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Facetas da Sauvignon Blanc

5 de Julho de 2020

Na metade da década de 1980, a Nova Zelândia ganhou destaque nas cartas de vinhos e nas gôndolas de importadoras. Uma das forças por trás desse sucesso foi a uva sauvignon blanc, que no terroir dos hobbits enseja um vinho com personalidade bastante frutada, com aromas de frutas (maracujá ou de limão), acidez marcante.

Bem distinto da escola francesa. Ao contrário da variedade plantada na França, que atinge seu ápice no Loire nas mãos de Didier Dagueneau, esse é um vinho expansivo, frutado, que vai bem com ceviche ou saladas em que o queijo de cabra dá um toque mais ácido.

Estilo mineral, o Loire

No centro do Loire, as apelações Sancerre e Pouilly-Fumé se destacam num clima mais continental com a uva Sauvignon Blanc, que adquire características difíceis de reprodução em outro terroir do mundo e que a colocam em um mundo à parte dos rótulos frutados do Novo Mundo. Aqui o solo dá as cartas e a mineralidade é expressa ao máximo. Os dois vinhos são muito frescos e minerais, mas Pouilly-Fumé costuma ser mais incisivo sobretudo por boa parte da área possuir solos de Sílex e do tipo Kimmeridgiano, o mesmo solo de Chablis.

São vinhos próximos ao estilo Chablis, minerais e cortantes, acompanhando peixes e frutos do mar in natura como sashimi e ostras frescas. O ápice é Didier Dagueneau e seu Silex, importados pela casa Flora. Dagueneau morreu há alguns anos em um acidente de ultraleve, a vinícola agora é comandada por seu filho, Benjamim, um dos mais talentosos vinicultores do Loire, notadamente da apelação Pouilly-Fumé, que seu pai fazia questão de nominá-la Blanc Fumé de Pouilly.

A cuvée Silex faz menção a um dos famosos terroirs da apelação com solo pedregoso de nome homônimo. A safra 2004, bebida há três anos, ainda tinha muita vida pela frente, com mineralidade extremamente elegante. A tensão, a grande marca dos grandes brancos, está em cada gole. Aqui no Brasil dois outros produtores fazem bons vinhos nesse estilo: Alphonse Mellot, cujos sancerres vêm pela Cellar (www.cellarvinhos.com.br), e Vacheron, vindo pela Clarets (www.clarets.com.br).

vacheron taças zalto

O estilo mineral na América do Sul

É difícil reproduzir este estilo mundo afora, pois as questões de solo e clima são muito específicas. No entanto, algumas versões alcançam sucesso, mesmo parcialmente. É o caso da linha Terrunyo da Concha y Toro no Chile. Este Sauvignon por estar próximo ao oceano Pacifico, região de Casablanca, partilha de um clima bastante frio, além de um sub-solo granítico. Seu perfil mostra mineralidade, grande acidez e fruta mais contida de características cítricas. Em relação ao original, mostra-se um pouco mais encorpado e menos austero.

Estilo Bordeaux

Embora os Bordeaux clássicos envolvam duas uvas, sabidamente Sauvignon Blanc e Sémillon, às vezes com pitadas de Muscadelle, a técnica de elaboração em cantina, além do clima mais ameno em relação ao Loire, molda vinhos mais macios e com toques elegantes da barrica, quando bem feitos. Para aqueles que queiram comprovar este estilo de um Bordeaux 100% Sauvignon Blanc, fato raro, e ainda por cima de custo modesto, basta provar o consistente Chateau Reynon do saudoso mestre Denis Dubourdieu, um dos maiores enólogos bordaleses das últimas gerações. Importadora Casa Flora (www.casaflora.com.br).

Neste caso, embora não haja interferência de barricas, o vinho é protegido até seu engarrafamento em tanques com contato sur lies (com as leveduras) entre cinco e oito meses. Este procedimento confere textura agradável em boca com certa maciez, sem perder o importante frescor da casta. Além disso, o vinho ganha complexidade aromática tendo normalmente uma nota chamada cat´s pee (pipi de gato), bem típica e bem particular desta uva.

Por esta nota de frescor e textura delicada, este estilo de vinho acompanha bem peixes e carnes brancas com molhos delicados, levemente acídulos e/ou gordurosos como beurre blanc, por exemplo. Molhos que envolvam maracujá ou carambola também são apropriados para o vinho.

Cloudy Bay Marlborough Chardonnay

Estilo Tropical

Este é o estilo forjado pela Nova Zelândia quando nos anos 80, Marlbourough (região nordeste da Ilha Sul) mostrou ao mundo um novo estilo de Sauvignon Blanc com o incrível Cloudy Bay.  O clima deste cenário é o ponto chave do sucesso com grande amplitude térmica, ou seja, dias ensolarados e noites frias. Ao mesmo tempo que o vinho mostra um frutado tropical exuberante (o clássico maracujá), sua acidez, seu frescor, é algo notável e fundamental ao equilíbrio do vinho. Uma boa indicação é o Sauvignon Blanc Jackson Estate, trazido pela importadora Premium (www.premiumwines.com.br).

Pratos de sabores mais ricos com toques agridoces, ensopados de peixes como moquecas, sobretudo a capixaba, risotos de camarões com aspargos, por exemplo, são boas indicações para este estilo de vinho.

Estilo Chardonnay

Pode parecer estranho, mas um Sauvignon Blanc com estágio em barricas marcando um estilo amadeirado, lembra o clássico Chardonnay com madeira. Neste caso, a técnica de vinificação e amadurecimento sobrepuja a individualidade da fruta. Este estilo americano criado na Califórnia ficou conhecido como Fume Blanc. As notas tostadas, de baunilha, especiarias, são bem marcadas. O vinho ganha corpo e estrutura com passagem pela barrica. O comentário de uma pessoa degustando este tipo de vinho foi compara-lo a um Meursault, apelação francesa famosa da Côte de Beaune. Eu não chegaria a tanto, embora haja Meursaults e Meursaults …

Um bom exemplo deste estilo de vinho é o chileno Amayna Barrel Fermented trazido pela Mistral (www.mistral.com.br). Como harmonização, valem as mesmas sugestões de um Chardonnay com madeira. Carnes brancas como aves, peixes e frutos do mar com molhos cremosos.

Dia dos Namorados

22 de Abril de 2020

Depois de um longo e tenebroso inverno, após passar por cirurgia, vamos falar de coisas boas, não que essa não seja uma coisa boa, a operação foi um sucesso e o tempo recorde em recuperação foi mais ainda. Mas vamos falar de coisas mais dóceis, vamos falar de champagne que expressa bem esse dia de festas, alegrias, e comemorações.

Esse você não quer economizar, eis um belo motivo para tal, um Blanc de Blancs, uma cuvée especial, ou um vintage, ou até mesmo um rosé, símbolo de data que expressa um acontecimento.

comtes de taittinger

um belo blanc de blancs clássico

Blancs de Blancs

Blanc de Blancs, um vinho que expressa pureza, mineralidade, longevidade, e uma delicadeza, acima de tudo. Vai bem com Ostras, Casanova que o diga, vai bem com toda a sorte de frutos do mar, sobretudo in natura, vai bem com trufas, principalmente, envelhecida. Enfim, como entrada e pratos leves, não tem melhor.

Apesar de sua aparente fragilidade, é um dos champagnes mais longevos que existem. Acidez e a delicadeza andam juntas, num desafio permanente ao longo do tempo. Quando envelhece, é um champagne de alta gastronomia, pedindo trufas e cogumelos, para complementar seu esplendor. Comtes de Taittinger é uma referência no estilo, para ficarmos só em uma marca, numa garrafa toda estilizada.

champagne cristal

um cristal é sempre especial

Uma cuvée Especial

Pode ser um Dom Pérignon, um Cristal, um Krug Vintage. Sempre abrilhanta um jantar quando a estrela principal é o astro maior. Estrutura, persistência, e presença marcante. Tudo nele é grandioso, sua acidez, seu equilíbrio e after-taste. 

Vai bem com os pratos principais requintados como uma codorna desossada, pratos de forno, como galinha d´angola, perdiz, e toda a sorte de aves raras, com trufas, se for de uma certa idade, cogumelos, e aqueles maravilhosos, funghi porcini ou o impecável morilles, ficam ótimos.

Champagnes com esta estrutura devem durar por décadas, desmentindo que champagne não pode envelhecer. Um champagne como este, se bem adegado, aguenta fácil 10, 20, anos sossegado, pois tem acidez e estrutura para tanto. É magnífico!

champagne vintage Krug

Um Krug Vintage, dispensa apresentações

Um Vintage para celebrar os bons momentos

Os vintages são muito especiais, pois só são lançados em anos especiais, somente em média três vezes por décadas. O ano deve ser perfeito numa região de clima frio e rigoroso. Quando isso acontece, tudo está perfeito. Sua estrutura, seu equilíbrio, seu balanço final. Um vinho destes é capaz de durar por décadas e aí o prato deve ser especial.

Nestes casos, o prato deve ser de alta gastronomia, um peixe de rio bem consistente, um molho onde a alta acidez de vinho possa suplanta-lo, um beurre blanc por exemplo. Aqui os vinhos do Loire falam mais alto, alta acidez, bela estrutura, e longa longevidade.

Aqui o prato tem que ser escolhido a dedo, pois cada caso é um caso, e cada ano tem suas características próprias. E para tal, a escolha deve ser única, de acordo com as características da safra. Uma safra de clima quente, deve ser mais generosa. Uma safra de clima frio, alta tensão, mineralidade, deve ter outro perfil.

champagne dom perignon rosé

 um rosé emblemático

Vintage Rosé

Se o vintage já é difícil e raro, imagine um rosé, que só faz 15% em média da produção anual. Ele deve conter um porcentagem marcante de Pinot Noir, cepa importante que dá estrutura ao champagne. É um vinho de gastronomia, de grandes mesas, que não pode ser posto de lado. Aqui, os pratos devem conter cogumelos, trufas, pratos de forno, consistente, e porque não até admite uma carne vermelha de maneira suave, uma vitela, um carré de cordeiro de forma rosada, como deve ser.

cheesecake com frutas vermelhas

cheesecake com frutas vermelhas

Um cheesecake com frutas vermelhas sempre ficam ótimos com rosés, pois ambos, queijo e frutas, mantêm a acidez sempre presentes, equilibrando o frescor.

E já que estamos no fim, porque não uma sobremesa, para fecharmos com chave de ouro a refeição. As sobremesas com frutas vermelhas, com leve acidez, fator fundamental, neste momento. Um leve pitada de sorvete, sempre com muita acidez, para não perder o tom da música, e o desfecho será brilhante.

Enfim, um jantar todo estilizado, onde champagnes raros podem desfilar sem problemas, mostrando toda a diversidade e requinte em estilos, para todos os pratos e uma ampla e vasta gastronomia. 

brie-de-meaux

ótimo fecho de refeição

Na parte final, os queijos. Não pode ser um queijo muito poderoso. Não combina com a delicadeza do champagne. Um Brie de Meaux seria ideal, perto da região de champagne, ou delicados queijos de cabra, pois tem acidez suficiente para tal.

Talvez champagne seja o exemplo mais gastronômico às mesas, pois não é invasivo, é sempre elegante. Tem ótima acidez, fator fundamental para a boa comida, baixos taninos, outro fator problemático, deixando a comida reinar sozinha. No final, limpando sempre o paladar, deixando a boca fresca, e o palato sempre preparado para a próxima garfada, ou o último gole desta bebida mágica.

Não é a toa que Dom Pérignon exclamou. Vejam estou bebendo estrelas!

Feliz Dia dos Namorados!

Páscoa, Cordeiro e Chocolate

12 de Abril de 2020

Chegando o Domingo de Páscoa, nada de peixe que foi na Sexta-Feira Santa. Aqui temos lugar para o sagrado cordeiro, o indispensável, chocolate, panetones, e sobremesas.

Para o Cordeiro não tem erro. Tintos do Velho e Novo  Mundo caem bem. Só a perna do cordeiro que acho indispensável um belo Bordeaux, combinação clássica, sobretudo se for acompanhado de feijão branco e vegetais.

costeletas de cordeiro e aspargos

costeletas de cordeiro com aspargos

Já para os costeletas de cordeiro com farofa de ervas, alho e manteiga, outros tintos como Pinot Noir por exemplo, vão bem. Pinot Noir da Nova Zelândia ou Russian River são belas alternativas face aos grandes Borgonhas.

Por fim, a Paleta de Cordeiro, a parte dianteira do osso, super saborosa e que pede vinhos mais intensos, como os do Novo Mundo, sobretudo se for bem tostada no forno. Um bom Syrah, um bom Tempranillo, ou um bom Malbec, estará de bom tamanho.

mousse de chocolate cremosa

mousse de chocolate aerada

Chocolate

Se o elemento ponte for frutas vermelhas ou chocolates mais frutados, vá de Porto Ruby, que tem a ver com este estilo de chocolate. Sobremesas à base de ovos da doçaria portuguesa, chocolate com toques cítricos, vá de Moscatel de Setúbal, um vinho mais doce que tem a ver com esse estilo de chocolate. Por fim, se o assunto for frutas secas, à base de sobremesas, tortas, e chocolates com oleaginosas, vá de Porto estilo Tawny, aloirado, com toques empireumáticos, frutas secas e especiarias.

Panetones e Colombas

Aqui seu Asti Espumante, ou os ótimos Moscatéis brasileiros podem brilhar nesta hora. Uma boa mousse de chocolate, leve e aerada, pode surpreender com Asti Spumante, por que não uma panna cotta de frutas vermelhas com Porto Ruby?

Enfim, as alternativas aos Portos oxidativos como Tawny, não param de crescer. Outros estilos de Porto Tawny estão à disposição como aqueles com indicação de idade, 10,20,30 e 40 anos. Além disso, temos ótimos Madeiras no estilo Boal e Malmsey, dependendo do grau de doçura.

A saga continua com os Marsalas, Recioto dela Valpolicella, sobretudo com chocolate amargo e alto teor de cacau, Vin Santo com Tiramisú fica ótimo à base de café e chocolate. Sem contar as alternativas com o PX de Jerez, um vinho capaz de enfrentar sobremesas potentes e com alto teor de cacau e açúcares. Faz um contraste surpreendente com sorvetes de banana, ameixa, e café, pois caem sobre um manto, fazendo a vez das deliciosas caudas. Em termos de texturas e contraste com temperatura não têm concorrentes.

Os fortificados franceses, especialidade do sul da França, não são páreos para os da península ibérica, especialidade de Portugal e Espanha, como Porto, Jerez e Madeia, imbatíveis em qualidade e história. A não ser alguns Banyuls especiais, sobretudo com os dizeres “Hors d´Age”, e alguns Maurys, seu mais direto concorrente, é uma experiência interessante como chocolates de um modo geral, baseado na casta Grenache ou Garnacha, típica destas paragens no Suoeste francês. 

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uma experiência com chocolate

Fuja dos Late Harvest, Sauternes, e vinhos botrytisados, exceto os antigos Tokaji com os famosos Puttonyos, de estilo mais oxidativo. Prefira os chocolates brancos, mais delicados e com alto teor de gordura dada pela manteiga de cacau.

chocolate lindt 99%

noir absolute

Por fim, uma experiência inédita, Chocolate á 99%, bem mais intenso que o 90%, pois a escala é logarítmica, e portanto não tem comparação com os chocolates com alto teor de cacau no comércio.  O chocolate é extremamente seco, adstringente, e pulverulento,deixando a boca seca. Precisa de um Shiraz de Barossa Valley, extremamente alcóolico, untuoso, e de fruta bem madura. Os taninos macios da Shiraz, parecem dar as mãos com o chocolate, e o amargor e adstringência do mesmo parecem ganhar outra dimensão. Uma experiência sui-generis para quem não liga para um amargor refinado.

Enfim, se deliciem nesta Páscoa com essas experiências de Cordeiro, sobremesas, panetones, e chocolates. Feliz Páscoa a todos!

Bacalhau e suas Alternativas

9 de Abril de 2020

Com a aproximação da Semana Santa e várias lives sobre o assunto, resolvi fornecer uma diretriz para este assunto recorrente. Primeiramente como o próprio português diz sabiamente: “Bacalhau não é peixe, Bacalhau não é carne, Bacalhau é Bacalhau”. De fato, o processo de salga e a perda de água durante o mesmo, faz com que o peixe perca a textura de tal e concentre seu sabor para algo defumado e oxidado. Portanto, admite brancos e tintos, tomando seus devidos cuidados.

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um branco diferente á base de Sémillon

Chardonnay e outras uvas na Madeira

Esse é o caminho clássico e sem erro. Um vinho branco encorpado e com destacada passagem por barrica. Esse branco geralmente tem estrutura e corpo para pratos de bacalhau, além da madeira fazer a ponte com os aromas do prato. Sempre uma boa pedida.

bacalhoada

a famosa bacalhoada de forno em família

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bela alternativa para o bacalhau

Brancos e Madeira da Terrinha

Essa é uma outra solução caseira que funciona muito bem. A uva Encruzado do Dão, a Antão Vaz do Alentejo, e os blends de uvas branca do Douro, todas elas com alguma passagem por barricas, podem surpreender e dar uma nova roupagem ao prato. Elas podem vir sozinhas ou acompanhadas de uvas internacionais como Chardonnay ou Sémillon.

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o grande tinto espanhol

Tintos Espanhóis ou Tempranillos

Quando o assunto são tintos, devemos tomar os devidos cuidados quanto aos taninos sobretudo. De fato, se não forem bem polimerizados e amaciados, podem nos causar problemas na harmonização. E aí entra os grandes Riojas Gran Reserva, prinipalmente La Rioja Alta com seus números 904 e 890, que são maravilhosos com o prato. Seus taninos delicados, toques de evolução com balsâmicos, baunilha, caramelo, e outras especiarias, parecem dar as mãos com os perfumes do prato. Neste caso, a Tempranillo oferece uma delicadeza extrema e aromas compatíveis ao prato. Quanto mais polimerizados os taninos, tanto mais o prazer em harmonizar.

dão garrafeira quinta da falorca

uma bela alternativa para o prato

Garrafeiras e vinhos antigos da Terrinha

Outra solução caseira e segura para tintos de Portugal. O famoso Dão Garrafeira, parece ser a primeira escolha entre tintos portugueses, quer pela elegância, quer pela delicadeza de seus taninos no envelhecimento em garrafa. Outra bela alternativa original é a uva Ramisco da denomição Colares com taninos bem evoluídos. Seus aromas de evolução casam muito bem com pratos de bacalhau ao forno, por exemplo.

É lógico que tintos evoluídos do Douro, e outras partes de Portugal costumam dar certo. Tomar cuidado com a uva Baga, mesmo que o tinto da Bairrada seja evoluído, seus taninos são ferozes, a não ser os grandes tintos do Palácio Buçaco, que incluem Baga no Blend de seus vinhos longamente envelhecidos. Vale a pena provar os brancos que são igualmente geniais.

É evidente que a solução para tintos tem que ser ibérica, pois os tintos portugueses e espanhóis tem a tão esperada “rusticidade” para o prato, não havendo necessidade de buscar alternativas no chamado Novo Mundo, tintos geralmente muito potentes e de muita fruta madura, o que destoa de certa forma com os aromas do prato.

Diretrizes para o prato

Existem muitas receitas para o bacalhau. Contudo, é um prato geralmente encorpado e de muita personalidade. É logico que receitas que puxam mais para um molho branco, em natas, noz moscada, creme de leite, direciona mais para os brancos amadeirados citados acima.

Da mesma forma, receitas de forno onde haveram ingredientes como azeitonas pretas, pimentão, tomates,  e outros temperos, mesmo ervas, de sabores mais acentuados, a ideia é direcionar mais para os tintos acima citados. É tudo um questão de bom senso. Próximo artigo: “Páscoa, Cordeiro e Chocolate”.

Principais Apelações do Loire

7 de Abril de 2020

Na última live, senti que o pessoal ficou meio perdido fora da apelação Savenniéres e Vouvray. Resolvi então, dar umas dicas de outros estilos de vinho no vale, bastante gastronômicos e didáticos.

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Fines Bulles

Vouvray

Aqui é 100% Chenin Blanc com espumantes interessantes e os mais variados graus de doçura que a Chenin Blanc pode oferecer. Elegância e delicadeza ímpares. A produção de espumantes é expressiva e de muito boa qualidade.

Crémant de la Loire

Você tem a versão branca e rosé com as uvas Chardonnay e Chenin Blanc sempre com o método clássico, respeitando a legislação dos Crémants na França.  Para o estilo rosé, temos as uvas Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, e Pinot Noir, além de uvas locais.

Anjou, Saumur e Touraine

Fazem um esilo mais genérico, misturando uvas com vinhos brancos espumantes, brancos e tintos tranquilos, e finalmente os rosés. As uvas brancas e tintas são locais, em vinhos menos expressivos que os demais acima comentados.

Vins Blancs

Vouvray

A apelação Vouvray novamente para uma série de vinhos brancos de alta qualidade com os mais diversos níveis de açúcar residual sempre 100% Chenin Blanc.

Uma série de apelações de Anjou e Touraine

Vinhos que fazem vários estilos com as mais variadas castas da região. Geralmente genéricos e sem grande expressividade.

Uma série de Muscadets

Esse não é espoco de nossa apresentação baseada em Chenin Blanc. Aqui a uva Muscadet, também conhecida como Melon de Bourgogne, é que faz uma série deles, entre os destaques o Sévre et Maine com passagem sur lies e Gros Plants bastante cortante e mineral. Ideal para anchovas, alices, sardinhas e cavalas, peixes de forte personalidade.

Coteaux du Layon, Coteaux du Layon Villages e Coteau du Layon Premier Cru Chaume

Não é à toa que deixe por último os Coteaux du Layon em sua verão Moelleux, ou seja, levemente doce, mas com uma acidez sempre presente. São os vinhos das entradas mais refinada e de certa untuosidade como pâtes, rilletes e toda a sorte de caça mais pastosa.

Eles se apresentam em três níveis crescentes de concentração e qualidade, sendo último Chaume, quase uma apelação própria.

As apelações Savennières, Roche aux Moines, e Coulée de Serrant, com a uva Chenin Blnc, já foram comentadas posteriormente, no último artigo.

Vins Rosés

Chinon, Saint Nicolas de Bougueil, e Crémant de la Loire

Podem ser interessantes num estilo mais seco, sempre com a presença da Cabernet Franc, a qual se dá muito bem no médio Loire.

Os rosés d´Anjou e uma série de Coteaux e Touraines

Uma série de rosés insipientes, com leve açúcar residual, e sem grande expressão gustativa. Procure fugir destas apelações.

Cabernet d´Anjou e Saumur

São baseados nas uvas Cebernet Sauvignon e principalmente na Cabernet Franc. São mais secos e de melhor persistência e personalidade.

Vins Rouges

Fuja dos Anjous e Touraines, a não ser que for um Anjou-Villages, à base de Cabernets, mais exclusivos e mais secos.

Chinon, Saint Nicolas de Bourgueil, e Saumur-Champigny

São os melhores estilos de Cabernet Franc do Loire, especialmente o Saumur-Champigny, mais encorpado. Os estilos são delicados, sutis, e minerais.

Uma curiosidade apelação Anjou-Villages Brissac

Uma apelação diminuta baseada nas Cabernets. Um tinto de guarda com persistência e estrutura acima da média. Difícil de encontrar.

Vins Moelleux e Liquoreux

Os grandes Coteaux du Layon, Bonnezeuax , Quarts de Chaume, e eventuais Savennières, são os melhores no estilos doce ou moelleux. São vinhos atacados pela Botrytis, mas conservam uma acidez destacada. São ideais com torta de frutas como figos, damascos, amêndoas, marzipã, e patês de foie gras, queijos mais pronunciados como Mairolles e Livarot são indicados na harmonização.

Sem contar os grandes Vouvrays que podem ser espumantes ou com vários graus de açúcar residual. Atenção especial a eles à mesa, pois são muito delicados e sutis. A linha asiática com pratos agridoces podem ser um bom começo. Que tal um crème brûlée de salmão, por exemplo, bastante exótico.

Grandes Chenins: Savennières e Vouvray

5 de Abril de 2020

São dois terroirs distintos, mas igualmente diversos e brilhantes, nos estilos secos até intensamente doces porém, sempre marcados por uma notável acidez, equilíbrio e longevidade. Digo distintos, pois geologicamente  Savennières vem do maciço armoricano, carregado de granito e xisto, rochas vulcânicas, e outro do bacia parisiense, Vouvray, rica sobretudo em calcário.

vouvray terroir

terroir: Vouvray

Neste esquema, percebemos nitidamente a força do calcário em rocha, promovendo habitações (troglodytes) e mesmo caves para armazenar vinhos e espumantes. Por cima, junto às vinhas há camadas de pedras (sílex), areia  e argila.

Enquanto o primeiro, mais robusto, mais marcante, mais mineral, como deve ser um grande Savennières, o segundo é mais delicado, sutil, e de aparente fragilidade, principalmente em seu estilo mais seco, o grande Vouvray, o mais alemão da família francesa, digo isso pessoalmente.

vouvray styles

vários estilos de Vouvray

Enquanto o estilo Savennières é mais alsaciano, mais pungente e presente, inclusive no teor alcoólico, os vinhos de Vouvray são delicados e sutis com pouca alcoolicidade. Isso num estilo mais seco que Vouvray prefere chamar de “Sec Tendre”. No entanto, o estilo Sec vai até 4 g/l, já o estilo Demi- Sec ou Tendre vai de 4 a 4 a 12 g/l, o estilo Moelleux de 12 a 45 g/l, e finalmente o estilo Doux, mais de 45g/l de açúcar residual. Sempre com muita delicadeza.

vouvray huet boug e le montuma das joias do Domaine Huet

A versão doce das joias de Huet. São companheiros ideias para um bom foie gras e pâtes de caça. Num concurso de Decanter, anos atrás, foi feito degustação às cegas de grandes brancos da França. O Huet Vouvray la Haut Lieu 1947 só perdeu para o fantástico Yquem 1921.

Savennieres Les Clos Nicolas Joly

álcool perfeitamente equilibrado com a estrutura

Embora com seus 15% de álcool, Les Vieux Clos é um Savennières diferenciado onde Nicolas Joly, aproveita ao máximo a maturação tardia da Chenin Blanc (também conhecida localmente como Pineau de la Loire), alongando seu ciclo por tem por prolongado. Com isso, a uva ganha açúcar e estrutura para enfrentar anos a fio de guarda.

savennieres terroir

Savennières: terroir

Aqui, o terroir é dominado pelo xisto e granito, vindo do maciço armoricano. Enquanto, as apelações mais genéricas de Savennières temos um pouco de areia e solos aeólicos, temos mais xisto próximo das apelações mais famosas como Roche aux Moines e Coulée de Serrant. Já em Coulée de Serrant temos a presença de Rhyolite, uma espécie rara de granito vermelho.

Os estilos Savennières

Preferencialmente e maciçamente, temos os estilo seco que não passa de 8g/l de açúcar residual. Mais raramente, temos o demi-sec de8 a 18 g/l (off-dry), depois o moelleux de 18 a 45 g/l (semi-sweet), e finalmente o estilo doux, muito raro, passando de 45 g/l. Sua acidez contudo, não deixa perceber o açúcar residual no estilo seco, austero e firme em acidez. Envelhece muito bem.

Na gastronomia local, peixes de rio com beurre blanc vão muito bem no estilo seco. A Blanquette de Veaux e alguns pratos como pato, podem ser surpreendentes. Já os estilos Moelleux e Demi-Sec, muito mais raros, podem ir bem com Vieiras, Lagostas, e queijos mais pronunciados com Maroilles e Livarot.

vouvray espumante brut

Vouvray faz belos espumantes pelo método clássico

O estilo Vouvray

Vouvray vai além. Dos estilos de doçura, Vouvray faz belos espumantes no estilo clássico (Méthode Traditionnelle) com vários graus de doçura, além do tradicional Pétillant, um estilo raro onde as bolhas são muito sutis com graus de doçura variado. Precisa ter no máximo a pressão de 2,5 bars.  Domaine Huet faz um Pétillant divino!

Seus vinhos ficam pelo menos três anos sur-lies, lentamente amalgamando as fines bullles no vinho. Sua cuvée 2009 ficou seis anos sur lies. Um vinho altamente gastronômico, devido à sutileza das finas bolhas.

vouvray petillant huet

Um espumante gastronômico e diferenciado pelas sutis borbulhas

A capacidade de um Vouvray conservar um certo açúcar residual (off-dry) e conservar borbulhas, desde um sutil Pétillant até os espumantes doces, lembrando mel e marmelo, são notáveis.

Enfim, como no início do artigo, um estilo mais austero, seco e encorpado de Chenin Blanc dado pelo xisto, podendo chegar a graus de doçura, devido ao ataque da Botrytis Cinerea. No segundo exemplo, um estilo mais delicado de Chenin Blanc, onde a sutileza e leve doçura, produz um Chenin aparentemente delicado e sutil. Vai além disso, sua capacidade de produzir borbulhas sutis, podem conferir vários graus de doçura no espumante.

Ele vai bem com comidas asiáticas e toques agridoces com toda a nuance que o alimento pode fornecer. Enquanto isso, um Savennières pode pedir pratos mais robustos, onde a força da acidez e sua untuosidade conseguem sabores mais pronunciados.

No geral, os Chenins de Savennières tem mais açúcar residual, mais álcool, mas não se percebe pela mineralidade e acidez brutal. Já os Chenins de Vouvray tem um açúcar ligeiramente menor, menos alcóolicos, mas se percebe um certo off-dry e delicadeza, própria destes vinhos de enorme longevidade.

Maceração Pré Fermentativa

3 de Abril de 2020

Não confundir com Maceração Carbônica, muito utilizada no processo de fermentação do Beaujolais com a uva Gamay, processo diferente que utiliza também o gás carbônico em forma gasosa.

maceração carbonica

maceração carbônica: escalonada

À medida em que a saturação da cuba vai se enchendo de CO2, a fermentação intracelular começa a acontecer na parte superior da cuba, extraindo aromas frutados, cor e poucos taninos. No interior da cuba, vai havendo um processo de transição até chegar à fermentação alcoólica propriamente dita. A maceração carbônica é um processo curto de poucos dias, onde os beaujolais mais simples são submetidos. A abertura total ou parcial da cuba é importante no processo. Os grandes beaujolais (crus) têm grande fermentação relativamente à pouca maceração.

Maceração Pré Fermentativa a Frio para vinhos tintos

Na Borgonha com a uva Pinot Noir, Henri Jayer foi um dos precursores do processo, submetendo suas uvas a baixas temperaturas, extraindo cor, aromas e poucos taninos. Lentamente, a subida de temperatura é gradual, aproveitando de maneira prolongada e suave todo o processo fermentativo, onde os taninos estão mais presentes, mas sempre somente das cascas (totalmente éraflage, desengaçar as uvas).

maceração a frio controlada

Tem que haver um equilíbrio no tempo pré-fermentativo

A maceração a frio controlada por alguns dias pode equilibrar amargor, persistência, cor, aromas e tipicidade, taninos moderados, para um bom processo fermentativo.

Maceração Pré Fermentativa a frio (MPF)

A utilização deste processo admite CO2 no estado sólido (gelo seco). O ponto de fusão deste CO2 é de menos 57° C, muito negativa. Para o gelo seco ou neve carbônica podemos chegar a temperatura a menos 80° C. Neste processo não estado liquido, temos a sublimação que é a passagem do estado sólido diretamente para o estado gasoso. É por isso que nos refrigerantes e bebidas espumantes, não há diluição do gás no liquido. A proporção recomenda é de 200 gramas de gelo seco para cada hectolitro na cuba, ou seja, de 12 a 13 kg de gelo seco (glace carbonique) numa cuba de 300 hectolitros. Isso é suficiente para baixar a temperatura acima de 5° C por cerca de dez dias.

glace carbonique tintos

gelo seco nas uvas antes da fermentação

gaz carbonique sublimation

os estados da matéria

No caso da água propriamente dita, ela passa facilmente pelos três estados citados acima, sólido (gelo), liquido (como a conhecemos) e em forma de valor (quando aquecemos). Já no CO2 é diferente, seu estado liquido é muito instável e só acontece sob determinadas condições de temperatura e pressão. Portanto, é muito mais fácil passar pela sublimação, ou seja, direto do estado sólido (gelo seco) para o gasoso (neve carbônica).

gaz carbonique ponto critico

fases instáveis da matéria

Nos pontos triplos e críticos, podemos ter o estado liquido momentâneo, onde os três estados da matéria coexistem, mas as condições de pressão e temperatura são muito especificas e instáveis. É por isso que na gastronomia molecular vemos certas “mágicas” que nos impressionam nos pratos e alimentos. Shows também pirotécnicos em eventos são muito comum nesta especialidade.

Brettanomyces

É importante uma certa sulfitação para proteger o mosto do Brettanomyces, levedura de baixa fermentação. Esses mostos são muito ricos em fruta, ésteres, e baixo níveis de polifenóis extraídos. Portanto, o SO2 é um importante bactericida no combate ao Brettanomyces.

Conclusões finais

Para os vinhos tintos da Bourgonge, o ganho de maceração a frio é significativo em termos de aromas e substâncias corantes, desde que não seja muito prolongada. Neste caso, usou-se neve carbônica na razão de 100 g por quilo de uva, a uma temperatura média de 8° C a 10° C por cinco dias.

 

Savennières, o grande Chenin Blanc

29 de Março de 2020

Das muitas apelações do Loire, Savennières é uma das mais reputadas pelo seu Chenin Blanc, no estilo branco seco, embora tenha também a versão mais doce. Hoje em dia, a maciça maioria tem menos de 8g/l de açúcar residual, mas poderia ter de 8 a 18g/l para o estilo off-dry, de 18 a 45 g/l para o estilo moelleux ou semi-doce, e por fim acima de 45 g/l, o estilo doce ou doux. Essas outras denominações de açúcar fica mais com as características de um Coteaux du Layon, um branco de alta acidez, numa sub-região mais ampla e abaixo do rio Loire.

De todo modo, a apelação abaixo Savennières no mapa, fica na face norte do rio Loire, num solo fundamentalmente xistoso, com pedras de ardósia, ainda resquício do maciço Armoricano, desde a região do Muscadet até Anjou.

Essa apelação apresenta três níveis de qualidade ao redor do grande Coulée de Serrant, propriedade exclusiva de sete hectares do pai da Biodinâmica, Nicolas Joly. Seguindo o raciocínio, Roche aux Moines, que também tem apelação própria como o vinho acima, não é exclusividade de Nicolas Joly, embora seu vinho seja referência absoluta em termos de qualidade.

À medida que vamos nos afastando destes dois grandes terroir, a terceira apelação, simplesmente Savennières, começa a tomar corpo com alguns destaques neste amplo terroir. São eles: La Croix Picot, Le Clos du Papillon (Domaine Baumard), os mais importantes com nível de Premier Cru não oficial.

Em termos de dimensões, pouco mais de 300 hectares para a apelação Savennières, bastante ampla, 33 hectares para Roche aux Moines e seus poucos produtores, e apenas 7 hectares para a propriedade exclusiva de Nicolas Joly, o grande Coulée de Serrant, um dos maiores brancos da França.

savennieres mapmapa detalhado da região

Vejam como esses produtores, pouco mais de 30 em números absolutos se afastam do rio Loire, e de solos mais xistosos da região. Notem que as melhores propriedades ficam na periferia das principais apelações.

nicolas joly e seus vinhosos dois melhores Savennières em termos de terroir e autenticidade

A cor de seu vinho branco, semelhante a um vinho laranja, deve-se ao fato de só colher a uva com extrema maturidade, fazendo várias passagens pelo vinhedo. Para o Coulée de Serrant especialmente, há frequentemente uma parcela de uvas botrytisadas que fazem parte de sua Cuvée, assim como nos grandes vinhos doces. Esses sabores doces não são percebidos, apenas os aromas de mel característicos destes vinhos e uma certa untuosidade em termos de textura.

As propriedades dos vinhos acima são muito antigas, datando do começo do milênio passado, cultivadas por monges cistercienses. A média de idade das vinhas do Grand Vin chegam entre 35 e 40 anos, podendo algumas chegar a 80 anos de idade. Em 2015  foi registrada a 885° colheita no vinhedo, demonstrando a tradição e a força do terroir desta propriedade. O redimento é muito baixo, entre 20 e 25 hectolitros por hectare e o solo xistoso tem nuances vermelhas, único na região, prinpalmente por fatores de drenagem das vinhas. Ele vinifica em barricas próprias, de acordo com os preceitos da biodinâmica com trabalho de bâtonnage e apenas 5% de madeira nova.

coulle de serrant solos e vinhassolos xistosos e vinhas num grande vinhedo: Coullé de Serrant

No seu Clos de La Bergerie, sua parte em área é de apenas 3,2 hectares de vinhas. A idade média da vinhas e seu respectivo rendimento não são tão rigorosos como o Grand Vin, mais muito próximo em números. Os preceitos da biodinâmica e todo o ritual de vinificação é exatamente como Coullé de Serrant. São elaboradas entre 8 e 10 mil garrafas por safra, apenas.

Por fim, seu terceiro vinhos Les Vieux Clos de apelação Savennières de apenas 5,5 hectares de vinhas que fica à esquerda desta apelação, parte de vinhas um pouco mais jovens e de baixos rendimentos, embora o limite da apelação menciona em torno de 50 hectolitros por hectare. Nesta vinho de Nicolas Joly não passa de 35 hl/ha, muito mais restrito do que a maioria da apelação. Seus métodos e preceitos biodinâmicos são também preservados na elaboração deste vinho.

Decantação e Longevidade

Esses vinhos, sobretudo do Nicolas Joly, devem ser decantados por horas antes do consumo, embora sejam vinhos brancos. A própria temperatura foge um pouco do habitual, deixando entre 12 e 14 graus a temperatura de serviço. O próprio Nicolas Joly fala em 24 horas de decantação para seu Coulée de Serrant.

baiao de dois mocotó

baião de dois do Mocotó

Quanto à longevidade, esses vinhos podem durar tranquilamente 10, 20 anos ou mais, tal a estrutura que possuem e a resistência natural quanto a aspectos oxidativos. São vinhos diferentes, de um belo corpo, aromas e sabores marcantes.

pato no tucupi paraensePato no tucupi: cozinha paraense

Na gastronomia temos a harmonização local com peixes mais gordos de rio, cogumelos e amêndoas em sua composição do prato. Vindo para nossa cozinha regional,  temos vários pratos da cozinha do norte e nordeste que são mais robustos e de difícil harmonização. Como exemplo, temos o Baião de Dois e o polêmico Pato no Tucupi, especialidade da culinária paraense. Esses vinhos tem acidez, personalidade e força para estes tipos de prato.

Todos esses vinhos são importados pela Clarets do Brasil, importadora especializada em alta gama de vinhos franceses. Além disso, seus preços são bem convidativos (www.clarets.com), num dos mais emblemáticos vinhos franceses.

Wine and Beer

27 de Março de 2020

O mundo se rende aos fermentados por serem as bebidas de álcool mais moderado e que se prestam às refeições, entretenimentos, e eventos. Já os destilados podem ser perigosos e viciantes, pois seu teor alcólico é elevado. Fora países do norte da Europa, leste europeu, e de clima muito frio como a Rússia, os destilados perdem força no resto do mundo como bebida em si, sendo comsumidos mais como coquetéis a exemplo da Vodka, Gim e Rum. 

A produção mundial de cerveja em 2017 foi algo em torno de 190 bilhões de litros. Transformando em hectolitros, ficamos com quase 2 milhões da medida. Muito acima da produção global de vinhos que atualmente gira em torno de 280 milhões de hectolitros. Rússia, Japão e Reino Unido têm participações expressivas. Portanto, o mundo é da cerveja!

9 gfs de cerveja de 600 ml para uma gf de vinho de 750 ml

a produção é desigual

 

cerveja custo da latavinho custo garrafa

Mesmo sendo em lata (355 ml), o custo da cerveja é bem menor que o vinho (750 ml). Isso num mundo ideal, onde os abusos não são praticados.

Em termos globais, a China lidera o ranking com folga na ordem de 40 bilhões de litros, seguida pelos Estados Unidos com quase 22 bilhões de litros. Em terceiro vem o Brasil com 14 bilhões de litros, México com 11 bilhões de litros e Alemanha com quase 10 bilhões de litros. A França e Argentina têm produções bastante modestas da bebida.

beer in world

mercado pelo mundo

Ásia e Europa lideram a produção mundial, seguida de perto das Américas, sobretudo Estados Unidos e por fim a África.

Em termos de consumo per capita muda muito o panorama. O pessoal da Europa e leste europeu não brincam em serviço. A República Tcheca segue disparada com quase 200 litros per capita, seguida da Áustria, Alemanha, Romênia, Polônia e Irlanda de perto com praticamente 100 per capita cada um. A Espanha, um país vinhateiro, surpreende com 86 litros per capita.

Estados Unidos e Brasil estão abaixo do consumo per capita, embora sejam grandes produtores globais. Respectivamente, apresentam índices de 73 e 60 litros per capita, e a China como grande produtora global, nem aparece nas estatísticas. O Brasil comparado ao consumo de vinho que não sai muito dos dois litros per capita. Na cerveja, o índice é significativamente alto.

Brasil

cerveja no brasil marcas

as artesanais têm um nicho bem pequeno

A produção de cerveja no Brasil se concentra nas regiões sul e sudeste do país. De 2010 para cá, a subida do número de cervejarias cresceu vertiginosamente de 114 para 1209 cervejarias, no caso de médio porte a artesanais. O setor cervejeiro no Brasil cria 2,7 milhões de empregos com um faturamento médio de pouco mais de 100 bilhões de reais.

Os grandes grupos como Ambev, Petrópolis, Kirin, e Heineken, dominam amplamente o mercado, sobretudo a Ambev com quase 70% do mercado. As micro cervejarias que têm participação ínfima no mercado, crescem em número de cervejarias vertiginosamente.

cerveja velga westvleteren

essa trapista (belga) encara um vinho

Algumas artesanais nacionais e importadas apresentam complexidade e preço, semelhantes ao vinho. A de cima, uma das melhores do mundo.

As cervejas tipo Lager de baixa fermentação dominam o mercado e estão nos grandes grupos cervejeiros de alta produção. Já as chamadas Ales, de alta fermentação, são mais artesanais e de produção bem mais baixa. Aqui começamos perceber um certo artesanato do setor, separando o joio do trigo. O tipo Lambic é de fermentação natural e extremamente reduzida em sua produção. Neste caso, podemos conversar com o vinho em termos de preço e produção mais artesanal. Já as Lager de alta produção, seu preço e escala de produção, deixa a comparação inviável. 

vinho em lata ou bag in box

Os vinhos começam a se popularizar com embalagens pouco convencionais, aproximando o cliente mais simples, descompromissado, sem as formalidades do ritual, a consumir um produto com extrema simplicidade a qualquer hora e muitas vezes sem taça. Em lata para qualquer lugar, inclusive praia. Bag in box em casa, consumo à vontade sem se preocupar com oxidação, embalagem a vácuo. Evidentemente são vinhos simples e baratos, de acordo com a concorrência.

A popularização do vinho é algo muito controverso. É preciso ter aquele tipo de vinho que conhecemos com rolha, certa formalidade, e um pouco elitizado na medida de seu preço. Já para combater a cerveja, o espírito deve ser outro. Embalagens mais simples e práticas, vinhos descompromissados e fundamentalmente com preços baixos. Só neste caminho a concorrência é coerente.

No Brasil onde o salário mínimo é de praticamente mil reais, precisamos urgentemente de alternativas como esses em lata e bag in box. Como o vinho é mais flexível, no tipo espumante, branco, rosé e tinto, podemos a calibrar a temperatura para seu serviço, pois trata-se de um país tropical e muito calor.

portonica niepoortPortônica: um dos belos coquetéis

Além disso, podemos emprega-lo em coquetéis,  levando ele para o bar e introduzindo aos poucos o gosto pela bebida. É a única maneira de equipara-lo com a cerveja. As propagandas também devem ser mais casuais, tirando um pouco aquela polpa e ritual tão arraigados à bebida. No exemplo acima, um vinho fortificado, difícil de ser consumido puro em nosso país, quer seja pela alcoolicidade, quer seja pela temperatura de serviço, mas consumido com tônica e algumas frutas apropriadas, pode ser refrescante e de grande aceitação.

Nesta briga sem fim, o mundo da cervejaria artesanal tenta agora elitizar um mercado mais sofisticado próximo ao vinho, pois a base está solidamente formada. Na contramão, o vinho deve se popularizar para tentar abocanhar uma grande fatia do mercado, a preços mais modestos e extremamente vantajoso em larga escala.

Bordeaux pelas Águas

23 de Março de 2020

Recentemente escrevi sobre a geologia da França e sobre as características das principais regiões. Falando mais especificamente da região de Bordeaux, vamos abordar o tema drenagem para uma sub-região particular chamada Médoc, ou em latim, “medio acquae” significa entre as águas.

Sabemos que o Médoc, entre outros grandes terroirs, foi forjado pelo homem, procurando entender o tipo de natureza ao redor e dentro dele. Na parte oeste, beirando o oceano Atlântico, temos a formação de dunas que naturalmente tentam avançar pelo continente, a maior e mais famosa é duna Pilat, foto abaixo.

bordeaux pilat

a areia avançando sobre a floresta

Pelos principais motivos, solo com lençol freático alto e o avanço das dunas, os bordaleses foram praticamente obrigados a plantar a maior floresta da Europa ocidental, La forêt des Landes com um “milhão de hectares”, a maioria pinheiros, destinada sobretudo à industria moveleira e também à produção de papel e celulose.

Nas várias regiões do Médoc, a floresta apresenta diferentes cenários, de acordo com sua função. As principais funções em termos de viticultura é barrar os ventos salinos vindos do mar, barrar o avanço das dunas, regular as chuvas e temperaturas no interior do continente, e ajudar o fator drenagem tão importante na região.

foret de landes

do norte do Médoc até a fronteira espanhola

Na formação do Médoc, nasceram alguns lagos importantes na longa batalha entre o mar e o continente, principalmente na costa litorânea. Com esse fenômeno e as idas e vindas da maré no estuário Gironde, a formação dos chamados Marais (pântano em português) foi inevitável. Nesse sentido, foi providencial a construção de canais, diques e todo um sistema de drenagem sob supervisão de holandeses, especialistas em represamento de águas. Os Marais de Lafitte e Marais de Beychevelle, limitam as famosas comunas entre Saint-Esthépe e Pauillac e as comunas de Saint-Julien e o Haut-Médoc ao sul, respectivamente. Com a construção de jalles (canais de drenagem) e estey (pequenos canais), surgem as chamadas “croupes”, fator importantíssimo na região onde ondulações no terreno, semelhante a campos de golfe, indicam boa drenagem e a concentração de cascalho, tão importante no cultivo das uvas, sobretudo a Cabernet Sauvignon. Esse cascalho são consequências de cataclismas antigos ocorridos nos Pirineus (cadeia montanhosa na fronteira espanhola) e também no Maciço Central. Essas pedras têm nomes como Graves Pyrénéennes e Graves Garonnaises, respectivamente.

Na formação de água gerada pelo Atlântico nas imediações da região bordalesa são divididas em 65% na formação de chuvas, 24% que vão para os cursos de água, e 11% infiltrados no solo.

img_7391divisa entre St-Estèphe e Pauillac

Falando um pouco do sistema de drenagem no Médoc, vamos para um dos mais importantes, bem na divisa entre St-Estèphe e Pauillac. Lá temos a separação de dois grandes chateaux, Cos d´Estournel e Chateau Lafite. Aliás o termo “Cos” em dialeto local quer dizer croupe, as famosas ondulações de cascalho.

Pelo mapa acima, vemos que a Jalle du Breuil vem do interior do Médoc recolhendo águas de drenagem para desaguar na Gironde. Antes disso, passa a se chamar Chenal du Lazaret, bem próximo da refinaria de Petróleo. Os lagos e jardins do Chateau Lafite têm a ver com o famoso Marais, dentro da propriedade.

marais de lafiteMarais de Lafite

Quando vemos fotos do Chateau Lafite, percebemos alguns pequenos lagos mais abaixo da propriedade. Fazem parte do Marais de Lafite, uma área pantanosa drenada pela Jalle de Breuil e posteriormente o Canal de Lazaret. Há uma série de drenagens para que tudo funcione em harmonia.

Além disso, temos o canal de Calon e Estey d´Un, um pequeno curso d´água que determina os limites da comuna de St-Estèphe com o Haut-Médoc ao norte. Esse outro sistema permite drenar uma área importante no norte da comuna.

img_7392outro importante Marais do Médoc

Na divisa de St-Julien a sul, entrando no Haut-Médoc, temos o Marais de Beychevelle, importante Grand Cru Classe do Médoc. Esta zona pantanosa é drenada pelo canal do Milieu (meio) que vai desaguar na Gironde. Beychevelle faz parte deste sistema onde temos o canal do Norte, um pouco mais afastado e de alguns metros acima, formando as croupes. Dividindo St-Julien com Pauillac, temos um pequeno curso d´água chamado Ruisseau du Juillac.

img_7394um grande sistema de drenagem

Por fim, um grande sistema de drenagem na parte superior de Médoc, conhecida  como Bas-Médoc. Se St-Estèphe já é conhecida pela dureza de seus vinhos, alta acidez, e solos mais úmidos, argilosos, imaginem essas condições ainda mais ao norte.

Pelo mapa acima, vemos todo um sistema de drenagem em direção ao canal de La Maréchale. Outro sistema mais ao norte, temos Grand Chenal du By. Apenas um dos exemplos onde esses sistemas de drenagem são muito importantes para as condições de terroir.

Essas condições naturais de terroir nem sempre são satisfatórias como clima e solos. Cabe ao homem com sua perspicácia, rever esses conceitos dando novos cenários ao vinhedo para se desenvolver adequadamente. Portanto, sem águas excessivas, descobriram um solo de cascalho bem balanceado e com excepcionais condições de cultivar o melhor Cabernet Sauvignon do Mundo. É por isso que há um ditado nesta região:  “O solo do Médoc muda a cada passo”.

Essas condições de drenagem do terreno, sobretudo na margem esquerda, especificamente no  Médoc, mais do que a morfologia de solos é o fator essencial para o sucesso dos vinhos, pois clima e detalhes de altitude são secundários. Com o aparecimento das croupes é que podemos destacar um Chateau Latour, por exemplo, um vinho de grande distinção, de um vinho sem grandes atrativos num local relativamente perto. Coisas do terroir …


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