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Gaja e os Cabernets

6 de Julho de 2019

Em uma de suas explanações, Angelo Gaja faz uma analogia interessante entre as uvas Nebbiolo e Cabernet Sauvignon com os atores John Wayne e Marcello Mastroianni. Diz ele: se John Wayne (Cabernet Sauvignon) entrasse numa sala, ele ocuparia o centro da mesma em uma posição de destaque, sendo o centro das atenções numa figura muito carismática. Já Marcello Mastroianni (Nebbiolo), ficaria no canto da sala, meio introspectivo, sem se promover muito. De fato, apesar de grande ator, Marcello tinha o mérito de realçar as mulheres com quem trabalhava, deixando elas brilharem, enriquecendo as cenas. Assim é a Nebbiolo, uma uva que faz pensar, meio misteriosa, mas de grande brilho na enogastronomia, enaltecendo os pratos que a acompanha.

Foi exatamente este cenário que se apresentou num belo almoço com alguns Cabernets famosos do mundo e uma das joias de Gaja, seu vinhedo Sori San Lorenzo da ótima safra 97. Todo mundo só falou dos Cabernets que de fato eram maravilhosos sem darem muito bola para o estupendo Gaja. Comentaremos os vinhos oportunamente.

A propósito, Gaja faz um ótimo Cabernet no Piemonte chamado Darmagi. Um vinhedo escondido do seu pai durante certo tempo que quando descoberto, o velho Giovanni exclamou: Darmagi, em dialeto piemontês, que pena!

ótimo prato de inverno

Como sempre, aqueles branquinhos para aquecer os motores. Dois belos exemplares da Borgonha tanto em produtores, como em vinhedos e safras. Roulot é um monstro em Meursault. Seus vinhos estão cada vez mais valorizados e com toda a justiça. Esse exemplar do vinhedo Perrières 2009 tem 96 pontos mais do que justos. Um Premier Cru com caráter de Grand Cru. Uma elegância, uma sofisticação, e personalidade, marcantes. O vinho tem uma tensão e mineralidade incríveis sem perder aquela textura amanteigada dos Meursaults. Já o Chevalier de Niellon, excelente produtor, estava um pouco prejudicado, um pouco cansado. Vinho de grande elegância e presença, num equilíbrio perfeito com aquela textura mais delgada dos Pulignys. Talvez seja um problema de garrafa, mas seus aromas estavam evoluídos demais pelo tempo de safra. Essa polentinha com frutos do mar (foto acima) caiu muito bem para acompanhar a dupla de brancos.

img_6288um Cabernet de respeito!

Esse foi o vinho mais comentado do almoço, lembram, John Wayne, pois é. Pouca gente sabe que esta linha Estiba Reservada não tem nada de Malbec. É um corte de 85% Cabernet Sauvignon e 15% Cabernet Franc com 18 meses em carvalho francês novo. Um vinho servido às cegas que lembrou alguns franceses, americanos, australianos, chilenos, e tantos outros palpites. O fato é que Catena nesta alta gama de vinhos colocou a Argentina no pódio dos grandes tintos do mundo. Um vinho elegante, de grande personalidade, taninos finos, numa safra histórica na Argentina. Este vinhedo Agrelo faz parte de Lujan de Cuyo, zona alta do rio Mendoza, uma das mais prestigiadas e tradicionais do terroir mendocino. Solo pedregoso e aluvial tão propício ao cultivo dos Cabernets.

outro Cabernet de respeito

Saindo de Mendoza, vamos para Bolgheri, litoral toscano onde o marquês Mario Incisa dela Rocchetta realizou seu sonho de fazer um Bordeaux na Toscana com mudas de Cabernet Sauvignon trazidas do Chateau Lafite. Em 1968, sua primeira safra, Sassicaia mostrou ao mundo um vinho toscano de grande refinamento sem uma classificação oficial. Nascia assim o termo “super tuscan” ou  “supertoscano”. 

Nos exemplares acima, o 2008 com 97 pontos é um dos melhores Sassicaias já elaborados com muita maciez e taninos ultrafinos. Bom corpo, belo equilíbrio e um final persistente. No caso de 2005, a comparação chega a ser cruel. Não que 2005 não seja bom, mas perde para seu concorrente em refinamento. Seu taninos são mais duros e sua persistência é menor. Deve evoluir bem por mais alguns anos, tornando-se mais macio. De toda forma, Sassicaia segue sendo um dos grandes Cabernets do mundo.

belos pratos para tintos

O almoço no restaurante Gero seguiu na sequência de belos pratos para acompanhar os tintos como este Paccheri, espécie de rigatoni gigante, com um molho reduzido de carne com muito umami, saborosíssimo. O risoto de parmesão com pato desfiado também estava muito bem executado. Sempre contando com a gentileza e fidalguia do maître Ismael. 

Chateau Palmer em Magnum

Safra muito prazerosa e precoce, Palmer 98 esbanja elegância. Elaborado com 52% Merlot, 43% Cabernet Sauvginon, e 5% Petit Verdot, o vinho é macio em boca, taninos bem trabalhados, e um final bastante harmônico. Talvez sua nota não seja tão alta devido à persistência aromática não muito longa. Bom momento para bebe-lo, sobretudo acompanhando um lombo de cordeiro no próprio molho e purê de mandioquinha. Mais um belo prato do almoço. 

uma das joias de Gaja

Finalmente, chegamos ao esquecido Nebbiolo, lembra do começo, Marcello Mastroianni. Pois é, poucos comentaram deste belo tinto com 98 pontos e uma elegância impar. O melhor da década de 90. Sorì San Lorenzo faz parte da trilogia de vinhedos de Angelo Gaja em Barbaresco (Sori Tildin e Costa Russi são os outros dois). Notem que no rótulo a partir de 96, a denominação Barbaresco muda para Langhe, pois Gaja introduziu uma pitada de Barbera no blend de seu Nebbiolo. Para que isso fosse permitido, precisou mudar a denominação para Langhe, uma legislação mais moderna e mais branda para eventuais mudanças. De fato, o nome Gaja fala mais alto do que a pomposa denominação Barbaresco. 

Neste exemplar, um aroma refinado lembrando alcaçuz, notas tostadas, defumadas, e um toque terroso. Em boca é muito equilibrado com uma acidez refrescante. O vinho está vivo, sem sinais de decadência e taninos finíssimos. Acompanhou muito bem o cotechino com lentilhas, um embutido italiano dos mais refinados. Um tinto muito distinto lembrando vinhos franceses, especialmente os Côte-Rôtie do norte do Rhône, talvez com uma carga de taninos maior. Seguramente, um dos cinco melhores vinhos italianos. Gaja não brinca em serviço!

creme de mascarpone e chocolate para encerrar

Na foto acima, temos um Passito do mestre Quintarelli, talvez a maior referência na zona de Valpolicella. A partir de um blend de uvas Garganega, Sauvignon Blanc, Trebbiano di Soave, colhidas tardiamente e postas para secar (appassimento), o mosto fermenta lentamente, deixando um importante teor de açúcar residual. O vinho passa entre cinco e seis anos em pequenas barricas francesas. Um vinho já evoluído, inclusive na cor, com notas de frutas secas, mel e toques tostados. Pronto para ser tomado. Já seu oponente, o todo poderoso Yquem 89, esbanja frescor, exuberância, sem nenhum sinal de decadência. Vinho untuoso, muito equilibrado, e final extremamente longo. Belo fecho de refeição!

Só me resta agradecer aos confrades pela excelente companhia, boa conversa, e imensa generosidade. Com dois dos confrades de notável carinho pela Itália, o painel não poderia ser melhor. Que Bacco sempre nos guie nesta longa jornada de prazeres! 

Leroy e DRC: a perfeição tem preço

8 de Fevereiro de 2019

Quando falamos da Borgonha em vinhos de alto nível, estamos falando de produtores pontuais, especialistas em suas respectivas comunas, as chamadas referências. Neste sentido, há grandes nomes com pontuações altíssimas na crítica especializada e uma consistência notável em várias safras. Contudo, há duas joias que se destacam dos demais. Domaine de La Romanée-Conti com seis Grands Crus irrepreensíveis e Madame Leroy, sobretudo seus vinhos de Domaine e os assombrosos Auvenay, seu Domaine particular.

Em grande jantar realizado no restaurante Fasano, uma série deles desfilaram para escoltar um menu com trufas negras. Para encorpar o time, alguns outros borgonhas fizeram companhia, além dos dois grandes Barolos da família Conterno: Monfortino e Aldo Conterno Granbussia.

img_5627quebra de hierarquia

Antes dos tintos, um trio de brancos aguçaram as papilas com alguns petiscos de entrada, ainda fora da mesa. A dupla acima mostra claramente que alguns produtores se destacam sobremaneira mesmo em terroirs hierarquicamente inferiores. Como comparar um Meursault com o todo poderoso Montrachet. Este 2010 de Louis Jadot tem 98 pontos e é um dos destaques da safra. Evidentemente um grande vinho, bem equilibrado, toques elegantes de barrica, mas não está no time de cima dos melhores Montrachets. Já o Meursault do Roulot é um vinho mágico. Este em particular é um Monopole chamado Clos des Bouchères 2012 com somente 1,37 hectare de vinhas. Um branco vibrante, um toque cítrico elegante, textura rica em boca sem ser pesado. Final persistente e harmonioso. Somente Coche-Dury para ombreá-lo. 

harmonização divina

Só mesmo o vinho acima para fazer esquecer Roulot. Este Domaine Leroy Corton-Charlemagne 2009 degustado várias vezes é um vinho a ser batido. Moldado pela Madame, tem uma textura rica e intensa. As pitangas, frutas secas, notas finamente tostadas sobressaem na taça. Desde sua entrada em boca com uma acidez refrescante, até sua persistência aromática intensa, é um branco sem defeitos. Tudo nele é rico e magnífico. Acompanhou divinamente o tartar de atum com foie gras (foto acima). 

img_5632longevidade para poucos

Começa a sequencia de tintos de forma arrasadora. Dois DRCs Romanée-St-Vivant antigos com dez anos separando as safras. O de safra 88 estava mais evoluído que seu par mais antigo, a começar pela cor. Este safra é classicamente um ano de taninos mais duros, difíceis de amadurecer plenamente. É um belo vinho, mas sem grandes emoções. Se estivesse sozinho, talvez tivesse brilhado mais. Deu azar pela comparação, pois o Romanée-St-Vivant 78 é um vinho mítico. Felizmente, degustado algumas vezes, é sempre grandioso. Seu aroma é um roseiral cheio de nuances e especiarias finas. A boca é um sonho com taninos de seda. Equilíbrio perfeito e um final de boca grandioso. Ainda encontra-se pleno em seu esplendor. Talvez seja um daqueles vinhos imortais. Segundo o próprio Henri Jayer, seu Richebourg 78  que vale uma pequena fortuna nos leilões, foi seu melhor vinho elaborado. Realmente, uma safra mítica!

img_5636Babette se renderia ao Richebourg

Neste embate de gigantes, surge o melhor Richebourg DRC que já provei, safra 90. Ele estava tão delicado que parecia feito pela Madame Leroy. Um vinho encantador com taninos delicados, aromas de carne, terroso, e especiarias doces. Consegue superar o La Tache 90, tarefa para poucos. Já o Clos Vougeot 90 da Madame, Babette não aprovaria. O vinho estava meio sem graça, sem o charme costumeiro deste Domaine. Pode até ser um problema de garrafa, mas estava meio blasé, embora sem defeitos.

Chambertin divino

A baixa da noite aconteceu neste flight acima. Domaine des Chezeaux elaborado pelo Domaine Ponsot estava turvo e com aromas bem estranhos, lembrando um daqueles Barolos rústicos. Pela densidade e concentração, parece ser um grande Chambertin, afinal tem 98 pontos. Contudo, certamente é um problema de garrafa. Fazendo um parêntese, Este Domaine des Chezeaux possui a maior área de vinhas do Grand Cru Griotte-Chambertin. Entretanto, ele delega a vinificação para o Domaine Ponsot com 0,89 hectare, e Domaine Rene Leclerc com 0,68 hectare. Um vinho a ser testado novamente.

Em compensação, Domaine Leroy Chambertin 1990 deu um banho de elegância. Dos Grands Crus do Domaine, só perder em exclusividade para o Musigny. Este Chambertin tem apenas meio hectare de vinhas. Não é o melhor dos Chambertin desta safra, mas a garrafa estava divina. Toda a delicadeza de aroma da Madame com notas de cerejas escuras, florais, madeira finamente tostada, e um fundo mineral sutil. É um vinho que prima mais pela elegância do que pela potência. Final equilibrado e super harmonioso. Um dos destaques da noite.

promessas de adega

Neste penúltimo flight, uma avaliação de longevidade. La Tache é sempre La Tache, um vinho charmoso, elegante, com seus toques orientais de incenso, especiarias finas, e notas terrosas. Embora não seja uma safra grandiosa, 2007 gera vinhos precoces e graciosos. Seu par Echezeaux do excelente Domaine Liger Belair respeitou a hierarquia, embora seja de uma safra brilhante, 2009. Muita fruta no nariz, aromas limpos e de grande pureza com notas florais e de alcaçuz. Em boca, seus taninos são finos, acidez equilibrada e ótima persistência aromática. Um vinho que merece adega por uns dez anos. No caso do La Tache, já está prazeroso, mas evolui com dignidade como é de se esperar de um vinho deste naipe.

img_5639Monfortino numa noite feliz!

No último flight, Barolos de outro planeta. Simplesmente, obras-primas da família Conterno. Aldo Conterno com seu Granbussia 2001 e Giacomo Conterno com o caríssimo Monfortino Riserva 1999. Este Monfortino estava tão elegante que parecia ter sido feito pelo Aldo. O vinho é possante com uma montanha de taninos super bem polidos. Foi o melhor Monfortino que já provei. Longo, persistente, e sem aquela costumeira nota de oxidação e extração excessiva que costuma ter neste mítico Barolo. Já o Granbussia não estava em grande forma, parecia um garrafa um pouco cansada. A próprio cor estava mais evoluída. No entanto, também um grande Barolo, mas sem o brilho costumeiro. As notas confirmam a superioridade do Monfortino com 98 pontos, contra 94 pontos do Granbussia.

trufas e La Mission

Para encerrar a orgia, um bordalês não podia faltar. E ele veio grandioso, La Mission Haut Brion 1998. Um Pessac-Léognan de peso, imponente, taninos densos e finos. Seus aromas de chocolate, couro, estrabaria, e toques de tabaco. Boca harmônica, grandiosa, e de longa persistência. Tem 98 pontos Parker e um dos destaques desta safra. O pessoal nesta altura do campeonato nem deu muita bola pra ele. Ainda bem que não fui na conversa deles. Coloquei o DRC Saint Vivant  1978 logo de cara. Esse eles vão lembrar para sempre.

Quanto ao Fasano, destaque para toda equipe, especialmente o maître Almir Paiva e o competente sommelier Fábio Lima, sempre muito preciso. Todos os pratos do menu com pratos trufados acompanharam bem os vinhos, executados com maestria pelo Chef Luca Gozzani. Destaques para os pratos fotografados pela ordem: ovo crocante com funghi porcini, costeletas de cordeiro com molho do próprio assado, e pastel com queijo taleggio. 

Agradecimentos a todos os confrades presentes numa noite muito animada. Os vinhos escolhidos sempre com imensa generosidade ratificaram um jantar inesquecível. Mais uma vez, muito honrado em ser sommelier deste grupo de craques que não tomam vinhos caros para exibição, e sim pelo profundo conhecimento do grupo. 2019 promete, sempre com a proteção de Bacco! Saúde a todos!

Chateau Pavie em pedacinhos

10 de Março de 2018

Já comentamos neste blog a filosofia de terroir no pensamento bordalês em elaborar vinhos. Como é de praxe, cada chateau tem uma intrincada divisão parcelar baseada em variedades de uvas e tipos de solo, ou seja, há várias parcelas de Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, e Merlot, de um modo geral. Essas parcelas são vinificadas separadamente e em seguida, é formatado o blend do chamado Grand Vin e de seu respectivo segundo vinho, vide artigo Bordeaux em Segundos.

Num agradável almoço no restaurante Nino Cucina, tivemos a rara oportunidade de avaliar com precisão a força dessas parcelas na composição de um grande Chateau, no caso Chateau Pavie, um Premier Grand Cru Classe de Saint-Emilion, entre os quatro melhores na categoria A. Os outros são Cheval Blanc, Ausone, e Angelus.

A família Perse é proprietária além do Chateau Pavie, do Chateau Pavie-Decesse e do Chateau Bellevie-Mondotte, todos em Saint-Emilon. O mapa abaixo, mostra a divisão parcelar destes chateaux com atenção especial às parcelas mencionadas Clusière. Clique no link abaixo da imagem para uma visão mais detalhada.

chateau pavie vignoblehttp://www.vignoblesperse.com/fr/chateau-pavie/carte

Voltando à história do Chateau, a família Perse comprou o Chateau La Clusière em 1997, propriedade esta encravada entre os chateaux Pavie e Pavie-Decesse. Entre 1998 e 2001, portanto quatro safras, Chateau La Clusière foi engarrafado sob a supervisão da família Perse, sendo a safra 2000, lendária com 100 pontos. A partir de 2002, os 2,5 hectares de vinhas 100% Merlot com média de idade de 55 anos de La Clusière foram incorporadas na elaboração exclusivamente do Chateau Pavie.

A grande brincadeira do almoço e por sinal, extremamente didática, foi comparar lado a lado, Chateau La Clusière e Chateau Pavie, ambos da safra 2000, e ambos com 100 pontos.

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200 pontos em jogo

Nesta safra mítica de 2000, La Clusière foi elaborado em quantidades mínimas, apenas 10 barricas, totalizando 3000 garrafas. O rendimento de 12 hectolitros por hectare é algo absurdo somente comparável ao Chateau d´Yquem, um vinho que por suas características, enquadra-se neste tipo de rendimento. Além disso, este tinto foi fermentado em barricas novas e amadurecidos nas mesmas por 22 meses.

Para o Chateau Pavie, estamos falando em 37 hectares de vinhas sendo 65% Merlot, 25% Cabernet Franc, e 10% Cabernet Sauvignon. A idade média das vinhas é de 43 anos e a produção média por safra de 70 mil garrafas. O vinho passa entre 18 e 32 meses em barricas, sendo de 70 a 100% novas.

Devidamente apresentados, vamos à luta!. Nocaute já no primeiro round. La Clusière 2000 mostrou de cara uma concentração de sabores incrivelmente persistentes. Taninos de rara textura, deslizando como rolimãs na boca. Evidentemente, está longe de seu auge, ainda por apresentar aromas terciários fantásticos, mas já mostra a que veio. Do outro lado, Chateau Pavie 2000 bem mais pronto, e até mais prazeroso de ser tomado no momento. Pode certamente evoluir em adega, mas não tem a concentração de seu oponente. Isoladamente e sem comparações, um vinho delicioso e encantador.

Conclusão, um borgonhês classificaria La Clusière como Grand Cru e Chateau Pavie como Premier Cru, vinificados é claro, separadamente. Voltando à realidade bordalesa, a incorporação de La Clusière ao Chateau Pavie só enriqueceu o blend ou assemblage, como dizem os franceses. Não foi só o incremento de La Clusière ao Pavie. Seis hectares do Pavie-Decesse foram incorporados ao Grand Vin Pavie, todos vinhedos da família Perse. Embora a junção de parcelas na elaboração dos grandes chateaux extingam preciosidades como La Clusière, por outro lado, reforçam a consistência e regularidade safra após safra do chamado Grand Vin. Questão de ponto vista e filosofia.

IMG_4383.jpgjuventude e plenitude lado a lado

Mas nem só de Pavie vive o homem. Outros mimos estiveram presentes no almoço. A começar por dois borgonhas brancos divinos, cada qual na sua idade, no seu terroir, e na genialidade de seus produtores. Primeiramente, Meursault Charmes Premier Cru 2015 de Domaine Roulot. Um Meursault com a impressão digital deste grande produtor que pode até não ser o melhor na apelação, mas certamente esbanja elegância e personalidade em seus vinhos. Um Meursault que equilibra divinamente tensão, acidez, e nervo, com textura, refinamento e equilíbrio fantásticos. Uma de suas marcas registradas, um toque cítrico meio alimonado, combinou perfeitamente com a massa abaixo, envolvendo lagosta e molho de limão.

IMG_4385.jpgNino Cucina: limão, manjericão e lagosta

O segundo branco, Domaine Leflaive Chevalier-Montrachet Grand Cru 1995. Um monumento à Borgonha, o melhor Chevalier indiscutivelmente, sobretudo nesta linda safra de 1995. Envolve toda a complexidade do Montrachet,  mas sempre com uma leveza elegante, nunca pesado, textura na medida certa, e que aromas!. Um festival de tostados, frutas secas, mel, e outras notas indescritíveis. Tomar um branco da Madame é sempre um momento de contemplação.

IMG_4386.jpgA sublimação da denominação Toro

Para continuar o almoço, só mesmo um Toro como da foto acima para manter o nível. Este da safra 2004 é a expressão máxima da pouco conhecida apelação Toro, próxima a Ribera del Duero. A bodega Numanthia proprietária deste vinho, é uma referência da região e um dos maiores mitos de toda a Espanha. Este exemplar trabalha com vinhas pré-filoxera com mais de 120 anos. Aqui nessas paragens, a Tempranillo assume o nome de “Tinta de Toro”. A concentração deste vinho devido a baixíssimos rendimentos é tal, que é preciso utilizar 200% de carvalho novo francês para domar esta fera, ou seja, nos 20 meses passados em barricas novas, no meio do caminho o vinho é trasfegados para novas barricas novas. O resultado com seus já 14 anos é de um vinho jovem, sem nenhum traço de evolução na cor. Apesar de seus 14,5° graus de álcool e toda essa montanha de madeira, o que ser percebe é uma riqueza de fruta imensa num equilíbrio fantástico. Foram elaboradas 4350 garrafas nesta safra com rendimentos de 1200 quilos por hectare, menos de um quilo por parreira. Um vinho delicioso, ainda com bons anos em adega.

IMG_4387.jpgPaleta cozida à baixa temperatura

O prato acima, de uma rusticidade elegante, caiu muito bem com este tinto espanhol cheio de alma. Paleta cozida à baixa temperatura com molho do assado e feijões brancos.

uma combinação dolce

Encerrando os trabalhos, talvez o melhor Tokaji 4 Puttonyos que provei. O número de Puttonyos tem a ver com o grau de botrytisação do vinho (25 quilos de uvas botrytisadas para cada 136 litros de vinho). A doçura deste vinho fica entre 60 e 90 gramas de açúcar residual por litro. Disznókó é um dos melhores produtores e a safra 1993 tem grande destaque. Com seus mais de 20 anos, o vinho está inteiro, sublime, com seus toques de mel, damascos, curry, e notas de esmalte. Combinou divinamento com o gorgonzola dolce da foto, num contraponto entre açúcar e sal, doce e salgado, além das texturas cremosas se entrelaçarem.

Agradecimentos ao amigos presentes, em especial ao nosso Maestro, por garimpar estas preciosidades bordalesas. O Termanthia e o Tokaji complementaram a festa, fruto da generosidade de um querido confrade vindo especialmente de Nova Iorque. Saúde e brindes a todos!

Uma noite com Paul Laurent

5 de Fevereiro de 2018

Lembrando do filme Meia-Noite em Paris, eu e alguns confrades nos sentimos transportados para um três estrelas na França em plena capital paulistana. Estamos falando da escola Laurent Suaudeau, onde o mestre incorporou por alguns momentos a magia de Paul Bocuse numa linda homenagem. Em poucas palavras, deu para perceber sua admiração e seu respeito pelo mito francês que nos deixou recentemente.

eb66f5cf-246d-42f7-a06f-fb481f17e6af.jpgO mestre em ação

A mesa montada classicamente com cadeiras confortáveis e espaço de um metro quadrado por pessoa, mostra de cara os detalhes dos lautos jantares. Pode parecer ousadia, mas somente o mestre Laurent para reproduzir a contento alguns dos pratos servidos no L´Auberge du Pont Collonges, quartel general de Bocuse em Lyon, como Quenelles de Brochet, Poisson en Croute, e Le Poulet de Bresse aux Morilles. Realmente, um sonho.

Até aqui não falamos de vinhos, mas este preâmbulo é absolutamente necessário para contextualizar  uma série de obras-primas que desfilaram ao longo da noite, entre brancos e tintos. Começando pelo brancos, vamos aos comentários e harmonizações.

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Domaine Leroy e suas joias

O início da festa com dois Corton-Charlemagne de Domaine Leroy dá o tom do que vem pela frente. Um abre alas com as safras 2000 e 2009. Este 2009, degustado algumas vezes, mostra o poder dos grandes brancos com uma estrutura monumental. Necessariamente, precisa ser decantado por duas horas. Já o da safra 2000, plenamente evoluído, mostrou ao longo da degustação, inúmeras facetas aromáticas. Embora sem o mesmo brilho do 2009, um Corton deste quilate revela toda a classe de um autêntico Grand Cru.

Clássicos de Paul Bocuse

O peixe em massa folhada e a quenelle com molho de crustáceos foram alguns dos pratos que escoltaram esses belos brancos. A precisão na execução e os sabores de grande delicadeza e profundidade, valorizaram sobremaneira os brancos borgonheses ao longo do jantar.

IMG_4247.jpgnível de Grand Cru

Seguindo a dupla acima, sem se intimidar, entra na avenida o Meursault-Perrières 2001 do Roulot. Premier Cru só no rótulo, porque a classe e profundidade deste branco o eleva a outro patamar. Roulot consegue manter a típica textura cremosa dos grandes Meursaults, mas ao mesmo tempo aflora no vinho uma tensão vibrante e perfeitamente equilibrada. Um dos gênios da apelação.

lagosta e foie gras fresco

O prato da esquerda é o clássico Homard à L´Armoricaine, lagosta tenra no molho do próprio crustáceo. Ao lado, um foie gras fresco, cozido pelo próprio Mestre. Sabores e texturas divinas, escoltando os brancos de exceção.

IMG_4257.jpg 300 pontos na mesa

O dia era mesmo de homenagens. Nada melhor para lembrar de Madame Leflaive do que três safras gloriosas de seu inconfundível Chevalier-Montrachet. O da safra 1989 era o mais pronto e o menos esplendoroso. Chevalier tem sempre o lado elegante dos Montrachets com solo caracteristicamente pedregoso e de maior altitude nesses terrenos sagrados. Madame consegue fazer desta apelação o que alguns não conseguem em seus Montrachets. O da safra 2002 ainda é uma promessa. Um vinho ainda tenso, cheio de vibração, mas com extrato fabuloso. Por fim, a obra-prima da safra 1992, o melhor dela de todos os tempos. Ainda em plena forma, tem a magia dos grandes vinhos. Aromas que vão de frutas exóticas, mel, e especiarias raras, a um laivo tostado sensacional. Boca ampla, persistente, culminando no silêncio total.

390fbbc0-14d1-4096-9772-8113fe1bcbc1.jpgfinalizando com queijos

Por ordem de Louis-Michel Liger-Belair, outro homenageado da noite e felizmente entre nós, essa trilogia “Leflaiviana” acompanhou o final do jantar num serviço impecável de queijos à francesa. Todos vindos da França à base de leite cru, seguiu-se o Comte, Epoisses, e Mont d´Or. Harmonização certeira, mostrando que este cenário é claramente para grandes brancos.

Calma que os tintos estão chegando. No próximo artigo, lendas da Borgonha entrarão em cenas nas mais badaladas safras. Aguardem!

Para aqueles ansiosos por uma prévia, o artigo sobre Liger-Belair já se encontra disponível no link Domaine Liger-Belair: O novo milênio

 

 

 

 

 

Petrus x Médoc

31 de Outubro de 2017

Mais um belo jantar preparado pelo Chef Laurent Suaudeau, um dos mais clássicos franceses radicado em nosso país, escoltando cinco bordaleses de primeiro escalão num bom momento de evolução em garrafa de safras não tão badaladas. É nessas horas que vemos toda a categoria desses vinhos e sua capacidade de envelhecer longamente em adega. Antes porém, um Champagne e um Meursault fizeram as honras da casa recepcionando os convivas.

champagne e bottarga

Na foto acima, Louis Roederer Cristal Rosé 2005 em Magnum. Um dos diferenciais deste incrível champagne é ser elaborado com maceração pelicular da Pinot Noir, ou seja, um rosé de saignée. Na grande maioria dos champagnes rosés, o método normalmente usado é de assemblage, misturando um pouco de vinho tinto no mosto incolor apenas para tingi-lo devidamente. Além disso, sua categoria Brut está no limite do açúcar residual permitido, entre 11 e 12 gramas por litro. O blend é feito com 70% Pinot Noir e 30% Chardonnay. O vinho permanece cerca de quatro anos sur lies antes do dégorgement. O resultado é um champagne de estrutura, macio, com a elegância da Maison acima de tudo. Mousse muito delicada e um final harmônico, mesclando frescor e uma sensação off-dry. Acompanhou bem uma das entradas (foto acima), lâminas de bottarga com purê de batata, mostrando personalidade. 

bisque de camarão e Meursault. Hum !!!

Nesta combinação tem um pequeno detalhe. O Meursault é do Roulot e a bisque, do Laurent. Isso pode fazer uma enorme diferença. Este Premier Cru Le Porusot tem uma diminuta área de 0,42 hectare. Seu estilo é muito mineral, um toque alimonado, e uma textura não tão untuosa como um Lafon, por exemplo. A porcentagem de barrica nova no processo é bem pequena, da ordem de 15 a 20%. Muito equilibrado, super bem acabado e complementou divinamente uma das entradas (foto acima), panelinha de vongole e camarão. 

Nessa altura do campeonato, todos já olhando para os decanters na mesa de apoio com os cinco vinhos devidamente livres de seus sedimentos.

carlos lafite e margaux 79

safra que pode surpreender

Abrindo os trabalhos, lado a lado, Lafite e Margaux com quase 40 anos. O Lafite 79 mostrou toda a evolução de um grande Bordeaux. Aromas terciários plenos, taninos polimerizados, um toque de cedro muito elegante. Enfim, o vinho mais pronto no momento e com incrível prazer. É sem dúvida, o mais delicado e elegante entre os grandes Pauillac. Já o Margaux 79, surpreendeu positivamente. Uma safra que muita gente não dá bola, mas no caso de Margaux apresenta grande estrutura. Seus taninos ainda não estão totalmente resolvidos. Os aromas muito elegantes do Margaux lembram um toque floral e de sous-bois, entre outros. Já pode ser bebido, mas evolui por pelo menos cinco anos. Tem 93 pontos Parker.

carlos mouton 87 e latour 94

a força de Pauillac

Neste segundo flight, a maior disparidade. Tanto em evolução, como diferenças de safra. Mouton 87 numa safra com muitos problemas. Por ser uma safra relativamente precoce e sem muita concentração, seu melhor momento certamente passou. Ainda longe de qualquer indicio de oxidação, não foi tão longo em boca. Já o Latour 94, foi o infanticídio da noite. Outra safra não muito badalada, mas com 94 pontos Parker. Cor ainda escura, aromas um pouco fechado, foi se abrindo aos poucos. Uma montanha de taninos para ser trabalhada ao longo do tempo. Aromas clássicos com um toque de cassis, couro fino, mineral, e tabaco. Longo em boca, precisa dormir pelo menos mais dez anos em adega. Latour é Latour.

carlos bouef bourguignon

boeuf bourguignon comme il faut

Acima, um dos pratos do mestre Laurent, o clássico cozido borgonhês para cutucar um pouco os bordaleses. Sem nenhum problema de harmonização, quando já bem evoluídos, os bordaleses pegam um pouco a delicadeza da Borgonha.

carlos petrus 80

um dos mitos de Bordeaux

Abram alas para sua majestade, Rei Petrus. É mais ou menos assim que pensamos quando ele chega à mesa. Para começar, esta safra mostra uma boa estratégia para aqueles que desejam prova-lo  pelo menos uma vez. Não é tão cara como outras safras badaladas e tem a vantagem de estar pronto, sem muitas arestas. Com seus 37 anos, é muito prazeroso de toma-lo. Ainda com muita fruta, toques terrosos e de adega úmida, seus taninos são sedosos, e um final complexo. Pela expectativa da safra, surpreendeu positivamente. Além disso, título do artigo, enfrentou sozinho os quatro da margem esquerda com altivez.

Ainda deu tempo de dar um pulinho na safra 99 com dois grandes chateaux, Haut-Brion de Graves, e Ausone de Saint-Emilion.

carlos ausone e haut brion 99

já chegando nos seus 20 anos!

Outra safra que muitas vezes passa esquecida em Bordeaux. Os dois chateaux acima ainda muito novos, provando mais uma vez a enorme longevidade desses vinhos. Haut-Brion sempre prazeroso com seus toques terrosos e de estrebaria. Segue o perfil elegante, não muito encorpado, mas extremamente equilibrado. Devidamente decantado por duas horas, pode ser muito agradável no momento. Já o Ausone, foi outro infanticídio. Um vinho com 95 pontos Parker de taninos abundantes e muito finos. Fruta escura concentrada, um toque mineral esfumaçado, faltando claramente integração entre seus componentes. Lembra um pouco os aromas do Troplong Mondot, outro grande St-Emilion. Com a devida paciência, será um dos grandes Ausones, fechando o século passado.

carlos yquem 87

o melhor final de festa bordalês

Falar que Yquem é um grande Sauternes, um vinho maravilhoso, é chover no molhado. O que novamente surpreendeu positivamente neste exemplar foi a safra 87, outra vez pouco badalada. Um vinho pronto, não muito untuoso, mas com aromas delicados e muito harmônicos. Um toque sutil de mel, caramelo e marron glacé. Final não muito longo, mas extremamente prazeroso.

carlos noval vintage 1970

Madelaine, Porto e Latour ao fundo

Na foto acima, o brinde final. Quinta do Noval Vintage 1970 devidamente decantado. A cor é bem mais delicada que o decanter da foto, no caso Latour 94. Noval é uma Casa de elegância impar. Notas balsâmicas e de frutas em compota permeiam seus aromas. Boca ampla, de grande equilíbrio, e terrivelmente persistente. As madeleines não são de Proust, mas do mestre Laurent. Um Gran Finale!    


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