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Pato, Canard, Anatra: Harmonização

30 de Maio de 2019

Sejam receitas abrasileiradas, francesas, ou italianas, a carne de pato merece atenção na hora de harmonizar o vinho. Com a maioria das aves como nosso frango, galinha caipira, codorna, perdiz, faisão, nosso peru de natal, vinhos tintos de leve a médio corpo como aqueles elaborados com Pinot Noir, geralmente caem bem. Mesmo alguns brancos mais encorpado, dependendo da receita, também são interessantes. Contudo, quando falamos de pato, apesar de ser uma ave, a ideia de harmonização deve ser repensada. 

A carne de pato tem sabor mais pronunciado, é mais fibrosa, tem maior irrigação sanguínea. Portanto, devemos pensar em tintos mais robustos e de certa personalidade. Neste artigo, vamos dar três exemplos de harmonização, já pensando no inverno que se aproxima, haja vista o arzinho mais frio de outono que já bate em nossa porta.

confit de canard e champignosConfit de Canard

Prato clássico do sudoeste francês, o confit de canard é uma criação antiga num tempo que ainda não havia refrigeração, traduzindo, geladeira. As carnes eram preparadas na própria gordura com sal, processo que prolonga sua conservação. O confit propriamente dito, é a coxa e sobrecoxa do pato confitada na gordura.

É uma carne muita saborosa,  daquelas carnes escuras perto do osso. Além disso, tem uma certa fibrosidade e evidentemente gordura. O acompanhamento pode ser champignons como da foto acima, batatas ao forno, feijão branco, ou um belo risoto. Os tintos da região do sudoeste francês são perfeitos. Tanto o Cahors (um Malbec bem diferente do argentino) ou o Madiran (um Tannat um pouco diferente do uruguaio), são vinhos robustos, de boa acidez e destacada tanicidade. Qualidades mais que suficientes para enfrentar este prato invernal. Os champignons ajudam quando temos tintos de certa evolução com aromas terciários.

Bordeaux de margem esquerda relativamente jovens também podem acompanhar bem. Contudo, os tintos do sudoeste tem aquela rusticidade natural de acordo com o prato. Outras regiões como Ribera del Duero, tintos do Douro, ou Supertoscanos, podem ser boas opções. O importante é o vinho ser robusto, ter boa acidez para a gordura e taninos de certa potência.

magret de canard sauce griottesMagret de Canard

Outro clássico francês, num peito de pato fatiado com aquela capa de gordura, nossa picanha de penas. O ponto correto é mal passado com bastante suculência. Portanto, um cenário perfeito para vinhos com tanicidade destacada e boa acidez para a gordura. O grande problema deste prato normalmente é o molho que tende a ser agridoce. È muito comum incluir frutas vermelhas ou escuras na receita. Portanto, precisamos de vinhos um tanto jovens, de fruta mais evidente, e taninos mais vigorosos. Pensando nos Bordeaux, aqueles da margem direita, calcados na uva Merlot, parecem ser as melhores opções. Um belo Syrah do Rhone Norte é outra pedida interessante. Pode ser um Côte-Rôtie ou um Hermitage de certa idade, não tão potente.

Do lado italiano, um Valpolicella Ripasso de bom produtor como  Masi, por exemplo, é uma bela opção. A glória seria um Valpolicella do Dal Forno Romano, vinho de grande concentração e muita fruta. Um Rioja jovem de estilo moderno é outra alternativa.

img_6043-1Arroz de Pato

Por fim, vamos ao clássico português, Arroz de Pato. Iguaria essa que os durienses reivindicam a paternidade. Sem entrar em polêmica, vamos aos fatos. O prato tem textura macia, mas muito sabor. As azeitonas verdes levantam o sabor do prato, enquanto as linguiças ou o chouriço dão um toque defumado. Evidentemente que os tintos da região dão conta do recado. Preferencialmente, um tinto de certo envelhecimento e taninos mais domados. Neste sentido, os tintos do Dão tem mais elegância, mantendo um bela acidez. Outra boa pedida.

Voltando à Itália, um belo Barbaresco de certo envelhecimento tem acidez para o prato, aromas defumados e taninos mais amansados. Um Rioja Crianza de escola tradicional também é uma boa parceria.

Quanto a vinhos do Novo Mundo, sempre devemos estar atentos a vinhos muito potentes, alcoólicos, e carente em acidez. Do lado argentino, tintos do Valle do Uco costuma ter mais frescor. Do lado chileno, o Alto Maipo, Aconcágua, e Conchagua, também buscam este frescor. Já no Uruguai, os Tannats e seus cortes são bem elaborados, se forem de produtores conceituados como Bouza, Familia Deicas, ou Pizzorno. Substitui a contendo os Madirans do suodeste francês. 

Uma observação importante para estes tintos mais robustos mencionados acima, é a decantação prévia. Seja por apresentar sedimentos, seja principalmente para sua aeração. Os aromas se desprendem melhor e a textura em boca fica mais harmoniosa. O tempo pode variar entre uma e duas horas. Às vezes mais, dependendo do calibre do tinto.

De resto, é curtir este inverno que já está chegando, estação propícia aos grandes vinhos tintos, os tipos preferidos dos brasileiros, mesmo em dias mais quentes. De acordo com a receita, os pratos, cada qual sabe escolher suas preferências adequadas ao bolso de cada um. Bon Appétit!

 

Vinhos de Inverno

10 de Junho de 2015

Com a aproximação do inverno, os pratos ficam mais ricos, saborosos e intensos, sendo muito bem-vindos com as baixas temperaturas. E com o vinho não é diferente. O teor alcoólico é um bom indicador destas características. Portanto, vinhos encorpados do Novo Mundo encaixam-se perfeitamente neste cenário. Contudo, para aqueles que não abre mão dos europeus, alguns clássicos são imbatíveis.

Pensando na Itália, o grande tinto do Vêneto é o primeiro a ser lembrando, Amarone della Valpolicella. Vinho macio, quente e de taninos bem amalgamados. Os tintos do sul da Bota também cumprem seu papel. Primitivo de Manduria na Puglia, Taurasi com a uva Aglianico na Câmpania e os atualmente baldados tintos da Sicília. Logicamente, não esquecendo do Piemonte, temos os Barolos e Barbarescos calcados na temperamental casta Nebbiolo.

Grana Padano e Amarone: Casamento eterno

Agora dirigindo-se à França, tintos do Rhône e da Provença são os mais indicados. Châteauneuf-du-Pape é o mais emblemático. Como alternativas de preço, Gigondas e Vacqueyras são belas escolhas. O tinto Cornas baseado na Syrah é o legítimo representando do Rhône Norte. Da Provença, a apelação Bandol resume bem o poder da casta Mourvèdre, assim como outros tintos do sul da França. No sudoeste francês, como não lembrar das apelações Madiran e Cahors, baseadas respectivamente nas castas Tannat e Malbec, acompanhando os gordurosos e densos Cassoulet e Confit de Canard.

Canard e Cahors

Falando agora da Terrinha, Portugal tem nos vinhos alentejanos a força e o calor de seus tintos. Baseados no binômio Aragonês e Trincadeira, também conhecida em outras paragens como Tinta Roriz e Tinta Amarela, respectivamente. Porém, os tintos durienses não ficam para trás, principalmente levando-se em conta a dinamização recente da região conhecida com “Douro Boys”.

No outro lado ibérico, a Espanha mostra força nos robustos tintos do Priorato, calcados nas uvas Garnacha e Cariñena, as mesmas francesas Grenache e Carignan. Os potentes tintos de Ribera del Duero e de seu vizinho mais humilde da denominação Toro são também exemplos clássicos. Não esquecendo de Rioja, os estilos mais modernos e de certa potência, permitem enquadra-los neste cenário.

Safra histórica de Vintages (1994)

Para os vinhos de sobremesa ou de meditação, a península ibérica é especialista. Jerezes, Portos, Madeiras, Moscatéis, fazem boa companhia aos queijos mais curados, sobremesas mais intensas, na apreciação do Puros após jantares mais ricos, ou mesmo em apresentação solo, lendo um bom livro e ouvindo boa música, ou uma boa prosa. Quanto aos Puros (cubanos), marcas como Partagás, Bolívar e Cohiba, têm a força para o clima invernal.

Do lado francês, Banyuls e Maury são os fortificados mais perto do Porto, conhecidos também por Vin Doux Naturel. Já a Itália, os Passitos são emblemáticos. Essa denominação cai bem no sul do país com a ilha de Pantelleria. Já ao norte, a expressão Recioto emblematiza o mesmo processo. Não poderíamos deixar de mencionar o famoso Vinsanto, o vinho de meditação símbolo da Toscana.

Lógico que tudo isso vale para o Dia dos Namorados, data clássica em nosso calendário. Se você é daqueles que não abre mão do Champagne nesta ocasião, procure por exemplares mais densos, calorosos, como Bollinger, Krug, um Blanc de Noirs e evidentemento, os rosés, especialmente um Gosset.

Harmonização: Carne Vermelha

31 de Maio de 2013

Um dos artigos mais acessados deste blog é o da harmonização entre churrasco e vinho. Neste artigo, falamos de uma forma generalizada sobre os vários tipos de carne mais empregados no churrasco em família, muito típico nos finais de semana. Evidentemente, todo assunto tem sua complexidade e detalhes, na medida em buscamos algo mais específico. Neste sentido, o artigo de hoje detalha três cortes de carne de boi bastante valorizados nas principais churrascarias.

Vamos começar pelo corte mais magro e logicamente mais fibroso, aumentando paulatinamente o teor de gordura intrínseco à carne.

Bife de Chorizo

Este é o chamado contra-filé ou entrecôte  para os franceses. É menos gorduroso que o bife ancho, a parte mais nobre do contra-filé, já comentado em artigo específico neste mesmo blog. Neste corte, é fundamental o ponto da carne. No máximo, ao ponto. Por ter menos gordura intrínseca e grande fibrosidade, a suculência é fundamental. E é exatamente esta suculência, a grande aliada de poderosos taninos. Portanto não tenha medo, aqui vai muito bem um belo Tannat ou Madiran, se preferir o original francês. Cabernets  poderosos também são sempre bem-vindos. Enfim, todo tinto varietal ou de corte rico em taninos fará uma bela parceria.

Picanha: Preferência nacional

Neste corte, o sabor da gordura e a maciez são ingredientes sedutores para seu maciço consumo. De fato, além da capa de gordura, a mesma penetra pela carne em seu preparo na grelha. Como temos menos fibrosidade, mais gordura e maior maciez, os tintos não precisam ser tão poderosos em tanino. Daí, o belo casamento com os convidativos Malbecs argentinos. Eles possuem taninos mais dóceis, acidez relativamente boa e maciez adequada ao corte. Prefira os Malbecs do Valle de Uco, mais frescos e vibrantes. Um toscano de boa estrutura, desde um Chianti Clássico até um supertoscano (mesclando Sangiovese com tintas bordalesas) são opções certeiras. Riojas Crianza jovens apresentando bom frescor e tanicidade adequada calcados na bela Tempranillo, também são ótimos parceiros.

Costela: Paciência recompensada no adequado preparo

Na foto acima, dá para perceber a carne se desmanchando devido ao longo preparo longe da brasa, e toda a gordura entremeada à mesma. Portanto, temos sabores intensos, textura macia e alto teor de gordura. É fundamental para este corte, vinhos intensos e de grande acidez, grande frescor. Aqui os europeus brilham como nunca. Um belo tinto da Bairrada com a poderosa uva Baga casa-se perfeitamente. Os grandes tintos do Piemonte calcados na uva Nebbiolo, Barolos e Barbarescos, são belas escolhas também. Notem que nos dois exemplos, a tanicidade também está presente, mas só ela não é capaz de vencer a oleosidade da carne. Portanto, a acidez é fundamental para limpar esta gordura, funcionando como um eficiente detergente. Se quiserem um representante do Novo Mundo, tentem um Cabernet australiano de Coonawarra (região também já comentada neste blog). Sua estrutura, intensidade e principalmente, sua acidez marcante, fogem dos padrões australianos.

Enogastronomia: Parte III

13 de Fevereiro de 2012

Continuando com os sabores, passemos agora aos componentes de doçura e amargor:

Doçura

Aqui basicamente, entramos no terreno das sobremesas onde o componente doce ganha um destaque especial. O fundamental é que o vinho tenha doçura equivalente ao prato, sob pena do vinho tornar-se desequilibrado, sobressaindo sua acidez. Um erro clássico já comentado neste blog, é servir espumante brut com bolo de casamento. O vinho torna-se extremamente ácido. Ver artigo Harmonização: Champagnes – Parte I.

Se a doçura fizer parte de um prato salgado, como por exemplo um molho agridoce, muitas vezes o lado frutado e jovem do vinho pode ser suficiente. Certas carnes com molho de frutas vermelhas são exemplos clássicos.

Torta de maçã: grau de doçura variado

Na foto à esquerda, para a torta de maçã com açúcar bem comedido, um branco do Loire ou um branco alemão não muito doce é suficiente. Coteaux du Layon ou um Riesling Auslese são bons exemplos de sugestão, respectivamente. Já para a foto ao lado, uma Tarte Tatin, os vinhos precisam ter um teor de açúcar maior. Voltando aos exemplos citados, precisaríamos de um Quarts de Chaume (Loire) ou um Riesling (Beerenauslese ou Trockenbeerenauslese), todos com mais untuosidade e maior grau de doçura.

Amargor

Este não é um sabor normalmente procurado nem nos pratos, nem nos vinhos. Algumas verduras ou hortaliças costumam apresentar este componente. De todo modo, doçura e maciez nos vinhos costumam amenizar o eventual amargor dos alimentos. Já nos vinhos, eles podem estar presentes principalmente por conta dos taninos nos tintos. Evitar excesso de acidez e sal nos pratos é a melhor maneira de amenizar um eventual amargor dos taninos. No caso da textura adstringente dos mesmos, a melhor maneira de neutralizá-la é harmonizar pratos com a devida suculência como a carne vermelha mal passada. Gorduras dissolvidas em molhos ajudam também a domar este difícil componente. O exemplo clássico é um Cassoulet com Madiran, já comentado neste blog com o título Harmonização: Cassoulet e vinho.

Harmonização: Cassoulet e vinho

5 de Setembro de 2010

 

Grande pedida para este final de inverno

Especialidade do Languedoc, o cassoulet é também apreciado em todo o sudoeste francês. Este cozido famoso à base de feijão branco, onde se incorporam confit de pato, ganso, embutidos de porco, além de eventualmente partes de cordeiro e perdiz, exige uma longa preparação. É muitas vezes citado como a feijoada francesa.

É um prato típico de inverno, robusto e de sabores pronunciados. Os tintos potentes e rústicos das apelações Madiran (uva Tannat) e Cahors (uva Malbec) são sempre lembrados para a harmonização. Apelações do Midi como Corbières e Minervois também são clássicas, envolvendo uvas como a Syrah, Grenache, Mourvèdre e Carignan.

Château Montus: um clássico importado pela Decanter (www.decanter.com.br)

De fato, o prato além de encorpado e robusto, tem suculência e gordura dissolvida no próprio caldo. A textura cremosa do  feijão branco reforça a escolha de um vinho mais encorpado. Taninos e acidez são componentes benvindos neste contexto e justificam as escolhas acima citadas.

Apesar de grandes Bordeaux e grandes tintos do Rhône preencherem os requisitos para a harmonização, o fator tipologia do prato prevalece. Frente a robustez e rusticidade do prato, é sempre um desperdício abrirmos uma grande garrafa, onde a finesse e sutileza de aromas serão sobrepujados.

Do Novo Mundo, tintos encorpados dos principais varietais, são adequados, a despeito de problemas crônicos como excesso de madeira e falta de frescor.

Soluções sazonais, a exemplo do post sobre a nossa feijoada, podem ser testadas. É o caso de um dia de verão, optarmos por um vinho medianamente encorpado, jovem, tanicidade moderada e de boa acidez. O vinho perde o confronto diante do prato, mas fornece uma sensação de leveza e frescor, facilitando psicologicamente a digestão. Neste cenário, um Cru de Beaujolais, um Barbera, um Sangiovese, um Tempranillo Joven, todos esses de safras recentes e com muito frescor, são opções adequadas.

Harmonização: Confit de Canard

24 de Junho de 2010

Preciosidade advinda de antiga técnica de conservação

Em tempos inimagináveis, quando não existia geladeira, a conservação de alimentos em gordura era uma das técnicas utilizadas na preservação de alimentos, para garantir comida na mesa nos rigorosos invernos europeus. Assim surgiu o saborosíssimo Confit de Canard (coxa e sobrecoxa de pato conservadas na própria gordura). Pode ser guanecido com uma simples salada ou algo mais contemporâneo como risoto, por exemplo.

De qualquer modo, é um prato de resistência. A carne cozinhada lentamente na própria gordura, tem um tom mais escurecido e sua proximidade ao osso, acentua sobremaneira o sabor. Não é à toa que na região do sudoeste francês, tintos vigorosos como Cahors e Madiran, com as uvas Malbec e Tannat respectivamente, sejam seus parceiros ideais. Além do intenso sabor, a gordura principalmente da pele dissolve-se, penetrando por toda a carne. Este tipo de gordura dissolvida casa-se perfeitamente com os taninos intensos e rústicos dos vinhos acima citados, tornando-os surpreendentemente macios. Portanto, nada de vinhos leves, a despeito de apresentarem acidez suficiente para o prato, mas sem a intensidade de sabor que o mesmo exige.

Uma das sugestões autênticas, é provar o belo Madiran de Alain Brumont, Château Montus, importado pela Decanter. Moderno, típico e bem equilibrado (www.decanter.com.br).

Se você gosta dos potentes tintos do Novo Mundo baseados em Cabernet Sauvignon, Shiraz, Tannat, Malbec, entre outros, inclusive com destacada passagem por madeira, esta é a hora deles também. Aromas intensos, bom teor alcoólico, taninos jovens e presentes serão benvindos neste momento. Normalmente, pode faltar um pouco de frescor, mas nada que comprometa de forma decisiva a harmonização. A tentativa de harmonização com Pinot Noir, principalmente os borgonhas, não é das mais felizes. O vinho é muito delicado e elegante para o prato. Embora não haja conflitos, esta não é a ave certa para tintos de tal sutileza.

Um branco de personalidade pode ser uma boa parceria para o confit frio que sobrou do dia anterior.  Ele pode ser desfiado, fazendo parte de uma salada de folhas com molho levemente agridoce. Neste caso, um bom e jovem Pinot Gris da Alsace é uma ótima opção. Sabores marcantes, acidez suficiente, juventude e bastante fruta, casam-se perfeitamente com esta vigorosa entrada. Quanto mais intenso for o sabor da carne, acompanhado de uma tendência doce mais acentuada do molho, mais intensos devem ser os brancos, inclusive os Vendange Tardive alsacianos. Além do pato, a carne de ganso enquadra-se perfeitamente neste contexto.

A citação destas aves, de forma alguma insinua um protesto à escalação do Dunga em nossa seleção, mas que eles fazem falta, fazem!

Harmonização: Feijoada e Vinho

25 de Abril de 2010

“Feijoada só é completa com maca e ambulância na porta”

Esta frase antológica é de Stanislaw Ponte Preta, saudoso cronista falecido em 1968, cujo nome verdadeiro era Sérgio Porto. Satírico e mordaz combatente da ditadura.

Tradicionalíssima nos cardápios de quartas e sábados, é um prato vigoroso, que exige enorme autocontrole em saber parar na hora certa. Além do prato em si, os acompanhamentos podem ser numerosos e desafiadores: pimenta de vários calibres, torresmo, costelinha, farofa, couve, mandioca, laranja que ninguém é de ferro, entre outros.

Caipirinha e cerveja são de longe seus eternos parceiros. O vinho, sabendo adaptar-se neste ambiente, pode ser uma opção alternativa, nem que for só para variar. Mas por favor, sem pagode.

Talvez este seja o prato mais polêmico quanto à escolha do vinho, chegando ao absurdo de alguns indicarem champagne. O vinho deve ser relativamente simples e rústico, em sintonia com as características do prato. Outro fator esclarecedor é o sal que não deve ser parâmetro na harmonização. Feijoada bem feita tem os pertences devidamente dessalgados, continuando este cuidado até a finalização do prato.

A meu ver, a escolha do vinho deve levar em conta a época do ano. Uma coisa é a feijoada fumegante no verão em uma área externa com temperatura acima de 30ºC. Outra coisa é a feijoada servida no inverno, em ambiente climatizado. Isto permite escolhas de vinho distintas.

No caso do verão, a opção de um vinho tinto medianamente encorpado, com boa acidez e tanicidade moderada, pode fornecer o frescor que a situação requer. Essas características permitem que o vinho possa ser servido ligeiramente refrescado, em torno de 15ºC. Embora possa faltar um pouco de corpo e vigor ao vinho, a função da acidez em cortar gorduras e principalmente promover um agradável frescor ao palato é mais relevante neste caso. Vinhos como Barbera (não barricato), Tempranillo Joven de Toro (tem a rusticidade na medida certa) e vinhos do Douro relativamente jovem, levemente amadeirados, podem cumprir bem o papel.

Já no inverno, podemos equilibrar melhor as forças no que diz respeito a corpo e estrutura. O importante é não abrirmos mão da acidez, fator muito mais presente em vinhos do Velho Mundo. Juntamente com os taninos, a acidez vai combater de forma eficiente as gorduras do prato, mantendo um frescor agradável. A força do vinho e toques amadeirados encontram eco nas diversas carnes defumadas e de sabores pronunciados. Nosso atual campeão brasileiro, o sommelier  Guilherme Correa, costuma indicar um vigoroso Bairrada, vinho elaborado próximo a Coimbra com a indomável uva tinta denominada Baga. Já o campeão mundial, sommelier  Enrico Bernardo, indica um Syrah do Rhône sob várias apelações: Saint-Joseph, Crozes-Hermitage e Côte-Rôtie. Particularmente, esta última, muito sofisticada para o prato.

Outras indicações possíveis são vinhos do Dão Reservas, Douros Reservas, Barbera Barricato, Tempranillo Crianza ou Reserva de estilo mais tradicional.

A França também tem  resposta para sua feijoada local, o Cassoulet. É bem verdade que no caso, trocamos o feijão preto pelo branco, além de outros ingredientes e processos de elaboração diferenciados. Contudo, o vigor do prato é semelhante e sendo proveniente da região do sudoeste francês, tintos vigorosos e rústicos como Madiran (uva Tannat) e Cahors (uva Malbec, localmente conhecida como Côt) são as escolhas clássicas.

As opções para brancos e espumantes não encontram sintonia com sabores e corpo do prato, embora possam fornecer frescor suficiente e agradável. Além disso, os estilos mais encorpados, amadeirados e potentes, carecem de acidez mais pronunciada.

Opções de rosés mais encorpados podem ser tentadas para um clima de verão. O famoso rosé de Tavel (Rhône) de safra relativamente recente é um exemplo clássico. Vários exemplares do Novo Mundo obtidos pelo método de sangria (contato relativamente prolongado com as cascas na fermentação) são opções a serem testadas.

Uma coisa é certa. Para este prato não existe unanimidade. E viva Nelson Rodrigues!


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