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Uma noite com Paul Laurent

5 de Fevereiro de 2018

Lembrando do filme Meia-Noite em Paris, eu e alguns confrades nos sentimos transportados para um três estrelas na França em plena capital paulistana. Estamos falando da escola Laurent Suaudeau, onde o mestre incorporou por alguns momentos a magia de Paul Bocuse numa linda homenagem. Em poucas palavras, deu para perceber sua admiração e seu respeito pelo mito francês que nos deixou recentemente.

eb66f5cf-246d-42f7-a06f-fb481f17e6af.jpgO mestre em ação

A mesa montada classicamente com cadeiras confortáveis e espaço de um metro quadrado por pessoa, mostra de cara os detalhes dos lautos jantares. Pode parecer ousadia, mas somente o mestre Laurent para reproduzir a contento alguns dos pratos servidos no L´Auberge du Pont Collonges, quartel general de Bocuse em Lyon, como Quenelles de Brochet, Poisson en Croute, e Le Poulet de Bresse aux Morilles. Realmente, um sonho.

Até aqui não falamos de vinhos, mas este preâmbulo é absolutamente necessário para contextualizar  uma série de obras-primas que desfilaram ao longo da noite, entre brancos e tintos. Começando pelo brancos, vamos aos comentários e harmonizações.

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Domaine Leroy e suas joias

O início da festa com dois Corton-Charlemagne de Domaine Leroy dá o tom do que vem pela frente. Um abre alas com as safras 2000 e 2009. Este 2009, degustado algumas vezes, mostra o poder dos grandes brancos com uma estrutura monumental. Necessariamente, precisa ser decantado por duas horas. Já o da safra 2000, plenamente evoluído, mostrou ao longo da degustação, inúmeras facetas aromáticas. Embora sem o mesmo brilho do 2009, um Corton deste quilate revela toda a classe de um autêntico Grand Cru.

Clássicos de Paul Bocuse

O peixe em massa folhada e a quenelle com molho de crustáceos foram alguns dos pratos que escoltaram esses belos brancos. A precisão na execução e os sabores de grande delicadeza e profundidade, valorizaram sobremaneira os brancos borgonheses ao longo do jantar.

IMG_4247.jpgnível de Grand Cru

Seguindo a dupla acima, sem se intimidar, entra na avenida o Meursault-Perrières 2001 do Roulot. Premier Cru só no rótulo, porque a classe e profundidade deste branco o eleva a outro patamar. Roulot consegue manter a típica textura cremosa dos grandes Meursaults, mas ao mesmo tempo aflora no vinho uma tensão vibrante e perfeitamente equilibrada. Um dos gênios da apelação.

lagosta e foie gras fresco

O prato da esquerda é o clássico Homard à L´Armoricaine, lagosta tenra no molho do próprio crustáceo. Ao lado, um foie gras fresco, cozido pelo próprio Mestre. Sabores e texturas divinas, escoltando os brancos de exceção.

IMG_4257.jpg 300 pontos na mesa

O dia era mesmo de homenagens. Nada melhor para lembrar de Madame Leflaive do que três safras gloriosas de seu inconfundível Chevalier-Montrachet. O da safra 1989 era o mais pronto e o menos esplendoroso. Chevalier tem sempre o lado elegante dos Montrachets com solo caracteristicamente pedregoso e de maior altitude nesses terrenos sagrados. Madame consegue fazer desta apelação o que alguns não conseguem em seus Montrachets. O da safra 2002 ainda é uma promessa. Um vinho ainda tenso, cheio de vibração, mas com extrato fabuloso. Por fim, a obra-prima da safra 1992, o melhor dela de todos os tempos. Ainda em plena forma, tem a magia dos grandes vinhos. Aromas que vão de frutas exóticas, mel, e especiarias raras, a um laivo tostado sensacional. Boca ampla, persistente, culminando no silêncio total.

390fbbc0-14d1-4096-9772-8113fe1bcbc1.jpgfinalizando com queijos

Por ordem de Louis-Michel Liger-Belair, outro homenageado da noite e felizmente entre nós, essa trilogia “Leflaiviana” acompanhou o final do jantar num serviço impecável de queijos à francesa. Todos vindos da França à base de leite cru, seguiu-se o Comte, Epoisses, e Mont d´Or. Harmonização certeira, mostrando que este cenário é claramente para grandes brancos.

Calma que os tintos estão chegando. No próximo artigo, lendas da Borgonha entrarão em cenas nas mais badaladas safras. Aguardem!

Para aqueles ansiosos por uma prévia, o artigo sobre Liger-Belair já se encontra disponível no link Domaine Liger-Belair: O novo milênio

 

 

 

 

 

Homenagem a Paul Bocuse

14 de Outubro de 2013

Pegando gancho sobre o artigo do grand chef Frédy Girardet, falaremos hoje sobre Paul Bocuse, dando sequência à trilogia mencionada, completada pelo mestre Joël Robuchon.

Fricassé de Volaille de Bresse aux Morilles 

Falar de Paul Bocuse é falar de um dos patrimônios da gastronomia francesa. É uma longa história onde seu restaurante próximo a Lyon (Borgonha), Collonges-au-Mont D´Or, ostenta três estrelas no guia Michelin desde 1965. Hoje, com quase noventa anos, Bocuse viveu de perto todas as causas e efeitos da segunda guerra mundial, criou o instituto Paul Bocuse, recebeu várias honrarias como cozinheiro do século XX tanto pela França, como pelo Culinary Institute of América de Nova Iorque. Serviu presidentes como De Gaulle, Giscard D´Estaing e Jacques Chirac. Enfim, são muitas histórias.

Para exemplificar um dos pratos do mestre, escolhemos a receita acima (foto) com o famoso frango de Bresse (uma das denominações de origem para alimentos diferenciados e fiéis ao seu terroir). Esta receita inclui cogumelos Morilles (devem ser hidratados e cozidos), cogumelos de Paris, cebola, estragão, caldo de frango, creme de leite, manteiga, vinho branco, vinho madeira e Noilly (famoso vermute francês), os dois últimos em pequenas doses.

Collonges-au-Mont-d´Or: estilo clássico

Evidentemente, para uma harmonização clássica, a opção seria pelos borgonhas, tintos ou brancos. Os tintos, preferencialmente da Côte de Beaune, mais delicados. Quanto aos brancos, um elegante Puligny-Montrachet enquadra-se muito bem. Como Paul Bocuse é fã dos Beaujolais, por que não um Morgon ou Moulin-à-Vent?. No Loire, um Cabernet Franc das apelações Chinon ou Bourgueil é uma bela alternativa (grande parceria com cogumelos). Um champagne millésime delicado como das Maisons Taittinger, Billecart-Salmon ou Deutz, é também uma bela alternativa.

Fora da França, as opções geralmente ficam abaixo da expectativa. Podemos pensar num belo Chardonnay do Piemonte (Angelo Gaja) ou no ótimo espumante Ferrari (Trentino), ambos do norte da Itália. De Portugal, o Pera Manca branco pode ser bem interessante. Os Cavas (Espanha) Reserva ou preferencialmente Gran Reserva são bem apropriados.

Do Novo Mundo, brancos e tintos elegantes e delicados são os mais indicados. Chardonnays de Sonoma e Pinot Noir de Russian River, ambos americanos, são bem interessantes, ou também o Château Montelena branco, sempre muito elegante. O produtor Hamilton Russell da África do Sul tem comumente Chardonnays e Pinot Noir à altura do prato.

Próxima homenagem: Joël Robuchon

Harmonização: Vieiras ao Creme de Moranga e Bacon Crocante

3 de Outubro de 2013

Aqui vai uma homenagem  a um dos grandes Chefs de toda a Europa no século vinte. Frédy Girardet, nascido em Lausanne (Suíça), brilhou como poucos na década de oitenta no Restaurant de l´Hôtel de Ville à Crissier (comuna no cantão de Vaud), naturalmente três estrelas no guia Michelin. Faz parte da requintada trilogia de grandes Chefs com Joël Robuchon e Paul Bocuse.

Inusitada combinação de vieiras e bacon

Falar de um só prato deste mestre é como falar de um dos mais de mil gols marcados pelo genial Pelé. Entretanto, pelo requinte e exotismo do prato, ficaremos com a foto acima: Saint-Jacques grillés au thym, crème de potiron et friolets de lard fumé d´après Frédy Girardet, ou seja, Vieiras grelhadas ao Tomilho, Creme de Moranga e Bacon Crocante, segundo Freddy Girardet. Antes da harmonização, vamos à receita:

Para o creme de moranga, dourar a cebola picada na manteiga e em seguida, colocar os pedaços da moranga, um pouco de caldo de peixe, e deixar cozinhar virando um creme. Na sequência, juntar creme de leite, acrescentando sal, pimenta moída na hora e noz moscada. Para o bacon, preparar as tiras do mesmo no forno, ficando crocante depois de esfriar.

Para as vieiras, teremos um molho que será acrescido às mesmas. Neste molho teremos suco de laranga, zeste da mesma, folhas de tomilho, azeitonas pretas em pedaços, uma anchova picada e azeite. Misturar bem os ingredientes. Último passo, cozinhar feijão branco em água com louro, cebola, sal e um bouquet garni.

Montagem do prato: Grelhar as vieiras rapidamente com sal e pimenta caiena. Colocar primeiramente no prato o creme de moranga com os feijões brancos. Em seguida, colocar as vieiras e o molho das mesmas por cima. E finalmente, espetar o bacon crocante. Se as suas vieiras estiverem acompanhadas do respectivo coral, desmanche-o e coloque-o sobre o creme de moranga.

Chefs históricos: Bocuse, Girardet e Robuchon

Para a harmonização, devemos levar em conta alguns fatores. É um prato requintado, porém de sabor marcante. Textura macia, tendência adocicada da moranga, sabores marcantes do bacon, anchova e azeitona. O vinho precisar ter certa textura, acidez suficiente para a gordura do creme, mineralidade para enfrentar o bacon e principalmente a anchova. Tudo nos leva ao mundo dos brancos.

Se pensarmos em Champagne, precisamos algo com boa estrutura e presença marcante de Pinot Noir. Pode ser um millésime da Krug ou Bollinger com pelo menos dez anos de safra (os toques de torrefação farão boa parceria com o bacon). No campo dos borgonhas, um Corton-Charlemagne apresenta a textura ideal entre um Chablis e um Meursault. Sua mineralidade é bem agradável com os sabores do prato. Para outros chardonnays com passagem por madeira, a mesma deve ser bem sutil para não distorcer sabores. Um riesling alsaciano mostra corpo e textura adequados ao prato. Contudo, devemos evitar os mais secos, pois temos uma leve sensação de doçura no prato. Devemos portanto, evitar os vinhos da maison Trimbach (muito secos e austeros) e também da maison Zind-Humbrecht (um tanto invasivos e opulentos). Uma boa pedida são os belos rieslings do produtor biodinâmico Marcel Deiss (importadora Mistral – http://www.mistral.com.br). 

Se a opção for pelos tintos, fica difícil fugir da Pinot Noir. Precisa ser um vinho delicado, muito pouco tânico e jovem, com bastante fruta e frescor para realçar o sabor da moranga e das vieiras. Uma boa pedida seria um Sancerre tinto (Loire) ou um borgonha da Côte de Beaune bem delicado. Um Cru de Beaujolais elaborado com a uva Gamay também dá conta do recado. Fleury, Saint-Amour ou Broully são os mais indicados. Contudo, os brancos são bem mais harmônicos.


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