Posts Tagged ‘vinho da Madeira’

Páscoa, Cordeiro e Chocolate

12 de Abril de 2020

Chegando o Domingo de Páscoa, nada de peixe que foi na Sexta-Feira Santa. Aqui temos lugar para o sagrado cordeiro, o indispensável, chocolate, panetones, e sobremesas.

Para o Cordeiro não tem erro. Tintos do Velho e Novo  Mundo caem bem. Só a perna do cordeiro que acho indispensável um belo Bordeaux, combinação clássica, sobretudo se for acompanhado de feijão branco e vegetais.

costeletas de cordeiro e aspargos

costeletas de cordeiro com aspargos

Já para os costeletas de cordeiro com farofa de ervas, alho e manteiga, outros tintos como Pinot Noir por exemplo, vão bem. Pinot Noir da Nova Zelândia ou Russian River são belas alternativas face aos grandes Borgonhas.

Por fim, a Paleta de Cordeiro, a parte dianteira do osso, super saborosa e que pede vinhos mais intensos, como os do Novo Mundo, sobretudo se for bem tostada no forno. Um bom Syrah, um bom Tempranillo, ou um bom Malbec, estará de bom tamanho.

mousse de chocolate cremosa

mousse de chocolate aerada

Chocolate

Se o elemento ponte for frutas vermelhas ou chocolates mais frutados, vá de Porto Ruby, que tem a ver com este estilo de chocolate. Sobremesas à base de ovos da doçaria portuguesa, chocolate com toques cítricos, vá de Moscatel de Setúbal, um vinho mais doce que tem a ver com esse estilo de chocolate. Por fim, se o assunto for frutas secas, à base de sobremesas, tortas, e chocolates com oleaginosas, vá de Porto estilo Tawny, aloirado, com toques empireumáticos, frutas secas e especiarias.

Panetones e Colombas

Aqui seu Asti Espumante, ou os ótimos Moscatéis brasileiros podem brilhar nesta hora. Uma boa mousse de chocolate, leve e aerada, pode surpreender com Asti Spumante, por que não uma panna cotta de frutas vermelhas com Porto Ruby?

Enfim, as alternativas aos Portos oxidativos como Tawny, não param de crescer. Outros estilos de Porto Tawny estão à disposição como aqueles com indicação de idade, 10,20,30 e 40 anos. Além disso, temos ótimos Madeiras no estilo Boal e Malmsey, dependendo do grau de doçura.

A saga continua com os Marsalas, Recioto dela Valpolicella, sobretudo com chocolate amargo e alto teor de cacau, Vin Santo com Tiramisú fica ótimo à base de café e chocolate. Sem contar as alternativas com o PX de Jerez, um vinho capaz de enfrentar sobremesas potentes e com alto teor de cacau e açúcares. Faz um contraste surpreendente com sorvetes de banana, ameixa, e café, pois caem sobre um manto, fazendo a vez das deliciosas caudas. Em termos de texturas e contraste com temperatura não têm concorrentes.

Os fortificados franceses, especialidade do sul da França, não são páreos para os da península ibérica, especialidade de Portugal e Espanha, como Porto, Jerez e Madeia, imbatíveis em qualidade e história. A não ser alguns Banyuls especiais, sobretudo com os dizeres “Hors d´Age”, e alguns Maurys, seu mais direto concorrente, é uma experiência interessante como chocolates de um modo geral, baseado na casta Grenache ou Garnacha, típica destas paragens no Suoeste francês. 

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uma experiência com chocolate

Fuja dos Late Harvest, Sauternes, e vinhos botrytisados, exceto os antigos Tokaji com os famosos Puttonyos, de estilo mais oxidativo. Prefira os chocolates brancos, mais delicados e com alto teor de gordura dada pela manteiga de cacau.

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noir absolute

Por fim, uma experiência inédita, Chocolate á 99%, bem mais intenso que o 90%, pois a escala é logarítmica, e portanto não tem comparação com os chocolates com alto teor de cacau no comércio.  O chocolate é extremamente seco, adstringente, e pulverulento,deixando a boca seca. Precisa de um Shiraz de Barossa Valley, extremamente alcóolico, untuoso, e de fruta bem madura. Os taninos macios da Shiraz, parecem dar as mãos com o chocolate, e o amargor e adstringência do mesmo parecem ganhar outra dimensão. Uma experiência sui-generis para quem não liga para um amargor refinado.

Enfim, se deliciem nesta Páscoa com essas experiências de Cordeiro, sobremesas, panetones, e chocolates. Feliz Páscoa a todos!

Álcool no Vinho

3 de Fevereiro de 2020

Por definição, vinho é uma bebida ácida e alcoólica. Seu pH gira em torno de 3,5 e a fermentação do mosto transforma os acçucares em álcool e gás carbônico. Depois da água, o álcool é o componente mais expressivo em termos de volume. A porcentagem indicada na garrafa se refere ao volume de álcool em relação à bebida, ou seja, uma garrafa de 750 ml com 13,5% de álcool significa que há cerca de 100 ml de álcool na bebida. Portanto, tanto acidez como álcool são componentes sempre presentes no vinho.

f9ad0fb5-ace8-45bc-901d-274479a2c434a incrível acidez deste vinho equilibra todo o açúcar!

De 1 a 3% de álcool

Esse é o caso típico do Tokaji Eszencia, de produção ínfima comparada a outros tipos de Tokaji. Seu mosto tem normalmente 600 g/l de açúcar, podendo chegar a 800 g/l em alguns casos. Nessas condições a fermentação fica muito difícil e lenta. Daí a dificuldade em produzir a fermentação e consequentemente o álcool.

Em torno de 5% de álcool

Caso típico do Moscato d´Asti e suas réplicas. Um frizante com grande teor de açúcar no mosto, onde a tomada de espuma dá-se de uma vez só, resultando num vinho espumante e doce, ou seja, com açúcar residual natural do mosto. O Asti Spumante fica um pouco mais de tempo na autoclave perdendo açúcar, ganhando álcool, e pressão maior. Tem por volta de 7 graus de álcool.

de 5 a 10% de álcool

Essa é a faixa que a maioria dos Tokaji Aszu e os vinhos doces alemãos transitam. Nesses casos, há uma enorme dificuldade em transformar os açucares em álcool, gerando vinhos com açúcar residual e muito equilibrados, devido à destacada acidez de ambos.

de 10 a 14% de álcool

A grande maioria dos vinhos de mesa, seja brancos ou tintos, transitam nesta faixa de álcool. Aqui a fermentação ocorre de maneira natural, transformando todos os açucares em álcool. É o que chamamos de vinhos secos. Começa com os vinhos verdes do Minho, geralmente com baixa graduação alcoólica e vai sobretudo a exemplares do Novo Mundo com álcool até acima dos 14 graus, algumas vezes.

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um vinho perfeitamente equilibrado

Os sagrados 12% de álcool

Esse é um numero mágico para os grandes espumantes e sobretudo os champagnes. O vinho-base fica em torno de 10,5% de álcool e a tomada de espuma acrescenta por volta de 1,5% de álcool, além da pressão de 5 a 6 atmosferas. O perlage e a mousse ficam perfeitos, além do equilíbrio na medida certa.

3246bcae-a2b1-4987-9fe4-90c8fedf8122um tinto californiano perfeitamente equilibrado com seus 15,5º de álcool

de 15 a 16% de álcool

Este é o caso clássico dos Amarones, grande vinho do Veneto. As uvas são colhidas maduras e em seguida passificadas por alguns meses, tendo grande concentração de açucares. A fermentação segue com dificuldade, tendo ajuda muitas vezes da Saccharomyces Bayanus, levedura resistente a altos teores de álcool. 

446234d7-0f73-4737-96af-b39e7fb48b03um vinho agradavelmente quente!

de 16 a 20% de álcool

Aqui estamos na faixa dos fortificados, vinhos com adição de aguardente vínica. É o caso do Porto, Madeira, Jerez, moscatel de Setúbal, entre outros. A fortificação pode dar-se no ínicio, durante, ou no final do processo. Para os Jerezes Finos, o álcool fica na faixa mais baixa, entre 16 d 17 graus. Portos e alguns Madeiras podem chegar aos 20 graus ou um pouco mais. Nos bons fortiticados sentimos a presença do álcool de forma equilibrada. 

Acima de 25 graus entramos no campo dos licores e outras bebidas que podem incluir, vinhos, destilados, ervas, e açúcares, antes de chegar nos destilados propriamente ditos. 

Sensações do álcool

No aspecto visual, temos as chamadas lágrimas do vinho que tem relação direta com o álcool, sobretudo se o vinho for seco. Quanto mais numerosas, mais finas, e mais lentas forem as mesmas, maior teor de álcool terá o vinho.

No campo olfativo, o álcool em excesso tem efeito agressivo, principalmente sobre sua ação cáustica. É muito comum em animais, o mais comum é o cachorro de olfato extremamente apurado, cheirar uma bebida alcoólica e se afastar rapidamente. Quando em equilíbrio, o álcool tem o importante papel de transmitir os aromas do vinho, semelhante ao efeito do mesmo nos perfumes. 

No aspecto gustativo, o álcool dá a sensação de peso no vinho, ou seja, quanto mais alcoólico, mais encorpado é o vinho. É uma sensação meio contraditória pois o peso específico do álcool é menor que a água, semelhante ao azeite, por volta de 20% menor que a água. Mas a explicação é mais tátil, pois a viscosidade com o álcool é maior. Por fim, o álcool tende a ter um sabor adocicado, tornando agradável  a bebida, além de uma sensação de pseudocalor. 

Gastronomia

Vinhos mais alcoólicos tendem a ser mais encorpados, de sabores mais pronunciados. São vinhos que pedem comidas mais fortes, mais condimentadas, queijos curados, sobretudo os brancos. Evitem pratos apimentados, pois o álcool potencializa esses sabores. 

Para os tintos, é o caso dos Shiraz australianos e os Amarones (grande tinto do Veneto). Pedem guisados longamente preparados e molhos de sabores intensos. 

Para os brancos, é o caso típico dos Chardonnay mais pesados, sobretudo o velho estilo americano que além de tudo tinha uma madeira acentuada. Esse tipo de vinho encara com tranquilidade boas receitas de bacalhau de sabores intensos. Comida nordestina com carne seca, carne de sol, e temperos mais fortes, vai muito bem com este tipo de vinho.

O outro branco de grande alcoolicidade é o Chateau-Chalon, conhecido como Vin Jaune. Um branco famoso do Jura que passa por um processo peculiar de elaboração. Entre pratos mais robustos, é famoso pela combinação clássica de um velho Comté, queijo curado, típico da região. 

O álcool assim como outros componentes do vinho é essencial para seu equilíbrio, pois é um fator de maciez na balança gustativa onde acidez e eventualmente taninos entram como contraponto. 

Vinhos de Inverno

10 de Junho de 2015

Com a aproximação do inverno, os pratos ficam mais ricos, saborosos e intensos, sendo muito bem-vindos com as baixas temperaturas. E com o vinho não é diferente. O teor alcoólico é um bom indicador destas características. Portanto, vinhos encorpados do Novo Mundo encaixam-se perfeitamente neste cenário. Contudo, para aqueles que não abre mão dos europeus, alguns clássicos são imbatíveis.

Pensando na Itália, o grande tinto do Vêneto é o primeiro a ser lembrando, Amarone della Valpolicella. Vinho macio, quente e de taninos bem amalgamados. Os tintos do sul da Bota também cumprem seu papel. Primitivo de Manduria na Puglia, Taurasi com a uva Aglianico na Câmpania e os atualmente baldados tintos da Sicília. Logicamente, não esquecendo do Piemonte, temos os Barolos e Barbarescos calcados na temperamental casta Nebbiolo.

Grana Padano e Amarone: Casamento eterno

Agora dirigindo-se à França, tintos do Rhône e da Provença são os mais indicados. Châteauneuf-du-Pape é o mais emblemático. Como alternativas de preço, Gigondas e Vacqueyras são belas escolhas. O tinto Cornas baseado na Syrah é o legítimo representando do Rhône Norte. Da Provença, a apelação Bandol resume bem o poder da casta Mourvèdre, assim como outros tintos do sul da França. No sudoeste francês, como não lembrar das apelações Madiran e Cahors, baseadas respectivamente nas castas Tannat e Malbec, acompanhando os gordurosos e densos Cassoulet e Confit de Canard.

Canard e Cahors

Falando agora da Terrinha, Portugal tem nos vinhos alentejanos a força e o calor de seus tintos. Baseados no binômio Aragonês e Trincadeira, também conhecida em outras paragens como Tinta Roriz e Tinta Amarela, respectivamente. Porém, os tintos durienses não ficam para trás, principalmente levando-se em conta a dinamização recente da região conhecida com “Douro Boys”.

No outro lado ibérico, a Espanha mostra força nos robustos tintos do Priorato, calcados nas uvas Garnacha e Cariñena, as mesmas francesas Grenache e Carignan. Os potentes tintos de Ribera del Duero e de seu vizinho mais humilde da denominação Toro são também exemplos clássicos. Não esquecendo de Rioja, os estilos mais modernos e de certa potência, permitem enquadra-los neste cenário.

Safra histórica de Vintages (1994)

Para os vinhos de sobremesa ou de meditação, a península ibérica é especialista. Jerezes, Portos, Madeiras, Moscatéis, fazem boa companhia aos queijos mais curados, sobremesas mais intensas, na apreciação do Puros após jantares mais ricos, ou mesmo em apresentação solo, lendo um bom livro e ouvindo boa música, ou uma boa prosa. Quanto aos Puros (cubanos), marcas como Partagás, Bolívar e Cohiba, têm a força para o clima invernal.

Do lado francês, Banyuls e Maury são os fortificados mais perto do Porto, conhecidos também por Vin Doux Naturel. Já a Itália, os Passitos são emblemáticos. Essa denominação cai bem no sul do país com a ilha de Pantelleria. Já ao norte, a expressão Recioto emblematiza o mesmo processo. Não poderíamos deixar de mencionar o famoso Vinsanto, o vinho de meditação símbolo da Toscana.

Lógico que tudo isso vale para o Dia dos Namorados, data clássica em nosso calendário. Se você é daqueles que não abre mão do Champagne nesta ocasião, procure por exemplares mais densos, calorosos, como Bollinger, Krug, um Blanc de Noirs e evidentemento, os rosés, especialmente um Gosset.

Sorvete e Vinho

13 de Fevereiro de 2014

Em verões quentes como o nosso, não há quem não tenha pelo menos pensado em consumir sorvetes em profusão, embora seja um produto calórico. Ao contrário de países europeus onde o consumo per capita anual de sorvetes é muito maior que o brasileiro, só nos lembramos deles quando a temperatura aumenta. Neste contexto, existe harmonização entre sorvete e vinho? É o que veremos a seguir.

O sorvete é um daqueles ingredientes ditos ardilosos, ou seja, de difícil harmonização. O maior problema está na baixa temperatura do produto, deixando as papilas gustativas anestesiadas. Com isso, a percepção dos sabores do vinho fica prejudicada. Portanto, para combater este efeito da temperatura, normalmente buscamos vinhos mais alcoólicos, preferencialmente os fortificados (Porto, Jerez, Madeira, Moscatel de Setúbal, entre outros). Se aliarmos a textura cremosa dos sorvetes à base de leite, podemos ter resultados satisfatórios.

Sorvetes de massa

Seguindo este raciocínio, podemos indicar como boas harmonizações os sorvetes de creme, baunilha, ameixa e banana, com o Jerez Pedro Ximenez, ou também aqueles produzidos em Málaga, região próxima a Jerez, todas no sul da Espanha. As texturas do sorvete e vinho acomodam-se bem, embora haja um certo predomínio do vinho. Os sabores sim, complementam-se e fundem-se agradavelmente. Já os sorvetes de massa à base de frutas vermelhas e escuras (mirtillo, framboesa, amora, cereja, entre outras) podem ir bem com Portos de estilo Ruby, caminhando até o LBV (Late Bottled Vintage). Outra alternativa clássica seria o fortificado francês, Banyuls, elaborado com a uva Grenache. Aliás, este vinho como também o Porto, acompanham bem os sorvetes à base de chocolate.

Bela harmonização com Porto

Sorvetes que envolvam  calda de caramelo ou adição de frutas secas (amêndoas, caju, avelãs, …) podem ser acompanhados por Porto do estilo Tawny e vinhos da Madeira, preferencialmente Boal ou melhor ainda, Malmsey. Outro fortificado português de grande prestígio é o Moscatel de Setúbal, que apresenta doçura suficiente para esta harmonização. Se houver um toque cítrico e confitado no sorvete, lembrando os belos doces mineiros (casca de laranja, cidra ou limão), estes Moscateis são imbatíveis.

Vinhos da Madeira e bananas: harmonização clássica

Agora abordando um outro campo, para os sorvetes à base de frutas que não envolvam leite em sua elaboração, podemos partir para vinhos mais delicados. No campo dos cítricos e de ervas frescas como o manjericão, por exemplo, os moscateis mais leves como o Moscato d´Asti podem fazer boa parceria. É bem verdade, que falta um pouco de corpo para estes vinhos, mas a união de sabores na harmonização é bastante satisfatória. Esta falta de corpo pode ser compensada com certos Late Harvests (colheita tardia) mais delicados. O Concha Y Toro Late Harvest do vale de Maule é um bom exemplo (VCT Brasil – fone: 3132-9180). Vinhos delicados do vale do Loire como Vouvray Moelleux com a uva Chenin Blanc ou vinhos alemães do Mosel com graduação de açúcar suficiente para o sorvete podem ser boas alternativas. Uma boa indicação são as expressões nos rótulos alemães: Spätlese ou Auslese, na ordem crescente de doçura.

De resto, é só curtir o verão!

Moscatel de Setúbal: Trilogia dos Fortificados

30 de Setembro de 2013

Falo de trilogia em Portugal, pois o singular fortificado da Carcavelos está praticamente extinto, uma lástima. Portanto, ao lado do Vinho do Porto, e do Madeira (corre o risco de extinção num futuro próximo), este belo Moscatel é um dos tesouros da terrinha.

Moscatel Roxo Envelhecido

Embora hajam outros Moscatéis nas clássicas regiões européias, o Moscatel de Setúbal apresenta um terroir distinto, principalmente quanto a seu modo de vinificação. Na França por exemplo, temos o Muscat Beaumes de Venise (mais delicado) no sul do Rhône, e o Rivesaltes no extremo sudoeste (próximo à região do Banyuls). Na Itália, o famoso Moscato di Pantelleria (ilha homônima no extremo sul italiano) e na Espanha, os drámaticos Pedro Ximenez e Moscatéis (bastante denso e com uma doçura interminável). Todos os exemplos acima tratam-se de vinhos fortificados e comentado em artigos específicos neste mesmo blog.

Denominações de Origem: (https://vinhosemsegredo.files.wordpress.com/2013/09/88ed7-regioesdemarcadas.jpg) – clique ampliando a imagem

Conforme mapa acima, a denominação de origem Moscatel de Setíbal, ao sul de Lisboa, oferece um solo argilo-calcário com boa presença de areia e influência da brisa atlântica. As uvas permitidas são naturalmente a Moscatel de Setúbal, trazida do Egito oito séculos antes de Cristo e conhecida como Moscatel de Alexandria. Os aromas do vinho lembram basicamente cascas e flores de citrinos (notadamente a laranja), mel, tâmaras e uva passa.

Outra casta permitida e superior à própria Moscatel de Setúbal é o Moscatel Roxo. Seu cultivo é mais difícil, os grãos são pequenos e com uma coloração de tom rosado e extrema doçura. Seus aromas remetem à ginja (espécie de cereja mais ácida que a habitual) e a figo, entre outros.

Em termos de vinificação, o grande diferencial é a maceração pelicular (contato com as cascas) na fermentação do mosto, após as uvas serem prensadas com alto grau de açúcar. Depois de algum tempo de fermentação, o vinho é fortificado com aguardente vínica especificada, segundo normas da legislação. Posteriormente, o vinho permanece em contato com as cascas aproximadamente por seis meses. As cascas são prensadas durante o inverno e todo este contato, enriquece o vinho com aromas, texturas e polifenóis. Nos melhores Moscatéis, a próxima e última etapa é o envelhecimento em pipas de carvalho usadas, por longos anos (normalmente o mínimo são dois anos). Nesta etapa, as cascas são separadas do vinho. Normalmente, os vinhos são mesclados de acordo com as safras pelo sistema Solera (semelhante ao vinho de Jerez). Maiores detalhes sobre este procedimento, favor consultar artigos sobre Jerez neste mesmo blog.

Quanto à legislação, Moscatel de Setúbal ou Moscatel Roxo precisam usar pelo menos 85% de uvas Moscatel. Existe a menção Superior em alguns rótulos. Para isso o vinho deve ser submetido à uma prova técnica e precisa ter pelos menos cinco anos de idade. As indicações de idade de 10, 20, 30 ou 40 anos são permitidas, desde que o vinho mais novo do lote tenha a idade mencionada. Quanto ao teor de açúcar, os vinhos com até 20 anos de idade declarada devem ter pelo menos 280 gramas por litro de açúcar residual. Já os vinhos acima de 20 anos de idade declarada devem conter pelo menos 340 gramas de açúcar residual.

Como curiosidade histórica, a grande fama e complexidade destes vinhos ocorreu por acaso. Eram chamados vinhos de “Roda” ou de “Torna Viagem”. Esse processo decorria do transporte das pipas de vinho depositadas nos lastros do navios na época áurea da navegação portuguesa, nos séculos XV e XVI nas viagens para o Brasil e Índia com seis meses de duração. As pipas de vinho então passavam duas vezes pela linha do Equador sob condições severas de temperatura, balanço do navio, e muitas vezes em contato com a água do mar. Este procedimento acelerava o processo de evolução do vinho, ganhando uma complexidade extra. As poucas garrafas que ainda restam destas épocas são disputadíssimas nos principais leilões de vinho. A última viagem mantendo estes procedimentos deu-se no ano de 1900. Os reis Ricardo II da Inglaterra e Luís XIV da França, o Rei Sol, eram grandes apreciadores da bebida.

Dentre os produtores, José Maria da Fonseca é a grande referência com exemplares antigos realmente singulares. Lembro-me de ter provado um de seus Moscatéis da colheita de 1900, engarrafada na década de noventa para uma degustação especial. Foi um dos poucos vinhos que não dei nota, pois seria uma ofensa submetê-lo a qualquer teste. São um daqueles vinhos imortais em que o tempo só o engrandece.

Referente à gastronomia, esses vinhos acompanham muito bem chocolate, sobretudo se houver aromas de laranja envolvidos. Doces portugueses à base de ovos, torta de banana, e queijos curados (porque não um queijo de ovelha de Azeitão).


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