. Mesmo esse da safra de 1990 ainda pode ser guardado por mais algum tempo. Pleno de aromas e sabores, seus taninos são finíssimos, além de longa persistência em boca. Um francês diria: esse vinho é tão bom que nem parece italiano. Já o Sori Tildin 1981, totalmente pronto e extremamente prazeroso. Não tem o extrato da mítica safra de 90, mas esbanja delicadeza e elegância. Seus sutis aromas se entrelaçam ao perfume da trufa. Grande harmonização!

carlos granbussia 90

A Borgonha pulsa no Piemonte

Ué! voltamos aos Barolos!. Que nada, se existe um caminho no Piemonte, mais especificamente na terra do Barolo, que leve à Borgonha, Aldo Conterno conhece esta estrada. A sutileza, a profundidade, a finesse, que este produtor consegue transmitir a seus vinhos é algo impressionante, sobretudo em seu astro maior, o Granbussia, especialmente na safra de 1990, só superada por 89. Esta é a razão deste único Barolo estar no artigo sobre os Bourgognes e os melhores Barbarescos de Gaja.

carlos ovos e trufas

ovos e trufas: clássico dos clássicos

Gnocchi recheado de vitela

Voltando ao assunto harmonização, a maioria dos pratos envolvendo ovos e massas com trufas brancas, apresentam texturas delicadas, sem necessidade de vinhos muito encorpados. Ao Contrário, a elegância e aromas terciários são fundamentais neste casamento. Os brancos envelhecidos, sobretudo os borgonhas, vão muito bem neste caso, embora nosso assunto  hoje seja tintos. De todo modo, parece que os Barbarescos envelhecidos são imbatíveis em termos de textura e além disso, apresentam aquela rusticidade elegante, própria da Itália. Os borgonhas tintos são fabulosos, mas pessoalmente para ovos, sua extrema elegância fica um pouco deslocada. Nos pratos de massas, eles se saem melhor. E sem perder o fio da meada, olha a turminha abaixo.

carlos romanee st vivant e bonnes mares

passaporte para o céu

Este foi o ponto alto do almoço, a sublimação de aromas, sabores e texturas. A Borgonha no mais alto nível. Esses vinhos são poesia pura. Começando pelo Bonnes Mares, é um dos Grands Crus mais reputados da Côte de Nuits fora do território sagrado de Vosne-Romanée. Mesmo numa safra pouco badalada como 1952,  este vinho só pelo fato de estar totalmente integro nesta idade, já é uma vitória. Contudo, ele é muito mais que íntegro, ele é divino. Taninos totalmente integrados ao conjunto com uma acidez perfeita, revigorante. Seus aromas terrosos, de sous-bois, de adega úmida, são maravilhosos. De uma delicadeza ímpar.

E quando você pensa que a perfeição foi atingida, ao lado dele, eis um Romanée-Saint-Vivant de devaneio, o mítico DRC 1978, safra gloriosa. Graças a Deus que já pude prova-lo mais de uma vez, e vou continuar rezando para prova-lo quantas vezes mais for possível. Esse vinho não é desse planeta. Se eu tiver que colocar nos dedos de uma mão os melhores borgonhas tintos de minha vida, certamente esse é um deles, se não for o primeiro. Não vou descreve-lo porque isso chega a ser uma heresia, mas o bouquet de rosas que sai dessa garrafa não tem em nenhum jardim do mundo. Fenomenal!   

carlos aldo conterno 71

Musigny, outro Grand Cru excepcional!

Essa foto vocês já viram no artigo anterior, mas lave a pena ver de novo. Os franceses que entendem realmente de Borgonha dizem que um grande Musigny tem o efeito de uma cauda de pavão na boca, abrindo um leque de sabores. Realmente, eles tem toda razão. Novamente, uma safra pouco badalada de 1969. Lá se vão quase 50 anos, e o vinho está maravilhoso, sem nenhum sinal de decadência. Não é um vinho para veganos, pois os aromas de carne fresca que explodem na taça são impressionantes. Além disso, frutas silvestres delicadas, florais e muitas especiarias. Como esse pessoal da Velha Guarda da Borgonha sabia fazer vinho. É arrasador e absolutamente divino.  

carlos malvazia 1875

a imortalidade é palatável

Já que estamos no céu, vamos encerrar o assunto com um Madeira do século XIX. Um Malvazia 1875, grafia antiga com z, escrito em tinta branca. Este é o famoso Madeira Frasqueira, o mais reputado e longevo de toda a ilha. Deve passar pelo menos 20 anos em cascos pelo método de Canteiro, onde as variações de temperatura e estações do ano são naturais. Sem pressa, é engarrafado para viver na eternidade. Um vinho imortal, um verdadeiro néctar, terrivelmente persistente em boca. Nada mais a dizer …

Trufas e Barolos

2 de Novembro de 2017

Um almoço elaborado pelo Chef Salvatore Loi com um menu de pratos trufados. Trufas brancas de Alba, bem entendido. Foram muitos vinhos testados com vários pratos envolvendo ovos, carne e massas. Neste artigo, trataremos inicialmente dos Barolos servidos, vinhos de maior tanicidade e pujança. No artigo seguinte, trataremos de alguns Barbarescos e Bourgognes envelhecidos que imprimem uma outra conotação ao tema.

carlos massa e trufa

massa e trufas, um clássico

Antes de mais nada, preciso fazer um parêntese imenso sobre um champagne muito especial servido em Magnum, estimulando o paladar dos convivas. Trata-se de um Dom Pérignon Rosé 1988 P3. Uma obra-prima da enologia das melhores borbulhas do mundo. P3 significa terceira plenitude onde outrora era chamada de Dom Pérignon Oenothèque. A ideia aqui é trabalhar com longo envelhecimento sur lies antes do dégorgement, ou seja, para um P3, categoria máxima neste conceito, o champagne deve permanecer em contato com as leveduras por mais de vinte anos. Neste caso, o Rosé 1988 ficou 25 anos sur lies. Com um vinho-base de altíssima qualidade, temos um assemblage com larga proporção de Pinot Noir, inclusive uma parte como vinho tinto da região para fornecer a devida cor ao conjunto. Este contato prolongado com as leveduras promove uma perfeita integração do gás à massa vínica, além de textura e sabores únicos. Seus toques amendoados e de torrefação são sublimes.

carlos dom perignon rose P3

O continente reflete o conteúdo, excepcional!

Outro parêntese imenso para um trio de Monfortinos. Para uma legião de fãs, o melhor Barolo de todos os tempos. Devo admitir numa linha mais ortodoxa no classicismo dos Barolos, Monfortino é o que há de mais profundo e típico. Um Barolo de raça, que não faz concessões.

carlos monfortino 82 88 97

Um trio de respeito

Monfortino está para o Barolo, assim como Biondi-Santi está para o Brunello. Vinhos de grande tradição, história, e de enologia mais tradicional possível. Vinhos de outros tempos, onde o fio do bigode valia uma sentença. Dito isso, a coerência deste vinho com seu terroir é absoluta. Para quem faz Barolos à moda antiga, com longa maceração e longo envelhecimento em botti, Serralunga d´Alba é o local perfeito com seu solo helvético, rico em ferro, produzindo vinhos poderosos, tânicos, e de elevada acidez. As melhores uvas de onze hectares da propriedade são destinadas ao Monfortino. O mosto é fermentado por quatro a cinco semanas, incluindo maceração pós-fermentativa. As temperaturas são relativamente altas, em torno de 32º centigrados, favorecendo acentuada extração de taninos. O vinho então faz malolática e um longo envelhecimento em botti (toneís eslavônios de grande dimensão, aproximadamente seis mil litros cada um) por cerca de 84 meses. A micro-oxigenação  intensa tenta rechaçar o impacto tânico do vinho. São de sete a dez mil garrafas por safra. 

Dos três Monfortinos degustados, uma coerência impressionante neste estilo mais austero. O Monfortino 82, safra de grande potencial, foi o mais prazeroso, provando que este vinho merece longo envelhecimento em adega. Seus aromas de alcatrão, chocolate amargo, especiarias e alcaçuz são marcantes. Sua acidez e riqueza tânica também impressionam. O Monfortino 97, safra de potencial similar a 82, parece seguir o mesmo caminho, mas ainda está no começo da jornada. Potente, austero, precisa ainda ser domado pelo tempo. Por fim, Monfortino 88 ficou no meio do caminho. Já agradável de ser tomado, não tem a potência das safras mencionadas, mas segue a mesma espinha dorsal, ratificando a tipicidade deste vinho.

carlos gaja sperss 89

quando a elegância impera …

Tudo que falamos até agora de Barolo (Monfortino) não vale para o vinho acima, a despeito de ser produzido no mesmo terroir, Serralunga d´Alba. Alguém já disse: o homem faz o terroir, ou o desfaz. Fica muito claro no exemplar acima que Angelo Gaja imprime seu savoir-faire elegante nos vinhos que elabora. Partindo da mesma uva, solo, e clima, seus conceitos de vinificação são claramente modernos, sem perder a tipicidade da região. Os vinhos são menos extraídos, preservando a fruta, e adequando um amadurecimento coerente em botti e barricas francesas. Uma fruta mais vibrante é notável em seus aromas, lembrando cerejas negras, um alcaçuz fino, um defumado elegante, e taninos absolutamente maleáveis. Atrás dessa aparente delicadeza, temos um vinho profundo, vigoroso, e apesar de seus quase 30 anos, absolutamente inteiro, suportando com tranquilidade mais algum tempo em adega. Decantado previamente por duas horas, é extremamente prazeroso. Fazer isso em Serralunga d´Alba é só para quem tem muito talento e carisma.

carlos aldo conterno 71

Aldo Conterno da Velha Guarda

O Musigny acima falaremos no artigo seguinte. Vamos nos ater somente aos Barolos, incluindo este Aldo Conterno 1971. Além de não ser uma grande safra, este é o Barolo mais simples de Aldo Conterno, vinificado com conceitos atrelados à época. Percebe-se uma vinificação mais extraída, com toques mais oxidativos, sem a elegância peculiar desta grande Cantina. Não tem a força dos Monfortinos e nem a elegância de Angelo Gaja. Um Barolo ainda íntegro, a despeito de sua idade extremamente avançada. Um belo exemplo da longevidade deste vinho chamado Barolo, o Rei dos Vinhos, como dizem os italianos.

Quanto à compatibilização com as trufas, um dos requisitos mais importantes são os aromas terciários dos vinhos, relacionados a vinhos antigos. Vinhos novos não têm nada a ver com trufas, mesmo que sejam os famosos tintos piemonteses. Neste sentido, todos os Barolos acima descritos possuem este precedente. No entanto, possuem textura muito robusta e excesso de taninos, sobrepujando de certa forma os pratos. Aqui, um Brasato al Barolo com lâminas de trufas por exemplo, seria um prato mais indicado. Pelo que foi exposto, fica fácil perceber que o Barolo de Angelo Gaja, Sperss 89, foi o vinho mais adequado aos pratos servidos.

Próximo artigo, as trufas se encontram com Barbarescos e  Vins de Bourgogne. Aguardem!

Cozinha Libanesa sem GPS

9 de Julho de 2017

Pessoas especiais para se deliciar com a melhor comida árabe de São Paulo em local não identificado, onde o maior restaurateur de São Paulo bateu palmas. E olha que ele é exigente e fiel aos clássicos. Sem mais delongas, vamos ao desfile de grandes vinhos e pratos.

o bem receber …

Como exceção aos tintos, brindando os convivas, o irretocável champagne Cristal 2006. Um assemblage com leve predominância da Pinot Noir sobre a Chardonnay das melhores cuvées da Maison Louis Roederer, lentamente envelhecida sur lies por cinco anos, antes do dégorgement. Elegância, personalidade, e aqueles aromas de praline inconfundíveis. Daqui pra frente, é só manter o nível …

raul cutait decantação

decantação à vela

Acima de tudo, com larga predominância dos tintos bordaleses, foi uma grande aula de como esses vinhos evoluem no tempo, mostrando cada qual em sua época, a incontestável qualidade, tipicidade, e estrutura, de um terroir impar, independente de qual margem estivermos falando.

raul cutait palmer 2005

grande promessa!

Começando com o Palmer 2005 em garrafa double Magnum, 97 pontos Parker, com apogeu previsto entre 2040 e 2050. Um bebê ainda, mas aquele bebê Johnson, lindo e perfeito. Uma estrutura poderosa, taninos de rara textura, uma explosão de frutas, além de longa persistência. Evidentemente, falta integração entre seus elementos, e os fantásticos aromas terciários que certamente virão com o tempo. Daqui a uns vinte anos a gente se encontra …

raul cutait la mission 94

23 anos e muito fôlego

Agora mais dez anos no tempo, vamos ao La Mission Haut Brion 1994 em Magnum. Aqui já vemos um Bordeaux se preparando para o apogeu. Com pouco mais de 20 anos, ainda tem vigor, alguns segredinhos a confessar, mas está delicioso. Foi um convite à mesa, para escoltar as delicadas iguarias da anfitriã.

raul cutait angelus 95

garrafa muito bem adegada

Outro contemporâneo do vinho anterior, o estupendo Angelus 1995 de conservação impecável do mestre Amauri de Faria, comandante da importadora Cellar, uma das mais diferenciadas do mercado. É inacreditável a estrutura tânica deste tinto, um margem direita com proporções iguais entre Merlot e Cabernet Franc. Ainda tímido nos aromas, mas com uma mineralidade incrível. Seus taninos massivos, porem ultra finos, vão precisar de mais uma década de polimerização. Os aromas devem acompanhar esta evolução. Quem viver, verá!

terroirs diferenciados

Agora os adoráveis 89, Chateau Léoville Las Cases e o Premier Chateau lafite. Neste embate, fica muito claro a hierarquia de classificação e o desempenho de cada um nesta safra específica. Começando pelo Léoville em garrafa Magnum, não foi uma grande safra para este chateau, embora esteja longe de desapontar. Pelo contrário, é um Léoville mais delicado, sem aquela pujança habitual. Seus aromas já bem desenvolvidos, mostra uma boca afável e extremamente prazerosa.

e os pratos se sucedem …

Por outro lado, temos o Lafite 89 num desempenho equivalente em termos de safra. Contudo, é um Premier Grand Cru Classe de grande personalidade. É uma espécie de Borgonha de Pauillac com muita elegância e sutileza. Atrás de uma aparente fragilidade, temos uma estrutura de aço, capaz de evoluir por longos anos. Aqui o terroir fala alto, num vinho sempre misterioso e intrigante.

raul cutait latour 64

a nobreza de um vinho

Finalmente, vamos um pouquinho mais longe no tempo. Que tal 1964? aquele tempo em que tínhamos de consultar os livros, e não o google. Para falar deste época, precisamos de um Pauillac de peso, sempre imponente, o todo poderoso Chateau Latour. As duas garrafas abertas com pequenas diferenças, mostraram didaticamente o que é de fato um grande Bordeaux envelhecido. Taninos totalmente polimerizados, os clássicos aromas de cedar box, couro envelhecido, e notas minerais. Equilíbrio perfeito com grande expansão em boca. Outra maravilha para os belos pratos servidos.

raul cutait clos vougeot 89

 o que diria Babette …

Agora os bem-vindos intrusos …

Depois desta avalanche de bordaleses, só mesmo Madame Leroy  e Aldo Conterno para mudar a rota sem sobressaltos. Clos de Vougeot é com certeza o maior e mais polêmico Grand Cru da Borgonha. Não é para menos, 50 hectares de vinhas para cerca de 80 proprietários. Um verdadeiro latifúndio na Terra Santa. Aí você vai neste palheiro e pinça uma agulha chamada Madame Leroy. Além da ótima safra 89, este é um “mise en bouteille au domaine”, o que faz toda a diferença. Luxuriante, sedutor, delicado e ao mesmo tempo profundo, marcante. Seus aromas de sous-bois são de livro. Este merecia estar presente no clássico “A Festa de Babette”.

raul cutait granbussia 90

Granbussia e os Trockenbeerenausleses

Completando a intromissão, Aldo Conterno Granbussia Riserva 1990 em Magnum. Os franceses diriam baixinho: “este vinho é tão bom que nem parece italiano”. Que maravilha de Barolo! Que taninos! Que elegância!. Fica difícil tomar outros Barolos. Embora já delicioso, sua estrutura permite ainda grandes voos. Talvez um Filetto alla Rossini seja uma bela companhia com mais alguns anos de guarda. 

Enfim, chegamos ao final do sacrifício. O que acompanhar “comme  il faut” esses doces maravilhosos e tentadores. Só mesmo um Trockenbeerenauslese 1975 elaborado com as desconhecidas uvas Sieger e Huxelrebe, suscetíveis ao ataque da Botrytis Cinerea, provocando alta concentração de açucares, e ao mesmo tempo, conservando uma acidez notável. Esse palavrão conhecido como TBA, quer dizer literalmente “seleção de bagos secos”, fenômeno inerente à ação do fungo. São vinhos muito raros na Alemanha, só ocorrendo em determinadas sub-regiões e em safras específicas. Costumam ter concentração de açúcar perto de 300 gramas por litro, frente a uma acidez tartárica de mais de 10 gramas por litro, equivalente a vinhos-bases de Champagne.

o paraíso é doce!

Neste exemplar degustado, apresentou-se com uma cor marron escura, própria de vinhos envelhecidos neste estilo. Afinal, são mais de 40 anos de vida. Os aromas denotavam frutas secas escuras como ameixas, figos e tâmaras, um toque de ruibarbo, e a nota de acetona, próprio de vinhos botrytisados. O equilíbrio entre doçura e acidez era notável, além de longa persistência final. Assemelhou-se muito a Tokaji antigos acima de 6 puttonyos, ou seja, Tokaji Eszencia. Um final arrebatador!

raul cutait lembranças

lembranças …

Outro botrytisado notável presente no almoço foi o grande Yquem 1990 com 99 pontos. Vinho decantado em prosa e verso, dispensando comentários e apresentações. Evidentemente, à altura do time bordalês apresentado acima.

Em sala reservada, Behikes à disposição da turma da fumaça. Um pouco mais prosa, cafés e Armagnac. Houve espaço para alguns Single Malts, mas isso já é uma outra história. Abraço a todos, especialmente ao casal anfitrião, proporcionando mais um encontro inesquecível. Que El Masih sempre os abençoem!

Emiliano: Gastronomia sem badalação

18 de Maio de 2017

Se você procura um lugar discreto, sem correrias, e de gastronomia afinada, não deixe de conhecer o restaurante Emiliano (www.emiliano.com.br), no coração dos Jardins. Em recente visita, entradas e pratos bem executados e de estilos bem ecléticos.

sabores e texturas contrastantes

Tanto a salada de polvo defumado, como o tartar de atum levemente apimentado, apresentam elementos de frescor como o limão no polvo e as azeitonas e alcaparras no atum. A textura do polvo é mais delicada, mas seu sabor mostra-se marcante pela leve defumação. Já o tartar tem uma textura mais opulenta e sabores delicados.

emiliano haut brion branco

Haut-Brion em fases distintas

Quando se fala em ícone na apelação Pessac-Léognan, falamos em Haut-Brion. Neste caso, nos melhores brancos da região. O de safra 2011, muito novo, muito fresco, acompanha bem o lado de mais acidez dos pratos. Já o 2009 com seus mais sete anos de evolução, tem um lado mais propício ao defumado do polvo, embora sua textura mais gordurosa vá bem com o tartar. Esta combinação bordalesa envolvendo Sauvignon Blanc e Sémillon fermentada em barrica deve ser mais testada e consumida na gastronomia. São vinhos que fogem do comum e também são distintos do mar de Sauvignons e Chardonnays que inundam o mercado. Os melhores chateaux fazem vinhos elegantes e bem integrados com a madeira.

carnes e técnicas diferentes

Os pratos acima acompanharam o Barolo abaixo do mito Aldo Conterno. O prato da esquerda, um delicado ossobuco de vitelo em molho do cozimento e cogumelos, apresentou textura macia, inclusive na polenta. O toque de ligação com o vinho foi o sabor do molho de cogumelos, realçando seus aromas terciários de terra e alcatrão. Já a textura mais fibrosa do cordeiro foi de encontro aos massivos taninos deste Barolo de raça, embora já tivesse passado seus dez anos de idade. O creme de batatas e vagens, bem como o molho do assado, são tão delicados quanto os sutis sabores deste Barolo.

emiliano romirasco 2004

Romirasco: a alma do Granbussia

A safra 2004 é belíssima para os Barolos. Neste caso, estamos falando de Romirasco, um dos Crus de Aldo Conterno, que perfaz 70% do corte do tinto supremo, Granbussia. A montanha de taninos que tem esse vinho impressiona, e mais ainda, a qualidade de seus taninos. Um tinto que ainda vai longe, por pelo menos mais dez anos. Os taninos e sua incrível acidez equilibram de forma perfeita seus 14,5° de álcool. Mesmo neste tinto musculoso, Aldo Conterno consegue imprimir uma elegância impar por trás desta força imensa. Antônio Galloni dá 95 pontos para esta safra. Não tem muito como discordar …  

Parte III: Entre goles e amigos

27 de Junho de 2015

Deixei para este artigo um pelotão de fortificados que merecem um capitulo à parte. Após o lauto almoço descrito na artigo anterior, nos deparamos com fortificados e destilados singulares e de safras bastante antigas, verdadeiras raridades. A ordem das fotos abaixo não obedecem necessariamente a ordem de degustação.

Destilado e fortificado: lado a lado

Tanto Fonseca como Taylor´s, ambos vintages da mítica safra 1963, são vinhos de exceção. Dentre as melhores safra do século XX, o Porto Fonseca foi devidamente desrolhado e decantado horas antes de ser apreciado. Com uma borra espessa, digna dos grande vintages envelhecidos, mostrou-se impecável, sem nenhum sinal de decadência, pelo contrário, magnífico. De cor levemente acastanhada, revelou aromas de frutas em compota, toques minerais e empireumáticos de grande complexidade. Belo equilíbrio gustativo, potente na medida certa, e um final interminável. Lembrou de certa forma o Taylor´s Vintage 1970.

O destilado que o ladeia, um rum de grande categoria. Envelhecido por oito anos em barris de Jerez, mostrou grande complexidade, ao nível dos grandes Cognacs. Muito bem equilibrado, amplo em aromas e uma persistência aromática sublime. Nesta altura, a tentação dos grandes Puros!

Noval Nacional: O Borgonha dos Vintages

Quinta do Noval já é uma instituição em si, o Vintage Nacional, a Glória!. Aliás, Nacional quer dizer um pequeno vinhedo da Quinta do Noval com parreiras pré-philloxera, ou seja, vinhas antiquíssimas que produzem uma quantidade ínfima de cachos por parreira. Conforme o ano, nem geram frutos. Porém, esses caldos são capazes de vinhos espetaculares, com uma delicadeza e concentração impressionantes. Com seus trinta e cinco anos de idade, mostra notas florais e uma suavidade em boca indescritíveis. Se há um Borgonha no Douro, certamente estamos diante dele.

Velhinhos de cair o queixo

Optar por um dos vinhos acima é uma questão pessoal. Falar de um Madeira 1860, um vinho imortal, é chover no molhado. Parece que o tempo parou, cor magnifica com reflexos esverdeados, aromas de mel, frutas secas, caramelo e tantos outros indecifráveis. Em boca, monumental, amplo e interminável, uma maravilha!. Na mesma linha, o Porto 1880, época onde a fortificação como conhecemos hoje nos vinhos modernos estava se iniciando e se afirmando como estilo de vinho. É história engarrafada. Perto destes dois, o Porto 1967 é uma criança. Os aromas de ameixas em compota e seus toques florais incríveis impressionaram pela surpreendente juventude. Muito fresco e muito bem conservado. Enfim, um trio inesquecível.

Um Porto Colheita fora da curva

Sabemos nós que um Porto Colheita deve permanecer por pelo menos sete anos em pipas. Evidentemente, as grandes casas especializadas nesta categoria de Porto envelhece os mesmos muito mais tempo. Contudo, estamos falando de um Colheita de 150 anos em madeira. Novamente, a história engarrafada. A safra de 1863 foi uma das melhores do século XIX e particularmente, 1863 foi a ultima grande safra pré-philloxera. Feita as apresentações, vamos tentar descrever este mito. Há algum tempo, conversei com um grande mestre de cave do Porto sobre o envelhecimento dos Colheitas. Disse ele: quanto maior o tempo em barricas (pipas), o vinho vai perdendo álcool e concentrando açúcares naturais, dando por consequência, uma untuosidade única. Este exemplar confirma exatamente esta teoria. Um Porto extremamente macio e um suporte de acidez bastante eficaz para contrabalançar sua incrível doçura. O Manoel disse bem: este Porto lembra a textura dos grandes Pedro Ximenez. De fato, espetacular.

Quem disse que a Borgonha não tem Cognac?

Como se não bastasse tudo acima descrito, temos uma obra-prima na foto acima. Simplesmente um Fine Bourgogne do Domaine de La Romanée-Conti. Traduzindo, trata-se de um destilado de vinhos do Domaine criteriosamente escolhidos para este fim. “Cognac” de colheita (1994) e com data de engarrafamento (2010), devidamente envelhecido em barricas. Bouquet amplo, fino e notavelmente persistente. Aqui não se faz bebidas comuns. Agora chega! vou acender um Puro.

O Epítome da elegância

Conversa vai, conversa vem, e já estávamos num outro apartamento do mesmo prédio, de um confrade com uma adega fabulosa. São mais de cinco mil garrafas criteriosamente escolhidas, ou seja, qualquer exemplar puxado de um de seus inúmeros nichos, trata-se de um grande vinho e obrigatoriamente de uma grande safra. A propósito, vou dar uma sugestão a este nobre confrade: parafraseando os vinhos de Vosne-Romanée, você deveria colocar uma placa na entrada de sua adega. “Aqui não existem vinhos comuns”.

Em meio a destilados, Portos e Puros, a conversa correu solta e a noite chegou rapidinho. Portanto, hora de jantar. Feito a toque de caixa, nos é oferecido um risotto milanese maravilhoso. Sem pestanejar, são abertos dois Barolos, ou melhor, dois monstros sagrados do Piemonte. Lado a lado, os irmãos Conterno nas fotos acima e abaixo.

Aldo Conterno, prima pela elegância de seus vinhos no terroir de Monforte d´Alba. Granbussia é seu grande tinto, fruto de uma mescla de seus melhores vinhedos: Romirasco, Cicala e Colonnello. Um Barolo de alta costura, fino, elegante e de textura inigualável. A safra 1997 dispensa comentários.

A raça de um grande Barolo

Giacomo Conterno, de estilo mais tradicionalista, elabora Barolos firmes, masculinos e de grande profundidade. A safra de 2004 é também espetacular, mas necessita de bons anos em garrafa. Foi um belo contraste de estilos, porém igualmente sensacionais. Fica difícil tomar outros Barolos depois deste embate de gigantes.

A força de um Puro com exclusividade

Para finalizar, menção especial para o Puro acima. Trata-se de um Partagás D4 RR. A denominação RR implica numa seleção especial de fumos maturados com pelo menos três anos antes da confecção dos charutos. Potência, marca registrada da casa, e amplo de aromas e sabores. Escoltou perfeitamente o destilado DRC, equiparando sua nobreza.

Que Deus nos dê saúde e paciência para novos encontros!


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