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Flagey-Echezeaux: Parte I

6 de Fevereiro de 2020

As comunas famosas da Côte de Nuits são muito comentadas, discutidas e classificadas em estilo, mas Flagey-Echezeaux é pouco falada, envolta num certo mistério e muitas vezes absorvida pela famosa comuna contígua de Vosne-Romanée. Aliás, classicamente aprendemos os seis Grands Crus famosos do DRC como sendo todos de Vosne-Romanée, mas expremida entre Vosne, Vougeot e Chambolle, Flagey-Echezeaux tem vida própria com dois Grands Crus.

flagey echezeaux

Echezeaux subdividido e Grands-Echezeaux ao lado

  1.  Echezeaux du Dessus
  2.  Les Poulaillères
  3.  En Orveaux
  4.  Les Champs Traversins
  5.  Les Rouges du Bas
  6.  Les Beaux Monts Bas
  7.  Les Loächausses
  8.  Les Cruots au Vignes Blanches
  9.  Clos St. Denis
  10.  Les Treux
  11.  Les Quartieres de Nuits

Depois de Clos de Vougeot, Echezeaux com 37 hectares é o Grand Cru mais fragmentado da Côte de Nuits. Em linhas gerais, as parcelas que ficam mais ao norte tem mais areia na proporção do solo, gerando vinhos mais leves e elegantes. Já os vinhedos mais ao sul, tem maior porporção de argila no solo, gerando vinhos mais ricos e encorpados. Muitos vinhos são feitos com a mistura de vários terroirs. Neste sentido, não basta possuir as melhores terras. Um bom produtor que arrenda vários vinhedos é capaz de fazer uma boa mistura (cuvée) e sair-se muito bem em seu produto final.

Em todo caso, as melhores parcelas estão localizadas em Les Poulaillères (quase um monopólio DRC), Les Cruots ou Vignes Blanches, Les Champs Traversins e Echezeaux du Dessus. Já Les Treux, Les Loächausses, e Clos St Denis, ficam num segundo plano. As demais parcelas num terceiro nível.

Domaine Jean Grivot

Esse é um dos especialistas em Echezeaux, assim como tem um dos mais consistentes Clos de Vougeot, Grand Cru também de enorme heterogeneidade. Seus vinhedos ficam em Les Cruots. Sua ligação com a família Jayer vem de longe e foi nessas vinhas que o mito Henri Jayer fez um de seus melhores vinhos, Echezeauxs de cuvées espetaculares. 

Liger-Belair Echezeaux

Um vinho que tem se destacado demais e de filosofia completamente diferente do produtor acima. Liger-Belair não é proprietário das vinhas em Echezeaux e sim as arrendada da família Lamadon, a qual tem fortes laços de amizade.

Dos seis lotes em Echezeaux, Liger-Belair trabalha em três parcelas do vinhedo: Les Cruots (a maior parcela com 0,3299 ha), Champs Traversin, e a menor parcela em Clos St Denis. Esse é o trabalho de mix de parcelas falado a pouco onde Liger-Belair tem o coração do vinho calcado em Les Cruots, Champs Traversin dando leveza ao conjunto, e Clos St Denis um pouco mais de robustez.

echezeaux hospices de beaune

Hospices de Beaune

Esse é um vinho inédito em Echezeaux, o qual as vinhas foram doadas pelo abastado Jean-Luc Bissey, cuja a família possui terras na região há quatro gerações. Pelo mapa abaixo, a parcela é justamente a número 8 que em tempos antigos pertencia a Echezeaux du Dessus e não a Rouget du Bas, como consta atualmente.

A vinificação e supervisão fica a cargo dos enólogos do Hospices de Beaune. As vinhas foram replantadas em 1945 e a primeira safra desta cuvée é de 2012. Até então, as vinhas eram utilizadas para o vinho de Mongeard Mugneret denominado Vieilles Vignes. Além desta cuvée Echezeaux, Hospices de Beaune faz mais duas cuvées espetaculares, Clos de La Roche e Mazis-Chambertin.

Das onze parcelas subdivididas, Echezeaux du Dessus é a mais reputada. Ela está localizado bem no centro do vinhedo, acima de Grands-Echezeaux. Esta parcela de 3,55 ha é a única que inclue o nome Echezeaux, fazendo referência a Grands-Echezeaux que originalmente não era separado como Grand Cru do vinhedo original.

echezeaux du dessus

subdivisão de Echezeaux du Dessus

  1.  Jayer Gilles – 0,5361 ha
  2.  Niquet Jayer – 0,5285 ha
  3.  Michel Noellat – 0,5097 ha
  4.  Cecile Tremblay – 0,1775 ha
  5.  Jean-Marc Millot – 0,5981 ha
  6.  Mongeard Mugneret – 0,3300 ha
  7.  Domaine des Perdrix – 0,8730 ha
  8.  Hospices de Beaune – 0,4380 ha 

Os produtores acima são os proprietários da parcela mais reputada. Notem que a parcela 8 está fora de Echezeaux du Dessus, dentro de Les Rouges de Bas, atualmente. É que antes da reclassificação dos vinhedos, esta parcela 8 pertencia ao terroir de Echezeaux du Dessus. Atualmente, é um lote do Hospices de Beaune.

echezeaux jayer-gilles

Jayer Gilles

A ligação da família Jayer com o vinhedo Echezeaux é quase visceral. Temos aqui um lote de pouco mais de meio hectare de vinhas encostado à parcela Les Poulaillères, quase um monopólio do domaine DRC. Um dos vinhos mais tradicionais e emblemáticos da apelação.

Falando um pouco mais da família Jayer, somando os dois vinhedos acima (Gilles e Niquet), temos 1,07 hectares de vinhas. Elas foram compradas em 1933 do DRC provavelmente para financiar os vinhedos de La Tache. São vinhos tradicionais e fieis à sua origem. 

Michel Noallet e Cecile Tremblay

Essas duas famílias de algum modo tem ligações de parentesco com os Jayers. Noellat faz vinhos confiáveis, enquanto Cecile faz produções bem pequenas no estilo Jayer de vinificação. Seus vinhos são difíceis de encontrar.

Por fim, Domaine Jean-Marc Millot Cuvée 1949, lançado em 2017 com vinhas velhas de Echezeaux du Dessus é um vinho profundo que retrata fielmente este terroir tão especial. 

Próximo encontro, os vinhos de Grands-Echezeaux. Não percam!

Liger-Belair: Renasce uma Estrela

9 de Março de 2019

Neste novo milênio, iniciando o século XXI, renasce uma estrela na mais mítica das comunas da Côte de Nuits, Vosne-Romanée, com os vinhos do Domaine Liger-Belair. A começar pelo La Romanée, vinhedo com menos da metade da área do astro maior Romanée-Conti, convivendo lado a lado no centro gravitacional de Vosne-Romanée.

liger belair vinhedosvinhedos Liger-Belair em torno de La Romanée

Além do La Romanée, o Domaine possui vários outros vinhedos muito bem localizados na nobre vizinhança com vinhas  de idade avançadas, superando 60 anos de idade. A destacar, Clos du Chateau, um monopole, e Aux Reignots com produções ínfimas de 2100 garrafas por safra. Os outros vinhedos, muitos deles, com menos de mil garrafas por safra.

Voltando ao La Romanée, sua primeira safra data de 1827 quando o Domaine tinha muitas propriedades na região e gozava de grande prestígio. Nesta época, o vinhedo La Tache original, de área bem menor que o atual, era tido como o grande vinho de Vosne-Romanée. Com a chegada do século XX e a primeira guerra mundial, a família Liger-Belair estava em dificuldades financeiras, desfazendo-se de vários vinhedos, inclusive o mítico La Tache, o qual em 1933 passa às mãos do Domaine de La Romanée-Conti, ampliando sua área com os vinhedos Les Gaudichots vizinhos, e oficializando a apelação de origem La Tache, de acordo com as novas leis francesas.

Daí em diante, os vinhos da família Liger-Belair eram vinificados e entregues a negociantes da região, fato comum à época, inclusive a Maison Leroy. Evidentemente, a qualidade e a regularidade  foram abaladas, de acordo com critérios adotados pelo negociantes na educação e engarrafamento dos vinhos. Em 1976, numa união matrimonial, as famílias Liger-Belair e Bouchard Père & Fils seguem juntas na elaboração do vinho La Romanée, imprimindo no rótulo o nome do negociante famoso Bouchard Père & Fils até o ano 2001, sua última safra exclusiva.

É nesta data que surge a nova estrela do Domaine com a presença marcante de Louis-Michel Liger-Belair, sétima geração da família. Com novos métodos de cultivo e vinificação, Louis-Michel imprime uma filosofia menos intervencionista e uma extração mais delicada na vinificação. Seus vinhos ganham finesse e elegância, marcando um novo estilo no Domaine. 

Esta transição com Bouchard Père & Fils acontece entre 2002 e 2005, onde os dois rótulos e vinificações diferentes ocorrem lado a lado. É notório a diferença de estilos entre os dois 2005, último ano de ambos, onde percebemos claramente o fator humano na concepção do terroir. O Bouchard 2005 é um La Romanée mais extraído, mais potente, de acordo com a velha escola. Já o Liger-Belair 2005 é um La Romanée bem mais delicado, elegante e cheio de sutilezas.

A partir de 2006, segue a linha do novo Liger-Belair com vinhos sempre elegantes, delicados, galgando posições importantes na crítica especializada com notas altíssimas. As safras La Romanée 2009 e 2010 alcançam cifras impressionantes com valores em torno de seis mil dólares por garrafa.

Foi neste contexto que provamos algumas garrafas de La Romanée no restaurante Nino Cucina, iniciando com um branco à altura do evento, o majestoso Montrachet 2014 do Domaine des Comtes Lafon, um dos melhores exemplares desta safra com 98 pontos. O vinho é uma maravilha com textura rica, acidez refrescante, equilíbrio cirúrgico entre os componentes, e longa persistência aromática. Nada melhor para aguçar as papilas.

acompanhando carpaccio de atum

O carpaccio de atum com azeite de trufas estava divino, combinando perfeitamente com a textura e elegância do vinho. Um combinação de pureza de sabores e mineralidade de rara felicidade.

2001: safra que marca o final de uma era

Começando os La Romanée com uma safra histórica, 2001. Safra esta que marca o final da rotulagem exclusiva Bouchard Père & Fils, mostrando uma extração vigorosa, com engaço, bem ao estilo old school. A cor e concentração do vinho impressionam com seus dezoito anos de vida. Bem mais intensa que os três exemplares Liger-Belair que vamos comentar a seguir de safras mais recentes. O vinho tem aromas terrosos, sous-bois, cogumelos e notas de frutas em licor. A combinação com o ravioli de vitela com molho de funghi e parmesão (foto acima) ficou divina, equiparando bem a intensidade e similaridade de sabores,  bem como a  força de ambos.

img_5771vinhos que refletem as safras

Finalmente, as estrelas do almoço, três safras sucessivas de La Romanée Liger-Belair. Estamos falando de um monopole de 0,8452 ha de vinhas, cujas as idades variam entre 22 e 102 anos, sendo boa parte com média de 60 anos. São produzidas apenas 3600 garrafas por safra, aproximadamente metade do seu rival Romanée-Conti. O vinhedo fica imediatamente acima, fazendo divisa com o Romanée-Conti.

Das safras acima, 2011 mostra-se um pouco menos concentrada, lembrando que a comparação é sempre cruel. Tomado individualmente, La Romanée 2011 é um tinto elegante, com uma pureza de frutas extraordinária, toques de especiarias e alcaçuz. Um vinho delicado, muito equilibrado e de final com muitas sutilezas.

Já a briga entre os La Romanée 2009 e 2010 foi de titãs. Os dois com uma força, um extrato, e uma riqueza impressionantes, sem jamais serem pesados. O que marca realmente a diferença são os estilos de safras. No ano 2009, temos um vinho um pouco mais cheio, maior maciez, e muita sedução nos aromas e texturas. Embora com longa vida pela frente, é mais prazeroso no momento que seu rival 2010.

O ano 2010 marca uma acidez mais presente, a qual provavelmente dará grande longevidade aos vinhos. Eles possuem um frescor próprio, na medida certa. Além disso, frutas muito bem delineadas, toques florais,  e taninos muito bem polidos. Numa degustação mais à frente, digamos daqui a dez anos, o 2010 pode estar mais interessante com uma estrutura mais desenvolvida. De todo modo, um belo fecho de prova, marcando definitivamente a volta da família Liger-Belair como uma das estrelas da Borgonha.

Outros pratos marcantes

Agradecimentos aos companheiros de mesa e copo, sempre muito gentis, divertidos e generosos em mais esta jornada. Mais alguns pratos (foto acima) muito bem executados como o carpaccio de robalo, extremamente delicado, e as costeletas de cordeiro empanadas com batatas gratinadas, um prato reconfortante, finalizando muito bem este grande almoço. Menção especial ao maître Ivan do Nino Cucina, sempre atencioso nos detalhes.

Acabadas as desculpas de Carnaval, o ano começa pra valer e as degustações prometem grandes momentos em 2019. Que Bacco sempre nos proteja e no guarde!

Leroy e DRC: a perfeição tem preço

8 de Fevereiro de 2019

Quando falamos da Borgonha em vinhos de alto nível, estamos falando de produtores pontuais, especialistas em suas respectivas comunas, as chamadas referências. Neste sentido, há grandes nomes com pontuações altíssimas na crítica especializada e uma consistência notável em várias safras. Contudo, há duas joias que se destacam dos demais. Domaine de La Romanée-Conti com seis Grands Crus irrepreensíveis e Madame Leroy, sobretudo seus vinhos de Domaine e os assombrosos Auvenay, seu Domaine particular.

Em grande jantar realizado no restaurante Fasano, uma série deles desfilaram para escoltar um menu com trufas negras. Para encorpar o time, alguns outros borgonhas fizeram companhia, além dos dois grandes Barolos da família Conterno: Monfortino e Aldo Conterno Granbussia.

img_5627quebra de hierarquia

Antes dos tintos, um trio de brancos aguçaram as papilas com alguns petiscos de entrada, ainda fora da mesa. A dupla acima mostra claramente que alguns produtores se destacam sobremaneira mesmo em terroirs hierarquicamente inferiores. Como comparar um Meursault com o todo poderoso Montrachet. Este 2010 de Louis Jadot tem 98 pontos e é um dos destaques da safra. Evidentemente um grande vinho, bem equilibrado, toques elegantes de barrica, mas não está no time de cima dos melhores Montrachets. Já o Meursault do Roulot é um vinho mágico. Este em particular é um Monopole chamado Clos des Bouchères 2012 com somente 1,37 hectare de vinhas. Um branco vibrante, um toque cítrico elegante, textura rica em boca sem ser pesado. Final persistente e harmonioso. Somente Coche-Dury para ombreá-lo. 

harmonização divina

Só mesmo o vinho acima para fazer esquecer Roulot. Este Domaine Leroy Corton-Charlemagne 2009 degustado várias vezes é um vinho a ser batido. Moldado pela Madame, tem uma textura rica e intensa. As pitangas, frutas secas, notas finamente tostadas sobressaem na taça. Desde sua entrada em boca com uma acidez refrescante, até sua persistência aromática intensa, é um branco sem defeitos. Tudo nele é rico e magnífico. Acompanhou divinamente o tartar de atum com foie gras (foto acima). 

img_5632longevidade para poucos

Começa a sequencia de tintos de forma arrasadora. Dois DRCs Romanée-St-Vivant antigos com dez anos separando as safras. O de safra 88 estava mais evoluído que seu par mais antigo, a começar pela cor. Este safra é classicamente um ano de taninos mais duros, difíceis de amadurecer plenamente. É um belo vinho, mas sem grandes emoções. Se estivesse sozinho, talvez tivesse brilhado mais. Deu azar pela comparação, pois o Romanée-St-Vivant 78 é um vinho mítico. Felizmente, degustado algumas vezes, é sempre grandioso. Seu aroma é um roseiral cheio de nuances e especiarias finas. A boca é um sonho com taninos de seda. Equilíbrio perfeito e um final de boca grandioso. Ainda encontra-se pleno em seu esplendor. Talvez seja um daqueles vinhos imortais. Segundo o próprio Henri Jayer, seu Richebourg 78  que vale uma pequena fortuna nos leilões, foi seu melhor vinho elaborado. Realmente, uma safra mítica!

img_5636Babette se renderia ao Richebourg

Neste embate de gigantes, surge o melhor Richebourg DRC que já provei, safra 90. Ele estava tão delicado que parecia feito pela Madame Leroy. Um vinho encantador com taninos delicados, aromas de carne, terroso, e especiarias doces. Consegue superar o La Tache 90, tarefa para poucos. Já o Clos Vougeot 90 da Madame, Babette não aprovaria. O vinho estava meio sem graça, sem o charme costumeiro deste Domaine. Pode até ser um problema de garrafa, mas estava meio blasé, embora sem defeitos.

Chambertin divino

A baixa da noite aconteceu neste flight acima. Domaine des Chezeaux elaborado pelo Domaine Ponsot estava turvo e com aromas bem estranhos, lembrando um daqueles Barolos rústicos. Pela densidade e concentração, parece ser um grande Chambertin, afinal tem 98 pontos. Contudo, certamente é um problema de garrafa. Fazendo um parêntese, Este Domaine des Chezeaux possui a maior área de vinhas do Grand Cru Griotte-Chambertin. Entretanto, ele delega a vinificação para o Domaine Ponsot com 0,89 hectare, e Domaine Rene Leclerc com 0,68 hectare. Um vinho a ser testado novamente.

Em compensação, Domaine Leroy Chambertin 1990 deu um banho de elegância. Dos Grands Crus do Domaine, só perder em exclusividade para o Musigny. Este Chambertin tem apenas meio hectare de vinhas. Não é o melhor dos Chambertin desta safra, mas a garrafa estava divina. Toda a delicadeza de aroma da Madame com notas de cerejas escuras, florais, madeira finamente tostada, e um fundo mineral sutil. É um vinho que prima mais pela elegância do que pela potência. Final equilibrado e super harmonioso. Um dos destaques da noite.

promessas de adega

Neste penúltimo flight, uma avaliação de longevidade. La Tache é sempre La Tache, um vinho charmoso, elegante, com seus toques orientais de incenso, especiarias finas, e notas terrosas. Embora não seja uma safra grandiosa, 2007 gera vinhos precoces e graciosos. Seu par Echezeaux do excelente Domaine Liger Belair respeitou a hierarquia, embora seja de uma safra brilhante, 2009. Muita fruta no nariz, aromas limpos e de grande pureza com notas florais e de alcaçuz. Em boca, seus taninos são finos, acidez equilibrada e ótima persistência aromática. Um vinho que merece adega por uns dez anos. No caso do La Tache, já está prazeroso, mas evolui com dignidade como é de se esperar de um vinho deste naipe.

img_5639Monfortino numa noite feliz!

No último flight, Barolos de outro planeta. Simplesmente, obras-primas da família Conterno. Aldo Conterno com seu Granbussia 2001 e Giacomo Conterno com o caríssimo Monfortino Riserva 1999. Este Monfortino estava tão elegante que parecia ter sido feito pelo Aldo. O vinho é possante com uma montanha de taninos super bem polidos. Foi o melhor Monfortino que já provei. Longo, persistente, e sem aquela costumeira nota de oxidação e extração excessiva que costuma ter neste mítico Barolo. Já o Granbussia não estava em grande forma, parecia um garrafa um pouco cansada. A próprio cor estava mais evoluída. No entanto, também um grande Barolo, mas sem o brilho costumeiro. As notas confirmam a superioridade do Monfortino com 98 pontos, contra 94 pontos do Granbussia.

trufas e La Mission

Para encerrar a orgia, um bordalês não podia faltar. E ele veio grandioso, La Mission Haut Brion 1998. Um Pessac-Léognan de peso, imponente, taninos densos e finos. Seus aromas de chocolate, couro, estrabaria, e toques de tabaco. Boca harmônica, grandiosa, e de longa persistência. Tem 98 pontos Parker e um dos destaques desta safra. O pessoal nesta altura do campeonato nem deu muita bola pra ele. Ainda bem que não fui na conversa deles. Coloquei o DRC Saint Vivant  1978 logo de cara. Esse eles vão lembrar para sempre.

Quanto ao Fasano, destaque para toda equipe, especialmente o maître Almir Paiva e o competente sommelier Fábio Lima, sempre muito preciso. Todos os pratos do menu com pratos trufados acompanharam bem os vinhos, executados com maestria pelo Chef Luca Gozzani. Destaques para os pratos fotografados pela ordem: ovo crocante com funghi porcini, costeletas de cordeiro com molho do próprio assado, e pastel com queijo taleggio. 

Agradecimentos a todos os confrades presentes numa noite muito animada. Os vinhos escolhidos sempre com imensa generosidade ratificaram um jantar inesquecível. Mais uma vez, muito honrado em ser sommelier deste grupo de craques que não tomam vinhos caros para exibição, e sim pelo profundo conhecimento do grupo. 2019 promete, sempre com a proteção de Bacco! Saúde a todos!

Verão na Borgonha

12 de Janeiro de 2019

Começando os trabalhos no Ano Novo, a confraria se reuniu em temperaturas altas no restaurante Bela Sintra, Jardins. Clamando por vinhos mais refrescantes, é dada a largada com três Chablis de estilos diferentes, mostrando uma faceta única da Chardonnay no extremo norte da Borgonha.

tudo que se espera de um Chablis

Chablis não é fácil porque não é óbvio. É como a Gisele Bündchen. Sua beleza não está em traços perfeitos, mas sim num conjunto de olhar e personalidade marcantes. É isso, Chablis é cortante, mineral, agudo, sem rodeios, e um grande parceiro de ostras e frutos do mar in natura. Raveneau e Dauvissat são ortodoxos, personificam este estilo sem concessões. Este Grand Cru da foto acima da estupenda safra 2002 tem 98 pontos com louvor e pelo menos mais dez anos em adega. Uma aula de Chablis.

outros estilos

Continuando na rota dos Grands Crus, mais dois Chablis de estilos diferentes. Billaud-Simon à esquerda, excelente produtor, faz um Chablis puro, floral, com mineralidade, mas sem o impacto de Raveneau. Ele é mais macio, mais condescendente, mais fácil de gostar. Muito equilibrado, tem um público cativo. Já Drouhin à direita, um Chablis bem mais redondo, um toque de barrica, mais aromático, acidez mais atenuada, lembrando um pouco, um branco de Beaune. Tem seus adeptos, mas foge de sua essência.

IMG_5529terroirs distintos, mas fascinantes

Deixando Chablis, vamos ao sul da Côte d´Or, em busca dos brancos de Beaune. Um embate extremamente didático de um grande produtor numa bela safra como 2010. Comtes Lafon faz Meursault à perfeição com um didatismo de livro. Na comparação, já a cor é mais rica que o Montrachet. Seus aromas são mais óbvios e intensos. Em boca, a opulência da comuna, a maciez, os toques amendoados e amanteigados, quase gorduroso. Já o grande Montrachet, muito mais tenso, mais reservado, dono de uma acidez altiva e um equilíbrio dos grandes vinhos. Ainda em evolução, será certamente um dos grandes Montrachets desta safra. Por hora, Meursault-Charmes é realmente um charme e sedução. Não há vencedores.

pratos entre vinhos

Entre uma conversa e outra, alguns pratos do almoço escoltando os vinhos. A salada de bacalhau com grão-de-bico ficou bem apropriada para a dupla de brancos de Comtes Lafon (Montrachet e Meursault), enquanto o ensopado de cordeiro com arroz do próprio molho acompanharam bem os bordadeses (Margaux e Pauillac). Vinhos comentados abaixo.

IMG_5530não é fácil peitar Rousseau!

Sem dúvida, a disputa mais surpreendente do almoço, já entrando nos tintos da Borgonha. A safra 2015 dispensa comentários com praticamente 200 pontos na mesa. O Chambertin estava mais jovem na cor com lindos reflexos violáceos. Um nariz delicado, floral, confirmando na boca taninos sedosos e uma estrutura delicada. Tudo indicava ser um Vosne-Romanée. Enquanto isso, La Romanée à direita, mais evoluído em cor e nariz, já com alguns aromas complexos, algo terroso mais marcante. Boca mais potente que seu oponente com taninos presentes, embora muito finos. Longa persistência e com muito a evoluir, mostrou de fato porque é um nota 100. Desbancou Rousseau quase que por nocaute.

A propósito, La Romanée tem alcançado notas altíssimas nas últimas safras, tentando desbancar o mito Romanée-Conti, literalmente seu vizinho. Sua área de vinhas de menos de um hectare, um verdadeiro jardim, é praticamente a metade de seu oponente. Uma briga de titãs!

IMG_5533hierarquia e safra são importantes!

O fecho do almoço tinha que ser bordalês em outra disputa extremamente didática. Do lado de Pauillac, Duhart-Milon 2001, um Grand Cru Classé fora do primeiro escalão. Tendo em conta uma safra mais precoce, este tinto tinha todo os terciários de Pauillac desenvolvidos com tabaco, ervas, e toques animais no aroma. Boca bem resolvida com taninos totalmente polimerizados. Já o grande Margaux, mostra que a evolução de Premier é bem mais lenta, sobretudo na sisuda safra de 1986. Um tinto que beira a perfeição, mas ainda está longe dela. Precisa de mais tempo em garrafa para desenvolver aromas e amaciar taninos. No momento, sua decantação é obrigatória. 

a complexa rotulagem alemã

Na hora da sobremesa, um Riesling alemão apareceu para compor o quadro. Normalmente, a doçaria portuguesa é bem carregada no açúcar, dificultando um pouco a harmonização. Entretanto, a Sericaia do Alentejo, um pudim delicado à base de leite e ovos, é muito bem executada no Bela Sintra, e seu açúcar residual é bem mais comedido. Foi uma das chaves para uma boa harmonização com o vinho, o qual tem açúcar residual perceptível, mas sem exageros, sobretudo por sua incrível acidez para contrabalançar. 

Markus Molitor é um dos mais respeitados produtores do Mosel com um código próprio na cápsula de seus vinhos. A cápsula branca indica um vinho mais seco ou menos doce, a cápusla esverdeada com um nível acima de açúcar, e finalmente a cápsula dourada, definitivamente doce. Mas as armadilhas não param por aí. Neste rótulo acima de cápsula branca, teoricamente menos doce, existe outra classificação de um a três asteriscos (***), indicando crescente nível de maturação da uva e consequentemente de açúcares. Realmente, é difícil entender os alemães. Para completar, Auslese é um grau de doçura intermediária entre o Kabinett e Trockenbeerenauslese.

IMG_5536uma das grandes eaux-de vies!

Passando a régua, uma linda homenagem de Manoel Beato a mim com este Bas-Armagnac maravilhoso datado com minha safra de 1959. Para completar, depois de longa tempo em madeira, foi engarrafado em 1987, ano de nascimento de minha única filha, para comercialização. Só o lado emocional, já vale a experiência. Contudo, sendo o mais técnico possível, é uma aguardente primorosa em seus aromas, profundidade, e equilíbrio. Coisas que só tempo molda à perfeição. Obrigado amigo!

Enfim, está dada a largada 2019 em busca dos melhores vinhos. Que a frequência dos confrades seja a mais intensa possível, aumentando nossos números ano a ano. Obrigado a todos pelo carinho e generosidade, vislumbrando grandes encontros em breve. Saúde a todos!

Echezeaux em parcelas

19 de Abril de 2018

A extensão de vinhedos na Borgonha é sempre minimalista, sobretudo quando se trata de vinhedos na categoria Grand Cru. Duas exceções clássicas e de conformação semelhante são Clos de Vougeot e Echezeaux com vinhedos quase contíguos.

A palavra Echezeaux significa conjunto de vilas, de comunas. Na verdade, são onze climats que compõem este vinhedo com mais de 35 hectares de vinhas. Tudo gira em torno de outro Grand Cru de características semelhantes, mas de maior prestígio e menor área, Grands-Echezeaux. Em torno deste Grand Cru, as onze parcelas se acomodam a oeste, e sobretudo a norte subindo a colina dos Grands Crus.

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comuna espremida na Côte de Nuits

Os Grands Crus Echezeaux e Grands-Echezeaux pertencem a comuna de Flagey-Echezeaux, espremida entre as comunas de Vosne-Romanée, Vougeot, e Chambolle-Musigny, conforme mapa acima. Na prática, Flagey-Echezeaux é absorvida pela badalada comuna de Vosne-Romanée, ganhando assim esta última, mais dois Grands Crus.

Feitas as considerações iniciais, Echezeaux apresenta um terroir complexo e sobretudo heterogêneo. Some-se a isso, cerca de 80 produtores, cada qual com seu estilo e conceito de vinho, e a solução desta equação torna-se de difícil conclusão. Partindo do Echezeaux do Domaine de La Romanée-Conti (DRC), teoricamente o mais reputado e de maior concentração, vê-se claramente numa degustação horizontal DRC com seus seis maravilhosos Grands Crus, que Echezeaux está um degrau abaixo em termos de concentração e complexidade. E olha que estamos falando no que há de melhor em Echezeaux e Grands-Echezeaux. No caso do Echezeaux DRC, trata-se de uma das melhores parcelas deste vasto vinhedo (parcela 2), bem próximo da face norte de Grands-Echezeaux. O mapa abaixo, elucida as considerações acima.

flagey echezeaux parcelas11 parcelas do Grand Cru Echezeaux

  1. Echezeaux du Dessus
  2. Les Poulailléres
  3. En Orveau
  4. Les Champs Traversins
  5. Les Rouges du Bas
  6. Les Beaux Monts Bas
  7. Les Loächausses
  8. Les Cruots ou Vignes Blanches
  9. Clos St Denis
  10. Les Treux
  11. Les Quartieres de Nuits

Teoricamente, a parcela 1 de nome Echezeaux du Dessus, é a parcela original do vinhedo Grand Cru Echezeaux e de grande reputação. Esta parcela 1 é atualmente dividida em sete proprietários entre os quais, a família Jayer, Cecile Tremblay e Michel Noellat, são os mais importantes.

Na parcela 2, Les Poulailléres, praticamente um monopole do DRC, é outra comuna de grande prestígio. Nessas parcelas 1 e 2, o solo de marga tem uma proporção maior de argila, gerando vinhos mais encorpados e de grande concentração.

A parcela 7, Les Loächausses, é também de ótima reputação tendo como proprietários Anne Gros e Gros Frères. Já na parcela 8, Vignes Blanches, o solo mais calcário e arenoso, tendem a elaborar vinhos mais sutis, bem aos moldes do mestre Henry Jayer. Neste caso, o homem se sobrepõe aos outros elementos do terroir.

Atualmente, Domaine Liger-Belair está em ascensão, tornando-se a bola da vez. Suas vinhas em Echezeaux com pouco mais de meio hectare, é dividida entre as parcelas 4 e 8, Vignes Blanches e Champs Traversins, respectivamente. Apesar de solos com boa proporção de calcário, dando elegância ao conjunto, o grande trunfo do produtor são vinhas muito antigas, ao redor de 65 anos.

ad4038c9-7ccc-4c5a-bf97-112f6247f771.jpgHenri Jayer: a pefeição na apelação

Aqui na foto acima, a conjunção é perfeita. Grande produtor numa bela safra. Toda a delicadeza de um grande Echezeaux com enorme profundidade. Já no seu Cros Parantoux, um Premier Cru de rara delicadeza, Henri Jayer mostra todo seu talento num tinto excepcional. Pena que Madame Leroy em seu Domaine não possua uma parcelinha neste terroir. Certamente, faria um estrago …

o que há de melhor nestas apelações

A diferença de um Echezeaux para um Grands-Echezeaux nos vinhos DRC é marcante. Com o mesmo estilo de vinificação, o Grands-Echezeaux mostra-se duro na juventude, vislumbrando uma lenta e gradual evolução. Por outro lado, Echezeaux é o vinho mais acessível. Sedutor mesmo jovem, é um vinho de grande profundidade.

IMG_4487.jpgos indícios de uma grande promessa

Liger-Belair aposta no time de Jayer ou mais “terrenamente” em tintos de Leroy. Cabe ao tempo dizer se esta promessa revelará a profundidade e delicadeza deste nobre terroir. Importadora Mistral.

echezeaux confuron cotetidot

Por fim, os vinhos do Domaine Confuron-Cotetidot trazidos pela importadora Decanter com algumas garrafas ainda na importadora Cellar, especialmente Echezeaux, objeto de nosso artigo, mostra o estilo tradicional e concentrado com vinificação entiére (uvas com engaço). Vinhos de grande concentração e profundidade. São 0,45 hectares de vinhas localizadas na parcela 10 (Les Treuxs), vide mapa acima, colada a oeste de Grands-Echezeaux.

Na Borgonha, produtor, vinhedo e safra, são fundamentais para o sucesso de uma garrafa. Nos Grands Crus Clos de Vougeot e Echezeaux, os cuidados são redobrados. Na verdade são muitos vinhedos individuais que não poderiam ser padronizados numa única apelação. Exceções que fogem aos conceitos habituais deste terroir tão complexo como a Borgonha.

 

Hits da Borgonha

16 de Abril de 2018

Vez por outra, é bom dar um passeio pela Borgonha buscando comunas distintas em épocas onde o glamour do vinho tinha um sentido mais romântico e filosófico do que os atuais dias onde o marketing e a especulação imperam num dos terroirs mais fascinantes da França. Foi com esses propósito, que um grupo de amigos reuniu-se na Trattoria Fasano num belo almoço outonal. 

Old School

Diferentemente de champagne ou vinho branco, iniciamos os trabalhos com um aperitivo distinto, um Charmes-Chambertin 1964 da velha guarda da Borgonha. Notem no rótulo abaixo, que não há menção Grand Cru. Nesta época, Charmes-Chambertin como Lieu-Dit (território consagrado) era mais relevante para os conhecedores. É um vinho muito mais de alma que de corpo. Seus aromas etéreos com notas de chá, manteiga de cacau e sous-bois, além das sutilezas em boca, nos leva a outros tempos …

IMG_4478.jpgsafra 1964: sabor nostálgico

Descendo mais um pouquinho no tempo, chegamos a mítica safra de 1959, minha safra também, para nos deliciarmos com toda a energia deste Pommard Village sem identificação do vinhedo. Aparentemente sem pedigree, o vinho é de uma força extraordinária, justificando sua fama de Barolo da Borgonha. Com seus quase 60 anos, tem sua rusticidade domada pelo tempo com aromas terciários fantásticos. Sem sinais de declínio. 

1959, uma das safras históricas

Deixando de lado a nostalgia, vamos para 1997 na comuna de Volnay, sabidamente de tintos delicados, exceto por este produtor, Domaine Marquis d´Angerville. Sobretudo em seu grande tinto, o monopole Clos des Ducs do século XVI de pouco mais de dois hectares, mostra extrema virilidade, taninos bastante firmes, aromas recatados, dando indícios de sua longa guarda. Este provado da safra 1997, mostra-se ainda muito jovem, necessitando de decantação. Seus aromas um tanto tímidos mostra um lado sanguíneo, notas de alcatrão, e frutas escuras. Sua incrível acidez e estrutura tânica o permitirão vencer décadas de lenta polimerização, liberando seu bouquet.

IMG_4482.jpgum tinto para envelhecer

O outro grande nome da comuna de Volnay é Domaine Lafarge, de estilo mais feminino e elegante, mas igualmente complexo e sedutor. Seu monopole Clos des Chenes 1999 provado há anos, ainda está na memória …

DRC Romanée-St-Vivant em dois tempos

Entrando no terroir sagrado de Vosne-Romanée, um dos meus DRCs preferidos, Romanée-St-Vivant. É sempre um vinho vibrante, gracioso, sem muita timidez. A safra 1995 da foto abaixo, mostra já um vinho delicioso em sua maioridade, mas com muita vida pela frente. Taninos firmes e polidos, aromas de cerejas negras, especiarias, toques balsâmicos, e uma boca harmoniosa. Aqui não há vinhos comuns …

diferentes momentos de evolução

Agora para tudo, sua majestade Romanée-St-Vivant DRC 1978 entra em cena. Um dos cinco melhores Borgonhas que já provei numa safra mítica da região. Esta garrafa estava incrivelmente jovem comparada a outras degustadas. Um vinho praticamente imortal, com uma energia e vivacidade ímpares. Suas notas de cerejas negras, rosas, especiarias delicadas, toques balsâmicos, são de um riqueza e harmonia absolutas. Impossível não ser seduzido por todo este encantamento. Aquela garrafa da ilha deserta …

IMG_4487.jpgum bebê engatinhando

Ainda em Vosne-Romanée, um pequeno infanticídio com a criança acima, um Echezeaux Liger-Belair da ótima safra 2015. Um vinho elegante, muito bem equilibrado e com ótima riqueza de fruta. Vide, foto acima.

flagey echezeaux

uma comuna que se confunde com Vosne-Romanée

O mapa acima tenta ilustrar a complexidade deste terroir chamado Echezeaux com área em torno de 37 hectares. É um pouco menor do que Clos de Vougeot, Grand Cru com 50 hectares de vinhas. Nos dois casos, cerca de 80 produtores disputam espaço e imprimem por conseguinte seu estilo de vinho. Portanto, uma comuna com vinhos bastante heterogêneos. 

A rigor, os Grands Crus Echezeaux e Grands-Echezeaux pertencem à comuna de Flagey-Echezeaux conforme mapa acima, e frequentemente confundida e englobada na badalada comuna de Vosne-Romanée. Em termos de terroir, existem 11 diferentes Climats em torno de Grands-Echezeaux formando o mosaico chamado Echezeaux. Em linhas gerais, os climats adjacentes a Grands-Echezeaux de solo mais argiloso, mostram vinhos mais robustos e concentrados. Não é por acaso, que as vinhas DRC para esta apelação estão concentradas nesta porção de terreno, sobretudo no climat Les Poulaillères. Já Liger-Belair, objeto de nosso tinto degustado, possui vinhas nos climats Les Crouts e Les Champs Traversins, de solo mais arenoso e menos argiloso. Isso proporciona vinhos mais leves e elegantes. Seu grande diferencial, são vinhas muito antigas, em torno de 65 anos. Daí se explica a delicadeza de seus vinhos.

IMG_4484.jpgfettuccini com cogumelos e molho rôti

Um dos pratos de grande sucesso do almoço na Trattoria Fasano foi o Fettuccini com cogumelos e molho rôti. A textura da massa estava perfeita para a densidade dos borgonhas, além dos aromas e sabores do prato instigarem o aspecto de evolução desses vinhos baseados em sous-bois e algo terroso.

IMG_4490.jpgum vinho enigmático

Por fim, um dos tintos mais enigmáticos da Côte de Nuits, Clos de Tart, monopole histórico da comuna de Morey-St-Denis. Seu rótulo sóbrio traz o peso de sua história e tradição. Um vinho sempre muito difícil de se mostrar, pedindo tempo ao tempo, mas de uma riqueza impressionante, incitando o degustador a tentar revelar seus segredos. O vinho é muito equilibrado, muito estruturado em todos seus componentes, mas ainda a ser lapidado. Esse seu mistério e relutância em não se revelar por completo me remete de alguma forma ao mítico Romanée-Conti. Sempre um privilégio prova-lo. 

bolivarianos em ação

Finalizando a conversa, nada como uma sessão espiritual, Puros e Cognacs. A seleção ficou a cargo da Casa Bolivar, uma das mais tradicionais marcas cubanas conhecida por sua destacada fortaleza em aromas e sabores. No caso, um duplo figurado lembrando um concorrente à altura, Partagas Salomones. Além disso, uma bitola exclusiva de nome Geniales com ring 54 de ótimo fluxo completou o deleite.

IMG_4493.jpgencontro espiritual

Essa garrafinha dentilhada de  Baccarat quando entra em cena, não há espaço para a concorrência. Cognac Louis XIII, a excelência desta apelação francesa, primando pelo extremo cuidado na seleção e envelhecimento dos melhores cognacs da Maison Remy Martin. Personalidade, força, em perfeita harmonia com a elegância e delicadeza de um verdadeiro néctar.

O que mais dizer, senão agradecer aos amigos pela companhia, bom papo, e alto astral. Que Bacco nos proteja em busca de novas orgias. Abraço a todos!

 

 

Liger-Belair e sua nobre vizinhança

7 de Fevereiro de 2018

Dando prosseguimento ao artigo anterior na Maison Laurent (Uma noite com Paul Laurent), chegou a hora dos tintos, e que tintos!

ee58d5a7-dfaf-4e26-a9fb-3f7d22404360.jpgprova do crime

Domaines legendários desfilaram em vários flights em safras memoráveis. Com a orientação do Comte Louis-Michel Liger-Belair, presente no evento, a sequência de legendas será descrita abaixo, começando com duas safras de seu grande ícone, La Romanée Grand Cru com área pouco maior que 0,8 hectare. Ratificando novamente, a reportagem completa sobre o renascimento do Domaine Liger-Belair a partir do novo milênio, segue no link Domaine Liger-Belair: O novo milênio

IMG_4240.jpgsafras bem pontuadas, mas de estilos diferentes

O estilo Liger-Belair segue claramente o caminho da delicadeza, lembrando um Chambolle-Musigny. As duas safras degustadas, ainda muito novas, mostra vinhos bem focados na fruta, nos traços florais e de especiarias. O 2006 é um vinho mais agudo, mais vibrante em acidez, e é essa acidez que permitirá um longo envelhecimento. Toda a finesse de Vosne-Romanée. Já o 2007, é um vinho mais direto, mais aberto em aromas, e mais macio. Tem uma riqueza tânica importante, mas de ótima textura. É sem dúvida, o mais prazeroso para ser tomado no momento.

IMG_4248.jpga essência de um bourgogne envelhecido

Safras antigas sempre serão polêmicas e jamais conclusivas, pois cada garrafa é uma história. A safra 1961 foi de baixos rendimentos e grande concentração, sobretudo para o astro maior, Romanée-Conti. Este exemplar é no mínimo hedonístico no sentido de apreciarmos todos os aromas terciários de um La Tâche envelhecido. As notas de cogumelos, adega úmida, sous-bois, estão todas presentes. Em boca, o ponto alto é o equilíbrio com todos os componentes em harmonia. Falta-lhe aquela expansão dos La Tache memoráveis, mas seu final de boca faz lembrar que em Vosne não existem vinhos comuns.

IMG_4245.jpga elegância em plena maturidade

A vantagem de provar este vinho é perceber sua plena maturidade numa safra sem grandes destaques. Clos de Bèze é o lado mais feminino de seu grande rival Le Chambertin. Nas mãos de Rousseau é que percebemos a importância do produtor nas safras menos badaladas. Aromas elegantes, taninos justamente extraídos, valorizando a delicadeza da fruta. Não é muito longo, mas seu equilíbrio é notável. Ótimo momento para ser abatido, já atingindo a maioridade. 

IMG_4259.jpgum pódio de campeões

A safra 1991 é sempre subestimada quando comparamos com 1990. Entretanto, há muitos exemplos de grandes surpresas, inclusive no La Tache 1991. Este exemplar especificamente, não se tratava das melhores garrafas. Entretanto, dava para perceber todo seu extrato e potencial, embora um pouco cansado. As melhores garrafas atingem 97 pontos, superando o próprio La Tache 1990. Mesmo assim, a força deste La Tache é impressionante com uma bela estrutura tânica. Seus aromas terciários já se impondo sobre a fruta, revela um final harmonioso, embora sem grande expansão.

Quanto aos dois Chambertins, temos uma diferença de quase uma década. Mais uma vez, 1990 não é aquele paraíso que imaginamos. Um vinho muito bem equilibrado, distinto, já com boa evolução em garrafa, mas falta-lhe algo para ser um dos grandes. Tanto é verdade, que outros Grands Crus do próprio Rousseau nesta safra, tiveram desempenho melhor. Não chegará perto do estupendo 1985, mas tirando as comparações, um Chambertin de livro.

Quanto ao 1999, este sim, tem punch e vigor para romper décadas. Um poder de fruta incrível, tenso em boca, e um extrato fabuloso. É preciso decanta-lo por pelo menos duas horas. Seus taninos ainda potentes, mas de extrema qualidade, pede carnes  consistentes como pato, por exemplo. Daqueles que provamos do Rousseau, é o que tem maior potencial de guarda.

3ba6cc11-f457-49fc-9df1-b97ac69ff267.jpgpoulet de bresse diretamente da França

Os tintos mais evoluídos da noite com aromas terciários notáveis, escoltaram muito bem um dos belos pratos do jantar, Poulet de Bresse aux Morilles. A ave com as perninhas escuras veio diretamente da França preparada nesta receita clássica, envolvendo creme de leite e os delicados cogumelos Morilles.

IMG_4251.jpglendas da Borgonha

Aqui entramos no ápice do jantar com quatro vinhos da safra 1985 de arrasar quarteirões. A maioria dos Echezeaux a princípio, não seria páreo para um Chambertin de Rousseau. Contudo, estamos falando de Henri Jayer, uma lenda da Borgonha. Este bruxo onde põe a mão vira ouro. Um vinho extremamente elegante, raçudo, que tem profundidade. Está delicioso para ser bebido no momento, mas sem nenhum sinal de cansaço.  

Agora, para tudo, tirem as crianças da sala. Estamos diante do maior Chambertin da história, este magnifico 1985 de Armand Rousseau, talvez só superado pelo mítico 1972. Um show de aromas, equilíbrio, texturas. Seus aromas terciários de caça se fundem magnificamente a frutas como cerejas escuras imersos em uma cadeia longa de taninos que parecem rolimãs. Suntuoso e inesquecível.

Clos de La Roche Históricos!

Novamente, a apoteose. Dois dos maiores Clos de La Roche da história de seus respectivos produtores, Dujac e Ponsot. Daria tudo para prova-los separadamente, pois a comparação é sempre cruel. Dujac, numa apresentação de gala com todos os adereços a que tem direito. Seus aromas de couro, notas empireumáticas, sous-bois, e uma boca aliando com perfeição a força desta apelação numa textura extremamente sedosa.

E finalmente, chega o grande vinho da noite, pelo menos pessoalmente. Um monstro chamado Ponsot. A força deste vinho, sua cor inacreditavelmente jovem, a vivacidade de suas frutas escuras, uma avalanche de taninos absurdamente polidos, e a mais pura sensação de alcaçuz emoldurando o conjunto. Dizem que  a safra 1971 é lendária, mas superar este exemplar é quase surreal. Apesar de extremamente prazeroso, ainda pode evoluir por pelo menos 15 anos, revelando quem sabe, seus mais profundos segredos. Enfim, uma aula de Clos de La Roche.

IMG_4261.jpguma década de evolução

Seguindo em frente, dois Chambertins classicamente duros, característica das safras 1988 e 1998. Na mais antiga, de 1988, os anos lhe fizeram bem. Taninos mais polimerizados, aromas mais desenvolvidos, mas um vinho de muita força. Vinho que pode ser guardado ainda, além de ser muito gastronômico. Harmonizou muito bem com o pato servido no jantar por sua estrutura rica. O de safra 1998 segue a mesma linha. Embora dez anos mais jovem, proporcionalmente é bem acessível, visto que apresenta uma estrutura menos portentosa que seu par. Certamente, terá uma trajetória mais curta quanto ao envelhecimento.

IMG_4260.jpga hierarquia prevalece

Aqui, um flight desigual, tanto na questão hierárquica, como na relevância das safras. A safra 1989 para o DRC Richebourg não teve o mesmo esplendor de 1988. Mostra-se um vinho amável, acessível, mas com uma estrutura um tanto frágil. Contudo, a prontidão e desenvolvimento de seus aromas e sabores o tornam muito prazeroso. Os toques terrosos e de cogumelos ficaram muito bem o Poulet de Bresse aux Morilles do jantar.

Por fim, sua majestade Romanée-Conti 1988. É impressionante a juventude deste vinho com seus 30 anos de vida, só comparável ao Ponsot Clos de La Roche acima descrito. Este vinho tem uma sobriedade quase irritante. Seu aroma tem sempre algo de misterioso, mas as rosas, a especiaria, a fruta bem colocada, estão lá. O que tem de potência no Clos de La Roche, sobra em elegância neste exemplar. A boca é harmoniosa, profunda, e persistente. Dá para ver na foto, que o Richebourg ficou meio intimidado …

fcabcab2-ad2b-4f2f-816f-f1760c603af0.jpgClimens 1929, o melhor da História

Em meio ao caos financeiro em Nova Iorque no ano de 1929, nascia o melhor Climens de toda sua história com 100 pontos. Chateau Climens é o rei de Barsac, região contígua a Sauternes, onde se elabora os vinhos botrytisados mais elegantes da região. Só a emoção de provar uma garrafa desta idade com as marcas do tempo, é motivo de sobra para contemplação. Pela cor âmbar escuro, lembra os grandes Tokaji Eszencia envelhecidos. A diferença marcante é a textura mais delgada deste Climens, sobretudo por conter bem menos açúcar residual que seu rival húngaro. De todo modo, os aromas e sabores de mel caramelado, damascos, cítricos cristalizados, e algo de curry, permeiam seu vasto espectro aromático, próprio dos vinhos imortais.  

Sem palavras para os agradecimentos, foram momentos mágicos onde a conversa fluiu solta em meio a uma gastronomia de alto nível, bem de acordo com os mais sagrados caldos da Côte de Nuits.

Se este for o tom do ano 2018, os Deuses do vinho estarão a postos para realizar os mais intangíveis desejos. Abraços a todos!

Uma noite com Paul Laurent

5 de Fevereiro de 2018

Lembrando do filme Meia-Noite em Paris, eu e alguns confrades nos sentimos transportados para um três estrelas na França em plena capital paulistana. Estamos falando da escola Laurent Suaudeau, onde o mestre incorporou por alguns momentos a magia de Paul Bocuse numa linda homenagem. Em poucas palavras, deu para perceber sua admiração e seu respeito pelo mito francês que nos deixou recentemente.

eb66f5cf-246d-42f7-a06f-fb481f17e6af.jpgO mestre em ação

A mesa montada classicamente com cadeiras confortáveis e espaço de um metro quadrado por pessoa, mostra de cara os detalhes dos lautos jantares. Pode parecer ousadia, mas somente o mestre Laurent para reproduzir a contento alguns dos pratos servidos no L´Auberge du Pont Collonges, quartel general de Bocuse em Lyon, como Quenelles de Brochet, Poisson en Croute, e Le Poulet de Bresse aux Morilles. Realmente, um sonho.

Até aqui não falamos de vinhos, mas este preâmbulo é absolutamente necessário para contextualizar  uma série de obras-primas que desfilaram ao longo da noite, entre brancos e tintos. Começando pelo brancos, vamos aos comentários e harmonizações.

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Domaine Leroy e suas joias

O início da festa com dois Corton-Charlemagne de Domaine Leroy dá o tom do que vem pela frente. Um abre alas com as safras 2000 e 2009. Este 2009, degustado algumas vezes, mostra o poder dos grandes brancos com uma estrutura monumental. Necessariamente, precisa ser decantado por duas horas. Já o da safra 2000, plenamente evoluído, mostrou ao longo da degustação, inúmeras facetas aromáticas. Embora sem o mesmo brilho do 2009, um Corton deste quilate revela toda a classe de um autêntico Grand Cru.

Clássicos de Paul Bocuse

O peixe em massa folhada e a quenelle com molho de crustáceos foram alguns dos pratos que escoltaram esses belos brancos. A precisão na execução e os sabores de grande delicadeza e profundidade, valorizaram sobremaneira os brancos borgonheses ao longo do jantar.

IMG_4247.jpgnível de Grand Cru

Seguindo a dupla acima, sem se intimidar, entra na avenida o Meursault-Perrières 2001 do Roulot. Premier Cru só no rótulo, porque a classe e profundidade deste branco o eleva a outro patamar. Roulot consegue manter a típica textura cremosa dos grandes Meursaults, mas ao mesmo tempo aflora no vinho uma tensão vibrante e perfeitamente equilibrada. Um dos gênios da apelação.

lagosta e foie gras fresco

O prato da esquerda é o clássico Homard à L´Armoricaine, lagosta tenra no molho do próprio crustáceo. Ao lado, um foie gras fresco, cozido pelo próprio Mestre. Sabores e texturas divinas, escoltando os brancos de exceção.

IMG_4257.jpg 300 pontos na mesa

O dia era mesmo de homenagens. Nada melhor para lembrar de Madame Leflaive do que três safras gloriosas de seu inconfundível Chevalier-Montrachet. O da safra 1989 era o mais pronto e o menos esplendoroso. Chevalier tem sempre o lado elegante dos Montrachets com solo caracteristicamente pedregoso e de maior altitude nesses terrenos sagrados. Madame consegue fazer desta apelação o que alguns não conseguem em seus Montrachets. O da safra 2002 ainda é uma promessa. Um vinho ainda tenso, cheio de vibração, mas com extrato fabuloso. Por fim, a obra-prima da safra 1992, o melhor dela de todos os tempos. Ainda em plena forma, tem a magia dos grandes vinhos. Aromas que vão de frutas exóticas, mel, e especiarias raras, a um laivo tostado sensacional. Boca ampla, persistente, culminando no silêncio total.

390fbbc0-14d1-4096-9772-8113fe1bcbc1.jpgfinalizando com queijos

Por ordem de Louis-Michel Liger-Belair, outro homenageado da noite e felizmente entre nós, essa trilogia “Leflaiviana” acompanhou o final do jantar num serviço impecável de queijos à francesa. Todos vindos da França à base de leite cru, seguiu-se o Comte, Epoisses, e Mont d´Or. Harmonização certeira, mostrando que este cenário é claramente para grandes brancos.

Calma que os tintos estão chegando. No próximo artigo, lendas da Borgonha entrarão em cenas nas mais badaladas safras. Aguardem!

Para aqueles ansiosos por uma prévia, o artigo sobre Liger-Belair já se encontra disponível no link Domaine Liger-Belair: O novo milênio

 

 

 

 

 

Domaine Liger-Belair: O novo milênio

30 de Janeiro de 2018

As estrelas na Borgonha passam por altos e baixos, mesmo na comuna mais sagrada de Vosne-Romanée. Fatores econômicos, políticos e sobretudo de sucessão nas famílias, podem interferir sobremaneira no destino de grandes Domaines. Estamos falando aqui da família Liger-Belair, proprietária do minúsculo vinhedo La Romanée com pouco mais de oito mil metros quadrdados (0,8452 ha), situado  logo acima do mítico vinhedo Romanée-Conti.

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vinhedo histórico

Sua história começa com o império romano no ano de 92 DC. O vinhedo vai se firmando até o ano de 312 DC. Na idade média, começo do século VI, sua reputação segue com os monges. A partir do ano 1098 com a criação da abadia de Cîteaux, o prestígio só aumenta chegando no período moderno no ano 1700. O século dezenove é marcado por várias pragas entre elas, o míldio e a filoxera. Em 1815, o vinhedo é adquirido por Liger-Belair, general do Império, e proprietário de outros nobres vinhedos como o antigo La Tâche, La Tâche Gaudichottée. Verificar artigo na íntegra. Em 1827 é criada a apelação de origem La Romanée.

Até a segunda guerra mundial, o vinho é vendido em barricas a diversos negociantes. De 1950 a 1966, o vinho é negociado exclusivamente pela Maison Leroy. De 1967 a 1975, a Maison Bichot passa a comandar o negócio sob o nome Bouchard ainé & fils. Por questões matrimoniais, a família Liger-Belair volta a participar do negócio, e entre os anos 1976 e 2001, ainda temos o nome Bouchard Père & Fils nos rótulos do Grand Vin.

De 2002 a 2005, há um período de transição onde as duas famílias engarrafam o vinho, Liger-Belair e Bouchard Père & Fils. A partir de 2006, somente Liger-Belair no rótulo.

Comparação inevitável

Tanto pela proximidade, como pela excelência do vinhedo, a comparação com o astro maior Romanée-Conti é inevitável. A idade média das vinhas de La Romanée é de 50 anos. A produção gira em torno de 4000 garrafas por safra e rendimento fica por volta de 35 hectolitros por hectare.

Por seu solo menos argiloso e menos profundo, La Romanée tende a ser mais delicado na comparação com Romanée-Conti. Topograficamente, o vinhedo apresenta uma inclinação mais acentuada (12%) e sujeita a maior erosão. Além disso, sua vinificação sem engaço (éraflée), contribui para acentuar esta delicadeza.

la romanee mapa

parcelas diminutas

Depois da retomada da família no novo milênio, Domaine Liger-Belair está em grande fase com vinhos bem focados e definidos. Embora La Romanée seja a joia da coroa, os demais vinhedos da propriedade primam também por áreas diminutas e um patrimônios de vinhas antigas inestimáveis. Estamos falando de parreiras entre 50 e 80 anos em boa parte dos vinhedos. A expressão do terroir é notável . 

Pelo mapa acima, um dos mais prestigiados é o Premier Cru Aux Reignots, logo acima do imponente La Romanée. Um terço de suas vinhas chegam a 80 anos. A produção é de pouco mais de 3000 garrafas por safra. Les Petits Monts, logo acima, não fica atrás. Vinhas de 50 anos e produção de ínfimas 600 garrafas, é um dos mais valorizados atualmente. Mesmo o mais simples de seus vinhos com o perdão da palavra, é um Vosne-Romanée de apelação comunal com vinhas entre 40 e 60 anos de idade. A produção é de Grand Cru, menos de 3000 garrafas. Outro comunal de alto nível é o Lieu-dit La Colombière com vinhas entre 60 e 80 anos. No mínimo, nível de Premier Cru.

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Grandes Monopólios da Borgonha

Os cuidados no vinhedo são de maneira natural e pouco intervencionista. Os baixos rendimentos visam uvas de grande concentração, expressando fielmente o terroir. As uvas são colhidas rapidamente, chegando na cantina para um trabalho minucioso de triagem, antes de começar a fermentação. As leveduras são naturais e a fermentação visa extrair aromas e polifenóis sem exageros, de acordo com as características de cada safra.

Enfim, Domaine Liger-Belair parece se consolidar entre os grandes de Vosne, tarefa nada fácil no tabernáculo borgonhês. Tradição, savoir-faire, e terroir, não faltam nesta história. Maiores informações: http://www.liger-belair.fr

La Tâche Gaudichottée

29 de Julho de 2017

O mosaico bourguignon em termos de vinhedos e parcelas não é nada fácil de entender e memorizar. O conceito de terroir aqui é levado às últimas consequências, delimitando parcela por parcela. E já para complicar, há uma diferença conceitual entre Climat e Lieu-Dit, gerando enormes polêmicas no que diz respeito ao rigor filosófico da ideia de terroir.

Segundo o site oficial de vinhos da Borgonha (www.vins-bourgogne.fr), Climats são parcelas devidamente delimitadas pelo INAO, Instituto Francês que rege as apelações de origem (AOC), oficializadas em 1935. Portanto, algo oficial e com força de lei. Na Borgonha, segundo o site (www.climats-bourgogne.com), existem 1247 Climats em toda a apelação, sendo 635 exclusivamente a vinhas Premier Cru.

Já o termo Lieu-Dit, refere-se a locais consagrados pelo tempo, pela tradição, independente de leis que posteriormente possam ser criadas. Para alguns mais ortodoxos, a própria essência e origem de determinados terrenos.

Num raciocínio lógico e coerente, as duas definições se confundem, não havendo a principio distorções. Contudo, alguns casos particulares merecem uma reflexão mais profunda, sobretudo quando se trata de um dos maiores Grands Crus não só de Vosne-Romanée, mas de toda a Borgonha. No caso, o esplendoroso La Tâche, monopole da reputada Domaine de La Romanée-Conti. O quadro abaixo, ajuda elucidar o fato.

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Les Gaudichots: repartição complexa

No final do século XIX, em 1855, Les Gaudichots pertencia a quatro proprietários: Lausseure, Ragonneau, Confuron, e Bergeret. Nesta época, La Tâche já tinha reputação semelhante ao vinhedo Romanée-Conti e sua área era de apenas 1,40 hectare. Já Les Gaudichots possuía 5.95 hectares.

Em negociações um tanto obscuras, a maioria das parcelas de Les Gaudichots foram adquiridas por Duvault-Blochet, então proprietário DRC, entre final do século XIX e inicio do século XX, conservando em seus rótulos o nome Les Gaudichots. Tanto é verdade, que o Les Gaudichots 1929 Domaine de La Romanée-Conti é um vinho legendário.

Aproveitando o gancho, segue link do site Académie des Vins Anciens num almoço memorável com a presença de Aubert de Villaine no restaurante Taillevent, regado a grandes caldos, inclusive Henri Jayer Cros-Parantoux 1991 e 1995. http://www.academiedesvinsanciens.org/dejeuner-les-gaudichots-1929-au-restaurant-taillevent/

les gaudichots 1929

menção “grand premier cru”

Em 1933, o vinhedo original La Tâche, então propriedade da família Liger-Belair, é vendido ao Domaine de La Romanée-Conti. Baseado numa antiga prática de muitos Les Gaudichots serem comercializados na época com a menção La Tâche, ganhando assim prestígio, Domaine de La Romanée-Conti resolveu unificar os dois vinhedos, já que tinha quase a totalidade dos Les Gaudichots. Portanto, a área original de 1,43 hectare foi acrescida de 4,63 hectares, totalizando 6.06 hectares, área que comumente conhecemos dos La Tâches atuais.

Em 1936 com a criação das AOCs, La Tâche com a área ja unificada, foi declarado Grand Cru. Restou apenas um hectare de Les Gaudichots não pertencente ao Domaine. Essa pequena área é atualmente fragmentada nas categorias Village e Premier Cru, ou seja, Vosne-Romanée menção Les Gaudichots (Lieu-Dit) e Vosne-Romanée Premier Cru Les Gaudichots. Complicado, mas é verdade.

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Forey: um dos proprietários atuais

Velho La Tâche versus Novo La Tâche

Muita discussão para pouca conclusão. De acordo com relatos da velha Borgonha, o La Tâche original possuia um terroir diferenciado com vinhos mais ricos. Com a mistura dos vinhedos, provavelmente houve uma certa diluição. De qualquer modo, o vinho é extraordinário e certamente mais prazeroso em muitos momentos, do que o astro maior Romanée-Conti, de evolução mais lenta em garrafa.

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perfil geológico

No perfil geológico acima num corte da comuna de Vosne-Romanée, o extenso vinhedo La Tâche já unificado, tem um declive de 50 metros do ponto mais baixo na mesma latitude de Romanée-Saint-Vivant, perto de 250 metros de altitude, até acima de La Romanée, passando por Romanée-Conti, na cota de 300 metros de altitude.

Desta forma, ele passa por três diferentes tipos de solo, fornecendo várias expressões nos diversos setores do vinhedo. Na parte mais baixa, coincidindo com o vinhedo original, o solo mais nobre e raro de Vosne-Romanée chamado Marnes à Ostrea Acuminata, uma mistura judiciosa de argila e pequenos fragmentos de fosseis marinhos, transmitindo grande mineralidade ao vinho. No meio da subida, o calcário fragmentado começa ter mais volume relativo à argila num solo menos profundo. O vinho perde força, mas ganha elegância. Por fim, na parte mais alta do vinhedo, o chamado Calcaire de Premeaux ganha volume, resultando num solo raso, fruto da erosão da rocha-mãe com pouca proporção de argila. Portanto, vinhos mais leves.

Isso pode explicar em parte o esplendor dos La Tâches antigos no final do século XIX, baseado na análise geológica acima. Segundo Jules Lavalle, estudioso e crítico de alto gabarito neste período na Borgonha, classificou o antigo La Tâche no mesmo nível do Romanée-Conti como Tête de Cuvée, enquanto o vinhedo Les Gaudichots numa classificação imediatamente abaixo, como Premier Cuvée.

Concluindo, mesmo na França, país de grande tradição vinícola e de leis bem estabelecidas e definidas, pode passar a falsa impressão de imutabilidade de grandes terroirs como visto acima. Percebemos no entanto, que leis, costumes e a própria evolução do homem, modifica e ajusta caminhos traçados pela história. 


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