Alguns tesouros ficam muito bem guardados em lugares que menos se esperam. É o caso de um dos meus confrades que estoca em caixas de madeira originais na maioria de sua coleção, mais de dez mil garrafas de vinhos de primeiro escalão. Sua paixão pelo vinho é antiga e desde então, vem abocanhando em vários leilões as melhores ampolas do planeta. Abaixo, um pequena amostra de seu arsenal.
DRC em caixas originais
Num belo almoço em sua propriedade, desfrutamos um pouco da França entre Bordeaux, Bourgogne e Champagne. Para começar um velho conhecido, Dom Perignon Oenotheque 1996 com 12 anos sur lies antes do dégorgement.
a antiga nomenclatura das plenitudes
Equivalente nos dias de hoje à P2, este é um champagne de safra excepcional. Muito frescor, mousse aveludada, mostrando muita juventude. O contato sur lies preserva o champagne da oxidação, fornecendo textura macia e aromas incríveis. Nada melhor para dar inicio a um belo almoço.
bela combinação
O único branco do almoço brilhou com seus 14 anos de idade. Um Batard-Montrachet 2005 de Madame Leflaive. Mesmo em Batard, sua textura continua elegante, mostrando o estilo do domaine. Muito bem conservada, esta garrafa mostrava muita juventude. Aromas envolvendo cítricos, frutas secas, e um tostado muito fino. O equilíbrio em boca é notável com uma acidez refrescante e textura aveludada sem ser pesada. Fez um belo par com o risoto zafferano e trufas brancas.
um Mouton histórico!
Só deu tempo de decanta-lo por três horas. Um monstrinho engarrafado com um montanha de taninos. Talvez seja o sucessor do grande Latour 61, um vinho que esta se abrindo aos poucos numa lenta evolução. Dos nota 100 de Parker, este Mouton 86 está no topo da lista com previsão de apogeu para 2050 embora já o tenha feito para 2090. Já decantaram este vinho em Magnum por 48 horas. Esta garrafa provada estava perfeita com seus aromas terciários começando a aparecer. Notas de café, couro, caixa de charutos e um núcleo frutado muito intenso. Seus taninos são abundantes e muito finos, de textura muito agradável. Parece que começa a se desenhar uma fase de franco amadurecimento. Um tinto para quem tem paciência em adega.
Panceta crocante e brioche com ovos e trufas
Alguns dos pratos do almoço que foram muito bem com o champagne e o branco Batard-Montrachet. A gordura e os sabores da panceta foram escoltados pelo belo frescor do champagne e seus aromas de panificação e tostados. Já o brioche com ovos e trufas brancas foram de encontro ao sabores do Batard, além da harmonia de texturas.
uma bela fromagerie
Além do almoço em si, vale a pena mostrarmos a sala de queijos do anfitrião onde são afinados peças de parmegiano reggiano por longos anos. São prateleiras com queijos de data de maturação diferentes com controle de temperatura e umidade. Pouco a pouco eles vão apurando e concentrando sabores. É o chamado affinage para os franceses. Existem alguns com nove anos de amadurecimento ricos em tirosina. São cristais de aminoácidos (proteínas) que provocam uma agradável salivação, enriquecendo a percepção dos sabores.
a vez dos velhinhos
Em safras antigas o que vale são boas garrafas e não grandes safras. Neste páreo entre os velhinhos, destaque para o Lafite 1967, totalmente evoluído em uma safra inexpressiva. A garrafa muito bem conservada mostrou um Lafite etéreo com seus terciários de notas terrosas, minerais, de chá e ervas finas. Percebe-se na boca a idade que pesa e não sem tempo, mas seu pedigree fala mais alto, mostrando que é um verdadeiro Premier Grand Cru Classé. Com as trufas fica maravilhoso.
Já o La Mission 1955 é um dos notas 100 deste chateau e o melhor entre todos os 1955. Lembro-me de uma garrafa tomada na França que estava maravilhosa. Um Bordeaux tão delicado que lembrava a textura dos grandes borgonhas. Este provado na foto acima, já estava bem evoluído, sobretudo na boca com a acidez desequilibrada. Os aromas ainda tinham notas de torrefação e um leve couro. Com certeza, já teve dias melhores.
Vale dizer que este vinho não é uma garrafa do chateau. Nesta época ainda era possível comprar barricas dos grandes chateaux de Bordeaux e engarrafa-las com o selo do négociant. No caso, um famoso comerciante belga, Vandermeulen, que engarrafava vários chateaux famosos, dentre eles o La Mission. São vinhos de grande reputação com valores condizentes aos grandes chateaux no mercado. É que realmente esta garrafa não era daquelas especiais, onde vinho está perfeito.
bela surpresa do almoço por sua exuberância
Um Pomerol clássico com o corte de 80% Merlot e 20% Cabernet Franc. O vinho estagia entre 16 e 18 meses em barricas novas. Nesta bela safra 2000, o vinho encontra-se na juventude com muita fruta escura em geleia e lindos toques florais. A madeira é fina com taninos bem polidos. Deve ser decantado por duas horas, devendo envelhecer bem por pelo menos mais dez anos. São 5,9 hectares de vinhas produzindo em torno de 2400 caixans por ano. Tem uma vizinhança nobre ao lado de Trotanoy e Chateau Clinet.
Yquem nos seus melhores anos
O grande fecho de refeição se faz com Yquem, sobretudo este de safra 1990, uma das melhores do século passado. Embora já entrando nos seus 30 anos, está muma fase transitória entre a juventude e maturidade. Sua cor começa a ficar um pouco mais escura, lembrando caramelo. E é exatamente este sabor que ele transmite na taça. Muito bem equilibrado, seu teor alcoólico não passa dos 13 graus. Boa untuosidade com acidez compatível ao teor de açúcar. Foi muito bem com as frutas flambadas e o sorvete de creme.
Agradecimentos aos presentes e sobretudo ao anfitrião que nos recebeu com muito carinho. Com Champagne, Bordeaux e Bourgogne, fica tudo ainda mais especial. Teremos que voltar mais vezes, pois seu arsenal é poderoso. Que Bacco seja o guardião desta bela adega!