Num agradável almoço no recém-inaugurado restaurante de carnes Ânima Mea (alma minha em latim), mesmos proprietários do Cór em Pinheiros, sob a supervisão do assador Renzo Garibaldi, alguns bordaleses desfilaram à mesa.
harmonização de frescor
Na espera dos confrades, um grande branco da América do Sul, White Stones da bodega Catena (foto acima). Um dos topos de gama da vinícola, este branco é elaborado com Chardonnay em elevada altitude (1500 metros) na região mendocina de Tupungato num vinhedo de apenas 2,5 hectares. Um branco de grande mineralidade e frescor num equilíbrio perfeito com modestos 13° de álcool. Muito harmônico e persistente, a madeira é imperceptível num vinho de grande distinção, apesar de fermentado e amadurecido em barricas. Sua acidez chega a quase 9 gramas por litro, índice de vinho-base em Champagne. A combinação com o prato ao lado; mexerica, molho de pepino e burrata, foi de grande frescor e leveza.
200 pontos na mesa
Após as preliminares, o ponto alto do almoço, carnes e tintos bordaleses. Comentar estes dois tintos é enaltecer a safra de 82 em terroirs consagrados como Saint-Julien e Pauillac. O Pichon Lalande 82 talvez seja o melhor Pichon já elaborado, tal a concentração e elegância deste vinho. Costuma bater às cegas o Mouton de mesma safra que já é um monumento. Infelizamente, esta garrafa em questão não é das mais gloriosas. Um dos indícios, era o nível do líquido um pouco abaixo do esperado, quase no ombro da garrafa. Mesmo assim, ele foi se abrindo aos poucos com alguma acidez volátil no início da degustação. Seus toques de tabaco e chocolates eram notáveis num vinho com o corpo e presença de um grande Pauillac.
Já o Gruaud Larose estava perfeito. Depois da mítica safra de 1961 para este tinto, este 82 é seu digno sucessor. Um Bordeaux envelhecido de livro com o cassis, tabaco, ervas finas, e um fundo mineral, tudo muito elegante. Equilíbrio perfeito, taninos de seda, e longa persistência aromática. Desta vez, o Pichon Lalande teve que admitir a derrota. Contudo, confrontando garrafas ideais, este Pauillac acaba mostrando sua força e nobreza.
riqueza de sabores
O Chef Geovane Godoy caprichou neste dois pratos, ricos em sabor. Esse arroz de pato (foto acima) numa versão espanhola, é feito com arroz de Valência à moda de uma paella com os sabores do pato e emulsão de chorizo, dando um toque defumado. A textura é sensacional. Já a metade maior do T-Bone, um dry-aged de 45 dias, é a especialidade da Casa. Este corte que é o contrafilé, combinou muito bem com os tintos, pois tem sabor e suculência para os taninos bordaleses. A concentração de sabores de um dry-aged e a ausência de sangue, embora o corte seja mal passado, deixa o visual e o paladar diferenciados, numa experiência que vale a pena. Você se satisfaz com quantidades menores, tal a riqueza de sabores.
esta assinatura impõe respeito!
Se você quiser provar um Cult Wine de Napa Valley de alma bordalesa sem pagar um fortuna, Dominus é a única escolha. Não que seja barato, mas comparado com seus concorrentes, os preços são bem atraentes. Prova disso, foi a naturalidade que ele encarou a degustação no meio dos dois bordaleses acima. Sem intimidação, embora ainda muito jovem, exibiu sua classe, presença e equilíbrio notáveis. Seus 98 pontos traduzem bem a equivalência com seus concorrentes franceses. As safras 91 e 94 são notáveis, provando a longevidade deste tinto. Colocado às cegas no meio de bordaleses, pode fazer um estrago e rever conceitos.
este rótulo é muito chique!
Como ainda estávamos com sede, deu tempo para esta criança acima, Clos de Tart 2001, o maior entre os Grands Crus de Morey-St-Denis. Um tinto de história milenar e um dos mais enigmáticos da Borgonha. Embora decantado e numa paciente espera, ele não se abriu totalmente. Tanto na cor como nos aromas, ainda muito jovem. Muito aroma primário com toques florais e de cerejas escuras, seu lado terciário ainda muito tímido. E olha que 2001 não é daquelas safras poderosas que precisam de longo envelhecimento. Mas os mitos são assim, temperamentais e surpreendentes. Quem tiver paciência, pode ser inesquecível.
Terminado o almoço, mal sabia que o dia estava apenas começando. Convocado por nosso Maestro, tive que partir para o sacrifício. Alguns Puros exclusivos e algumas garrafas especiais como a da foto abaixo, o monumental Nacional 1963. Se não bastasse este ano mítico, um Quinta do Noval Nacional já é um ponto fora da curva.
O termo “Nacional” refere-se a parreiras pré-filoxera que têm rendimentos baixíssimos e produção inconstante. Este Porto em questão com mais de 50 anos exibe uma juventude extraordinária, confirmando sua imortalidade. É muito delicado em boca, fugindo daqueles Portos muito densos. Contudo tem uma elegância, uma harmonia, e profundidade, que marcam definitivamente a memória. Um verdadeiro Borgonha no mundo dos Portos. É mais ou menos o que o Soldera representa entre os Brunellos. Experiência marcante!
sobremesa inesperada!
A tarde caindo e os Puros surgindo. Numa seleção impecável da Casa suíça Gérard Père et Fils em caixas deslumbrantes em laca, Romeu & Julieta, H. Upamnn e Partagas, se apresentaram em vários sabores e bitolas. As seleções Reserva e Gran Reserva, partem de tabacos envelhecidos com uma complexidade aromática extra.
Puros com assinatura Gérard Pére et Fils
verdadeiras obras de arte
Como a noite é uma criança, que tal um Cognac para uma prova às cegas. Richard e Louis XIII é o que tem pra hoje (foto abaixo). Marcas topo de gama das Casas Hennessy e Rémy Martin, respectivamente, são verdadeiros objetos de desejo, tal sua exclusividade e singularidade de sabores. São verdadeiras joias que partem de uma seleção rigorosa de eaux-de-vie e longas décadas de envelhecimento em toneis de carvalho.
Fizemos uma prova às cegas com tira-teima para eleger Louis XIII como melhor, mas a escolha é difícil e não conclusiva, tal o nível de complexidade destas bebidas. Na dúvida, fique com os dois. Aqui você entende exatamente o significado da expressão “Spirits”.
garrafas suntuosas!
Grappe de alto nível!
O sonho ainda não acabou. Agora entramos na especialidade do Maestro, o mundo das Grappe. Na verdade este da esquerda, é um destilado de vinho, o equivalente ao Cognac, segundo o conceituado produtor Jacopo Poli. Trata -se de um vinho Trebbiano di Soave de alta acidez que por sua vez é destilado e posteriormente afinado em madeira da Eslavônia, Limousin (França) e Allier (França). Sua qualidade é tal que bateu às cegas o Marc de Bourgogne Domaine Dujac de produção exclusiva. Deve ser servida entre 18 e 20°C em pequenas taças tipo tulipa.
Agora sim, uma Grappa in pureza do excelente produtor Nonino. É elaborado com uma uva rara do Friuli chamada Picolit, a qual faz um excelente vinho de sobremesa. Atinge 50º de álcool natural, graduação ideal para expressar as grandes Grappe. Aroma delicado lembrando Poire. Em boca é sutil e de grande profundidade. Deve ser servida segundo o produtor, a 12°C em pequenas taças tipo tulipa.
Bem, já é quase meia-noite e carruagem vai virar abóbora. Agradecimentos aos confrades pelo belo almoço que já ficou distante, e em especial ao Maestro de grandes conversas e generosidade sem fim. Esperando novos encontros com muitos brindes. Saúde a todos!