Archive for the ‘Hungria’ Category

Botrytis Cinerea

19 de Janeiro de 2020

Os vinhos botrytisados sempre foram os preferidos entre os vinhos doces pela peculiar transformação que passam os cachos de uvas durante o período da ocorrência do fenômeno. Fenômeno este que ocorre em algumas poucas regiões do planeta associado às condições climáticas bem específicas. Deve haver uma alternância de insolação e névoa com a natural umidade da região, geralmente  na presença de rios neste conceito de terroir.

Os primeiros vinhos botrytisados ocorreram na Hungria na famosa região de Tokaj por volta do ano 1600. Em 1730 começa a classificação dos vinhedos em Tokaj. Em seguida, a região alemã do Reno apresentou o fenômeno no final dos anos 1700. Praticamente na mesma época, a famosa região francesa de Sauternes e Barsac é abençoada com esta ocorrência, sendo o grande Yquem o pioneiro.

botrytis cinerea indicestransformações químicas importantes

Pela tabela acima percebemos que as uvas ganham açúcar por perderem água durante a perfuração do fungo nas cascas das mesmas. O fungo se alimenta tanto dos açúcares como dos ácidos das uvas, sobretudo o ácido tartárico. Em resposta ao ataque invasor, a planta produz mais resveratrol e há um aumento de ácido málico, o mais agressivo dentre os demais. Num balanço final, a uva ganha maior teor de açúcar com proporcional ganho de acidez. Este é o grande trunfo dos vinhos botrytisados. Apesar de doces, são muito bem equilibrados pelo frescor.

Há uma série de outras reações químicas, proporcionando aromas, sabores e texturas, bem típicos deste tipo de vinho. A produção de glicerol tem grande destaque, fornecendo maciez e untuosidade extras. A formação de ácido glucônico é um parâmetro inconteste e comprovativo do ataque de Botrytis. O aumento do ácido acético proporciona os famosos aromas de esmalte e acetona. A formação de Sotolon, uma lactona que fornece os aromas de caramelo, maple syrup (mel do Canadá) e curry, são presentes neste tipo de vinho. Os tióis, substâncias que se formam durante o processo agregando enxofre, fornece aromas cítricos e de frutas exóticas.

Botrytis pelo Mundo

A França se destaca neste tipo de vinho não só pela região de Sauternes, mas na Alsace com a especificação SNG (Selection des Grains Nobles) e também no Loire com várias apelações com Bonnezeaux, Quarts de Chaume, e Coteaux du Layon. Cada qual com suas características e peculiaridades, intrínsecas ao respectivo terroir.

sauternes e outros francesesdiferenças de componentes que marcam estilos

A tabela acima mostra parâmetros importantes nos vinhos botrytisados da França e países do Novo Mundo. Dá pra perceber que os Sauternes têm bom teor alcoólico, enquanto os alsacianos e os vinho do Loire têm mais leveza e frescor. Os vinhos do Novo Mundo têm mais dificuldades em encontrar o equilíbrio ideal. Mesmo assim, há bons exemplares que separam a joio do trigo. Os Sémillon australianos de Riverina costumam ser bastante confiáveis. Os sul-africanos da vinícola Nederburg são boas pedidas. Importados pela Casa Flora.

Na região de Sauternes há sempre a rivalidade entre os vinhos de Sauternes e Barsac, comunas vizinhas, separadas pelo rio Ciron. No perfil geológico abaixo percebemos que o subsolo calcário apresenta diferenças na superfície. As vinhas de Barsac estão sobre areia vermelha, o que fornece mais leveza e sutileza ao vinho. Já as vinhas de Sauternes estão sobre argila, cascalho e um pouco de areia, fornecendo mais corpo e robustez aos vinhos.

sauternes e barsac geologiacomunas que fazem a fama da região

Entre o seleto grupo de vinhos da região, Chateau Climens lidera a turma de Barsac com um vinho 100% Sémillon. Já o mítico Yquem é rei dos Sauternes numa liderança absoluta. Na classificação bordalesa de 1855 há espaço para os vinhos da região com os 27 chateaux mais reputados, classificados em dois grandes grupos, Premier e Deuxième Cru Classé. 

Alemanha e Hungria

Países de grande tradição em vinhos botrytisados, a Alemanha se destaca nas regiões de Rheingau e Mosel, enquanto a Hungria é famosa pelos belos Tokaji.

botrytis hungria e alemanha

Na tabela acima percebemos que há ocorrência da Botrytis em vários níveis de amadurecimento das uvas. Mesmo um Szamorodni, um vinho relativamente seco, há botrytis de forma parcial. É evidente que os Aszú levam a fama da região e são muito mais complexos. O ápice fica mesmo com o grande Eszencia, um vinho com pouquíssimo álcool e extrema acidez para compensar uma montanha de açúcar que chega facilmente acima de 500 g/l, números assombrosos.

Do lado alemão, a Botrytis em Auslese é rara e mesmo no Beerenauslese (BA) é de forma parcial. Já os clássicos e raros Trockenbeerenauslese (TBA) o açúcar é compensado por uma rica acidez, ficando o álcool em segundo plano.

EQUILIBRIO VINHOS DOCES

No esquema acima, o equilíbrio dos vinhos doces é dado pela acidez, álcool e açúcar residual. No caso dos mais emblemáticos vinhos botrytisados, a região de Sauternes é mais destacada pelo nível de álcool de seus vinhos, embora o equilíbrio de açúcar e acidez seja quase sempre harmônico. Isso tem haver com as questões próprias de terroir da região envolvendo uvas, clima, e solos.  Em Sauternes os vinhos devem ficar entre 12 e 15% de álcool para um açúcar residual entre 100 e 175 g/l.

Na região de Tokaj, a uva Furmint tem enorme acidez, comandando o equilíbrio ao lado de açúcar e álcool. A exceção fica com o Eszencia, um vinho praticamente sem álcool onde acidez e açúcar alcançam níveis altíssimos. 

Por fim os Trockenbeerenauslese (TBA) com grande dificuldade em fermentar seus açucares, apresenta níveis de álcool relativamente baixos, porém com uma acidez marcante.

Em resumo, a predominância de certos componentes no equilíbrio de seus vinhos acaba por ajudar a diferenciar certos estilos de vinhos botrytisados, variando textura, corpo, e características próprias de cada um.

cacho botrytisadoBotrytis: ocorrência não uniforme

Na foto acima, percebemos que o ataque da Botrytis se dá aos poucos, secando e murchando as uvas. A colheita pode ser muito seletiva, dependendo da região. Em Sauternes, os melhores chateaux fazem várias passagens nos vinhedos, buscando a botrytisação perfeita. E este é um dos fatores diferenciais onde os rendimentos podem ser baixíssimos, na ordem de 15 a 20 hl/ha. No Chateau d´Yquem esses rendimentos giram em torno de 9 hl/ha. 

cacho totalmente botrytisadocacho totalmente botrytisado

Na região húngara de Tokaj, as uvas podem ser colhidas por cachos parcialmente botritisados como o tipo Szmorodni ou outro critério bem mais rigoroso, os tipo Aszú só com uvas totalmente botrytisadas. Aliás os chamados puttonyos são uma medida em peso das uvas aszú colhidas.

Neusiedler See – O Paraíso da Botrytis

Se tem um lugar onde a ocorrência da Botrytis é certeira, chama-se Neusiedler See, um lago na Áustria, região de Burgenland a leste do país. Este lago tem dimensões e profundidade muito peculiares. Sua extensão tem cerca de 36 quilômetros com uma laurgura variando entre 6 e 12 quilômetros. O que chama a atenção é sua profundidade média de apenas um metro, sendo o ponto mais fundo menos de dois metros. Isso faz com que a temperatura do lago se torne amena, sobretudo no verão, propiciando a tão benvinda névoa para o desenvolvimento da Botrytis. Portanto, todo o ano tem Botrytis. Resta saber se a safra é mais generosa ou não, dependendo do ano.

d628ac44-a8a2-48ea-8131-e7413531c862Kracher: o maoir nome em vinhos doces austríacos

O estilo austríaco se parece muito com o alemão. Falta um pouco mais de elegância e sutileza, mas mesmo assim, os vinho são muito equilibrados. O produtor Alois Kracher, referência na região, trabalha com diversas uvas entre as quais: Riesling, Scheurebe, Welschriesling (riesling alemão), Muskat (muscat ottonel), Chardonnay, entre outras.

Espero ter dado uma visão geral sobre os vinhos botrytisados. Sempre vinhos fascinantes, caros e raros. Entre nós do Mercosul, a vinícola chilena Morandé elabora seguramente o melhor vinho botrytisado da América. Trata-se do Morandé Edición Limitada Golden Harvest Sauvignon Blanc. Vale a pena!

 

Mouton Rothschild: do inferno ao céu

8 de Junho de 2019

Quando falamos de um dos cinco Premier Grand Cru Classé da classificação bordalesa de 1855, pensamos sempre na perfeição e em vinhos inesquecíveis. Porém, nem tudo são flores. O famoso Mouton Rothschild 1965 ficou marcado na história de Robert Parker como o pior Mouton já degustado. À época, ele concedeu a nota mínima de 50 pontos, execrando o vinho em comentários horripilantes. Neste contexto, resolvemos fazer uma pequena vertical de Mouton incluindo alguns velhinhos, entre eles o 65, mas também algo de maravilhoso como os Moutons 59 e 61, para não ficar uma má impressão do Chateau que realmente em algumas safras é espetacular.

mineralidade com sabores puros do mar

Para iniciar os trabalhos, a primeira baixa do almoço. Um Montrachet do produtor Ramonet 1995 oxidado, descendo a ladeira. Uma pena, pois em plena forma seria maravilhoso. Para recompensar e dar o troco à altura, um Krug Clos du Mesnil 2000 com 95 pontos despertou as papilas para sabores elegantes e estimulantes. Embora já com seus quase vinte anos, um champagne cheio de vida, mousse vivaz, equilíbrio perfeito, e aqueles toques cítricos com notas de gengibre. Final limpo, seco, mineral, quase cortante. Um espetáculo. Como diz a família Krug, é fácil me agradar, basta servir o melhor. Acompanhou muito bem alguns crudos de mare do restaurante Nino Cucina. Ver fotos acima, vieiras e atum.

img_6164os anos 60 nada dourados …

Neste primeiro flight, outra baixa de cara. O Mouton 64 nem foi para a mesa, tal o grau de oxidação do vinho. A grata surpresa foi o Mouton 62 em plena forma. Realmente, sua cor era mais intensa e com vivacidade surpreendente. Ele não tem a densidade das grandes safras, mas é equilibrado, elegante, e muito agradável no momento. Já o Mouton 63 num patamar inferior. Não estava comprometido, mas percebe-se a falta de extrato do vinho numa safra sem grandes emoções. Mais curto e bem menos rico que seu antecessor. Finalmente, o terror de Parker, Mouton 65. O bicho não é tão feio quanto parece, mas realmente nada animador. Seus aromas já evoluídos, não comprometem, mas a boca decepciona a cada instante que passa. É um vinho curto, sem fruta, deixando a boca seca. Seus poucos taninos são de péssima qualidade para a categoria do vinho, deixando um herbáceo desagradável no final de boca. Coitado do Parker …

belos pratos do Nino Cucina

Na foto acima, alguns pratos do Chef Rodolfo de Santis do Nino Cucina, sempre lotado. À esquerda, um tagliolini com molho de calabresa, massa fresca al dente. À direita, uma polenta taragna com vitela ao molho. Pratos muito bem executados, além da clássica sobremesa da Casa, torta della nonna com gianduia, última foto do artigo.

img_6166quase 200 pontos na mesa

Era para ser uma trinca, mas o Mouton 60 nem saiu na foto. Outra baixa lamentável. Um aroma forte de acetona com níveis de acidez volátil altíssimos. Finalmente, depois de alguns instantes no inferno e purgatório, eis que vamos para o céu. A dupla acima da foto, esta é bem afinada. O que impressiona de cara nos dois vinhos é a juventude desses senhores sexagenários sem nenhum sinal de decadência. O Mouton 61 neste embate parece estar um pouco mais pronto. Seus aromas são mais desenvolvidos, taninos finíssimos e de boa polimerização, além de um final harmônico e persistente. Por fim, o Mouton 59 com 100 pontos Parker, e um dos grandes da história. É só dar um pequeno zoom no Mouton 61 para chegar a ele. Tem uma cor mais marcante, seus aromas são um pouco mais fechados, e sua estrutura tânica é mais potente. Tanto o 61 como o 59 devem ser decantados por pelo menos uma hora antes do serviço. Dois tintos que realmente dignificam o prestígio deste grande Chateau.

img_6168dois grandes Sauternes

Podia ser uma parada realtivamente fácil para o grande Yquem, mas era outro vinho um pouco prejudicado. Embora da safra 99, sua cor estava evoluída demais para a idade e tinha um pontinha de acidez volátil acima do aceitável. Já o Rieussec 2005, em plena forma. Aromas intensos de pâtisserie, mel, flores. Boa untuosidade, bom frescor, e doçura agradável. Persistente e muito harmônico. Garrafa em excelente estado.

Tokaji Aszu acima de seis puttonyos

Passando a régua e adoçando um pouco mais o almoço, um Tokaji raro de 1993 com uma bela carga de puttonyos, medida em peso húngara para definir o grau de botrytis nos vinhos Tokaji doces. O Aszu Eszencia é um nível acima de 6 puttonyos que não é mais produzido, estando atualmente fora da legislação. Um estilo diferente do Sauternes, onde temos menos untuosidade e mais acidez dada pela uva Furmint. Muito equilibrado e revigorante. Seus aromas de favo de mel e rapadura eram marcantes e intensos.

É sempre bom frisar a diferença entre Aszu Eszencia e Eszencia. O primeiro, já explicado acima, é bastante intenso, mas com nível de doçura abaixo do raro Eszencia que normalmente fica entre 2 e 3 graus de álcool somente. Sua doçura que pode chegar a 600 gramas de açúcar por litro é compensada por uma surreal acidez acima de 15 gramas por litro. Um néctar para ser sorvido calmamente.

Agradecimentos a todos os confrades pela excelente companhia e generosidade, especialmente a nosso Presidente e seu assessor direto que hoje estava impossível. Matou todos os vinhos, sem delongas e sem comparações com outras amostras. Preciso estudar mais para acompanhar este pessoal. Que Bacco sempre nos acompanhe, seja no céu ou no inferno …

A sublimação da Grenache

10 de Fevereiro de 2019

O tema foi uma bela incursão pelo Rhône-Sul em busca de maravilhosos Chateauneuf-du-Pape, apelação emblemática e de grande heterogeneidade. Portanto, neste almoço no restaurante Gero, somente a fina flor de chateaux exclusivos onde a Grenache se manifesta magistralmente. Evidentemente, a maioria são blends na qual esta cepa predomina e imprime seu estilo franco e cheio de frutas em compotas. 

Oenothèque: antiga nomenclatura

Nada como abrir os trabalhos com Dom Pérignon, especialmente este Oenothèque com dégorgement feito em 2008 da bela safra 1996. Portanto, 12 anos sur lies, o que equivale a um P2 da nomenclatura atual. Champagne perfeito, perlage notável, mousse agradável e sedosa, os aromas delicados de pralina e toques amendoados, final rico e persistente. Não é a toa que trata-se das melhores cuvées produzidas  deste champagne de luxo nas últimas décadas com 97 pontos e muita vida pela frente.

bela harmonização

Em seguida, este branco exótico de vinhas antigas 100% Roussanne, o melhor branco do Chateau de Beaucastel. Vinho denso, concentrado, com toques de caramelo, flores, e algo balsâmico. Em boca, um pouco cansado devido à baixa acidez. Estes vinhos do sul do Rhône, normalmente pecam na longevidade por falta de frescor. Mesmo assim, ainda num ponto bom de ser apreciado, sobretudo acompanhando um belo Vitello Tonnato, brilhantemente executado. Harmonização surpreendente.

img_5651safra 2003: generosa

Já neste primeiro flight, o trio acima mostrou a que veio. Todos de alta gama com uma estrutura impressionante. O Beaucastel à esquerda, trata-se da cuvée Hommage a Jacques Perrin, só produzida em safras excepcionais como 2003. O fato curioso é que nesta cuvée há alta porcentagem de Mourvèdre, uva musculosa e tânica. Neste blend temos, 40% Mourvèdre, 40% Grenache, 10% Syrah, e 10% Counoise. Um vinho denso, taninos presentes, e o menos pronto do painel. Vai mais dez anos em adega, sossegado. 95 pontos Parker.

Chateau Pegau Cuvée da Capo, segundo vinho do flight, é outro vinho excepcional na concepção clássica de um Chateauneuf. Estão presentes as treze uvas da apelação, todas de vinhas centenárias nesta cuvée topo de gama. As uvas vêm de três terroirs consagrados, inclusive La Crau, um dos mais reputados da região. O vinho tem uma vinificação clássica, amadurecido em grandes tonéis. Muita fruta em compota, especiarias, garrigue (aroma de ervas provençais), e um equilíbrio notável em boca. Extremamente prazeroso no momento. 100 pontos Parker.

Roger Sabon é outro domaine de ponta com esta cuvée especial denominada “Le Secrets des Sabon” de vinhas centenárias com 95% de Grenache. Seria um fecho maravilhoso se o vinho não estivesse parcialmente oxidado, sobretudo em boca. Seus aromas tinham incríveis toques de cacau, além de taninos super polidos. Uma pena esta garrafa não estar em forma. 96 pontos Parker.

img_5654300 pontos na mesa

Segundo flight perfeito com vinhos magníficos em sua concepção na mítica safra 1990. Les Cailloux Cuvée Centenaire parte de vinhas antigas com 125 anos, sendo 85% Grenache e 15% Mourvèdre com rendimentos ínfimos de 15 hl/ha. O vinho tem uma riqueza de frutas extraordinária com toques de especiarias, alcaçuz e minerais. Boca macia, bem equilibrado, taninos absolutamente fundidos ao conjunto, e longa persistência final.

Nesta Cuvée des Célestins do gênio Henri Bonneau, ele seleciona as melhores barricas de safras excepcionais como 1990. É um blend de 90% Grenache complementada por um mix de Mourvèdre, Syrah, Counoise e Vaccarese. As uvas não são desengaçadas tal a maturidade do cacho na hora da colheita. Sempre com taninos presentes e de fina textura, seu equilíbrio é perfeito com notas de frutas em compota, especiarias, leves notas de estrebaria e um fundo de sous-bois. Uma pequena obra de arte.

O terceiro vinho completa a trilogia, Domaine de Marcoux Vieilles Vignes 1990. Com vinhas centenárias 100% Grenache, localizadas em três grandes terroirs da apelação, incluindo o imponente La Crau, o vinho tem uma vinificação clássica passando 18 meses em um mix de tanques de cimento e velhos toneis de carvalho. Um tinto super elegante, sensual, mostrando frutas em licor, alcaçuz, e finas notas de ervas e especiarias. Boca perfeita e final longo. Difícil definir o melhor, mas no momento só Henri Bonneau tem taninos mais presentes, capazes de boa evolução em adega.

img_5655flight surpreendente!

Pode não ter sido tecnicamente perfeito, mais foi o flight mais surpreendente pela presença de quase um intruso no páreo que foi colocado totalmente às cegas. Começando pelo Henri Bonneau com a mesma cuvée des Célestins dez anos mais nova, safra 2000. Está mais vigoroso que o 1990 por ser mais jovem, mas a concentração e qualidade de safra, um pouco abaixo, como era de se esperar. Mesmo assim, 94 pontos Parker.

Agora vamos falar de Rayas e suas surpresas. Chateau Rayas é algo fora da curva em Chateauneuf-du-Pape. Sua delicadeza e elegância fazem dele o Borgonha da região. Elaborado com uvas 100% Grenache de parreiras antigas num terroir único na região. O vinhedo de solo predominantemente arenoso fica em meio a um bosque, onde os dias são quentes e as noites frias, provocando a bem-vinda amplitude térmica, preservando a acidez das uvas sem prejuízo para sua plena maturação. Com 97 pontos Parker, este Rayas 2005 estava uma loucura. Aromas sedutores com notas balsâmicas, de frutas em compota, especiarias finas e um toque terroso notável. Taninos sedosos, totalmente fundidos ao conjunto, e um final de rara harmonia. Sempre um prazer provar um Rayas!

A surpresa ficou para o último vinho,  Pignan 2006, o segundo vinho do Chateau Rayas. O nome vem de três pinheiros que circundam o bosque ao redor do vinhedo. São uvas também 100% Grenache da parte norte do vinhedo com parreiras antigas e uma pequena parte, mais jovens. O vinho passa cerca de 16 meses em toneis de carvalho. Este exemplar estava divino pela prontidão do vinho. Em relação ao Rayas 2005, parecia um mais antigo de grande safra como 1990. Uma grata surpresa, provando ser este chateau, talvez o maior mito da apelação. Grande fecho de prova!

um intruso bordalês …

No apagar das luzes, eis que surge um bordalês para deleite de todos. Simplesmente um Petrus 1959, minha safra, engarrafado por Négociant, fato corriqueiro à época. Já comentei outras vezes, mais do que uma grande safra de Petrus, é ter a oportunidade de aprecia-lo já desenvolvido, já evoluído, entendendo assim a grandeza deste vinho. Os aromas eram deliciosos com muita trufa negra, toques terrosos, fruta em licor, e notas de cacau. Em boca, um pouco cansado, mas extremamente harmonioso, com tudo no lugar. Não está no time de cima dos grandes 1959, mas tem uma elegância e imponência ímpares. 

img_5660Rolhas intactas

Um dos pratos escolhidos pelos confrades foi o Bollito Misto (foto acima), sempre bem executado no restaurante Gero. Agradecimentos a toda equipe liderada pelo carismático Maître Ismael, além do trabalho primoroso de sommellerie de Felipe Ferragone na abertura e serviço de todos os vinhos.

60 anos transformam tudo

Nesses dois exemplares acima de Yquem, percebemos a grandeza de vinhos ícones que marcam a história de uma apelação. É impressionante como Yquem se impõe aos demais Sauternes. Neste exemplar de 1943, as décadas o transformam em outro vinho. O equilíbrio de açúcar e acidez é divino, numa harmonia notável. As notas de caramelo, melaço, toques de resina, são precisas e bem delineadas. Boca harmoniosa, expansiva, e quase imortal. Seu par à direita, ainda está na fase infantil, com notas de mel e crème brûlée. Intenso e com grande potencial de guarda.

bela combinação

Finalmente, para encerrarmos a aula sobre Botrytis, nada melhor que um belo Tokaji Aszu Eszencia 1993. Esta classificação não existe mais atualmente. Aszu Eszencia tem uma concentração de Botrytis entre 7 e 8 puttonyos (medida em peso de uvas botrytisadas). Este ainda feito à moda antiga, tem aquele charmoso toque oxidativo, lembrando frutas secas e damascos. Sua doçura é perfeitamente equilibrada pela incrível acidez da uva Furmint. Disznókó é uma das mais reputadas vinícolas com vinhedos históricos na região. A safra de 1993 é altamente pontuada como neste caso, 95 pontos. O nível de doçura e a textura do pudim de pistache foi de encontro às características do vinho.

Depois de quinze belas garrafas devidamente selecionadas, só resta-me agradecer aos confrades pela imensa generosidade e companhia. Um adendo deve ser feito a nosso Presidente, Mr. Parkus. O homem está insuportável em suas aferições às cegas, matando todos os flights degustados com segurança e argumentações precisas. Por enquanto, estou tranquilo, pois graças a Deus, ele ainda não escreve nada. Viva o Presidente! Saúde a todos!

Harmonização acima de 30 graus!

5 de Janeiro de 2019

Para aqueles que não abrem mão do vinho, num verão implacável fica difícil ser fiel ao vício. Pensando numa alimentação leve e muita hidratação, o direcionamento vai para vinhos leves, refrescantes, gelados, e pouco alcoólicos (lembrar que o álcool desidrata). Nesta situação, taninos estão descartados já que não combinam com temperaturas baixas de serviço. Portanto, os tintos com raras exceções não são boas opções.

Um vinho que é a cara do verão e que preenche os requisitos acima, sem machucar seu bolso, é o vinho verde. Sobretudo aqueles mais tradicionais, com gás residual e álcool por volta dos 10 graus. São ideais para mar, piscina, e comidinhas bem leves.

casquinha-de-siri ruffinos

casquinha de siri

(a cremosidade, a maresia, o toque adocicado da carne de siri, vai muito bem com os Alvarinhos, vinho verde de mais corpo e estrutura. Ele tem acidez, textura, e uma precisa riqueza de fruta para este prato)

Outro tipo de vinho adequado e que o Brasil faz muito bem são os espumantes. Prefira os mais simples, mais frutados, e bastante refrescantes. A Serra gaúcha produz várias marcas confiáveis. Não esqueça de conferir na etiqueta o termo Brut, garantia de espumante seco. Cavas e bons Proseccos também valem. No caso de Proseccos, confira na etiqueta a menção “Conegliano-Valdobbiadene”, região mais categorizada para este tipo de vinho. Se você não abre mão de champagnes, o termo Blanc de Blancs (elaborado só com Chardonnay) garante a leveza necessária.

Rosés também estão liberados. Neste tipo de vinho, não perca tempo, vá para os provençais. Pode até ser um pouco mais caro, mas a Provence tem a leveza que poucas regiões no mundo conseguem fornecer. Alguns rosés do Loire ou do sudoeste francês podem ser confiáveis, além dos espanhóis de Navarra, região vizinha à Rioja. Esses vinhos são verdadeiros coringas à mesa, combinando com vários pratos de verão ao mesmo tempo. Vai bem com todo tipo de saladas, carpaccios, crostini, pizzas, frios, etc…

linguado a meuniere

linguado à meunière

(a delicadeza do peixe, a manteiga, o limão e as alcaparras na preparação, pedem vinhos delicados e com grande frescor. Dentre as opções, espumantes nacionais frutados com bela acidez e mousse delicada, levantam os sabores do prato)

Se você é fã de Riesling, esta é uma ótima pedida. Além de um vinho refrescante, normalmente eles apresentam elegância e equilíbrio. Em São Paulo, a importadora Vindame tem uma extensa gama de vinhos alemães. Certamente, você encontrará um bom Riesling que cabe no seu bolso. Pratos defumados vão muito bem esse tipo de vinho.

Sauvignon Blanc e Chardonnay são as uvas para quem não quer complicações e com muitas ofertas no mercado. Nosso vizinho Chile, tem ótimas opções sempre com o cuidado de verificar no rótulo os vales frios que garantem um bom frescor nos vinhos. Os principais vales são: Casablanca, Leyda, San Antônio, e Limari. Ceviche com Sauvignon Blanc e Bacalhau com Chardonnay são opostas certeiras.

legumes a provençal

legumes a provençal (tian)

(tomates, abobrinha, berinjela, azeitonas, ervas, azeite, são a cara da Provence. Um belo rosé da região faz o par perfeito. Serve também como acompanhamento de um peixe, por exemplo. O rosé continua valendo)

Para pratos de carne vermelha em noites mais refrescantes, os tintos podem ser lembrados com muito cuidado e parcimônia. Prefira tintos com baixo teor de taninos. Pinot Noir é sempre a primeira opção. Para aqueles que buscam certa complexidade, os Riojas Reserva e Gran Reserva com algum envelhecimento, apresentam taninos bastante polimerizados e podem ser servidos mais refrescados. Outro tipo de tinto com mais corpo, mas de taninos dóceis, são os da Puglia com a uva Primitivo. Eles podem e devem ser mais refrescados, pois seu teor alcoólico é geralmente alto.

Para aqueles que gostam de brancos aromáticos, sem serem doces, as opções são as uvas Torrontés e Viognier com algumas ofertas no mercado. São vinhos que mantêm frescor e podem acompanhar bem pratos asiáticos, sobretudo chineses e indianos.

A comida japonesa já incorporada no cardápio paulistano é sempre bem-vinda. Além do saquê, seu acompanhamento natural, os espumantes, Sauvignon Blanc, e Riesling, são combinações bastante adequadas e refrescantes.

Outras uvas exóticas, menos conhecidas do grande público, podem ser testadas como vinhos de verão. As ofertas não são tantas no mercado, mas podem ser encontradas sem grandes complicações em importadoras específicas. Algumas delas: Furmint (Hungria), Gruner Veltliner (Áustria), Encruzado (Dão – Portugal), Chenin Blanc (Loire – França), Assyrtiko (Grécia), Savagnin (Jura – França), Verdejo (Espanha). Todas elas têm em comum ótima acidez e mineralidade para escoltar pratos de verão.

Para os charuteiros de plantão, nesta época de calor, esqueçam um pouco os destilados como Whisky e Cognac, parceiros clássicos. Vamos de algo mais refrescante como nossas caipirinhas, mojitos, Portônica, gim tônica, e até um bom Negroni.

Brindes refrescantes e boas férias!

 

Vosne-Romanée e seus Mistérios

24 de Dezembro de 2018

Encerrando o ano, alguns tintos de Vosne-Romanée com a assinatura DRC. E para ficar tudo em casa, um Corton-Charlemagne Domaine Leroy abrindo os trabalhos. O vinho safra 2011 estava maravilhoso com frutas exóticas como caju, bem casadas com toques tostados e de frutas secas. A produção destes vinhos é irrisória. Este Corton possui uma área de vinhas antigas de apenas 0,4325 ha, ou seja, menos de meio hectare. Isso é exclusividade!

entradinhas com o branco

Para falarmos dos DRCs, vamos recordar os vinhedos no mapa abaixo. Se o mapa da Borgonha fosse um alvo, os Grands Crus abaixo seriam a mosca. Aqui existe a conjunção perfeita do terroir: as melhores altitudes, as melhores composições de solo, as melhores declividades do terreno, entre outros fatores imponderáveis. O centro gravitacional de todos eles é o mítico Romanée-Conti.

IMG_5460a mosca do alvo

Os vinhos da foto abaixo, início da degustação, são de vinhedos que ficam à direita do mapa acima na comuna de Flagey-Echezeaux, mostrados no mapa abaixo. Sutilezas do mosaico bourguignon. 

Os vinhos degustados beiram a perfeição com notas acima de 95 pontos na estupenda safra de 1990. O Echezeaux é sempre o mais amável dos Grands Crus do Domaine. Muita elegância, taninos dóceis, e os aromas de rosas e sous-bois. Já o Grands-Echezeaux, sempre mais sisudo, mais austero, com acidez alta, precisando de tempo em taça. Seu terroir bem mais restrito que Echezeaux em área, fica no limite superior das vinhas de Clos de Vougeot, em terras mais altas. O Domaine possui cerca de 40% de toda a apelação Grands-Echezeaux, ou seja, pouco mais de 3,5 hectares.

IMG_5449sutilezas de terroir

Embora os nomes sejam parecidos e os vinhedos contíguos, Echezeaux e Grands-Echezeaux apresentam grandes diferenças de terroir e estilos. Depois do Grand Cru Clos Vougeot, Echezeaux é o maior Grand Cru em área com pouco mais de 35 hectares, dividido em 11 parcelas e vários proprietários. 

IMG_5461as várias parcelas de Echezeaux

Os vinhos abaixo são do mesmo vinhedo e mesma safra, porém procedências diferentes. Embora não seja uma safra tão antiga, já se percebe claramente o quão importante é o histórico das garrafas e sua real legitimidade. Uma delas estava maravilhosa, só perdendo para o vinho do almoço, La Tache 85, que comentaremos a seguir. A outra garrafa foi decepcionante, sem mostrar complexidade e até um certo desequilíbrio. Enfim, o bom St Vivant com seus toques florais, terrosos, e de torrefação, encantaram os confrades.

IMG_5454duas garrafas, dois destinos

O Richebourg 90, foto abaixo, sempre se mostra um pouco misterioso, mas com uma estrutura fantástica de taninos. Um certo toque de couro, de carne, permeia seus aromas. Foi um belo parceiro para um dos pratos do almoço, o clássico Bollito Misto, especialidade de carnes cozidas de origem piemontesa, magistralmente executada pelo restaurante Gero. É só não abusar da mostarda de Cremona na harmonização.

bollito misto

A foto abaixo já diz tudo, um dos maiores vinhedos sobre a Terra. Servido às cegas, já nos aromas mostra que estamos diante de uma obra-prima. A complexidade, a delicadeza, a harmonia de seus aromas, faz deste La Tache na estupenda safra 85, um dos grandes borgonhas de todos os tempos. Boca harmoniosa, expansiva, super bem balanceada. Fica difícil tomar algo depois deste néctar. Acho que o 99 pode supera-lo com o devido tempo. Por hora, este 85 reina absoluto. 

IMG_5448a perfeição existe!

Após um vinho deste naipe, a sobremesa não podia cair de nível. Aliás, as sobremesas. Sim, porque existiam dois grandes vinhos para encerrar as conversas, fotos abaixo. O primeiro, o grande Yquem 1953, safra rara, homenageando um dos confrades. Os Yquems antigos sempre ganham um caramelo gostoso e algo de marron-glacê, perdendo um pouco a potência e ganhando complexidade. Foi muito bem com o pudim de pistache, compartilhando aromas e sabores. As texturas cremosas de ambos também casaram bem. Propositalmente, não houve calda no pudim, deixando a doçura e a untuosidade do vinho fazer este papel.

IMG_5457embate de gigantes!

O vinho da direita é um raro Trockenbereenauslese alemão de Rheinhessen com uvas quase extintas, Huxelrebe e Sieger. A primeira, Huxelrebe, é uma uva branca de alta acidez, propícia a este tipo de vinho. A segunda, Sieger, também conhecida como Siegerrebe é uma uva rosada, parente da Gewurztraminer, muito aromática. Restam poucos hectares na Alemanha com o cultivo destas duas uvas “old school”. 

O vinho totalmente evoluído, apresenta um cor quase negra, lembrando um Pedro Ximenez ou aqueles Tokaji Eszencia bastante antigo. No aroma lembra um pouco o Pedro Ximenez com intensos aromas de figada e bananada. Em boca, é bem menos untuoso, mas com altíssima acidez. Aí sim, lembrando um grande Tokaji. Enfim, um vinho raro, altamente equilibrado, e com persistência bastante expansiva em boca. Foi muito bem com um folhado de bananas do restaurante Gero, reverberando todos seus sabores maravilhosos.

sobremesas sincronizadas

Aproveitando o fim de tarde maravilhoso, uma pausa para os Puros, fechando as últimas conversas. Em cena, o Cohiba Maduro 5, um charuto de grande fortaleza, não indicado para iniciantes. Para refrescar e não propriamente harmonizar, um refrescante Fitzgerald, drink clássico à base de Gim com toques cítricos e leve amargor (angostura).

acompanhamento refrescante

Como último almoço do ano, não poderia ser melhor, tanto vinhos, como companhia. Agradecimentos a todos pela imensurável generosidade e espírito de companheirismo desta confraria, fechando com chave de ouro o ano de 2018. Que 2019 seja tão prazeroso e ainda mais desafiador. Saúde a todos e Boas Festas!

Chateau Pavie em pedacinhos

10 de Março de 2018

Já comentamos neste blog a filosofia de terroir no pensamento bordalês em elaborar vinhos. Como é de praxe, cada chateau tem uma intrincada divisão parcelar baseada em variedades de uvas e tipos de solo, ou seja, há várias parcelas de Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, e Merlot, de um modo geral. Essas parcelas são vinificadas separadamente e em seguida, é formatado o blend do chamado Grand Vin e de seu respectivo segundo vinho, vide artigo Bordeaux em Segundos.

Num agradável almoço no restaurante Nino Cucina, tivemos a rara oportunidade de avaliar com precisão a força dessas parcelas na composição de um grande Chateau, no caso Chateau Pavie, um Premier Grand Cru Classe de Saint-Emilion, entre os quatro melhores na categoria A. Os outros são Cheval Blanc, Ausone, e Angelus.

A família Perse é proprietária além do Chateau Pavie, do Chateau Pavie-Decesse e do Chateau Bellevie-Mondotte, todos em Saint-Emilon. O mapa abaixo, mostra a divisão parcelar destes chateaux com atenção especial às parcelas mencionadas Clusière. Clique no link abaixo da imagem para uma visão mais detalhada.

chateau pavie vignoblehttp://www.vignoblesperse.com/fr/chateau-pavie/carte

Voltando à história do Chateau, a família Perse comprou o Chateau La Clusière em 1997, propriedade esta encravada entre os chateaux Pavie e Pavie-Decesse. Entre 1998 e 2001, portanto quatro safras, Chateau La Clusière foi engarrafado sob a supervisão da família Perse, sendo a safra 2000, lendária com 100 pontos. A partir de 2002, os 2,5 hectares de vinhas 100% Merlot com média de idade de 55 anos de La Clusière foram incorporadas na elaboração exclusivamente do Chateau Pavie.

A grande brincadeira do almoço e por sinal, extremamente didática, foi comparar lado a lado, Chateau La Clusière e Chateau Pavie, ambos da safra 2000, e ambos com 100 pontos.

IMG_4389.jpg

200 pontos em jogo

Nesta safra mítica de 2000, La Clusière foi elaborado em quantidades mínimas, apenas 10 barricas, totalizando 3000 garrafas. O rendimento de 12 hectolitros por hectare é algo absurdo somente comparável ao Chateau d´Yquem, um vinho que por suas características, enquadra-se neste tipo de rendimento. Além disso, este tinto foi fermentado em barricas novas e amadurecidos nas mesmas por 22 meses.

Para o Chateau Pavie, estamos falando em 37 hectares de vinhas sendo 65% Merlot, 25% Cabernet Franc, e 10% Cabernet Sauvignon. A idade média das vinhas é de 43 anos e a produção média por safra de 70 mil garrafas. O vinho passa entre 18 e 32 meses em barricas, sendo de 70 a 100% novas.

Devidamente apresentados, vamos à luta!. Nocaute já no primeiro round. La Clusière 2000 mostrou de cara uma concentração de sabores incrivelmente persistentes. Taninos de rara textura, deslizando como rolimãs na boca. Evidentemente, está longe de seu auge, ainda por apresentar aromas terciários fantásticos, mas já mostra a que veio. Do outro lado, Chateau Pavie 2000 bem mais pronto, e até mais prazeroso de ser tomado no momento. Pode certamente evoluir em adega, mas não tem a concentração de seu oponente. Isoladamente e sem comparações, um vinho delicioso e encantador.

Conclusão, um borgonhês classificaria La Clusière como Grand Cru e Chateau Pavie como Premier Cru, vinificados é claro, separadamente. Voltando à realidade bordalesa, a incorporação de La Clusière ao Chateau Pavie só enriqueceu o blend ou assemblage, como dizem os franceses. Não foi só o incremento de La Clusière ao Pavie. Seis hectares do Pavie-Decesse foram incorporados ao Grand Vin Pavie, todos vinhedos da família Perse. Embora a junção de parcelas na elaboração dos grandes chateaux extingam preciosidades como La Clusière, por outro lado, reforçam a consistência e regularidade safra após safra do chamado Grand Vin. Questão de ponto vista e filosofia.

IMG_4383.jpgjuventude e plenitude lado a lado

Mas nem só de Pavie vive o homem. Outros mimos estiveram presentes no almoço. A começar por dois borgonhas brancos divinos, cada qual na sua idade, no seu terroir, e na genialidade de seus produtores. Primeiramente, Meursault Charmes Premier Cru 2015 de Domaine Roulot. Um Meursault com a impressão digital deste grande produtor que pode até não ser o melhor na apelação, mas certamente esbanja elegância e personalidade em seus vinhos. Um Meursault que equilibra divinamente tensão, acidez, e nervo, com textura, refinamento e equilíbrio fantásticos. Uma de suas marcas registradas, um toque cítrico meio alimonado, combinou perfeitamente com a massa abaixo, envolvendo lagosta e molho de limão.

IMG_4385.jpgNino Cucina: limão, manjericão e lagosta

O segundo branco, Domaine Leflaive Chevalier-Montrachet Grand Cru 1995. Um monumento à Borgonha, o melhor Chevalier indiscutivelmente, sobretudo nesta linda safra de 1995. Envolve toda a complexidade do Montrachet,  mas sempre com uma leveza elegante, nunca pesado, textura na medida certa, e que aromas!. Um festival de tostados, frutas secas, mel, e outras notas indescritíveis. Tomar um branco da Madame é sempre um momento de contemplação.

IMG_4386.jpgA sublimação da denominação Toro

Para continuar o almoço, só mesmo um Toro como da foto acima para manter o nível. Este da safra 2004 é a expressão máxima da pouco conhecida apelação Toro, próxima a Ribera del Duero. A bodega Numanthia proprietária deste vinho, é uma referência da região e um dos maiores mitos de toda a Espanha. Este exemplar trabalha com vinhas pré-filoxera com mais de 120 anos. Aqui nessas paragens, a Tempranillo assume o nome de “Tinta de Toro”. A concentração deste vinho devido a baixíssimos rendimentos é tal, que é preciso utilizar 200% de carvalho novo francês para domar esta fera, ou seja, nos 20 meses passados em barricas novas, no meio do caminho o vinho é trasfegados para novas barricas novas. O resultado com seus já 14 anos é de um vinho jovem, sem nenhum traço de evolução na cor. Apesar de seus 14,5° graus de álcool e toda essa montanha de madeira, o que ser percebe é uma riqueza de fruta imensa num equilíbrio fantástico. Foram elaboradas 4350 garrafas nesta safra com rendimentos de 1200 quilos por hectare, menos de um quilo por parreira. Um vinho delicioso, ainda com bons anos em adega.

IMG_4387.jpgPaleta cozida à baixa temperatura

O prato acima, de uma rusticidade elegante, caiu muito bem com este tinto espanhol cheio de alma. Paleta cozida à baixa temperatura com molho do assado e feijões brancos.

uma combinação dolce

Encerrando os trabalhos, talvez o melhor Tokaji 4 Puttonyos que provei. O número de Puttonyos tem a ver com o grau de botrytisação do vinho (25 quilos de uvas botrytisadas para cada 136 litros de vinho). A doçura deste vinho fica entre 60 e 90 gramas de açúcar residual por litro. Disznókó é um dos melhores produtores e a safra 1993 tem grande destaque. Com seus mais de 20 anos, o vinho está inteiro, sublime, com seus toques de mel, damascos, curry, e notas de esmalte. Combinou divinamento com o gorgonzola dolce da foto, num contraponto entre açúcar e sal, doce e salgado, além das texturas cremosas se entrelaçarem.

Agradecimentos ao amigos presentes, em especial ao nosso Maestro, por garimpar estas preciosidades bordalesas. O Termanthia e o Tokaji complementaram a festa, fruto da generosidade de um querido confrade vindo especialmente de Nova Iorque. Saúde e brindes a todos!

Bordeaux em Segundos

25 de Fevereiro de 2018

Os Chateaux bordaleses na chamada margem esquerda além de aristocráticos, são de dimensões muito maiores que as propriedades de margem direita, notamente Pomerol e Saint-Emilion. Estamos falando de uma relação de um para dez em termos de áreas, onde a noção de micro parcelas fica pulverizada. É neste contexto, que surge a ideia do chamado segundo vinho do Chateau, e em alguns casos, até o terceiro.

Recordando o processo, no Chateau Margaux por exemplo, temos quase 100 hectares de vinhas plantadas com Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc e Petit Verdot. Para cada um destes varietais, temos várias micro parcelas espalhadas na propriedade. Esses parcelas são colhidas e vinificadas separadamente. Em seguida vem o estágio crucial para a montagem do Grand Vin. A equipe enológica do Chateau se reúne exaustivamente compondo o blend das várias parcelas de cada um dos varietais. Isso era comandado com maestria até  pouco tempo atrás pelo saudoso Paul Pontallier, que nos deixou recentemente. Desta seleção rigorosa, nasce o Grand Vin. As amostras que foram rejeitadas para este fim, comporá o chamado segundo vinho. No caso de Margaux, existe agora um terceiro vinho.

Este foi exatamente o propósito da degustação que será descrita abaixo, num agradável almoço no restaurante Gero. Já de pronto, devo dizer que as conclusões tiradas neste evento não devem ser generalizadas para todos os Chateaux bordaleses, pois os quatro vinhos provados nesta ocasião eram de grandes safras e de Chateaux excepcionais. Afinal, quase 400 pontos estavam na mesa!

6eba4821-dd75-427c-bced-711188e508da.jpgtexturas compatíveis

Antes porém, uma pausa para abertura dos trabalhos. Talvez o branco mais austero de toda a Alsácia, Clos Sainte-Hune da Maison Trimbach, um Riesling seco de extrema mineralidade. Este provado da safra 2004, estava surpreendentemente pronto, já que trata-se de um branco de grande guarda. Seus aromas cítricos e destacadamente defumados foram muito bem com um atum marinado. As texturas de ambos (prato e vinho) casaram-se perfeitamente. O vinho apresentou ótimo equilíbrio e um final de boca extremamente persistente.

b4597437-e2c9-46ab-b950-588b4e4ea5ff.jpgdistância considerável neste embate

Único embate de margem direita, Cheval Blanc tem uma propriedade considerável em termos de área, 41 hectares, para padrões em Saint-Emilion. Nesta safra, apenas 55% do vinho elaborado passou pelo crivo de Grand Vin. O rigor deste julgamento se traduz na taça com ampla superioridade deste Cheval com 99 pontos. Gostaria de uma explicação de Mr. Parker pela não perfeição do vinho. Embora com décadas pela frente, este Cheval mostra uma elegância impar, própria dos grandes vinhos. Seus taninos, seu equilíbrio, e sua expansiva persistência, faz dele um dos grandes Chevais da história. Já o Petit Cheval, mostrou-se muito prazeroso para o momento, uma das vantagens dos chamados segundos vinhos. Nota-se sutis aromas de pirazinas (pimentão), advindo sobretudo dos Cabernets, fruto de uma maturação imperfeita de alguns setores das vinhas. Isso claro, numa sintonia fina, comparado a seu astro maior. De todo modo, um belo vinho para ser apreciado sem comparações. Nota 87 de Parker, um pouco rigorosa.

gero latour 2000

Latour: vinhos consistentes

Aqui uma disputa acirrada, pois Les Forts de Latour é o melhor segundo vinho de todo o Médoc, opinião quase unânime da crítica. De fato, é uma maravilha. Bem mais acessível que o todo poderoso Latour, seus aromas de cassis, couro e notas minerais permeiam a taça. Pode ainda evoluir por bons anos em adega. Voltando à maxima onde a comparação é cruel, o Latour 2000 é uma muralha de taninos em multicamadas de extrema finesse. Seus aromas de pelica, frutas escuras, e grafite, são marcas registradas do senhor do Médoc. Seu platô de evolução está estimado para 2060. Um monumento!

risoto e cordeiro para os Bordeaux

Acima, alguns dos pratos que valorizaram o desfile de belos Bordeaux. O risoto de funghi porcini casou muito bem com a textura delicada e os aromas terciários do Margaux 90, por exemplo. Já o carré de cordeiro tinha a fibrosidade e suculência exatas para um La Mission 2000 ou o Latour de mesmo ano com seus taninos presentes.

gero margaux e pavillon 90

padrão elevado de segundo vinho

Neste embate, mais um vinho perfeito, Margaux 1990 com 100 pontos consistentes. Aí é difícil peitar. Mesmo para este Pavillon Rouge 90, vindo diretamente do Chateau de uma coleção privada, faltou fôlego para chegar ao Grand Vin. O Margaux 90 é deslumbrante com seus aromas de couro e sous-bois, fruta delicada, e rico em toques balsâmicos. Em elegância se equipara ao Cheval Blanc 2000 acima descrito. O Pavillon Rouge até que tentou, mas se deparou com um dos grandes Margaux da história. Novamente, tomado sozinho, sem comparações, é um belíssimo vinho cheio de elegância e muito prazeroso aromaticamente.

gero la mission 2000

disputa muito acirrada

Neste último flight, mais um vinho de 100 pontos, o fabuloso La Mission Haut-Brion 2000. Em termos de estilo, potência, bem semelhante ao Latour 2000, mostrando toda a sua força. Um verdadeiro infanticídio, já que seu platô está estimado para 2050. Um vinho musculoso, cheio de frutas negras, toques minerais terrosos e defumados. Uma montanha de taninos a ser domada pelo tempo. Amplo em boca com um equilíbrio notável. Seu par La Chapelle 2000, segue o mesmo estilo, um pouco menos imponente. Foi a disputa mais acirrada entre as duplas, na distância entre o Grand Vin e seu respectivo segundo vinho.

Enfim, belos vinhos de grandes safras e de Chateaux irrepreensíveis. Fica a lição que os chamados Grand Vin são realmente espetaculares, mas que tem no preço e na paciência em espera-los na adega, seus maiores empecilhos. Por outro lado, os segundos vinhos são bem prazerosos para abate-los mais jovens, apesar de seu bom potencial de guarda.

96 pontos com louvor!

Passando a régua, um Chateau d´Yquem 1976, uma das grandes safras desta maravilha. Com seus 42 anos de idade, entra numa fase de bouquet sublime com notas de café, marron-glacê, e toques de cítricos confitados. Um equilíbrio e uma expansão notáveis, acompanhando de forma impecável um creme de mascarpone e chocolate. Lembrando que 1976 é grande ano na Alemanha para vinhos botrytisados.

gero tokaji szamorodni

estilo meio seco

O vinho acima vale a pena um comentário. Trata-se de um Tokaji Szamorodni que não faz parte da família Aszú, onde o índice de uvas botrytisadas é relativamente alta em vários níveis (3, 4, 5, 6 Puttonyos). Neste caso, Szamorodni significa uvas colhidas naturalmente com algum índice de botrytisação, ou seja, menor porcentagem de uvas botrytisadas vai para um estilo mais seco, dry, ou Száraz em húngaro. Portanto, tem um sabor meio seco semelhante a um Jerez Amontillado. Muito bom para patês de caça, aperitivos e queijos de personalidade. Um vinho que apesar da idade, mais de 20 anos, tem estrutura e vigor para bons anos em adega.

gero behike 52

 o melhor Robusto da atualidade

Finalizando a tarde, alguns Behike 52 para esfumaçar as conversas em meio a Cognacs e Grappas. Behike é a linha super luxo da Cohiba elaborada em três bitolas. Esse 52, ring do charuto, é considerado o melhor Robusto atualmente, já tendo ganhado como melhor Puro do ano em 2010 pela Cigar Aficionado.

Agradecimentos aos amigos e confrades em mais uma experiência fantástica com caldos bordaleses. Vida longa aos companheiros de copo e mesa num ano que promete fortes emoções. Aos ausentes o alerta, o campeonato é de pontos corridos. No final do ano vai fazer falta. Abraço a todos!

La Tâche, Tarefa Cumprida

12 de Agosto de 2017

Dando prosseguimento ao artigo anterior, nada melhor do que esquecer o passado e viver o presente com oito joias enfileiradas para a degustação. Dentre elas, algumas preciosidades como as safras 99, 90 e a tenra safra de 2005. A degustação seguiu com quatro flights formados por duplas. Antes porém da tarefa (tâche em francês), alguns mimos para acariciar as papilas e o devido aquecimento.

picchi gaja e meursault

Angelo Gaja e seu Gaia & Rey 2014, Arnaud Ente Meursault 1° Cru La Gotte d´Or 2007, e Comte de Champagne Taittinger 1961, abriram os trabalhos.

Gaia & Rey está entre os melhores Chardonnays italianos, se não for o melhor. Branco elegante, fresco, lembrando algo de Puligny-Montrachet. Bom para alegrar as papilas. Já este Meursault de produção limitadíssima (1200 garrafas por safra) é um espetáculo. São apenas 0,22 hectare de vinhas. Textura gordurosa dos grandes Meursaults, mas com um toque limonado sensacional refrescando o palato. Um vinho muito jovem para seus dez anos de idade. A noite promete!

evolução de um grande champagne

Já à mesa, primeira grande harmonização. Creme de cenoura com caviar escoltado por este senhor Champagne quase sexagenário. Aqui o que vale é a qualidade do vinho-base, embora ainda com delicada e discreta mousse. Um Blanc de Blancs envelhece muito bem e este como observou um dos convivas, tem um perfil interessante de um belo Jerez Amontillado. A força e mineralidade desse champagne mais seus toques oxidativos combateram bem a personalidade do caviar. Vamos em frente …

picchi coche dury

Agora um triunvirato básico de Coche-Dury. Para quem não conhece muito bem esse nome, segue abaixo um pequeno relato envolvendo as safras 96, 99 e 2007.

Coche-Dury Corton-Charlemagne Grand Cru

São apenas 0,33 hectare, um terço de hectare, ou se preferirem, 3300 metros quadrados de vinhas na Montagne de Corton. Para cuidar deste jardim, uma das referências da Borgonha, Coche-Dury. Embora seu foco maior seja a comuna de Meursault, seus métodos tradicionais e o cuidado extremo com as vinhas, o credenciam para brilhar no extremo norte da Côte de Beaune. Seus vinhos são fermentados em barricas de carvalho com baixa porcentagem de madeira nova. O amadurecimento dos mesmos dá-se também em barrica por longos meses num eficiente trabalho de bâtonnage (revolvimento das borras no fundo do barril, fornecendo complexidade ao vinho e ao mesmo tempo, protegendo-o do oxigênio).

picchi salsão tartar caviar anchova

salsão desidratado, tartar e caviar de anchova

harmonização instigante com os Meursaults

Todo esse savoir-faire para explicar como a safra 1996 pode ser magnífica atualmente, conforme constatação unânime dos convivas. Um branco com mais de vinte anos de idade num esplendor que só os grandes vinhos possuem. Mineralidade, balanço incrível entre seus componentes e uma textura inigualável. A safra 99 também é espetacular, mas vem a maldita comparação. Degustado solo, é outro branco incrível, talvez um pouco menos opulento. Já o 2007, temos uma safra um pouco inferior às demais, além de estar muito novo para um embate deste naipe. Está atualmente delicioso, fresco, com todos os toques da juventude, mas evoluirá com dignidade nos próximos dez anos. Em suma, Coche-Dury está no posto mais alto da Borgonha quando o assunto são Brancos.

Ufa! como é duro chegar aos La Tâche!. Não vou me aprofundar no assunto, visto que o artigo anterior dissecou bem o tema. Vamos sem delongas ao embate de duplas.

picchi la tache 05 e 09

Fundamentalmente, um flight da juventude. Sobretudo o 2009, foi um verdadeiro infanticídio. O vinho estava nervoso, parecendo não querer acordar aquela hora e dizendo: quem me tirou da garrafa agora???. Ainda formando seus aromas, tentando encontrar um ponto de equilíbrio, mas sem dúvida uma grande promessa, tal a montanha de taninos que envolve sua estrutura.

Quando passamos ao 2005, percebemos como quatro anos a mais de garrafa faz bem. Uma safra esplendorosa num momento radiante de juventude. Aquela intensidade de fruta, taninos ultra polidos, e uma persistência aromática notável. É aquela criança com um futuro promissor sem chances de dar errado. Será um dos grandes La Tâche do século em curso, na cola do 99.

picchi 03 e 99

Neste flight, La Tâche mostra porque é um dos maiores vinhedos sobre a Terra. Vamos começar pelo 2003 numa safra quente e polêmica. O vinho tem um extrato fabuloso, taninos em abundância, mas numa sintonia fina, um pouco quente para um La Tâche. Falta-lhe um pouco de frescor. De todo modo, um belo vinho.

picchi ravioli de coelho

agnolotti de coelho com os La Tâche

Agora, toda a reverência para este La Tâche 99. Não tem como tirar ponto deste vinho. É lindo demais. Conjuga com rara felicidade potência e elegância. Taninos ultra finos, corpulento, denso, multifacetado, e um final de boca interminável. Robert Parker dá 100 pontos e Allen Meadows 99 pontos. Alguém na mesa disse não ser uma boa garrafa. Pode mandar uma caixa lá pra casa …

picchi la tache 95 e 96

Neste terceiro flight, safras próximas, mas diferentes em estilo e concentração. Enquanto 95 é um estilo mais sisudo, pedindo tempo para uma melhor avaliação, 96 é puro prazer e elegância. Vai um pouco na linha do 99, sem tanta potência, porém muito elegante. Talvez tenha sido a preferida da maioria e pensando bem, um clássico La Tâche bem de acordo com a elegância e sutileza dos vinhos de Vosne-Romanée.

picchi la tache 93 e 90

Finalmente, o flight mais díspar, safras 90 e 93. Este La Tâche 1993 mostrou-se austero, duro, com taninos não condizentes para um vinho desta envergadura. É evidente que precisa de tempo para desenvolver aromas e polimerizar esses taninos, mas é uma aposta cheia de dúvidas.

picchi porcini e mousse de parmesão

porcini fresco e mousse de parmesão

bela textura para os La Tâche

Já o 1990, tudo que se espera de um La Tâche e seus aromas terciários. Pleno, com todos seus componentes integrados, exibe notas de couro, terra, chocolate amargo (cacau), num final de boca extremamente bem acabado. Por toda a expectativa que o cerca por ser da grande safra de 90, sempre esperamos um pouco mais. De todo modo, um grande final de prova.

picchi oremus eszencia 2002

Já no apagar das luzes, a estrela maior da enologia húngara, o néctar Oremus Eszencia 2002. Elaborado somente com as uvas Aszú (totalmente botrytisadas), elas são empilhadas em recipientes, onde o gotejamento natural pelo próprio peso das mesmas, dá origem ao caldo a ser fermentado lentamente por anos a fio. A concentração de açúcares perto de 600 gramas por litro dificulta sobremaneira a ação das leveduras. Portanto, apenas alguns graus de álcool são conseguidos. Neste caso, foram 3,5º graus. O segredo para este equilíbrio fantástico em boca é sua incrível acidez, na ordem de mais de 15 gramas por litro. Para se ter uma ideia deste número, é superior à acidez de um vinho-base de Champagne. Concentração absurda de sabores. Como diz um dos convivas, esse é para tomar de colher.

Enfim, tudo bem cuidado e coordenado no restaurante Picchi com atenção especial do Chef Paolo Picchi e o competente sommelier Ernesto e sua paciência nipônica.

O que me resta, senão agradecer a todos pela companhia, pela boa mesa, pelos belos vinhos, tudo em harmonia e boa prosa. Vida longa a todos e que Bacco nos proteja!

Cozinha Libanesa sem GPS

9 de Julho de 2017

Pessoas especiais para se deliciar com a melhor comida árabe de São Paulo em local não identificado, onde o maior restaurateur de São Paulo bateu palmas. E olha que ele é exigente e fiel aos clássicos. Sem mais delongas, vamos ao desfile de grandes vinhos e pratos.

o bem receber …

Como exceção aos tintos, brindando os convivas, o irretocável champagne Cristal 2006. Um assemblage com leve predominância da Pinot Noir sobre a Chardonnay das melhores cuvées da Maison Louis Roederer, lentamente envelhecida sur lies por cinco anos, antes do dégorgement. Elegância, personalidade, e aqueles aromas de praline inconfundíveis. Daqui pra frente, é só manter o nível …

raul cutait decantação

decantação à vela

Acima de tudo, com larga predominância dos tintos bordaleses, foi uma grande aula de como esses vinhos evoluem no tempo, mostrando cada qual em sua época, a incontestável qualidade, tipicidade, e estrutura, de um terroir impar, independente de qual margem estivermos falando.

raul cutait palmer 2005

grande promessa!

Começando com o Palmer 2005 em garrafa double Magnum, 97 pontos Parker, com apogeu previsto entre 2040 e 2050. Um bebê ainda, mas aquele bebê Johnson, lindo e perfeito. Uma estrutura poderosa, taninos de rara textura, uma explosão de frutas, além de longa persistência. Evidentemente, falta integração entre seus elementos, e os fantásticos aromas terciários que certamente virão com o tempo. Daqui a uns vinte anos a gente se encontra …

raul cutait la mission 94

23 anos e muito fôlego

Agora mais dez anos no tempo, vamos ao La Mission Haut Brion 1994 em Magnum. Aqui já vemos um Bordeaux se preparando para o apogeu. Com pouco mais de 20 anos, ainda tem vigor, alguns segredinhos a confessar, mas está delicioso. Foi um convite à mesa, para escoltar as delicadas iguarias da anfitriã.

raul cutait angelus 95

garrafa muito bem adegada

Outro contemporâneo do vinho anterior, o estupendo Angelus 1995 de conservação impecável do mestre Amauri de Faria, comandante da importadora Cellar, uma das mais diferenciadas do mercado. É inacreditável a estrutura tânica deste tinto, um margem direita com proporções iguais entre Merlot e Cabernet Franc. Ainda tímido nos aromas, mas com uma mineralidade incrível. Seus taninos massivos, porem ultra finos, vão precisar de mais uma década de polimerização. Os aromas devem acompanhar esta evolução. Quem viver, verá!

terroirs diferenciados

Agora os adoráveis 89, Chateau Léoville Las Cases e o Premier Chateau lafite. Neste embate, fica muito claro a hierarquia de classificação e o desempenho de cada um nesta safra específica. Começando pelo Léoville em garrafa Magnum, não foi uma grande safra para este chateau, embora esteja longe de desapontar. Pelo contrário, é um Léoville mais delicado, sem aquela pujança habitual. Seus aromas já bem desenvolvidos, mostra uma boca afável e extremamente prazerosa.

e os pratos se sucedem …

Por outro lado, temos o Lafite 89 num desempenho equivalente em termos de safra. Contudo, é um Premier Grand Cru Classe de grande personalidade. É uma espécie de Borgonha de Pauillac com muita elegância e sutileza. Atrás de uma aparente fragilidade, temos uma estrutura de aço, capaz de evoluir por longos anos. Aqui o terroir fala alto, num vinho sempre misterioso e intrigante.

raul cutait latour 64

a nobreza de um vinho

Finalmente, vamos um pouquinho mais longe no tempo. Que tal 1964? aquele tempo em que tínhamos de consultar os livros, e não o google. Para falar deste época, precisamos de um Pauillac de peso, sempre imponente, o todo poderoso Chateau Latour. As duas garrafas abertas com pequenas diferenças, mostraram didaticamente o que é de fato um grande Bordeaux envelhecido. Taninos totalmente polimerizados, os clássicos aromas de cedar box, couro envelhecido, e notas minerais. Equilíbrio perfeito com grande expansão em boca. Outra maravilha para os belos pratos servidos.

raul cutait clos vougeot 89

 o que diria Babette …

Agora os bem-vindos intrusos …

Depois desta avalanche de bordaleses, só mesmo Madame Leroy  e Aldo Conterno para mudar a rota sem sobressaltos. Clos de Vougeot é com certeza o maior e mais polêmico Grand Cru da Borgonha. Não é para menos, 50 hectares de vinhas para cerca de 80 proprietários. Um verdadeiro latifúndio na Terra Santa. Aí você vai neste palheiro e pinça uma agulha chamada Madame Leroy. Além da ótima safra 89, este é um “mise en bouteille au domaine”, o que faz toda a diferença. Luxuriante, sedutor, delicado e ao mesmo tempo profundo, marcante. Seus aromas de sous-bois são de livro. Este merecia estar presente no clássico “A Festa de Babette”.

raul cutait granbussia 90

Granbussia e os Trockenbeerenausleses

Completando a intromissão, Aldo Conterno Granbussia Riserva 1990 em Magnum. Os franceses diriam baixinho: “este vinho é tão bom que nem parece italiano”. Que maravilha de Barolo! Que taninos! Que elegância!. Fica difícil tomar outros Barolos. Embora já delicioso, sua estrutura permite ainda grandes voos. Talvez um Filetto alla Rossini seja uma bela companhia com mais alguns anos de guarda. 

Enfim, chegamos ao final do sacrifício. O que acompanhar “comme  il faut” esses doces maravilhosos e tentadores. Só mesmo um Trockenbeerenauslese 1975 elaborado com as desconhecidas uvas Sieger e Huxelrebe, suscetíveis ao ataque da Botrytis Cinerea, provocando alta concentração de açucares, e ao mesmo tempo, conservando uma acidez notável. Esse palavrão conhecido como TBA, quer dizer literalmente “seleção de bagos secos”, fenômeno inerente à ação do fungo. São vinhos muito raros na Alemanha, só ocorrendo em determinadas sub-regiões e em safras específicas. Costumam ter concentração de açúcar perto de 300 gramas por litro, frente a uma acidez tartárica de mais de 10 gramas por litro, equivalente a vinhos-bases de Champagne.

o paraíso é doce!

Neste exemplar degustado, apresentou-se com uma cor marron escura, própria de vinhos envelhecidos neste estilo. Afinal, são mais de 40 anos de vida. Os aromas denotavam frutas secas escuras como ameixas, figos e tâmaras, um toque de ruibarbo, e a nota de acetona, próprio de vinhos botrytisados. O equilíbrio entre doçura e acidez era notável, além de longa persistência final. Assemelhou-se muito a Tokaji antigos acima de 6 puttonyos, ou seja, Tokaji Eszencia. Um final arrebatador!

raul cutait lembranças

lembranças …

Outro botrytisado notável presente no almoço foi o grande Yquem 1990 com 99 pontos. Vinho decantado em prosa e verso, dispensando comentários e apresentações. Evidentemente, à altura do time bordalês apresentado acima.

Em sala reservada, Behikes à disposição da turma da fumaça. Um pouco mais prosa, cafés e Armagnac. Houve espaço para alguns Single Malts, mas isso já é uma outra história. Abraço a todos, especialmente ao casal anfitrião, proporcionando mais um encontro inesquecível. Que El Masih sempre os abençoem!

Le Montrachet

8 de Abril de 2017

Num dos livros de Hugh Johnson, ele diz: “No dia em que cair a última gota de chuva e for removido o último estrato geológico, ainda não se saberá por que a França é a indiscutível mestra dos vinhos”.

Esta frase resume bem os mistérios que fazem do Le Montrachet um dos brancos mais fascinantes do mundo, mesmo entre seus concorrentes diretos e vizinhos. Os fatores de terroir são muito sutis, em tentativas quase que românticas em explicar a nobreza de um dos mais espetaculares vinhedos sobre a terra.

Aproveitando o argumento, vamos a mais algumas tentativas …

le montrachet

No esquema acima percebemos gradientes diferentes na subida da encosta. Montrachet tem um aclive um pouco mais acentuado que Bâtard-Montrachet e bem menos que o vinhedo imediatamente acima, Chevalier-Montrachet. A proporção de argila no calcário também é intermediária, tornando o vinho mais encorpado, o suficiente para não ser tão pesado como Bâtard, e nem tão leve como Chevalier (solo pedregoso). Esses detalhes tentam explicar a maturação de uvas perfeitas num terreno de oito hectares de insolação suficiente e prolongada no verão, bem como drenagem correta do terreno com reservas de água no subsolo para enfrentar anos mais secos.

Teorias à parte, vamos ao desfile de Montrachets, separados criteriosamente por várias duplas sucessivamente.

amadeus leroy montrachet

os velhinhos do almoço

Como todo velhinho, já foram bons um dia. Aqui é uma viagem num tempo onde ainda não havia esse glamour e essa valorização excessiva dos vinhos, onde os mesmos tornaram-se verdadeiras commodities no mercado financeiro. Notem que o vinho da direita nem se dá ao trabalho de mencionar o termo Grand Cru no rótulo. Esses vinhos eram de Négociants, método muito utilizado na época e relativamente confiável, já que Maison Leroy (o velho Henry) tinha critérios bem definidos com seus parceiros, seja de uvas ou do vinho recém elaborado.

De todo modo, a safra 1978 confirmou seu potencial, como uma das mais espetaculares do século passado. Muito elegante, aromas delicados e etéreos, num final de boca muito agradável. Já seu companheiro, dez anos mais velho, apresentava sinais de cansaço absolutamente compreensíveis. Contudo, dava para notar sua concentração e com certeza, em algum momento de sua evolução foi um belíssimo branco com muita energia.

A escolha dos mesmos no início da degustação mostra o alto grau de conhecimento deste grupo, aproveitando ao máximo as sutilezas guardadas pelo tempo nestas duas garrafas, ainda com a boca virgem, sem interferência dos demais Montrachets, certamente mais intensos.

amadeus montrachet lafon colin

talvez, o flight do almoço

Vinhos de alto nível com perfis completamente opostos. Você até pode não gostar do Lafon, mas seu estilo é fiel e inconfundível. Vinho sem rodeios, intenso, macio, bem trabalhado na barrica, e extremamente sedutor. Além disso, 2007 é uma safra precoce, favorecendo o estilo deste produtor. Já o branco da esquerda, uma preciosidade, bem ao estilo da safra 2004 de destacada acidez. Yves Colin produz um décimo do que produz Lafon, que já não é muito. Estamos falando aqui de frações de hectares. Voltando ao vinho, sua acidez é impressionante, garantindo boa longevidade para este exemplar. Muito elegante, quase não se percebendo a barrica. Um verdadeiro Montrachet de guarda.

amadeus montrachet ramonet leflaive

disputa de gigantes

Não fosse a sutil tendência oxidativa de Madame Leflaive, seria um embate disputadíssimo. Infelizmente, depois da safra 2004, os brancos Domaine Leflaive não são tão confiáveis, variando muito de garrafa para garrafa. Este 2010 de safra irretocável é bem elucidativo. Percebe-se um belo extrato, longo em boca, mas com aquela pontinha oxidativa desagradável. Em compensação, seu oponente Ramonet estava impecável. Um balanço incrível entre acidez, álcool e madeira, deixando o vinho delicado mas ao mesmo tempo, com profundidade e presença. Delicioso agora, podendo evoluir bem nesta safra histórica de 2010. Nem parece que tinha 14% de álcool, perfeitamente integrado ao conjunto. Sério candidato a vinho do almoço.

amadeus montrachet drc e colin

potência e delicadeza lado a lado

Outra produção minúscula da família Colin numa safra lindíssima, 2005. Muito delicado, cítrico, floral, com final muito bem acabado. Já prazeroso, mas com ótimo potencial de guarda, tal o balanço de seus componentes, sobretudo acidez e álcool. Já o DRC 2011, uma criança a ser alfabetizada, na mais tenra idade. Assim como Lafon, DRC tem seu perfil inconfundível, potente, complexo, e impactante. Pede pratos substanciosos, sobretudo aves com molhos cremosos de cogumelos.

Comidinhas do almoço

amadeus vieiraamadeus camarao

para os Montrachets mais delicados

Os pratos da foto acima primaram pela perfeita textura de seus componentes, vieira e camarão, onde a simplicidade e correta técnica de execução fazem a diferença. Nos pratos da foto abaixo, sabores mais substanciosos. Guarnição de arroz negro para evidenciar a tenra cavaquinha e uma receita exclusiva da família Masano, restaurante Amadeus, de um Capeletti in Brodo surpreendente.

amadeus capeletteamadeus cavaquinha

para os Montrachets mais intensos

O lindo cuscuz de sardinhas apresentado abaixo, especialmente preparado para o grupo, foi outro destaque do almoço. Muito saboroso e extremamente úmido, transmitindo muito frescor dos ingredientes; palmito, azeitonas e ervilhas.

amadeus cuscus sardinha

outro destaque do almoço

Como o pessoal não sai da mesa sem tintos, a eterna disputa entre Borgonha e Bordeaux, para agradar a gregos e troianos. E depois desta avalanche “montrachista”, nada mau alguns goles de Latour 1995 e Richebourg DRC 2007, sem disputas, em convivência amigável.

amadeus richebourg latour

convivência harmoniosa

Falar de Latour é falar de consistência, estilo bem definido, potência com elegância. É o mais autêntico representante do Médoc com seus aromas de cassis, couro bem tratado, tabaco, terra, e vai por aí afora. Safra extremamente prazerosa, sobretudo pela qualidade e agradabilidade de seus taninos. Mais dez anos com folga.

Do lado borgonhês, outra safra prazerosa de 2007. Um Vosne-Romanée de taninos estruturados, viril, próprios dos grandes Richebourgs. Cerejas, especiarias doces e os toques florais de rosa negra, são avassaladores. Decantado por uma hora, já transmite muito prazer.

amadeus tokaji 5 puttonyosamadeus taça tokaji 80 anos

quando um branco vira tinto

Quando se começa em alto nível, não há espaço para deslizes. Encerrando este lauto almoço, a Hungria se faz presente. E que presente! um Tokaji 5 Puttonyos de mais ou menos 80 anos, pois o rótulo se perdeu no tempo. A uva Furmint, protagonista deste vinho, mostra toda sua estrutura e incrível acidez para suportar dignamente décadas a fio. Todos os empireumáticos e defumados presentes no aroma, textura delicada, e um frescor que só os grandes vinhos são capazes de manter.

amadeus charutos

Puros para três sobreviventes

Ivan, o terrível, nos proporcionou estas maravilhas. H. Upmann torpedo, pai do famoso Montecristo nº2, só que de uma reserva especial, conforme anilha dupla. Fluxo perfeito e potência na medida certa.  Entre Portos, cafés e rums, mais um pouco de conversa. Faltou uma pessoa neste crepúsculo, igualmente amante de Vuelta Abajo, que tem saído pela tangente ultimamente. Fica minha cobrança enfumaçada. Abraços a todos! até breve.


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