Deixamos para o final algumas preciosidades sem entretanto, ofender as maravilhas dos artigos anteriores. É que este último grande 1961 motivou o tema da degustação. Trata-se do Château Latour à Pomerol, o único margem direita do painel. Tudo começou com um relato de Mr. Parker comparando este 61 com o mítico Cheval 47 e o colocando no topo da lista. Foi o suficiente para fazermos a prova. Aliás, em defesa de Robert Parker, um degustador polêmico e temido, devo dizer que ele é mestre em Bordeaux. As outras regiões eu não discuto, mas Bordeaux, este é o cara. Todos os vinhos degustados nesta série de artigos batem com seus comentários e notas.
Magnum nas mãos do mestre Beato
Vamos então à estrela da tarde. A cor escura impressiona pela intensidade e profundidade. Os aromas são avassaladores, passando por aquela fruta deliciosa e decadente dos grandes de Pomerol. Outros aromas de evolução como humus, sous-bois, alcaçuz, toques de menta, terrosos e finas especiarias inundaram as taças. Ótimo momento para ser provado. Em boca, é extremamente sedoso, generoso e com uma integração álcool/taninos que só essas raridades possuem. São taninos de cadeia longa, totalmente polimerizados e que se fundem ao álcool criando uma textura única. Grande persistência, final expansivo, reverberando todas essas sensações em golpes sincronizados. Uma maravilha!. Porém, tudo tem um senão. Eu não ia falar nada, tal a raridade do momento e o entusiasmo dos confrades, mas mestre Beato não perdoa, é implacável. O vinho tinha um leve bouchonné, mas muito tênue, a ponto de ser quase confundido com o sous-bois também presente, que trata-se de um aroma evoluído de decomposição de folhas úmidas. Conclusão, o vinho era tão maravilhoso e o bouchonné tão desprezível, que dane-se o bouchon! Nota cem com louvor!
Alguns mimos entremeando a degustação: costelinha e canjiquinha
A carne de porco como da costelinha acima vai muito bem com esses tintos evoluídos. Os taninos ficam na medida certa para a fibrosidade delicada da carne. Além disso, a acidez dos vinhos é suficiente para a gordura do prato, sem falar nos aromas tostados de forno que complementam bem os toques de evolução do vinho.
A foto abaixo trata-se de outra raridade, Porto Taylor´s Scion. A história deste vinho começa com uma família tradicional do Douro que entre algumas preciosidades de sua adega tinha duas pipas de vinho do Porto muito antigas. Tratava-se da colheita de 1855 com uvas pré-filoxera, permanecendo todo esse tempo em madeira, ou seja, uma Porto Colheita de excepcional estágio em pipas. Só para lembrar, esta categoria de Porto exige um mínimo de sete anos em madeira. Após muitas conversas, a família resolveu vender as pipas para a Casa Taylor´s. A ideia inicial e natural era das mesmas entrarem na composição dos lotes para elaboração do Porto 40 anos, máxima categoria para um Porto com declaração de idade. Contudo, decidiu-se por uma solução ousada e criativa. Lançar uma edição especialíssima engarrafando o vinho sem mistura em lindas garrafas de cristal (foto abaixo) com o nome Scion. O significado deste nome engloba tradição familiar e uvas pré-filoxera.
Porto Colheita com mais de 150 anos
A embalagem é condizente com o conteúdo
Agora falando do vinho, é uma peça de exceção. Cor maravilhosa, bem menos evoluída do que se espera par um Porto desta idade. Já é um sinal diferenciado. Os aromas são ao mesmo tempo intensos e delicados com aquela fruta em compota espetacular, frutas secas, toques balsâmicos, minerais, resinosos e de especiarias. Um equilíbrio notável entre álcool e acidez que só os raros e grandes Colheitas são capazes. Vale a pena informar alguns dados técnicos deste vinho: 189 gramas de açúcar residual por litro e 8,76 gramas de acidez tartárica. São valores superlativos e dificilmente alcançados, mesmo em vinhos especiais. Só para comparar, um Porto na categoria de 40 anos, que tem vinhos extremamente selecionados onde os valores acima ficam em 134 gramas de açúcar por litro e 5,2 gramas por litro de acidez tartárica, já são indicadores bem acima da média. O fato é que os Colheitas com longa permanência em pipas concentram mais açúcares por conta da evaporação relativa da água. Por isso, só os vinhos com alta acidez tartárica são capazes de restabelecer o equilíbrio necessário.
Sauternes em alto estilo
Encerrando a tarde, duas referências da botrytisação, da famosa apelação Sauternes. A safra 2001 é de alto nível, prometendo muito ao longo dos anos, mas de vez em quando, temos que cometer algum infanticídio. Começando pelo Suduiraut, é um dos melhores abaixo do mítico Yquem. Concentrado, potente, rico em aromas e de um equilíbrio notável. Tudo que se espera de um Sauternes de estirpe. Contudo, a comparação é cruel. O astro maior, o fabuloso Yquem, ainda mais numa grande safra, não tem como medir forças. A potência, a complexidade aromática, e o alto nível de botrytisação, convergem para uma elegância, equilíbrio e untuosidade ímpares. Este pode ser guardado para os futuros netos. É vinho para virar o século!
E assim foi-se mais um longo sacrifício. Entretanto, o que a gente não faz pelos amigos!. Resta-me agradecer a companhia de todos, os momentos mágicos vividos, e expectativa de novos encontros. Saúde a todos!