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Margaux: Terroir e Vinhos

22 de Fevereiro de 2020

Das quatro comunas famosas do Médoc, margem esquerda de Bordeaux, saem os quatro Premier Grand Cru Classé, além de outros vinhos de grande estirpe. A comuna de Margaux tem certas particularidades que não são comuns às outras três: Saint-Estèphe, Pauillac, e Saint-Julien, todas elas praticamente coladas entre si.

No caso de Margaux, os chateaux ficam espalhados em torno das aldeias, ou seja, eles ficam mais pulverizados em relação às outras comunas. Além desta característica, a mão e o estilo do produtor pesam nas condições de terroir.

medoc comunas

Margaux, um pouco isolada

Os setores mais longe rio nós chamamos de Haut-Medoc que circundam as outras comunas mais famosas. O cascalho pode aparecer, mas ele é mais escasso e aparece em talhões isolados neste território. Vejam pelo mapa acima que o cascalho presente nas três comunas tem uma parte descontinuada e volta aflorar em Margaux.

Podemos dizer que os vinhos de Saint-Estèphe tem taninos mais firmes, acidez mais destacada e um certa rusticidade em relação às outras comunas. Isso se deve à maior proporção de argila no terreno. Pauillac por vez, tem alta proporção de cascalho e excelente drenagem. Vinhos que aliam potência e elegância, fornecendo três tintos Premier Grand Cru Classe (Latour, Mouton e Lafite). Por fim, Saint-Julien, comuna que não tem o mesmo brilho de Pauillac, mas uma destacada regularidade.

medoc margaux

as comunas de Margaux

Das cinco comunas que aparecem no mapa de Margaux, a comuna homônima é a mais importante, dando o mesmo nome ao único Premier Grand Cru Classé da região, Chateau Margaux.

É interessante notar que os tintos de Margaux são marcados pela elegância e finesse, falando-se muito da Merlot no corte. Contudo é prudente notar que os grandes vinhos de Margaux tem alta porcentagem de Cabernet Sauvignon na mistura, a começar pelo grande Margaux. Acontece que o cascalho da comuna de Margaux é diferente. São calhais brancos de grande profundidade num solo acinzentado com alguma proporção de calcário, o que confere extrema finesse ao vinho. Isso é tão relevante que o Cabernet Sauvignon de Margaux parece ser mais leve e fino que o próprio Merlot elaborado num sítio comum.

Notem que as comunas de Margaux, Cantenac e Labarde são as que mais refletem este terroir. Elas têm proximidade do rio e um teor de cascalho maior. Na parte norte em Soussans, o cascalho quase desaparece, aumentando a proporção de argila. Neste cenário os vinhos são mais robustos e pesados, ficando a finesse em segundo plano. Por fim, a comuna de Arsac fica mais no interior da apelação, semelhante às comunas de Listrac e Moulin, no que diz respeito à distância do rio. Os solos contêm algum cascalho, mas há mais presença de areia, o que torna o vinho mais leve. Essa condição a sul de Margaux é uma característica de Macau e Ludon-Médoc. Os exemplos típicos deste tipo de vinho são Chateau Cantemerle e Chateau La Lagune, os quais são considerados Haut-Médoc de destaques.

margaux comunaconcentração nas comunas principais

Chateau d´Issan  x  Chateau Margaux

Se a comparação não vale pela fama e prestígio, em preço e condições de terroir podemos conversar. Notem que a distância do rio em relação aos dois chateaux são idênticas, separada por pouco mais de um quilômetro entre eles.

No Chateau d´Issan, tradicional desde a idade média, temos uma área menor de 44 hectares de vinhas com solo pedregoso, argila e algum calcário. Essas condições de terreno faz a proporção de Merlot aumentar, embora  a Cabernet Sauvignon seja ainda majoritária.

img_7328sempre em caixas de madeira

No Chateau Margaux temos outra situação. O vinhedo é praticamente o dobro com 80 hectares de vinhas. O solo é mais pedregoso, embora com argila e calcário. Este fato faz com que a Cabernet Sauvigon seja amplamente majoritária com mais de 70% no corte. Portanto temos um vinho muito mais longevo e estruturado. Embora com estas características, Margaux  é um vinho de extrema finesse dada pelos calhais de seu terreno,  aliada à uma estrutura monumental. A parte mais calcária do terreno temos um fato singular no Médoc. A expressão de um autêntico Sauvignon Blanc de larga tradição.  O branco mais prestigiado do Médoc.

Esses vinhos podem ser adquiridos na importadora Clarets com preços competitivos. Os dois chateaux, Margaux e d´Issan, apresentam várias linhas de produção e preços, de acordo com seu bolso. A vantagem do d´Issan além do preço, é sua prontidão mais adiantada neste momento. http://www.clarets.com.br

img_7337briga de titãs

Na bela safra 1983 para Margaux, os chateaux acima travam uma batalha acirrada ao longo do tempo. Por enquanto, Palmer está na frente com 98 pontos.

Chateau Palmer

O segundo vinho na hierarquia de Margaux, após a Grand Vin Chateau Margaux. Em algumas safras se rivalizam em alto nível como 1961 e 1983, numa difícil disputa. Os solos de Palmer ficam entre os calhais pedregosos, argila e areia. Aqui o aporte da Merlot é significativo, podendo em alguns anos superar o Cabernet Sauvignon. No entanto, apresenta classe e uma estrutura monumental para envelhecimento em garrafa. É um estilo intermediário, não tem a força do Chateau Margaux, mas tem mais um lado mais feminino desta comuna. 

Em linhas gerais, a comuna de Margaux sofre nas safras não tão boas. O solo mais frio de calhais e o próprio calcário não contribuem para o perfeita amadurecimento das uvas em alguns anos. No entanto, nas grandes safras, Margaux costuma fazer os vinhos mais finos de todo o Médoc.

Bordeaux na virada do Milênio

8 de Fevereiro de 2020

De tempos em tempos é sempre bom revisar alguns Bordeaux que estão evoluindo em garrafa como é o caso da safra 2000. Safra esta um tanto fechada que demanda muito tempo em garrafa. Os grandes desta safra só entrarão no auge por volta de 2050. Foi o que fizemos num belo almoço no badalado restaurante Le President de Eric Jacquin. 

Salão Privê e taças Zalto bordalesas

carpaccio com caviar

Tudo começou com um belo Chevalier-Montrachet 2009 de Madame Leflaive abrindo os serviços. Um vinho de 94 pontos num estilo próprio de leveza, mas com profundidade. Toques cítricos e uma madeira elegante completamente integrada ao conjunto. Foi muito bem com um carpaccio recheado de temperos e caviar. Numa das fotos, você mistura tudo e enrola, fatiando todos os sabores.

img_7307as primeiras surpresas!

Os quatro classificados classe A de Saint-Emilion num painel surpreendente. Os dois da ponta mais tradicionais e menos estruturados que o meio. A começar pelo Ausone, um vinho delicado, pouco tânico, afável, bem ao contrário do que poderia se esperar. Ele costuma misturar Merlot e Cabernet Franc em partes iguais. Em seguida o Chateau Pavie, um vinho de 100 pontos e um dos destaques da safra. Neste ano fez um blend de 60% Merlot, 30 Cabernet Franc, e 10% Cabernet Sauvignon. Muito bem estruturado, denso, e final elegante. Lembrava alguns anos do Cheval Blanc.

Na sequência, Chateau Ângelus 2000, um dos grandes destaques do almoço. Certamente, o vinho menos pronto do painel com uma estrutura monumental. Um dos grandes Ângelus da história com 60% Merlot e 40% Cabernet Franc. O que impressiona neste vinho é seu corpo e sua estrutura tânica. Um vinho com notas de incenso, defumado e notas de tabaco. Seu auge está previsto par 2045. Um vinho que atualmente deve ser obrigatoriamente decantado.

Por fim, um Cheval sem o mesmo brilho de outras safras. O blend é parecido com o anterior tendo 53% Merlot e 47% Cabernet Franc. Um vinho como sempre elegante, bem equilibrado, mas sem a estrutura para uma longa guarda.

img_7308painel sem surpresas!

Começando pelo Latour, um vinho com 77% Cabernet Sauvignon, 16% Merlot, 4% Cabernet Franc e 3% Petit Verdot. Um vinho encorpado, taninos finos e um toque de couro característico. Já o Mouton, outro Pauillac com 86% Cabernet Sauvignon e 14% Merlot. Foi o vinho mais pronto do painel e talvez do almoço com taninos polimerizados, aromas francos e desenvolvidos com a nota característica de café.

Na sequência os mais elegantes. A começar pelo Lafite com 93,3% Cabernet Sauvignon e o restante Merlot. Um vinho com essa porcentagem de Cabernet Sauvignon e com essa elegância, sem ser pesado. Sua acidez cortante e sua tensão foram fatores decisivos para sua descoberta. Por fim, Chateau Margaux, um blend muito parecido com o anterior, sendo 90% Cabernet Sauvignon e o restante Merlot. Novamente, a elegância impera com um dos melhores Margaux da história. É um vinho de lenta evolução, um tanto fechado no momento, necessitando de decantação. Previsão de apogeu, entre 2050 e 2060. 

cordeiro e entrecôte

Foram muitas carnes sempre raladas a trufas pretas. Entre magret, entrecôte e cordeiro, tivemos uma minifeijoada à moda do chef e uma mousseline de batata com trufas.

img_7309um flight polêmico!

A começar pelo Haut-Brion com 99+ pontos, um vinho praticamente perfeito. Com 51% Merlot, 43% Cabernet Sauvignon e uma pitada de Cabernet Franc, um vinho de muita estrutura e longevidade. Seu apogeu está previsto entre 2050 e 2060. Seus aromas de animais e de estábulo eram muito discretos e uma estrutura tânica monumental. Praticamente um empate técnico com o seul rival La Mission, um dos vinhos da safra. Este tem 58% Merlot, 32% Cabernet Sauvignon e 10% Cabernet Franc. Embora possa parecer mais macio que seu oponente, o vinho tem uma estrutura e uma elegância notáveis. Um vinho também para esquecer na adega e se for prova-lo agora, uma longa decantação.

Por fim, as revelações mais polêmicas do painel e do almoço. Começando pelo Petrus, simplesmente  o vinho da safra com 100 pontos e apogeu previsto acima de 2060. A descrição é de um vinho bem encorpado, longa persistência e muita cor. Descritores que não batiam com a amostra num vinho mais frágil e completamente aberto. Das duas uma, ou o vinho era falso ou trocaram o vinho na decantação, pois foi servido às cegas. Ou então havia problemas com esta garrafa. Já tomei esta safra e o vinho era totalmente diferente. Passando para o Leoville, um vinho que entrou no apagar das luzes, um dos melhores Leovilles da história. Um vinho rico, muito estruturado e de longa guarda. Encarou de frente o Petrus, um vinho com custo dez vezes mais. Realmente, Leoville é um deuxième subestimado por muitos. Um final polêmico e surpreendente.

um dos Portos mais exclusivos e históricos!

Um Porto que tive o privilégio de degusta-lo algumas vezes. Seus aromas (toques divinos de violeta e licor de cereja) e sua persistência em boca são excepcionais. O mil-folhas com frutas vermelhas estava divino.

Falando um pouquinho mais do Noval Nacional, são vinhas pré-filoxera de rendimentos muito baixos. Nos anos em que é elaborado, são apenas 250 caixas em média de produção para apenas 2,5 hectares de vinhas frente aos 145 hectares da propriedade. Fazendo as contas estamos falando de apenas 9 hectolitros por hectare, redimento de Chateau d´Yquem. Para completar, a safra é excepcional, demonstrando a juventude do vinho. Não poderia ter final melhor!

Foi o primeiro grande encontro da confraria em 2020 com muitos confrades presentes. Que o ano todo seja regado a vinhos excepcionais como estes e o clima festivo e descontraído dos presentes. Que Bacco nos proteja!

Grandes vinhos, grandes safras.

1 de Fevereiro de 2020

O trinômio produtor, vinhedo e safra é levado muito a sério na Borgonha, mas pode facilmente ser estendido a outras regiões vinícolas. Às vezes fico me perguntando porque os vinhos de nosso Presidente são sempre especiais. Entre outros cuidados que ele toma na hora da compra, é prestar atenção nas grandes safras. E isso faz uma enorme diferença, pois o trinômio atinge a perfeição. Foi o que aconteceu num belo encontro no restaurante Mani em Pinheiros.

bela combinação!

Eis o primeiro trinômio: Coche-Dury, vinhedo Perrières, safra 96. Em estilo, talvez somente Roulot para peitar os Meursaults de Coche-Dury. A perfeição de seus vinhos começa nos vinhedos, parcelas minúsculas muito bem trabalhadas. Este Perrières, o mais emblemático Premier Cru de Meursault tem apenas meio hectare de vinhas plantadas em 1950, 70 e 05. A vinificação é em madeira com um bom trabalho de bâtonnage, evitando a oxidação dos vinhos. Os vinhos mais relevantes como Perrières passa de 15 a 22 meses em barricas, sendo mais de 50% novas. No entanto, o casamento do vinho e barrica é sempre harmonioso.

Este 96 estava perfeito. Tem 99 pontos e só perde para si mesmo na safra 2015. Porém, para um branco de 24 anos, o vinho estava deslumbrante. Evoluido, mas não oxidado. Os aromas eram de uma finesse única com toques de frutas secas, frutas amarelas maduras, especiarias delicadas e um mineral que se mistura a um fino tostado. A boca é impactante pela bela acidez que dá sustentação ao vinho, mas sem ser agressiva. O equilíbrio é perfeito, terminando numa persistência aromática extremamente expansiva. Fez um belo par com o tempurá de camarão e quiabo, guarnecido por uma mousse de ervas. O frescor do vinho contrabalançou muito bem a gordura do prato e os aromas sutis de ambos valorizaram o conjunto. 

img_7269as safras fazem a diferença!

Nemhum dos dois acima é Premier Grand Cru Classé, mas as safras de ambos fazem a diferença. O Montrose 90 fizeram o vinho e jogaram a fórmula fora. Um vinho sensacional que em certos momentos lembra ser um Pauillac, mas sem o mesmo peso. Esta safra particularmente tem indícios de Brett em boa parte das garrafas, mas esta garrafa em especial estava perfeita. Tinha um sutil toque de estrebaria, mas muito bem mesclado à fruta, especiarias e caixa de charutos. Já está delicioso, mas aguenta bons anos em adega.

Já o Palmer 83 foi o tinto do almoço. Ainda tem um platô estável de evolução, mas o vinho é delicioso. Não sei se é melhor que o Palmer 61, um vinho mítico, mas com certeza desbancou seu rival maior, o Margaux 83. Seus aromas lembravam de alguma maneira o notável Haut-Brion, um Premier Cru de grande distinção. Em todo caso, os toques de sous-bois, frutas escuras, alcaçuz, e traços florais, inundavam a taça. Não é muito encorpado, mas essa comuna prima pela elegância. Taninos finíssimos, acidez correta e um final de boca muito longo. Um Margaux de livro!

img_7270briga de titãs!

Definitivamente, tenho que rever minhas impressões sobre o Margaux 82, que achava um pouco abaixo dos demais Premiers desta safra. Mais uma garrafa perfeita onde o Margaux 82 tem criado aromas sedutores e uma boca mais harmoniosa, sobretudo em seus taninos. Foi páreo duro para o grande Mouton 82. Um vinho de 100 pontos em mais uma garrafa perfeita. A diferença sutil entre os dois é que o Mouton tem um pouco mais de corpo e de estrutura tânica, mas está delicioso de ser provado. A caixa de charutos, ervas e uma fruta madura deliciosa, dá grande vivacidade ao vinho. Garrafas como esta, podem ser guardadas por vários anos em adega.

pratos muito bem executados

À parte dos belos vinhos, o almoço no Mani foi muito bem elaborado com pratos de grande sabor como este polvo com arroz bomba, o mesmo utilizado na paella e executado com mestria pela Chef Helena Rizzo. A leitoa assada no ponto com farofa e verdura refogada lembrou a boa cozinha mineira de raiz.

img_7265belo vinho da importadora Cellar

Para quem quer provar um Grand Cru da Borgonha sem desembolsar uma pequena fortuna, este Charmes-Chambertin está no ponto. Provado a título de curiosidade, mostrou ser um vinho agradável e pronto para ser tomado, aromas francos e de boa intensidade, taninos presentes e macios. Uma safra jovem e não clássica, onde o vinho se desenvolve mais rapidamente. Muito abordável já na juventude. Outros bons exemplares na Cellar. Falar com Malizia!

Passando a régua, nos resta agradecer a imensa generosidade e fidalguia de nosso Presidente, a companhia de amigos, além de belos vinhos e ótima comida. Coisas simples que fazem reforçar e perpetuar as amizades. Que Bacco sempre nos proteja!

A safra 1959

9 de Janeiro de 2020

Cheguei bem no mundo em 1959, nascendo grandes vinhos na França, sobretudo Bordeaux e Bourgogne. Em mais um ano de vida tive a felicidade de provar algumas garrafas desta safra memorável. Sobretudo em Bordeaux, minha grande paixão, os 59 foram muito bem, em especial o Mouton-Rothschild, nota 100 inconteste. Algumas garrafas até melhores que o grande 82, outro nota 100 incontestável. Mas tudo é um questão de sorte, pois em anos antigos não existem grandes safras, e sim grandes garrafas!

eb8ec6a6-77b7-4c79-8aac-56fb02195ec8briga de titãs 

Nessa disputa não há perdedores, dois grandes vinhos lado a lado. O 59 ganha fácil a principio pela generosidade  e abordagem mais simpática, acolhedora. Já o 61 deixa uma certa distância, apesar da distinção. Taninos mais firmes e aromas mais contidos. Dois grandes Moutons, mas o 59 ganha no fotochart. 

A safra de 59 é muitas vezes comparada a 61 pela proximidade das datas. No entanto, elas têm estilos bastante diferentes. A safra 61 tem um estilo mais sisudo, taninos mais fechados, de muita lenta evolução. O caso clássico é o Latour 61 que está começando a abrir um pouco mais. Muitos não tem paciência de espera-lo, mas é um mamute engarrafado, tal a força e estrutura que um grande Latour possui. Outro 61 memorável é o La Mission Haut-Brion, bem mais acessível e encantador.

29054754-6c36-4133-ae52-1de239cbc023outra bela disputa!

Latour é sempre soberano, ainda mais em belas safras como 59. Um vinho sedutor com a força de um grande Latour. Poucas vezes ele perde para o Mouton, e 59 foi uma destas vezes. Embora com certa dificuldade, há um pouco mais de profundidade no Mouton 59, fato raro nesta disputa.

Quanto ao Margaux 59, está uns degraus abaixo dos dois, Latour e Mouton. Não que não seja um belo vinho, mas não tem a elegância e profundidade dos grandes Margaux. A safra 59 não foi grande para este astro. Já seu concorrente Chateau Palmer se saiu melhor em 59 com 95 pontos Parker. A última garrafa provada de Margaux 59 estava surpreendentemente jovem, nem parecendo com as garrafas anteriormente provadas. Uma garrafa muito bem conservada. O vinho tem dessas coisas.

Voltando a 59, o saudoso Emile Peynaud já dizia que esta safra era rica em extrato, taninos, frutas e demais componentes, apesar de não ter tanta acidez. Semelhante a 82, esta safra pode ser prazerosa jovem, além de envelhecer soberbamente por várias décadas.

96384eba-7f42-4730-9cf1-238a0925fb4eo melhor margem direita em 59

Quanto à margem direita, 59 produziu belos vinhos como Latour à Pomerol, La Conseillante, e L´Eglise Clinet, mas o melhor de todos foi o Trotanoy da foto acima. Trotanoy independente da safra, está no time de elite de Pomerol, entre os melhores chateaux. Este 59 estava inteiro, com fruta exuberante, uma bela estrutura, e muito bem equilibrado.

Alguns Sauternes foram muito bem neste ano, destacadamente os chateaux Rayne-Vigneau e Chateau Gilette. Logicamente, Yquem não foge à regra com um vinho soberbo. Apesar de já ter provado várias safras do rei de Sauternes, esta ainda esta na lista de desejos.

4dcfada5-85d3-47bf-aa57-ae18619db73aBorgonha old school!

Borgonha sedutor, no ponto de ser tomado, com todos os terciários de livro: sous-bois, terroso, licor de cerejas, e um fundo de especiarias finas. Difícil até de combina-lo com comida, tal a delicadeza de aromas e texturas.

Na Borgonha não foi diferente, classificado com outstanding, 59 produziu grandes tintos na região. Alguns dos destaques foram Gros- Renaudot Richebourg, Maison Leroy La Romanée, Romanée-Conti Grands-Echezeaux e Lamarche La Grande Rue Cuvée 59. Lembro-me deste Pommard acima, maravilhoso com todos os terciários desenvolvido de um grande Borgonha.

Aproveitando o ensejo, agradeço imensamente a todas as mensagens de felicitações por mais este ano de vida, sempre postando os melhores vinhos, as melhores mesas, e tudo que a enogastronomia é capaz de proporcionar. Sempre juntos em 2020!

 

Briga de Barolos, trufas e muito mais

17 de Dezembro de 2019

Nos últimos eventos de 2019 grandes vinhos desfilaram em mesas refinadas onde as trufas brancas sempre roubam a cena. Entre champagnes, brancos, e tintos, destaque para os Barolos e bordeleses, os vinhos antigos se harmonizando com as trufas. Mais do que Barolos e Barbarescos para combinarem com elas, a idade do vinho e seus aromas terciários são a chave ideal para a combinação perfeita.

estilos diferentes e encantodores

Dois champagnes de luxo abrindo o jantar onde a composição de Chardonnay e Pinot Noir não difere muito, mas os estilos são bem diferentes. Normalmente, há uma leve predominância de Chardonnay no corte do Dom Perignon, o qual tem estilo mais leve, mais delicado, belo frescor e ótimo equilíbrio. Esses 19 anos não se mostraram na taça, tal a extrema juventude demonstrada.

Do lado do Cristal 2009, um champagne de mais corpo e estrutura com leve predominância da Pinot Noir sobre a Chardonnay. Longo em boca, começando com belo frescor e logo em seguida, uma cremosidade notável. Um champagne muito gastronômico.

tartar de salmão e vieiras

A leveza e acidez do tartar de salmão caiu muito bem com a textura e o frescor do Dom Perignon. Uma harmonização estimulante, sempre refazendo o paladar. Do lado das vieiras grelhadas, acompanhando foie gras e trufas, o champagne precisava ser mais rico e estruturado. A maciez e os aromas do Cristal foram muito bem com os sabores do prato.

Montrachet e camarões

O Montrachet Bouchard Pére & Fils em formato Imperial foi o suficiente para regar o jantar. Mesmo com seus 15 anos de idade, o vinho era de um frescor impressionante. Não está no time de cima dos grandes Montrachets, mas é muito elegante e equilibrado. Tem um estilo mais leve e agudo lembrando produtores como Leflaive e Ramonet num nível evidentemente um pouco abaixo. Com a cremosidade delicada do bobó de camarão, a harmonização ficou perfeita.

duas imperiais em momentos distintos de evolução

Os grandes formatos, no caso imperial, ficaram como o Mouton 1975 e o Margaux 95. No caso do Mouton, um vinho maduro, de corpo médio, não muito longo em boca, mas muito equilibrado e com todos os terciários de um grande Pauillac, caixa de charutos, café, e ervas finas. 

Para o Margaux 95, um vinho ainda em transição, saindo da juventude e começando a entrar na maturidade. Mais encorpado que o Mouton, maior carga tânica, embora de alta qualidade, e mais longo em boca. Os aromas florais, de sous-bois, e toques minerais, eram evidentes. Deve evoluir bem por mais vinte anos. Exemplo de um grande Margaux.

pratos de carne consistentes

Um filé mignon na mostarda com molho rôti para o Mouton 75 acompanhado de cuscuz marroquino. A mostarda tem a propriedade de equilibrar vinhos mais novos e ao mesmo tempo, levantar o sabor de vinhos mais maduros. Já para a costela cozida lentamente e defumada de sabores consistentes era exigido um vinho de maior corpo e estrutura. O Margaux 95 deu conta do recado. Sua densidade e tanicidade cairam muito bem. 

Encontro de Barolos e Barbarescos

img_7121Com 30 anos já podemos pensar em trufas

Pena que o Monfortino 88 estivesse levemente prejudicado, algo de bouchonné, embora pudéssemos notar sua grande estrutura. Um vinho de escola tradicional onde os toques terciários de trufas, alcatrão e notas terrosas, ficam bem salientados. Já o Granbussia 88 de Aldo Conterno estava surpreendentemente jovem pela idade, mas com lindos toques de evolução, sem perder a fruta. Foram muito bem com os pratos de trufas.

ravioloni e risoto zafferano

O ravioloni recheado de castanhas e porcini com queijo bel paese estava divino, sobretudo complementado pelas trufas brancas. Já o risoto zafferano é um clássico que dispensa comentários também com trufas raladas. Nem é preciso dizer que esses Barolos evoluídos harmonizaram muito bem. É bom frisar que não basta ser Barolo ou Barbaresco, o vinho precisa estar evoluído para dar liga na harmonização.

img_7127safras históricas de Monfortino

O Monfortino da esquerda não aparece na foto, mas é safra 1985 em formato Magnum. Embora já esteja no auge para ser bebido, esta garrafa está muito bem conservada, podendo evoluir por mais alguns anos. Um Barolo de raça, taninos possantes, e aromas etéreos. Tem 96 pontos. Já o Monfortino 1978 é um  Barolo histórico com 98 pontos e plenamente evoluido. Os toques terrosos, de trufas e alcatrão são didáticos. Para a maioria do pessoal, foi o vinho da degustação.

img_7126o Mestre Angelo Gaja

Aqui no mesmo ano 1989, vê-se claramente a diferença entre Barolo e Barbaresco num mesmo produtor. O Barolo é mais encorpado, mais tânico, mais viril. Agora um Barolo de Angelo Gaja tem uma classe a mais que é difícil de explicar. Uma finesse de aromas e taninos, além de um equilíbrio sensacional e fino acabamento. O Costa Russi, uma das três joias de Gaja é tão fino e delicado que nem parece italiano. Pode coloca-lo no meio de Borgonhas da apelação Pommard que passa fácil. Um tinto encantador com notas florais, de alcaçuz, cerejas escuras em licor, e muita mineralidade. Sensacional dueto!

Yquem e os queijos

Passando a régua, uma double Magnum de Yquem 1999 com vinte aninhos. Já em plena maturidade, um Yquem clássico, untuoso, cheio de botrytis, mel, damascos, caramelo e frutas exóticas. Muito equilibrio e de final longo. Para esta safra temos 13,8 graus de álcool e 128 gramas de açúcar residual por litro. Um prato de queijos de sabores intensos como Serra da Estrela, Brillat-Savarin e outros franceses, caiu como uma luva com o Yquem, fechando a refeição.

Que o Ano Novo comece tão farto quanto o crepúsculo do ano que se encerra com belos vinhos, boa mesa, e muita confraternização entre amigos. Saúde!

 

A seleção de 90 que deu certo!

14 de Novembro de 2019

Já se vão quase 30 anos que talvez a pior seleção brasileira dos últimos tempos fez uma campanha medíocre em campos italianos no mundial de 90 com o inesquecível técnico Lazaroni. Em contrapartida os vinhos europeus da safra de 90 marcaram época e formaram um timaço. Neste contexto, um grupo de confrades se reuniu para saborear um time com dez bordaleses da melhor estirpe na badalada Steakhouse argentina Corrientes 348 na filial da Mario Ferraz em São Paulo.

a excelência em champagne

É evidente que para brindarmos esta bela ideia, um grande champagne deveria dar o tom do almoço. Nada melhor que um Dom Perignon 1971 P3, não encontrado no Brasil. Umas safras de maior prestígio, atingiu a terceira plenitude após 25 sur lies antes do dégorgement. Um champagne ainda cheio de vida, mas com os toques nobres de envelhecimento, evocando mel, praline, pâtisserie. Mousse muito agradável e delicada além de um final de boca muito bem acabado num equilíbrio fantástico de frescor e maciez.

Na montagem deste time bordalês, separamos primeiramente dois grandes grupos: margem direita e margem esquerda. Duas duplas de margem direita e dois trios de margem esquerda, conforme descrição abaixo.

img_6904a exuberância da Merlot

Neste primeiro embate, L´Evangile se supera num melhores L´Evangiles de todos os tempos. Com 60% Merlot e 40% Cabernet Franc é um vinho sedutor que está atingindo sua plenitude. Aromas de frutas em geleia, notas terrosas e de ervas, além de uma boca macia, bem equilibrada e com final delicioso. Deve manter-se com esta exuberância por bons anos ainda. Já o La Conseillante 90 é o mais feminino e o mais delicado de todo o painel. Calcado um pouco mais na Merlot, seus aromas são florais e delicados. Não é uma safra tão potente como L´Evangile, mas exibe elegância e equilíbrio. Taninos bem moldados e uma bela acidez lhe garantem bons anos em adega.

img_6906um lado masculino de margem direita

No caso do Chateau Figeac temos a predominância das Cabernets (Franc e Sauvignon em proporções semelhantes), sendo o último terço Merlot. Percebe-se aquela lado mais austero do vinho em relação a um Saint-Emilion clássico. Isso se deve a um terreno mais pedregoso já fazendo fronteira com Pomerol, vizinho de parede com o grande Cheval Blanc. Um vinho que vem se desenvolvendo bem, mas ainda tem muito chão pela frente. Deu azar de estar ao lado do Chateau Lafleur neste flight, um dos Pomerols mais impressionantes, capaz de enfrentar o grande Petrus cara a cara. Um vinho denso, com um estrutura de taninos invejável e de longo amadurecimento. Ele tem a força dos grandes Bordeaux com a elegância dada pela alta porcentagem de Cabernet Franc. Foi o vinho menos pronto do painel com longa persistência aromática. 

img_6907disputa acirrada

Neste primeiro flight de margem esquerda, temos um grande Margaux, um dos melhores das últimas décadas deste elegante chateau. Apesar de 100 pontos Parker, é um vinho que requer paciência e longa decantação. Seus aromas ainda são tímidos e em formação. Seu equilíbrio em boca é fantástico com taninos de rara textura. É um vinho de longa maturação com apogeu previsto para 2040. Seus aromas terciários começam a se forma, podendo ainda entrar numa fase de latência. Em seguida, o derby mais disputado em Bordeaux: La Mission versus Haut Brion. Como sempre, La Mission um pouco mais viril com taninos mais marcantes. O Perfil aromático é semelhante com as notas animais, de tabaco, e ervas finas. Contudo, Haut Brion acaba sendo mais elegante e sutil, embora as preferencias pessoais sejam diversas e polêmicas. De fato, se trata de dois grandes Pessac-Léognan. Desta feita, Parker dá dois pontinhos a mais para Haut Brion.

img_6908um trio de grande equilíbrio! 

É difícil em qualquer disputa de margem esquerda Latour não se sobressair. Um dos mais imponentes e consistentes chateaux do Médoc, nesta safra 90 ficou um pouco aquém do que se espera de um grande Latour. Mesmo assim, trata-se de um vinho harmonioso, taninos bem trabalhados e muito equilibrado. Pode ser apreciado no momento, ou deixado por anos em adega. Já o Montrose 90 é um monstro de vinho. Fora a safra anterior de 89, os demais Montrose de um modo geral não chegam neste nível de potência e qualidade. Um vinho denso, exuberante, com belos traços terciários, e de longa persistência. Neste caso, intimidou um pouco o grande Latour. Por fim, o melhor Pichon dos últimos tempos, se tratando de Pichon Baron. Um vinho musculoso, com taninos abundantes e muito bem delineados. Seu equilíbrio e sua persistência aromática são notáveis. Neste safra, fuja do Pichon Lalande, geralmente superior a seu rival. Não sei o que aconteceu, mas em 90 erraram a mão no vinho, ficando muito abaixo de seu padrão normal. Sua compra só se justifica pela prontidão e pelo preço convidativo, se for o caso.

taças Zalto para a degustação

A degustação ocorreu com as lindas e precisas taças Zalto acompanhando cortes de carne ao ponto, condição magnifica pela suculência da mesma para domar os nobres taninos da elite de Bordeaux.

carnes ao ponto

Para grandes vinhos como estes, às vezes um simples churrasco bem planejado é o suficiente para acompanhar os vinhos, deixando estes últimos serem as estrelas do evento.

costeletas de cordeiro e palmito grelhado

O bife ancho e o vacio (fraldinha) na foto acima foram alguns dos cortes provados no almoço, sempre com acompanhamentos apropriados como arroz biro-biro, batatas, salada, palmito, e molho de ervas.

preciosidades dos “espíritos”

Fechando este belo almoço, ainda deu tempo para alguns Puros Reserva e Gran Reserva, acompanhando bebidas especiais como Taylor´s  Porto Vintage 94, uma das safras do século XX. Ainda novo, tenho acompanhado este Porto há tempos. Sua evolução é muito lenta, ainda na fase de juventude. Deve ser decantado por pelo menos duas horas. 

Em seguida o licor francês mais famoso, Chartreuse, e um dos expoentes da Maison Hennessy, o cognac Richard. No caso do licor, trata-se de uma partida rara de apenas 120 garrafas elaboradas pelos monges, a partir dos melhores chartreuses das últimas décadas na versão Vert, mais intensa e alcoólica. Já o grande Richard, parte de uma assemblage muito especial onde o cognac mais jovem, tem pelo menos 50 anos. Na maioria da mistura, os cognacs superam os 100 anos. Sabores indescritíveis. Coisas do nosso “Presidente”. 

Falando em Presidente, esta seleção 90 é para quem conhece Bordeaux profundamente. Alguns vinhos geniais que se superaram nesta safra como por exemplo o Pichon Baron, quase sempre relegado ao segundo plano quando se fala de Pichon Lalande. 

Agradecimentos a todos os confrades presentes, especialmente ao Presidente por todo o esquema montado. Que Bacco sempre nos guie na prospecção de grandes vinhos em grandes safras!

Bordeaux Históricos: Chutando o Balde!

27 de Julho de 2019

Sabe aquele dia de maldade.  Aquele dia que você acorda e pensa: hoje eu vou chutar o balde!. Não quero correr riscos, só certezas, o céu é o limite, o dia perfeito. Foi o que aconteceu no ótimo restaurante Picchi, sob a batuta do talentoso Chef Pier Paolo Picchi no comando das panelas, e o competente Ernesto, sommelier da Casa com larga experiência em serviço do vinho.

O tema foi simplesmente vinhos nota 100. Realmente, sem comentários. Vinhos consagrados pela crítica especializada e que se firmaram definitivamente ao longo do tempo. O foco central foram os grandes Bordeaux, mas as estrelas do Rhône, além de Champagne e Borgonha, brilharam igualmente.

 12 anos sur lies

Para iniciar os trabalhos, um Dom Perignon Oenotheque 96 com 97 pontos Parker. Uma maravilha de champagne, ainda com muito frescor dado pelo prolongado contato sur lies. Na atual nomenclatura da Maison, este Oenotheque  equivale ao P2, ou seja, segunda plenitude. Elegante, mineral e com final marcante.

bela harmonização com vieiras

Antes de partir para os tintos, um belo Chevalier-Montrachet de Madame Leflaive foi servido com vieiras e couve-flor. A harmonização enfatizou o frescor e o lado mineral do vinho. Apesar de alguns anos de evolução, safra 2002, o vinho estava macio, envolvente, com toque amanteigados e de frutas secas, sem nenhum sinal de decadência. Quase no nível do 92, o qual é um dos grandes da história do Domaine.

img_6402beirando a perfeição

Já chutando o balde, de cara o Haut Brion 89 no primeiro flight. Uma safra histórica para o Chateau com muita intensidade nos aromas, boca ampla, e equilíbrio perfeito. Não tem como tirar ponto deste vinho. Destaque absoluto do jantar. Seguindo a toada, um Montrose também histórico. Denso, marcante, taninos poderosos e super finos. Longa persistência aromática. Por fim, O La Mission 89 destoou um pouquinho dos demais que estavam perfeitos. Longe de estar com problemas, um vinho ainda um pouco fechado, sisudo, mas com belo frescor e taninos ainda abundantes. Deve ser obrigatoriamente decantado, pois melhorou muito na taça. Início arrebatador!

img_6403ano de muita expectativa

Indo agora para a turma de 90, um trio de respeito. Cheval Blanc esbanjou elegância, o que é mais que esperado. Macio, equilibrado, cheio de sutilezas, e um final muito bem acabado. Já o Montrose 90 que muitas vezes pode apresentar um Brett excessivo (toques animais acentuados), desta feita a garrafa estava perfeita com tudo no lugar. Decidir entre Montrose 90 e 89 é muito mais uma questão de gosto, do que técnica. Mais um vinho para ficar na memória com sabores marcantes e profundos. Por fim, o Margaux 90, um vinho cheio de nuances que ainda não está pronto. Precisa ser decantado com antecedência, além de muita paciência na adega, pois tem segredos a revelar. Foi o que menos emocionou neste trio no momento.

img_6404o Rhône Brilha!

Neste flight, só o fato de termos um La Chapelle 78 já é motivo de contemplação. Um dos Hermitages históricos no nível do mítico 61. Um dos vinhos que requer maior tempo de guarda, após mais de 40 anos de safra, estava divino. Seus toques defumados e de chocolate são muito bem mesclados com a fruta, além dos taninos totalmente polimerizados. Um veludo em boca com grande expansão final. 

Já na trilogia dos Hommages, alguns probleminhas. Começando pela safra 90, estava perfeita. Totalmente íntegro, sem sinais de decadência, este vinho tem muito poder de fruta, rico em ervas e especiarias. Tem um lado balsâmico, um certo toque de incenso, formando um conjunto harmonioso. O grande destaque do trio. Na safra 89, a primeira baixa do jantar. O vinho estava prejudicado com o característico bouchonné. Mesmo assim, dava para perceber a força deste vinho. Denso e de longa persistência. Seria certamente o vinho do flight se estivesse perfeito. Por fim, a safra 98 é bastante atípica para esta cuvée. Com grande porcentagem de Grenache ao invés de Mourvèdre, o vinho apresentou-se muito macio, além de discreta estrutura tânica. Muito agradável de ser tomado, mas falta aquela profundidade dos grandes vinhos.

escargot e coelho no menu

Fazendo uma pausa nos vinhos, a foto acima revela alguns pratos do jantar. O da esquerda (polenta, escargot, e berinjela levemente defumada), formou um belo par com os Bordeaux 89 com toques terrosos e traços empireumáticos casando perfeitamente com os vinhos. No agnolotti de coelho à caçadora, prato muito bem executado, a parte aromática, rica em ervas, além da elegância e textura do conjunto, foram fatores decisivos para amalgamar os ricos sabores da trilogia Hommage. Ponto alto do jantar!

44409b0d-7314-405c-9f3e-f5356a26f17fdois mitos bordaleses

Agora para tudo!. Eis que chegam às taças, Mouton 45 e Haut Brion 61. Difícil traduzir em palavras as sensações provocadas por esses “monstros”. Só a incrível riqueza de frutas que um vinho com mais de 60 anos consegue preservar, já vale a experiência. Este Mouton é daqueles vinhos imortais que desdenham o tempo. Uma força, uma energia, uma maciez em boca, taninos quase glicerinados, e um final arrebatador. O único vinho que lembrou nos aromas algo deste Mouton foi exatamente o Haut Brion 89, outro monstro que está sendo criado ao longo do tempo. 

Falando agora do Haut Brion 61, é outro sonho, outro devaneio. Toda a elegância do Haut Brion potencializada numa grande safra, rica em taninos e de grande frescor. Os terciários deste vinho são incríveis com muita torrefação, ervas, tabaco, e um toque de carne grelhada sensacional. É difícil compara-lo ao Mouton 45, pois obras de arte não se comparam. De todo modo, um exemplo marcante onde a perfeição tem vários caminhos, e todos eles igualmente surpreendentes. Bravo!

img_6406a essência de 82

Neste último grande momento, a elite de 82 pede passagem. O Latour 82 como sempre, todo soberano, de uma altivez e elegância ímpares. Uma estrutura de taninos fabulosa, ainda capaz de vencer décadas em garrafa. Boca perfeita, poderosa, e ampla. 

Quanto aos outros dois, Pichon Lalande 82 é daqueles vinhos que fizeram apenas uma vez e jogaram a fórmula fora. Mesmo sendo um deuxième, se impôs de uma tal maneira sobre o Mouton, mesmo de uma garrafa perfeita. Parece que ele está mais vivo, poderoso e estruturado que o prório Mouton. Elegante ao extremo, taninos ultra polidos e um final de boca duradouro. O Mouton 82 sempre fantástico, mas a cena ficou com o Pichon mais uma vez. 

Fim de noite, muitas conversas, taças ainda guardando as emoções de um grande encontro. Os grandes anos da segunda metade do século XX nos brindando o novo milênio que está só começando. A vida é uma sucessão de fatos que marcam cada época e a transmissão de experiências que se perpetuam. Os grandes Bordeaux ao longo das décadas traduzem com maestria este pensamento, onde a longevidade faz reviver emoções que revelam peculiaridades de um tempo passado.

Agradecimentos eternos a todos os confrades por esses momentos absolutamente inesquecíveis, só mesmo possíveis, pela generosidade e amizade que nos unem. Que Bacco sempre nos proteja nestes devaneios …

Bordeaux em quatro atos

27 de Abril de 2019

Neste cenário paradisíaco  aconteceu um belo almoço envolvendo Grand Cru Classés de Bordeaux, tanto da  margem direita, como da margem esquerda, em flights às cegas. A despeito da colocação  e preferência de cada um, não houve vencedores e perdedores. Todos os tintos mostraram seu valor, tipicidade de terroir, e porque são considerados ícones nas mais rigorosas avaliações da crítica especializada.

 

exclusividade para doze convidados

 

abrindo e encerrando o evento

Antes dos flights propriamente dito, a recepção foi regada a Dom Perignon 2006, uma safra generosa em aromas com certo toque de tropicalidade em seu estilo, geralmente mais austero. Champagne de 96 pontos já muito prazeroso no momento, mas com bom potencial de guarda.

Passando a régua, já com as sobremesas e charutos, um bebezinho em magnum foi servido para deleite dos convivas, Taylor´s Port Vintage 2003. Outra safra generosa em aromas, de grande corpo e concentração, mas ainda em tenra idade. Deve evoluir por décadas em garrafa, entrando na galeria dos grandes Vintages da Casa, a qual é uma de suas especialidades.

algumas das delicias do Chef Magaldi

O Chef Magaldi do buffet Fasano abrilhantou o almoço numa sucessão de pratos muitos bem executados. Alguns dos destaques que combinaram muito bem com os vinhos servidos foram o ravióli de zampone com ossobuco, e um corte de Wagyu ultra maturado e marmorizado de uma maciez e sabores impressionantes. Grande Magaldi!

img_6016confronto de margens

Sem mais delongas, vamos ao primeiro flight, num par de Moutons, ladeado por um Pomerol, Chateau L´Evangile. Na preferência dos convivas, L´Evangile ganhou com folga. Pudera, com 95 pontos Parker numa das melhores safras de Pomerol, o vinho esbanja fruta, certa maciez em boca, embora possa envelhecer com propriedade por longos anos. Com 72% Merlot e 28% Cabernet Franc, seu balanço entre graciosidade dada pela Merlot e uma certa estrutura e elegância advinda da Cabernet Franc, garantiram o primeiro lugar. 

Quanto aos Moutons, são muito parecidos em notas, 97 pontos para o 98, e 94 pontos para o de safra 96. A safra 98 para a margem esquerda, proporcionou vinhos um pouco mais duros, de taninos de longa guarda, razão pela qual o 96 mostrou-se mais gracioso, mais abordável no momento. Dois belos Moutons que devem envelhecer com muita dignidade.

img_6017sua Majestade, Chateau Latour

Um trio de Latours deu um ar de imponência à degustação. O Latour 88 já apresenta boa maturidade, embora possa envelhecer com tranquilidade por longos anos. Sua estrutura tânica e seu toque aromático de couro fino são notáveis. Foi o mais pronto do trio. A grande surpresa do flight foi a diferença de garrafas entre os dois 90 acima, provando mais uma vez que em vinhos antigos não existem grandes safras e sim, grandes garrafas. Uma delas estava divina, vinho elegante, taninos de rara textura, e longo em boca. Já o outro exemplar de mesmo ano, parecia um pouco cansado, com aromas evoluídos para esta idade de garrafa. Davam a impressão de dois vinhos de safras diferentes, bastante didático.

img_6018Destaque para o Chateau Margaux

No terceiro flight, aparece um vinho de 100 pontos, Chateau Margaux 1990. Em todas as avaliações de Parker, consistentemente 100 pontos com apogeu previsto para 2040. Uma das grandes safras deste Chateau com taninos de veludo. Boca perfeita, aromas elegantes envolvendo cedar box, especiarias, e um toque de sous-bois. Longa persistência aromática e um final arrebatador.

Os outros dois do páreo não eram do mesmo nível de perfeição. O Haut Brion 86 que alguns acharam um pouco cansado, estava delicioso mesmo assim. Talvez pela safra, potente em taninos, o vinho ainda apresenta um estrutura impressionante com mais de trinta anos. Os aromas de cacau, couro e incenso, ratificam a elegância deste Chateau. Quanto ao Latour 93, o infanticídio do almoço. Muito novo para um Latour num dos melhores vinhos da difícil safra 1993. Um tinto ainda com taninos potentes, aromas um tanto fechados, embora muito elegante. Vinho de longa decantação para ser apreciado no momento.

img_6023Pavie, o único em Magnum do painel

Chateau Pavie 2004 degustado em Magnum, mostrou a sensualidade da margem direita. Fruta deliciosa com toques florais e uma boca firme, embora sedutora, num blend que além da majoritária Merlot, conta com as duas Cabernets, Franc e Sauvignon, proporcionando mais estrutura. Deve envelhecer bem em adega.

Chateau Haut Brion 2000, outro infanticídio com apogeu prevista para 2050. Um vinho praticamente perfeito com 99+ pontos Parker. Gostaria de saber de onde ele tirou um ponto deste vinho. Boca grandiosa, equilíbrio perfeito, e longa persistência final. Os aromas ainda são tímidos, mas com muita tipicidade. Ervas, estrebaria e um toque de tabaco. Um grande vinho, ainda muito longe do que pode oferecer de pleno prazer. 

Por fim, a grande injustiça do almoço, ficando na lanterna deste flight. É bem verdade que 95 não é uma grande safra deste Chateau. Contudo, Cheval Blanc é um dos vinhos mais elegantes entre todos os Bordeaux. Um bouquet fino, ricos em ervas e especiarias. Em boca, taninos delicados, bem integrados, e um equilíbrio dos grandes vinhos. Talvez, pelo nível alcoólico do pessoal nesta altura do campeonato, esses detalhes passaram desapercebidos.

img_6026mais um embate entre margens

Deu tempo ainda para mais uma dupla poderosa com 95 pontos cada um. No caso do Mouton, a safra 95 proporciona vinhos muito macios, elegantes e de taninos suaves. É um vinho muito gostoso de ser tomado com as notas de cassis, café e um leve toque de tabaco que será amplificado com o tempo em garrafa. No caso do Valandraud 2000, a maciez e sensualidade continuam por uma questão de terroir, onde a Merlot confere maciez e elegância, enquanto a Cabernet Franc aporta estrutura e firmeza ao conjunto. 

De todo modo, foram flights diversificados, curiosos em certos aspectos, mostrando a grandeza e pluralidade da mais fina região de tintos do mundo. Agradecimentos a todos os confrades, que proporcionaram momentos de alegria e descontração.

a hora da fumaça!

Já fora da mesa, cafés, fortificados e destilados entraram em ação. Cohibas das mais variadas bitolas, inclusive Behikes estavam à disposição. Grappas Poli, das mais refinadas da Itália estavam presentes nas versões com e sem madeira. Um pouco mais de conversas, piadas e risadas. Essa é a essência da vida.

img_6030para aqueles que ainda tinham sede!

No apagar das luzes, para os que tinham sede e alguns amigos de última hora, foram abertas mais duas garrafas dos rivais, Bordeaux e Bourgogne. Maison Leroy e seu elegante Volnay, um tinto  de Beaune dos mais delicados, convivendo com os vinhos de Meursault. Safra precoce e já bastante abordável. No lado bordalês, um dos destaques da safra 2003. Um vinho cheio de vida, rico em frutas e toques empireumáticos, lembrando café e notas tostadas. Boca ampla, cheia de taninos finos, e final expansivo.

Hora de ir pra casa e sonhar com os anjos. Agradecimentos especiais ao anfitrião pela imensa generosidade e simpatia em nos agradar sem limites. Que Bacco nos proteja e nos proporcione mais encontros memoráveis. Abraços a todos!

Latour e algumas preciosidades

17 de Março de 2019

Quando um Latour está sobre a mesa, os demais vinhos o reverenciam, independente de seus pedigrees. Entre champagnes, Domaine Leflaive, e outros margens esquerdas de prestígio, ele reinou absoluto. Antes de falarmos dele, algumas borbulhas, e brancos da Borgonha, deram início a um belo almoço no Ristorantino, Jardins.

estilos de champagne

Neste primeiro embate, grandes surpresas. Sempre tive em mente um estilo delicado e elegante para a cuvée de luxo Dom Pérignon, mas não pensei que fosse tanto. No confronto acima, Dom Pérignon conseguiu ser mais delicado que o Blanc de Blancs Robert Moncuit, um Grand Cru de Le Mesnil sur Oger, terroir de prestígio da Côte de Blancs, mesmas terras do Champagne Salon. Embora fosse 100% Chardonnay, o champagne Robert Moncuit tinha uma estrutura invejável com uma bela acidez. Seu estilo mais gastronômico pede pratos como ostras gratinadas, por exemplo. Encarou com galhardia o todo poderoso champagne da Maison Moët & Chandon.

frutos do mar num caldo com fregolas 

Dando sequência, uma dupla de brancos da Côte de Beaune, dois Premiers Crus. Um de Meursault, do vinhedo Genevrières do Hospices de Beaune 2001, e o grande Puligny-Montrachet Les Pucelles 2002 de Madame Leflaive, seu melhor Premier Cru. Aqui a disputa foi meio desigual. Primeiro pela questão de safras, agravado pela garrafa de Meursault fora de sua melhor forma, ou seja, um vinho um pouco cansado. O Les Pucelles em ótima forma, deu um banho de equilíbrio e elegância numa safra de grande destaque. Embora um Meursault com problemas, ficou notória a diferença de texturas entre os vinhos com o Puligny-Montrachet mais leve e elegante. O prato acima de frutos do mar deu eco aos sabores dos vinhos.

img_5823embate de gigantes

Nesta altura, o ponto marcante do almoço, dois belos Premiers Grands Crus Classés da mítica safra 1959. Latour neste ano foi um dos destaques com 96 pontos, um vinho quase perfeito. É impressionante seu vigor, sem nenhum sinal de decadência. Pelo contrário, esbanja juventude com taninos finíssimos. Bela expansão de boca com aromas multifacetados. Uma garrafa perfeita, assim como o Chateau Margaux a seu lado. Este, talvez tenha sido a melhor garrafa de Margaux 59 que já provei. O vinho estava divino com aromas plenamente desenvolvido, além de perfeitamente macio e envolvente no palato. Mesmo assim, não foi páreo para o Senhor do Médoc, sua majestade Latour.

alguns dos pratos do Ristorantino

Na foto acima, massa com ragu de pato e costela assada com lentilhas, acompanharam bem a força e elegância dos vinhos. Taninos mais polimerizados e aromas terciários pedem pratos com este tipo de perfil. Agradecimentos especiais a toda brigada do Ristorantino pelo serviço dos vinhos e atenção aos detalhes e taças.

img_58221982 na berlinda

Começando pelo Beychevelle 82, talvez a maior safra de toda a história do Chateau, é um vinho encantador, com a complexidade esperada de um Bordeaux envelhecido, sobretudo se tomado sozinho. Entretanto, deu um azar danado de estar ao lado deste gigante, inclusive na garrafa, uma double magnum magnífica, perfeitamente conservada do grande Latour. Pode ser considerado o vinho mais perfeito entre os grandes de 82. Uma cor inacreditavelmente jovem, taninos polidos, o fino aroma de pelica dos grandes Latour, e uma boca perfeita em equilíbrio e expansão. Embora ainda com muita vida pela frente, me pareceu mais acessível que o grande 59 comentado a pouco.

l´Enclos: a essência de Latour

A genialidade do terroir

Os vinhas em torno do Chateau, a construção principal propriamente dita, somam algo com 47 hectares denominado l´Enclos, foto acima. Um terroir único com quinze metros de profundidade de pedras, argila e areia, proporcionando uma drenagem excelente no terreno, e ao mesmo tempo, retendo um mínimo de reserva hídrica para os anos mais secos. Neste sentido, é o melhor solo do mundo para o cultivo da Cabernet Sauvignon que no caso do vinhedo l´Enclos, perfaz cerca de 80% da área. A alta porcentagem de pedras (50 a 80%) está entremeada entre areia e argila, formando as chamadas “croupes graveleuses”, leves ondulações no terreno, semelhante a campos de golfe. Esta maravilha esculpida ao longo de dois milhões de anos, tem pedras originárias dos Pirineus (divisa com a Espanha) e do maciço central ( terras francesas onde se cultiva o melhor carvalho do mundo), devido a cataclismos de outras eras geológicas.

Para alguns especialistas em solos de viticultura, l´Enclos é o melhor terroir de todo o Médoc, considerando  que o fator drenagem do terreno é o mais relevante na escolha dos melhores terrenos de margem esquerda. Lembrando o velho ditado médocain: “o solo do Médoc muda a cada passo”.

 e aquele Yquem para finalizar …

Embora 1946 não tenha sido uma grande safra em Sauternes, Yquem é sempre soberano. Sem aquela untuosidade dada pelos anos onde a Botrytis é mais intensa, é um Yquem elegante com perfeito equilíbrio entre acidez e açúcar. Uma garrafa muito bem conservada acompanhando uma seleção de queijos e sobremesas diversas. Doçuras e contrastes  em perfeita harmonia.

Enfim, mais um encontro memorável com amigos generosos, partilhando experiências e laços de amizade em torno do vinho e da boa mesa. Abraços a todos e que Bacco continue com suas bênçãos!

Verão na Borgonha

12 de Janeiro de 2019

Começando os trabalhos no Ano Novo, a confraria se reuniu em temperaturas altas no restaurante Bela Sintra, Jardins. Clamando por vinhos mais refrescantes, é dada a largada com três Chablis de estilos diferentes, mostrando uma faceta única da Chardonnay no extremo norte da Borgonha.

tudo que se espera de um Chablis

Chablis não é fácil porque não é óbvio. É como a Gisele Bündchen. Sua beleza não está em traços perfeitos, mas sim num conjunto de olhar e personalidade marcantes. É isso, Chablis é cortante, mineral, agudo, sem rodeios, e um grande parceiro de ostras e frutos do mar in natura. Raveneau e Dauvissat são ortodoxos, personificam este estilo sem concessões. Este Grand Cru da foto acima da estupenda safra 2002 tem 98 pontos com louvor e pelo menos mais dez anos em adega. Uma aula de Chablis.

outros estilos

Continuando na rota dos Grands Crus, mais dois Chablis de estilos diferentes. Billaud-Simon à esquerda, excelente produtor, faz um Chablis puro, floral, com mineralidade, mas sem o impacto de Raveneau. Ele é mais macio, mais condescendente, mais fácil de gostar. Muito equilibrado, tem um público cativo. Já Drouhin à direita, um Chablis bem mais redondo, um toque de barrica, mais aromático, acidez mais atenuada, lembrando um pouco, um branco de Beaune. Tem seus adeptos, mas foge de sua essência.

IMG_5529terroirs distintos, mas fascinantes

Deixando Chablis, vamos ao sul da Côte d´Or, em busca dos brancos de Beaune. Um embate extremamente didático de um grande produtor numa bela safra como 2010. Comtes Lafon faz Meursault à perfeição com um didatismo de livro. Na comparação, já a cor é mais rica que o Montrachet. Seus aromas são mais óbvios e intensos. Em boca, a opulência da comuna, a maciez, os toques amendoados e amanteigados, quase gorduroso. Já o grande Montrachet, muito mais tenso, mais reservado, dono de uma acidez altiva e um equilíbrio dos grandes vinhos. Ainda em evolução, será certamente um dos grandes Montrachets desta safra. Por hora, Meursault-Charmes é realmente um charme e sedução. Não há vencedores.

pratos entre vinhos

Entre uma conversa e outra, alguns pratos do almoço escoltando os vinhos. A salada de bacalhau com grão-de-bico ficou bem apropriada para a dupla de brancos de Comtes Lafon (Montrachet e Meursault), enquanto o ensopado de cordeiro com arroz do próprio molho acompanharam bem os bordadeses (Margaux e Pauillac). Vinhos comentados abaixo.

IMG_5530não é fácil peitar Rousseau!

Sem dúvida, a disputa mais surpreendente do almoço, já entrando nos tintos da Borgonha. A safra 2015 dispensa comentários com praticamente 200 pontos na mesa. O Chambertin estava mais jovem na cor com lindos reflexos violáceos. Um nariz delicado, floral, confirmando na boca taninos sedosos e uma estrutura delicada. Tudo indicava ser um Vosne-Romanée. Enquanto isso, La Romanée à direita, mais evoluído em cor e nariz, já com alguns aromas complexos, algo terroso mais marcante. Boca mais potente que seu oponente com taninos presentes, embora muito finos. Longa persistência e com muito a evoluir, mostrou de fato porque é um nota 100. Desbancou Rousseau quase que por nocaute.

A propósito, La Romanée tem alcançado notas altíssimas nas últimas safras, tentando desbancar o mito Romanée-Conti, literalmente seu vizinho. Sua área de vinhas de menos de um hectare, um verdadeiro jardim, é praticamente a metade de seu oponente. Uma briga de titãs!

IMG_5533hierarquia e safra são importantes!

O fecho do almoço tinha que ser bordalês em outra disputa extremamente didática. Do lado de Pauillac, Duhart-Milon 2001, um Grand Cru Classé fora do primeiro escalão. Tendo em conta uma safra mais precoce, este tinto tinha todo os terciários de Pauillac desenvolvidos com tabaco, ervas, e toques animais no aroma. Boca bem resolvida com taninos totalmente polimerizados. Já o grande Margaux, mostra que a evolução de Premier é bem mais lenta, sobretudo na sisuda safra de 1986. Um tinto que beira a perfeição, mas ainda está longe dela. Precisa de mais tempo em garrafa para desenvolver aromas e amaciar taninos. No momento, sua decantação é obrigatória. 

a complexa rotulagem alemã

Na hora da sobremesa, um Riesling alemão apareceu para compor o quadro. Normalmente, a doçaria portuguesa é bem carregada no açúcar, dificultando um pouco a harmonização. Entretanto, a Sericaia do Alentejo, um pudim delicado à base de leite e ovos, é muito bem executada no Bela Sintra, e seu açúcar residual é bem mais comedido. Foi uma das chaves para uma boa harmonização com o vinho, o qual tem açúcar residual perceptível, mas sem exageros, sobretudo por sua incrível acidez para contrabalançar. 

Markus Molitor é um dos mais respeitados produtores do Mosel com um código próprio na cápsula de seus vinhos. A cápsula branca indica um vinho mais seco ou menos doce, a cápusla esverdeada com um nível acima de açúcar, e finalmente a cápsula dourada, definitivamente doce. Mas as armadilhas não param por aí. Neste rótulo acima de cápsula branca, teoricamente menos doce, existe outra classificação de um a três asteriscos (***), indicando crescente nível de maturação da uva e consequentemente de açúcares. Realmente, é difícil entender os alemães. Para completar, Auslese é um grau de doçura intermediária entre o Kabinett e Trockenbeerenauslese.

IMG_5536uma das grandes eaux-de vies!

Passando a régua, uma linda homenagem de Manoel Beato a mim com este Bas-Armagnac maravilhoso datado com minha safra de 1959. Para completar, depois de longa tempo em madeira, foi engarrafado em 1987, ano de nascimento de minha única filha, para comercialização. Só o lado emocional, já vale a experiência. Contudo, sendo o mais técnico possível, é uma aguardente primorosa em seus aromas, profundidade, e equilíbrio. Coisas que só tempo molda à perfeição. Obrigado amigo!

Enfim, está dada a largada 2019 em busca dos melhores vinhos. Que a frequência dos confrades seja a mais intensa possível, aumentando nossos números ano a ano. Obrigado a todos pelo carinho e generosidade, vislumbrando grandes encontros em breve. Saúde a todos!


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