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Grandes Chenins: Savennières e Vouvray

5 de Abril de 2020

São dois terroirs distintos, mas igualmente diversos e brilhantes, nos estilos secos até intensamente doces porém, sempre marcados por uma notável acidez, equilíbrio e longevidade. Digo distintos, pois geologicamente  Savennières vem do maciço armoricano, carregado de granito e xisto, rochas vulcânicas, e outro do bacia parisiense, Vouvray, rica sobretudo em calcário.

vouvray terroir

terroir: Vouvray

Neste esquema, percebemos nitidamente a força do calcário em rocha, promovendo habitações (troglodytes) e mesmo caves para armazenar vinhos e espumantes. Por cima, junto às vinhas há camadas de pedras (sílex), areia  e argila.

Enquanto o primeiro, mais robusto, mais marcante, mais mineral, como deve ser um grande Savennières, o segundo é mais delicado, sutil, e de aparente fragilidade, principalmente em seu estilo mais seco, o grande Vouvray, o mais alemão da família francesa, digo isso pessoalmente.

vouvray styles

vários estilos de Vouvray

Enquanto o estilo Savennières é mais alsaciano, mais pungente e presente, inclusive no teor alcoólico, os vinhos de Vouvray são delicados e sutis com pouca alcoolicidade. Isso num estilo mais seco que Vouvray prefere chamar de “Sec Tendre”. No entanto, o estilo Sec vai até 4 g/l, já o estilo Demi- Sec ou Tendre vai de 4 a 4 a 12 g/l, o estilo Moelleux de 12 a 45 g/l, e finalmente o estilo Doux, mais de 45g/l de açúcar residual. Sempre com muita delicadeza.

vouvray huet boug e le montuma das joias do Domaine Huet

A versão doce das joias de Huet. São companheiros ideias para um bom foie gras e pâtes de caça. Num concurso de Decanter, anos atrás, foi feito degustação às cegas de grandes brancos da França. O Huet Vouvray la Haut Lieu 1947 só perdeu para o fantástico Yquem 1921.

Savennieres Les Clos Nicolas Joly

álcool perfeitamente equilibrado com a estrutura

Embora com seus 15% de álcool, Les Vieux Clos é um Savennières diferenciado onde Nicolas Joly, aproveita ao máximo a maturação tardia da Chenin Blanc (também conhecida localmente como Pineau de la Loire), alongando seu ciclo por tem por prolongado. Com isso, a uva ganha açúcar e estrutura para enfrentar anos a fio de guarda.

savennieres terroir

Savennières: terroir

Aqui, o terroir é dominado pelo xisto e granito, vindo do maciço armoricano. Enquanto, as apelações mais genéricas de Savennières temos um pouco de areia e solos aeólicos, temos mais xisto próximo das apelações mais famosas como Roche aux Moines e Coulée de Serrant. Já em Coulée de Serrant temos a presença de Rhyolite, uma espécie rara de granito vermelho.

Os estilos Savennières

Preferencialmente e maciçamente, temos os estilo seco que não passa de 8g/l de açúcar residual. Mais raramente, temos o demi-sec de8 a 18 g/l (off-dry), depois o moelleux de 18 a 45 g/l (semi-sweet), e finalmente o estilo doux, muito raro, passando de 45 g/l. Sua acidez contudo, não deixa perceber o açúcar residual no estilo seco, austero e firme em acidez. Envelhece muito bem.

Na gastronomia local, peixes de rio com beurre blanc vão muito bem no estilo seco. A Blanquette de Veaux e alguns pratos como pato, podem ser surpreendentes. Já os estilos Moelleux e Demi-Sec, muito mais raros, podem ir bem com Vieiras, Lagostas, e queijos mais pronunciados com Maroilles e Livarot.

vouvray espumante brut

Vouvray faz belos espumantes pelo método clássico

O estilo Vouvray

Vouvray vai além. Dos estilos de doçura, Vouvray faz belos espumantes no estilo clássico (Méthode Traditionnelle) com vários graus de doçura, além do tradicional Pétillant, um estilo raro onde as bolhas são muito sutis com graus de doçura variado. Precisa ter no máximo a pressão de 2,5 bars.  Domaine Huet faz um Pétillant divino!

Seus vinhos ficam pelo menos três anos sur-lies, lentamente amalgamando as fines bullles no vinho. Sua cuvée 2009 ficou seis anos sur lies. Um vinho altamente gastronômico, devido à sutileza das finas bolhas.

vouvray petillant huet

Um espumante gastronômico e diferenciado pelas sutis borbulhas

A capacidade de um Vouvray conservar um certo açúcar residual (off-dry) e conservar borbulhas, desde um sutil Pétillant até os espumantes doces, lembrando mel e marmelo, são notáveis.

Enfim, como no início do artigo, um estilo mais austero, seco e encorpado de Chenin Blanc dado pelo xisto, podendo chegar a graus de doçura, devido ao ataque da Botrytis Cinerea. No segundo exemplo, um estilo mais delicado de Chenin Blanc, onde a sutileza e leve doçura, produz um Chenin aparentemente delicado e sutil. Vai além disso, sua capacidade de produzir borbulhas sutis, podem conferir vários graus de doçura no espumante.

Ele vai bem com comidas asiáticas e toques agridoces com toda a nuance que o alimento pode fornecer. Enquanto isso, um Savennières pode pedir pratos mais robustos, onde a força da acidez e sua untuosidade conseguem sabores mais pronunciados.

No geral, os Chenins de Savennières tem mais açúcar residual, mais álcool, mas não se percebe pela mineralidade e acidez brutal. Já os Chenins de Vouvray tem um açúcar ligeiramente menor, menos alcóolicos, mas se percebe um certo off-dry e delicadeza, própria destes vinhos de enorme longevidade.

Botrytis Cinerea

19 de Janeiro de 2020

Os vinhos botrytisados sempre foram os preferidos entre os vinhos doces pela peculiar transformação que passam os cachos de uvas durante o período da ocorrência do fenômeno. Fenômeno este que ocorre em algumas poucas regiões do planeta associado às condições climáticas bem específicas. Deve haver uma alternância de insolação e névoa com a natural umidade da região, geralmente  na presença de rios neste conceito de terroir.

Os primeiros vinhos botrytisados ocorreram na Hungria na famosa região de Tokaj por volta do ano 1600. Em 1730 começa a classificação dos vinhedos em Tokaj. Em seguida, a região alemã do Reno apresentou o fenômeno no final dos anos 1700. Praticamente na mesma época, a famosa região francesa de Sauternes e Barsac é abençoada com esta ocorrência, sendo o grande Yquem o pioneiro.

botrytis cinerea indicestransformações químicas importantes

Pela tabela acima percebemos que as uvas ganham açúcar por perderem água durante a perfuração do fungo nas cascas das mesmas. O fungo se alimenta tanto dos açúcares como dos ácidos das uvas, sobretudo o ácido tartárico. Em resposta ao ataque invasor, a planta produz mais resveratrol e há um aumento de ácido málico, o mais agressivo dentre os demais. Num balanço final, a uva ganha maior teor de açúcar com proporcional ganho de acidez. Este é o grande trunfo dos vinhos botrytisados. Apesar de doces, são muito bem equilibrados pelo frescor.

Há uma série de outras reações químicas, proporcionando aromas, sabores e texturas, bem típicos deste tipo de vinho. A produção de glicerol tem grande destaque, fornecendo maciez e untuosidade extras. A formação de ácido glucônico é um parâmetro inconteste e comprovativo do ataque de Botrytis. O aumento do ácido acético proporciona os famosos aromas de esmalte e acetona. A formação de Sotolon, uma lactona que fornece os aromas de caramelo, maple syrup (mel do Canadá) e curry, são presentes neste tipo de vinho. Os tióis, substâncias que se formam durante o processo agregando enxofre, fornece aromas cítricos e de frutas exóticas.

Botrytis pelo Mundo

A França se destaca neste tipo de vinho não só pela região de Sauternes, mas na Alsace com a especificação SNG (Selection des Grains Nobles) e também no Loire com várias apelações com Bonnezeaux, Quarts de Chaume, e Coteaux du Layon. Cada qual com suas características e peculiaridades, intrínsecas ao respectivo terroir.

sauternes e outros francesesdiferenças de componentes que marcam estilos

A tabela acima mostra parâmetros importantes nos vinhos botrytisados da França e países do Novo Mundo. Dá pra perceber que os Sauternes têm bom teor alcoólico, enquanto os alsacianos e os vinho do Loire têm mais leveza e frescor. Os vinhos do Novo Mundo têm mais dificuldades em encontrar o equilíbrio ideal. Mesmo assim, há bons exemplares que separam a joio do trigo. Os Sémillon australianos de Riverina costumam ser bastante confiáveis. Os sul-africanos da vinícola Nederburg são boas pedidas. Importados pela Casa Flora.

Na região de Sauternes há sempre a rivalidade entre os vinhos de Sauternes e Barsac, comunas vizinhas, separadas pelo rio Ciron. No perfil geológico abaixo percebemos que o subsolo calcário apresenta diferenças na superfície. As vinhas de Barsac estão sobre areia vermelha, o que fornece mais leveza e sutileza ao vinho. Já as vinhas de Sauternes estão sobre argila, cascalho e um pouco de areia, fornecendo mais corpo e robustez aos vinhos.

sauternes e barsac geologiacomunas que fazem a fama da região

Entre o seleto grupo de vinhos da região, Chateau Climens lidera a turma de Barsac com um vinho 100% Sémillon. Já o mítico Yquem é rei dos Sauternes numa liderança absoluta. Na classificação bordalesa de 1855 há espaço para os vinhos da região com os 27 chateaux mais reputados, classificados em dois grandes grupos, Premier e Deuxième Cru Classé. 

Alemanha e Hungria

Países de grande tradição em vinhos botrytisados, a Alemanha se destaca nas regiões de Rheingau e Mosel, enquanto a Hungria é famosa pelos belos Tokaji.

botrytis hungria e alemanha

Na tabela acima percebemos que há ocorrência da Botrytis em vários níveis de amadurecimento das uvas. Mesmo um Szamorodni, um vinho relativamente seco, há botrytis de forma parcial. É evidente que os Aszú levam a fama da região e são muito mais complexos. O ápice fica mesmo com o grande Eszencia, um vinho com pouquíssimo álcool e extrema acidez para compensar uma montanha de açúcar que chega facilmente acima de 500 g/l, números assombrosos.

Do lado alemão, a Botrytis em Auslese é rara e mesmo no Beerenauslese (BA) é de forma parcial. Já os clássicos e raros Trockenbeerenauslese (TBA) o açúcar é compensado por uma rica acidez, ficando o álcool em segundo plano.

EQUILIBRIO VINHOS DOCES

No esquema acima, o equilíbrio dos vinhos doces é dado pela acidez, álcool e açúcar residual. No caso dos mais emblemáticos vinhos botrytisados, a região de Sauternes é mais destacada pelo nível de álcool de seus vinhos, embora o equilíbrio de açúcar e acidez seja quase sempre harmônico. Isso tem haver com as questões próprias de terroir da região envolvendo uvas, clima, e solos.  Em Sauternes os vinhos devem ficar entre 12 e 15% de álcool para um açúcar residual entre 100 e 175 g/l.

Na região de Tokaj, a uva Furmint tem enorme acidez, comandando o equilíbrio ao lado de açúcar e álcool. A exceção fica com o Eszencia, um vinho praticamente sem álcool onde acidez e açúcar alcançam níveis altíssimos. 

Por fim os Trockenbeerenauslese (TBA) com grande dificuldade em fermentar seus açucares, apresenta níveis de álcool relativamente baixos, porém com uma acidez marcante.

Em resumo, a predominância de certos componentes no equilíbrio de seus vinhos acaba por ajudar a diferenciar certos estilos de vinhos botrytisados, variando textura, corpo, e características próprias de cada um.

cacho botrytisadoBotrytis: ocorrência não uniforme

Na foto acima, percebemos que o ataque da Botrytis se dá aos poucos, secando e murchando as uvas. A colheita pode ser muito seletiva, dependendo da região. Em Sauternes, os melhores chateaux fazem várias passagens nos vinhedos, buscando a botrytisação perfeita. E este é um dos fatores diferenciais onde os rendimentos podem ser baixíssimos, na ordem de 15 a 20 hl/ha. No Chateau d´Yquem esses rendimentos giram em torno de 9 hl/ha. 

cacho totalmente botrytisadocacho totalmente botrytisado

Na região húngara de Tokaj, as uvas podem ser colhidas por cachos parcialmente botritisados como o tipo Szmorodni ou outro critério bem mais rigoroso, os tipo Aszú só com uvas totalmente botrytisadas. Aliás os chamados puttonyos são uma medida em peso das uvas aszú colhidas.

Neusiedler See – O Paraíso da Botrytis

Se tem um lugar onde a ocorrência da Botrytis é certeira, chama-se Neusiedler See, um lago na Áustria, região de Burgenland a leste do país. Este lago tem dimensões e profundidade muito peculiares. Sua extensão tem cerca de 36 quilômetros com uma laurgura variando entre 6 e 12 quilômetros. O que chama a atenção é sua profundidade média de apenas um metro, sendo o ponto mais fundo menos de dois metros. Isso faz com que a temperatura do lago se torne amena, sobretudo no verão, propiciando a tão benvinda névoa para o desenvolvimento da Botrytis. Portanto, todo o ano tem Botrytis. Resta saber se a safra é mais generosa ou não, dependendo do ano.

d628ac44-a8a2-48ea-8131-e7413531c862Kracher: o maoir nome em vinhos doces austríacos

O estilo austríaco se parece muito com o alemão. Falta um pouco mais de elegância e sutileza, mas mesmo assim, os vinho são muito equilibrados. O produtor Alois Kracher, referência na região, trabalha com diversas uvas entre as quais: Riesling, Scheurebe, Welschriesling (riesling alemão), Muskat (muscat ottonel), Chardonnay, entre outras.

Espero ter dado uma visão geral sobre os vinhos botrytisados. Sempre vinhos fascinantes, caros e raros. Entre nós do Mercosul, a vinícola chilena Morandé elabora seguramente o melhor vinho botrytisado da América. Trata-se do Morandé Edición Limitada Golden Harvest Sauvignon Blanc. Vale a pena!

 

Minha Seleção 2018 ABS-SP

28 de Novembro de 2018

Como um dos Diretores de Degustação da ABS-SP, neste artigo faço uma seleção dos dez melhores vinhos degustados na entidade ao longo de 2018. Alguns dos critérios escolhidos foram preço acessível, disponibilidade do produto, originalidade, e uma seleção com vários tipos de vinhos. É evidente que se trata de uma escolha pessoal onde alguns outros vinhos também interessantes ficaram de fora. Enfim, os dez escolhidos seguem abaixo.

1. Huet Vouvray Pétillant Brut 2007

Este é o único espumante da lista, e ainda assim um Pétillant (pouquíssimo gás dissolvido no vinho). Essa era a maneira tradicional de se elaborar Vouvray na chamada Old School. Apelação importante do Loire onde reina a casta Chenin Blanc. O produtor dispensa comentários, Domaine Huet. Esse vinho, a princípio um branco tranquilo, é engarrafado com algum açúcar residual natural, muito comum na região. Com o passar do anos em adega, ele adquire uma pequena quantidade de gás dissolvida, resultado de lenta fermentação daquele açúcar residual pelas leveduras naturais presentes no vinho. O resultado é um vinho extremamente gastronômico, de rica textura, e leve efervescência das borbulhas. Aromas elegantes e complexos denotando mel de flor de laranjeira, maracujá, amêndoas, e notas de pâtisserie. Pode ser uma bela opção para entradas com foie gras ou patês de caça, especialmente aves. Um vinho que vale no mínimo, pela curiosidade. Importadora Premium (www.premiumwines.com.br). 

2. Viña Aquitania Sol de Sol Chardonnay 2009

Se não for o melhor, está entre os melhores Chardonnays chilenos. Mais do que ser muito bom, provou que pode envelhecer bem, pois este exemplar com quase dez anos, estava em seu esplendor. Ainda muito rico em frutas tropicais, madeira bem integrada, e um equilíbrio notável. Tem um estilo europeu, bem diferente do que se espera de um vinho chileno. Já um clássico do Chile, é elaborado com uvas do frio Valle de Malleco, bem ao sul do país. Importadora Zahil.

ABS 2018 RICCITELLI SEMILLON

Descorchados: 92 pontos

3. Matias Riccitelli Old Vines Sémillon 2017

Um branco que foge totalmente dos padrões argentinos, velhas vinhas de Sémillon plantadas no anos 70 na fria região da Patagônia, bem ao sul do país. O vinho é amadurecido por seis meses em barricas  (60%) e tanques de concreto (40%). O contato com as leveduras após a fermentação por algumas semanas, confere textura e complexidade ao conjunto. Bela riqueza aromática, mesclando ervas, mel, baunilha, e pêssegos. Sempre macio, sem perder o fresco. Notável persistência aromática. Importadora Winebrands.

 

números 4 e 6

4. Travaglini Gattinara DOCG 2012

Travaglini é a grande referência quando falamos de Nebbiolo da DOCG Gattinara. Localizada bem ao norte da denominação Barolo, seus vinhos primam muito mais pela elegância e sutileza, do que pela potência. Com toques florais e de alcaçuz, este tinto é muito equilibrado e elegante. Seus taninos são delicados para a casta em questão, além de expansivo em boca. Preço bem razoável para Nebbiolos deste porte. Importadora World Wine.

5. Cantina Cellaro Due Lune IGT 2013

Com a Sicilia em voga, este é o segundo de uma série de italianos da lista. Um corte clássico da ilha com Nerello Mascalese predominando (70%) e Nero d´Avola como coadjuvante (30%). O vinho passa cerca de oito meses em barricas francesas. Um tinto moderno, mas de muita tipicidade, com bom poder de fruta, toques tostados elegantes, florais, e chocolate escuro. Bem balanceado em boca, taninos de boa textura, e final bem acabado. Preço bem honesto para o que oferece. Importadora Casa Flora.

6. Castellare di Castellina Chianti Classico 2014

Dos vários toscanos degustados ao longo de 2018, este Chianti Classico chamou a atenção pela elegância e por seu preço honesto. Madeira bem colocada, aromas típicos da Sangiovese, e taninos muito bem moldados. Seu belo frescor o torna muito gastronômico. Vinícola tradicional da região histórica de Castellina in Chianti. Importadora Mistral.

 

números 5 e 7

7. Chateau Fayau Bordeaux Superieur 2015

Premiando a bela safra 2015 de tintos bordaleses, este Chateau relativamente simples, mostrou tipicidade, equilíbrio, elegância, e sobretudo bom preço. Neste típico corte bordalês, uma expressiva porcentagem de Cabernet Franc presente, dá um toque a mais de elegância ao conjunto. Pronto para ser tomado. Importadora Mistral.

8. Vinhas da Ciderma Grande Reserva 2007

Nas últimas degustações do ano, apareceu este belo tinto do Douro com castas locais, esbanjando classe e vivacidade. Embora já com dez anos de evolução, não denuncia a idade. Muita fruta no aroma, toques resinosos e de alcaçuz com taninos de ótima textura. Madeira bem equilibrada e bela expansão em boca. Ótimo momento para ser apreciado. Importadora Premium.

 

números 9 e 10

9. Quinta do Noval Porto LBV Unfiltered 2009

Podemos considera-lo como um mini-vintage, tal a concentração e qualidade deste Porto. Cor retinta, aromas de frutas escuras, toques florais, de torrefação e algo mineral. Seus taninos são densos e muito bem construídos. Doçura e equilíbrio notáveis, além de uma bela persistência aromática. Convém decanta-lo para aeração e também na separação dos sedimentos, já que não é filtrado. Dentro da categoria LBV é dos mais distintos. Importadora Adega Alentejana (www.alentejana.com.br).

10. Alois Kracher Noble Reserve Trockenbeerenauslese 

Finalizando a lista, um belo vinho botrytisado da Áustria. O produtor Alois Kracher é referência na região de Burgenland, famosa pela regularidade em propiciar o fenômeno da “podridão nobre”. Num corte inusitado de Welschriesling (Riesling Itálico), Chardonnay, e Traminer, o vinho é maturado em grandes toneis de madeira inerte. Com 195 g/l de açúcar residual, sua doçura é perfeitamente equilibrada por uma revigorante acidez. Os aromas marcantes de Botrytis, mel, flores, e pêssegos, são notáveis. Untuoso em boca e de grande persistência aromática. Pela complexidade e estilo de vinho, tem um preço bem convidativo na importadora Mistral. Vale lembrar, neste tipo de vinho estamos falando em meia-garrafa.

Passando por vários tipos, estilos, preços, e regiões de vinhos, espero que esta lista possa ajuda-los nas compras e presentes no fim de ano com a aproximação das festas e comemorações. As safras e preços podem ter sido alteradas ao longo do ano, mas nada que prejudiquem a qualidade e indicação destes vinhos. A maioria varia entre 150 e 300 reais. Aproveitem!

Vinho do Gelo

21 de Agosto de 2018

Dos vários métodos de obtenção de vinhos doces como Late Harvest, Passificação, Fortificação, e Botrytis Cenerea, o Icewine ou Eiswein em alemão, é um dos mais sui generis. Com origem acidental na Alemanha, este tipo de vinho parte de cachos de uvas congelados que vão para a prensa assim que possível, gerando mostos ricos em açúcares, contrabalançados por altos índices de acidez.

iceberg vinho brasil

Eiswein: Ponta do Iceberg

Pela lei alemã, o Eiswein situa-se entre o Bereenauslese (BA) e Trockenbeerenauslese (TBA) com um mínimo de 120° Oeschsle ou 16,4° potencial de álcool. Vinho de produção muito pequena e de alto risco, ou seja, as uvas devem estar perfeitamente maduras, protegidas por rede devido a ataque de predadores (pássaros), e esperar as baixas temperaturas do inverno que se aproxima. Quando tudo ocorre a contento, as temperaturas atingem pelo menos sete graus negativos. Neste cenário, as uvas começam a se desidratar, concentrando açúcares e ácidos. Deste modo, as uvas ficam protegidas por uma fina camada de gelo e mosto em seu interior fica concentrado na forma líquida. As uvas então são prensadas congeladas, obtendo um mosto de difícil fermentação. Aqui, estamos falando em concentração de açúcares entre 180 e 320 gramas por litro com níveis de acidez acima de 10 gramas por litro.

ice wine grapes

uvas congeladas

Outras regiões fora Alemanha onde encontramos o Ice Wine são Áustria, leste europeu (Croácia, Eslovênia, por exemplo), Luxemburgo, Nova Zelândia e Japão, entre outros. As uvas são colhidas ainda à noite, próximo ao amanhecer.

Na foto acima, a ponta do Iceberg nos dá a proporção exata da raridade dos Ice Wines em relação a outros métodos de obtenção de vinhos doces.

É importante que as uvas destinadas a esse tipo de vinho não sejam botrytisadas, pois as cascas ficam muito fragilizadas pelo ataque da Botrytis. Se houver, esse ataque deve ser apenas parcial. Outro ponto crucial, é o rendimento destes vinhos. Em relação à vinificação de um vinho de mesa, é necessário uma quantidade de uvas quatro a cinco vezes maior para obter a mesma quantidade de vinho, tal a desidratação e enrugamento das mesmas sofridas no processo.

Devido à raridade do fenômeno, há um paralelo interessante entre o Ice Wine e os vinhos botrytisados. Sabemos que o fenômeno da Botrytis ocorre de forma inconsistente mesmo nas regiões clássicas como Sauternes, Vale do Loire, Alsácia e Alemanha. Entretanto, na região austríaca de Burgenland, este fenômeno ocorre com frequência devido às condições específicas de terroir onde um imenso lago com profundidade rasa (apenas dois metros) está sujeito à alternância de neblina e insolação. Do mesmo modo, na região canadense de Ontário, as condições climáticas para a elaboração do Ice Wine são bastante consistente ano após ano, devido ao fator moderador dos lagos, alongando o processo de maturação das uvas.

Não é à toa que o Canadá é líder na produção de Ice Wine. Além da Riesling, a híbrida Vidal (cruzamento da Ugni Blanc e Seibel) é muito cultivada na região. Um vinho ainda mais exótico é o Ice Wine feito com a tinta Cabernet Franc de cor avermelhada.

Em relação ao Eiswein (alemão), o Ice Wine canadense tende a ser um pouco mais denso e com grau alcoólico maior. Em resumo, um pouco mais untuoso.

A trajetória do Ice Wine inicia-se na Alemanha no século XIX. Em seguida, no Canadá nos anos 70. Nas décadas de 80 e 90, vários países adotaram a produção deste tipo de vinho, inclusive o Brasil. A vinícola Pericó de Santa Catarina, elabora um exemplar a partir de Cabernet Franc. O planalto catarinense apresenta condições favoráveis, dependendo da safra em questão.

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Uma das melhores harmonizações com esses vinhos são os sorvetes de frutas de difícil compatibilização. A temperatura do sorvete com o toque cítrico da fruta se encaixa perfeitamente com a textura do vinho e sua acidez vivaz. A doçura do vinho normalmente é maior que a do sorvete, amplificando sabores. A foto acima é sugestão do grande sommelier Philippe Faure-Brac, campeão mundial no Brasil em 1992.

cheesecakeCheesecake: outra bela combinação

Outras harmonizações seguras são as tortas de frutas frescas como morangos, pêssegos, e Kiwi. O frescor destes pratos encontra eco na acidez do vinho, além do açúcar de ambos se complementarem.

2351f201-fe99-42b0-a736-0a7a45254d5bharmonização ousada

Em termos globais, a América encabeçada pelo Canadá produz pouco mais da metade de todo Ice Wine. Em seguida com 25% fica a Alemanha, seguida por República Checa e Áustria.

Infelizmente, a oferta destes vinhos no Brasil é escassa, podendo ser encontrado eventualmente em lojas específicas como empório Santa Luzia, por exemplo. Além disso, os preços não são nada convidativos, geralmente encontrados em meia-garrafa. O melhor mesmo, é comprar algumas garrafas em viagens internacionais. 

Bordeaux em Segundos

25 de Fevereiro de 2018

Os Chateaux bordaleses na chamada margem esquerda além de aristocráticos, são de dimensões muito maiores que as propriedades de margem direita, notamente Pomerol e Saint-Emilion. Estamos falando de uma relação de um para dez em termos de áreas, onde a noção de micro parcelas fica pulverizada. É neste contexto, que surge a ideia do chamado segundo vinho do Chateau, e em alguns casos, até o terceiro.

Recordando o processo, no Chateau Margaux por exemplo, temos quase 100 hectares de vinhas plantadas com Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc e Petit Verdot. Para cada um destes varietais, temos várias micro parcelas espalhadas na propriedade. Esses parcelas são colhidas e vinificadas separadamente. Em seguida vem o estágio crucial para a montagem do Grand Vin. A equipe enológica do Chateau se reúne exaustivamente compondo o blend das várias parcelas de cada um dos varietais. Isso era comandado com maestria até  pouco tempo atrás pelo saudoso Paul Pontallier, que nos deixou recentemente. Desta seleção rigorosa, nasce o Grand Vin. As amostras que foram rejeitadas para este fim, comporá o chamado segundo vinho. No caso de Margaux, existe agora um terceiro vinho.

Este foi exatamente o propósito da degustação que será descrita abaixo, num agradável almoço no restaurante Gero. Já de pronto, devo dizer que as conclusões tiradas neste evento não devem ser generalizadas para todos os Chateaux bordaleses, pois os quatro vinhos provados nesta ocasião eram de grandes safras e de Chateaux excepcionais. Afinal, quase 400 pontos estavam na mesa!

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Antes porém, uma pausa para abertura dos trabalhos. Talvez o branco mais austero de toda a Alsácia, Clos Sainte-Hune da Maison Trimbach, um Riesling seco de extrema mineralidade. Este provado da safra 2004, estava surpreendentemente pronto, já que trata-se de um branco de grande guarda. Seus aromas cítricos e destacadamente defumados foram muito bem com um atum marinado. As texturas de ambos (prato e vinho) casaram-se perfeitamente. O vinho apresentou ótimo equilíbrio e um final de boca extremamente persistente.

b4597437-e2c9-46ab-b950-588b4e4ea5ff.jpgdistância considerável neste embate

Único embate de margem direita, Cheval Blanc tem uma propriedade considerável em termos de área, 41 hectares, para padrões em Saint-Emilion. Nesta safra, apenas 55% do vinho elaborado passou pelo crivo de Grand Vin. O rigor deste julgamento se traduz na taça com ampla superioridade deste Cheval com 99 pontos. Gostaria de uma explicação de Mr. Parker pela não perfeição do vinho. Embora com décadas pela frente, este Cheval mostra uma elegância impar, própria dos grandes vinhos. Seus taninos, seu equilíbrio, e sua expansiva persistência, faz dele um dos grandes Chevais da história. Já o Petit Cheval, mostrou-se muito prazeroso para o momento, uma das vantagens dos chamados segundos vinhos. Nota-se sutis aromas de pirazinas (pimentão), advindo sobretudo dos Cabernets, fruto de uma maturação imperfeita de alguns setores das vinhas. Isso claro, numa sintonia fina, comparado a seu astro maior. De todo modo, um belo vinho para ser apreciado sem comparações. Nota 87 de Parker, um pouco rigorosa.

gero latour 2000

Latour: vinhos consistentes

Aqui uma disputa acirrada, pois Les Forts de Latour é o melhor segundo vinho de todo o Médoc, opinião quase unânime da crítica. De fato, é uma maravilha. Bem mais acessível que o todo poderoso Latour, seus aromas de cassis, couro e notas minerais permeiam a taça. Pode ainda evoluir por bons anos em adega. Voltando à maxima onde a comparação é cruel, o Latour 2000 é uma muralha de taninos em multicamadas de extrema finesse. Seus aromas de pelica, frutas escuras, e grafite, são marcas registradas do senhor do Médoc. Seu platô de evolução está estimado para 2060. Um monumento!

risoto e cordeiro para os Bordeaux

Acima, alguns dos pratos que valorizaram o desfile de belos Bordeaux. O risoto de funghi porcini casou muito bem com a textura delicada e os aromas terciários do Margaux 90, por exemplo. Já o carré de cordeiro tinha a fibrosidade e suculência exatas para um La Mission 2000 ou o Latour de mesmo ano com seus taninos presentes.

gero margaux e pavillon 90

padrão elevado de segundo vinho

Neste embate, mais um vinho perfeito, Margaux 1990 com 100 pontos consistentes. Aí é difícil peitar. Mesmo para este Pavillon Rouge 90, vindo diretamente do Chateau de uma coleção privada, faltou fôlego para chegar ao Grand Vin. O Margaux 90 é deslumbrante com seus aromas de couro e sous-bois, fruta delicada, e rico em toques balsâmicos. Em elegância se equipara ao Cheval Blanc 2000 acima descrito. O Pavillon Rouge até que tentou, mas se deparou com um dos grandes Margaux da história. Novamente, tomado sozinho, sem comparações, é um belíssimo vinho cheio de elegância e muito prazeroso aromaticamente.

gero la mission 2000

disputa muito acirrada

Neste último flight, mais um vinho de 100 pontos, o fabuloso La Mission Haut-Brion 2000. Em termos de estilo, potência, bem semelhante ao Latour 2000, mostrando toda a sua força. Um verdadeiro infanticídio, já que seu platô está estimado para 2050. Um vinho musculoso, cheio de frutas negras, toques minerais terrosos e defumados. Uma montanha de taninos a ser domada pelo tempo. Amplo em boca com um equilíbrio notável. Seu par La Chapelle 2000, segue o mesmo estilo, um pouco menos imponente. Foi a disputa mais acirrada entre as duplas, na distância entre o Grand Vin e seu respectivo segundo vinho.

Enfim, belos vinhos de grandes safras e de Chateaux irrepreensíveis. Fica a lição que os chamados Grand Vin são realmente espetaculares, mas que tem no preço e na paciência em espera-los na adega, seus maiores empecilhos. Por outro lado, os segundos vinhos são bem prazerosos para abate-los mais jovens, apesar de seu bom potencial de guarda.

96 pontos com louvor!

Passando a régua, um Chateau d´Yquem 1976, uma das grandes safras desta maravilha. Com seus 42 anos de idade, entra numa fase de bouquet sublime com notas de café, marron-glacê, e toques de cítricos confitados. Um equilíbrio e uma expansão notáveis, acompanhando de forma impecável um creme de mascarpone e chocolate. Lembrando que 1976 é grande ano na Alemanha para vinhos botrytisados.

gero tokaji szamorodni

estilo meio seco

O vinho acima vale a pena um comentário. Trata-se de um Tokaji Szamorodni que não faz parte da família Aszú, onde o índice de uvas botrytisadas é relativamente alta em vários níveis (3, 4, 5, 6 Puttonyos). Neste caso, Szamorodni significa uvas colhidas naturalmente com algum índice de botrytisação, ou seja, menor porcentagem de uvas botrytisadas vai para um estilo mais seco, dry, ou Száraz em húngaro. Portanto, tem um sabor meio seco semelhante a um Jerez Amontillado. Muito bom para patês de caça, aperitivos e queijos de personalidade. Um vinho que apesar da idade, mais de 20 anos, tem estrutura e vigor para bons anos em adega.

gero behike 52

 o melhor Robusto da atualidade

Finalizando a tarde, alguns Behike 52 para esfumaçar as conversas em meio a Cognacs e Grappas. Behike é a linha super luxo da Cohiba elaborada em três bitolas. Esse 52, ring do charuto, é considerado o melhor Robusto atualmente, já tendo ganhado como melhor Puro do ano em 2010 pela Cigar Aficionado.

Agradecimentos aos amigos e confrades em mais uma experiência fantástica com caldos bordaleses. Vida longa aos companheiros de copo e mesa num ano que promete fortes emoções. Aos ausentes o alerta, o campeonato é de pontos corridos. No final do ano vai fazer falta. Abraço a todos!

Final MasterChef: Harmonização

6 de Dezembro de 2017

Como de costume, toda a final MasterChef, Vinho Sem Segredo tenta harmonizar alguns vinhos com os pratos propostos pelos finalistas, desta feita, profissionais.

A diversidade de pratos foi imensa num menu com quatro entradas, quatro pratos principais e quatro sobremesas. Achei um pouco de exagero ter quatro sobremesas e tempo de execução de apenas uma hora para cada finalista. Enfim, vamos às harmonizações.

Imaginando um menu desses para oito pessoas, são mais que suficientes dois vinhos de entrada, dois vinhos para os pratos principais, e duas meias garrafas para os vinhos de sobremesa. Portanto, as sugestões de vinhos serão por duplas de pratos, supondo uma situação real sem exageros.

Entradas

mexilhão à esquerda e linguiça de camarão à direita

Nada melhor que iniciar uma refeição com um Riesling da Alsace, sobretudo se for um Zind-Humbrecht da importadora Clarets (www.clarets.com.br). Esse Riesling costuma ter um off-dry bem balanceado por uma bela acidez, certa textura em boca, além de toques cítricos, minerais, e florais. Os aromas marinhos e a gordura do creme de leite são bem contrastadas pela mineralidade e acidez do vinho. A riqueza de sabores de ambos os pratos encontra eco nos múltiplos sabores e aromas do vinho. O toque de bacon e a fritura nesta linguiça de camarão são bem criativas. Um harmonização que mantem a boca fresca para a sequência de pratos.

foie gras com abóbora e nhoque de calda de ameixa

Nesta sequência de entradas, os sabores se intensificam e se tornam bem exóticos. Aqui precisamos um vinho de caráter e personalidade. Um distinto Amontillado da região de Jerez pode ser uma bela surpresa. Se for da bodega Lustau, melhor ainda. A sugestão é o Amontillado Los Arcos, importado pela Ravin (www.ravin.com.br). Esse vinho apresenta sabores interessantes com o foie gras grelhado e abóbora cabotiá ao forno. A calda de ameixa com temperos e especiarias, quase um consomé, encontra eco nos sabores multifacetados do vinho com frutas secas, especiarias e toques empireumáticos. A preparação do fígado de galinha que é incorporado no nhoque, conta com redução de vinho do Porto e conhaque, o que aumenta a ligação com o vinho em questão.

Pratos Principais – peixes

truta no vapor e robalo grelhado

Os sabores dos dois pratos são delicados, sobretudo no robalo onde as três versões de couve-flor são apresentadas (purê, picles delicado, e assado). Temos ainda o pistache na composição. Na truta ao forno, temos um recheio de pralina com castanha de caju. O peixe é coberto com lâminas de pupunha e folhas de capiçoba, uma planta típica de Minas Gerais. Para todos esses sabores pouco comuns, a sugestão é Hermitage branco, vinho pouco conhecido com as uvas Marsanne e Roussanne. Costuma ser um vinho que valoriza as harmonizações por ser pouco invasivo. Normalmente, não se percebe a madeira, além de envelhecer muito bem. Não tenha medo de compra-lo com alguns anos de garrafa. Seus aromas evocam frutas e flores delicadas, um fundo de mel, e com o tempo, toques minerais e de frutas secas. Certamente, irá realçar os sabores da couve-flor e no caso da truta, um prato de sabores relativamente mais marcantes, tem mineralidade para o peixe e sintonia com a castanha de caju. Existem belos exemplares na importadora Mistral (www.mistral.com.br). Um vinho também da própria mistral como alternativa, é o Domaine Ferret em várias versões de Pouilly-Fuissé. Um vinho delicado e de muita mineralidade.

Pratos Principais – carnes

costeleta de vitela à esquerda e língua à direita

Novamente, carnes delicadas e molhos de alto refinamento. Com essas características, poucas opções fora da Borgonha. Poderia ser até um branco da região, mas vamos colocar um tinto. Aliás, o único do menu. Da principais comunas da Côte d´Or, escolheria um Volnay pela delicadeza e preços não tão abusivos. Num mundo ideal, Domaine Lafarge, não encontrado no Brasil. Voltamos então à Mistral com boas opções. Como sugestão um De Montille 1º Cru Les Champans 2009 na promoção. Esse vinho tem a delicadeza para as carnes propostas, para o morilles, um champignon fino com toques terrosos. Todos os outros sabores de ervas, especiarias e pistache, têm sintonia com o vinho. Harmonização de sutilezas.

Sobremesas – frutas frescas

sorvete de goiaba à esquerda e abacaxi com mascarpone

Aqui o primeiro par de sobremesas com frutas frescas, certa intensidade de sabores e alguma cremosidade. O vinho indicado é um Sainte-Croix-du-Mont, apelação satélite de Sauternes, elaborado com as mesmas uvas botrytisadas. É uma versão mais leve e menos untuosa. Vai bem com as frutas, a cremosidade do mascarpone, os queijo canastra e requeijão, a farofa de castanha, o chocolate branco, e o molho cítrico do abacaxi. Este é um exemplar da importadora Decanter (www.decanter.com.br). Chama-se Chateau de Tours.

Sobremesas – chocolate e café

sorvete de pão com telha de café – mousse de chocolate amargo com caju

Aqui temos sobremesas ricas e de sabores marcantes. A telha de café, o chocolate amargo, o sorvete de pão, leite e manteiga, espuma de caramelo e doce de leite, caju em calda, e espuma de cachaça. Todos esses sabores, texturas, doçuras e gorduras, pedem um belo Madeira Malmsey 10 ou 15 anos, encontrado na Adega Alentejana do produtor H.M. Borges (www.alentejana.com.br). A acidez, a doçura, os toques empireumáticos, cítricos, de especiarias e baunilha, são elementos suficientes para uma boa harmonização. Para quem for mais curioso, tem um raro Carcavelos na mesma importadora. Elaborado nos arredores de Lisboa, é um vinho fortificado quase em extinção. Vale a pena prova-lo como alternativa.

As receitas em detalhes encontram-se no site do MasterChef Profissionais na Uol. Antes que alguém venha comentar sobre a idoneidade do programa, este artigo visa pura e simplesmente um exercício de enogastronomia. Não tenho nenhuma relação com o programa, apenas acompanho como telespectador.

Os finalistas foram os competentes Chefs Francisco Pinheiro e o jovem Pablo Oazen, vencedor da grande final. Em cada foto acima, um duelo entre os dois. Foram testados ao limite. Parabéns!

À Droite, s´il vous plaît!

2 de Setembro de 2017

Quando Miles no filme Sideways (entre umas e outras) tentou execrar a casta Merlot, esqueceram de informa-lo que um certo vinho de nome Petrus, utiliza quase integralmente esta uva. Imbecilidades à parte, o filme vale pela divertida história, enaltecendo a delicada Pinot Noir. Entretanto, mais do que Merlot, Petrus é acima de tudo um Pomerol. E esta palavrinha para os amantes de terroir diz tudo. Portanto, vamos à chamada Margem Direita de Bordeaux, procurar alguns amigos do Astro-Rei, e também alguns “intrusos” muito bem-vindos.

Tudo transcorreu num belo almoço entre amigos no restaurante Chef Vivi com quatro exemplares de primeiríssima linha das terras de Pomerol e Saint-Emilion. No meio da brincadeira, dois italianos de grande prestígio encararam os bordaleses de frente, sem se intimidarem. Na sequencia, vocês entenderão.

julio cristal 2004

Tudo na vida deveria começar com champagne e suas borbulhas mágicas. E como começou bem! Logo de cara, um Cristal 2004 da respeitabilíssima Casa Louis Roederer. Com leve predomínio de Pinot noir sobre a Chardonnay, esta Cuvée de Luxo passa cerca de cinco anos sur lies, tempo suficiente para conferir textura e complexidade ao conjunto. Seus aromas de pralina são marcantes e típicos. Merece com louvor 97 pontos. Nada mau!

alguns pratos do Chef Vivi

A posta de tainha devidamente grelhada com tubérculos levemente agridoces foi providencialmente escoltada pelo suntuoso Cristal 2004. Já a sopa de beterrabas ao lado, promoveu uma instigante combinação com os Merlots. Tanto a acidez dos vinhos, como o lado de fruta intensa desses tintos, foram bem reverberados com a sopa. Surpreendente!

julio apparita trotanoy e gomerie

grande expressão da Merlot em três versões

No primeiro embate de Merlots, um Saint-Emilion de garagem, um Pomerol do time de cima, e talvez o mais elegante Merlot italiano, L´Apparita 2004 da Azienda Castello di Ama, que dispensa apresentações. Apesar de seus mais de dez anos de vida, um frescor imenso, muita fruta vibrante ainda, aromas de cacau encantadores, e um estilo delicado de Merlot, sem perder a profundidade. Encarou com uma altivez impressionante o belíssimo Trotanoy 2005 de nota 98+, ainda muito tímido e fechado. Mesmo com mais de três horas de aeração, estava certamente numa fase de latência, onde o vinho se fecha por um certo período, para mais tarde desabrochar e justificar seu enorme carisma. Trotanoy pertence ao grupo de vinhos de Christian Moueix, dono do Petrus, e está certamente no Top Five dos grandes Pomerols.

O terceiro do flight era o Chateau La Gomerie 2005, grande safra em Bordeaux, um “vin de garage” 100% Merlot. Tinto de micro produção com 800 caixas por ano. Foi sem dúvida, o mais prazeroso para ser provado no momento. Bela concentração de sabor, super equilibrado, inclusive em termos de madeira, já que passa 100% por barricas novas. É o tal negócio, quando o vinho tem estrutura, a barrica lhe faz muito bem. 95 pontos bem referendados.

julio masseto e clinet

concentração e força neste duelo franco-italiano

Finalmente, um embate de gigantes, sobretudo em termos de estilo e potência. Do lado italiano, Masseto 2007, um Merlot de Bolgheri, de terroir com influência marítima, próximo ao mar Tirreno. Costuma ser um tinto mais muscular, sem contudo perder a elegância e equilíbrio. Muita concentração, muita vida pela frente, mas já encantador. Fez bonito diante de seu rival francês, Chateau Clinet 2009, 100 ponto Parker. Não é muito meu estilo de Pomerol, mas o vinho apresenta uma estrutura impressionante com taninos mastigáveis. Certamente, um infanticídio. Seu auge está previsto para 2040.

julio chef vivi ancho e legumes

bife ancho com legumes

O prato acima foi providencial para este ultimo flight onde intensidade de sabores, textura mais corpulenta, e taninos mais presentes, deram as mãos para este bife ancho suculento com legumes e redução de balsâmico. Belo fecho de refeição com sabores e texturas plenas.

julio VCC 1990

aos 27 anos o patinho feio vira cisne

Deixamos para o final, delicadeza, elegância, sutileza. Encerrando em grande estilo, um Pomerol da safra 1990, Vieux-Chateau-Certan. Pertencente à família Thienpont, proprietária também do exclusivíssimo Le Pin, este Pomerol de vinhas antigas (mais de 50 anos), apresenta um corte inusitado, lembrando de certa forma, um Margem Esquerda. 60% Merlot, 30% Cabernet Franc, e 10% Cabernet Sauvignon. A alta pedregosidade do solo explica esta proporção acentuada de Cabernets. O vinho encontra-se no auge com seus aromas terciários já desenvolvidos, sugerindo tabaco, couro, toques balsâmicos e terrosos. Enfim, a magia dos grandes Bordeaux envelhecidos. Joanna Simon, grande escritora inglesa, sugere um autêntico Camembert não muito evoluído e na temperatura ambiente para apreciação desses vinhos num final de refeição.

julio fargues 2004

rótulo belíssimo!

Como ninguém é de ferro, que tal um Chateau de Fargues 2004 para encerrar o sacrifício! Tirando o todo poderoso Yquem, Fargues para muitos é a segunda opção, e das mais seguras. Pertencente à mesma família Lur Saluces, Fargues também é nome da comuna contigua à Sauternes, formando este terroir abençoado pela Botrytis Cinerea. Este provado, estava super delicado, um balanço incrível entre acidez e açúcar, além de toda a complexidade aromática e textura inigualável desses brancos sedutores. Nem precisou de sobremesa, tal sua persistência aromática e expansão em boca.

Resta-me somente agradecer aos amigos, especialmente ao Julio por sua imensa generosidade, proporcionando momentos tão agradáveis e ao mesmo tempo, didáticos no aprendizado de Bacco. Vida longa aos confrades!

La Tâche, Tarefa Cumprida

12 de Agosto de 2017

Dando prosseguimento ao artigo anterior, nada melhor do que esquecer o passado e viver o presente com oito joias enfileiradas para a degustação. Dentre elas, algumas preciosidades como as safras 99, 90 e a tenra safra de 2005. A degustação seguiu com quatro flights formados por duplas. Antes porém da tarefa (tâche em francês), alguns mimos para acariciar as papilas e o devido aquecimento.

picchi gaja e meursault

Angelo Gaja e seu Gaia & Rey 2014, Arnaud Ente Meursault 1° Cru La Gotte d´Or 2007, e Comte de Champagne Taittinger 1961, abriram os trabalhos.

Gaia & Rey está entre os melhores Chardonnays italianos, se não for o melhor. Branco elegante, fresco, lembrando algo de Puligny-Montrachet. Bom para alegrar as papilas. Já este Meursault de produção limitadíssima (1200 garrafas por safra) é um espetáculo. São apenas 0,22 hectare de vinhas. Textura gordurosa dos grandes Meursaults, mas com um toque limonado sensacional refrescando o palato. Um vinho muito jovem para seus dez anos de idade. A noite promete!

evolução de um grande champagne

Já à mesa, primeira grande harmonização. Creme de cenoura com caviar escoltado por este senhor Champagne quase sexagenário. Aqui o que vale é a qualidade do vinho-base, embora ainda com delicada e discreta mousse. Um Blanc de Blancs envelhece muito bem e este como observou um dos convivas, tem um perfil interessante de um belo Jerez Amontillado. A força e mineralidade desse champagne mais seus toques oxidativos combateram bem a personalidade do caviar. Vamos em frente …

picchi coche dury

Agora um triunvirato básico de Coche-Dury. Para quem não conhece muito bem esse nome, segue abaixo um pequeno relato envolvendo as safras 96, 99 e 2007.

Coche-Dury Corton-Charlemagne Grand Cru

São apenas 0,33 hectare, um terço de hectare, ou se preferirem, 3300 metros quadrados de vinhas na Montagne de Corton. Para cuidar deste jardim, uma das referências da Borgonha, Coche-Dury. Embora seu foco maior seja a comuna de Meursault, seus métodos tradicionais e o cuidado extremo com as vinhas, o credenciam para brilhar no extremo norte da Côte de Beaune. Seus vinhos são fermentados em barricas de carvalho com baixa porcentagem de madeira nova. O amadurecimento dos mesmos dá-se também em barrica por longos meses num eficiente trabalho de bâtonnage (revolvimento das borras no fundo do barril, fornecendo complexidade ao vinho e ao mesmo tempo, protegendo-o do oxigênio).

picchi salsão tartar caviar anchova

salsão desidratado, tartar e caviar de anchova

harmonização instigante com os Meursaults

Todo esse savoir-faire para explicar como a safra 1996 pode ser magnífica atualmente, conforme constatação unânime dos convivas. Um branco com mais de vinte anos de idade num esplendor que só os grandes vinhos possuem. Mineralidade, balanço incrível entre seus componentes e uma textura inigualável. A safra 99 também é espetacular, mas vem a maldita comparação. Degustado solo, é outro branco incrível, talvez um pouco menos opulento. Já o 2007, temos uma safra um pouco inferior às demais, além de estar muito novo para um embate deste naipe. Está atualmente delicioso, fresco, com todos os toques da juventude, mas evoluirá com dignidade nos próximos dez anos. Em suma, Coche-Dury está no posto mais alto da Borgonha quando o assunto são Brancos.

Ufa! como é duro chegar aos La Tâche!. Não vou me aprofundar no assunto, visto que o artigo anterior dissecou bem o tema. Vamos sem delongas ao embate de duplas.

picchi la tache 05 e 09

Fundamentalmente, um flight da juventude. Sobretudo o 2009, foi um verdadeiro infanticídio. O vinho estava nervoso, parecendo não querer acordar aquela hora e dizendo: quem me tirou da garrafa agora???. Ainda formando seus aromas, tentando encontrar um ponto de equilíbrio, mas sem dúvida uma grande promessa, tal a montanha de taninos que envolve sua estrutura.

Quando passamos ao 2005, percebemos como quatro anos a mais de garrafa faz bem. Uma safra esplendorosa num momento radiante de juventude. Aquela intensidade de fruta, taninos ultra polidos, e uma persistência aromática notável. É aquela criança com um futuro promissor sem chances de dar errado. Será um dos grandes La Tâche do século em curso, na cola do 99.

picchi 03 e 99

Neste flight, La Tâche mostra porque é um dos maiores vinhedos sobre a Terra. Vamos começar pelo 2003 numa safra quente e polêmica. O vinho tem um extrato fabuloso, taninos em abundância, mas numa sintonia fina, um pouco quente para um La Tâche. Falta-lhe um pouco de frescor. De todo modo, um belo vinho.

picchi ravioli de coelho

agnolotti de coelho com os La Tâche

Agora, toda a reverência para este La Tâche 99. Não tem como tirar ponto deste vinho. É lindo demais. Conjuga com rara felicidade potência e elegância. Taninos ultra finos, corpulento, denso, multifacetado, e um final de boca interminável. Robert Parker dá 100 pontos e Allen Meadows 99 pontos. Alguém na mesa disse não ser uma boa garrafa. Pode mandar uma caixa lá pra casa …

picchi la tache 95 e 96

Neste terceiro flight, safras próximas, mas diferentes em estilo e concentração. Enquanto 95 é um estilo mais sisudo, pedindo tempo para uma melhor avaliação, 96 é puro prazer e elegância. Vai um pouco na linha do 99, sem tanta potência, porém muito elegante. Talvez tenha sido a preferida da maioria e pensando bem, um clássico La Tâche bem de acordo com a elegância e sutileza dos vinhos de Vosne-Romanée.

picchi la tache 93 e 90

Finalmente, o flight mais díspar, safras 90 e 93. Este La Tâche 1993 mostrou-se austero, duro, com taninos não condizentes para um vinho desta envergadura. É evidente que precisa de tempo para desenvolver aromas e polimerizar esses taninos, mas é uma aposta cheia de dúvidas.

picchi porcini e mousse de parmesão

porcini fresco e mousse de parmesão

bela textura para os La Tâche

Já o 1990, tudo que se espera de um La Tâche e seus aromas terciários. Pleno, com todos seus componentes integrados, exibe notas de couro, terra, chocolate amargo (cacau), num final de boca extremamente bem acabado. Por toda a expectativa que o cerca por ser da grande safra de 90, sempre esperamos um pouco mais. De todo modo, um grande final de prova.

picchi oremus eszencia 2002

Já no apagar das luzes, a estrela maior da enologia húngara, o néctar Oremus Eszencia 2002. Elaborado somente com as uvas Aszú (totalmente botrytisadas), elas são empilhadas em recipientes, onde o gotejamento natural pelo próprio peso das mesmas, dá origem ao caldo a ser fermentado lentamente por anos a fio. A concentração de açúcares perto de 600 gramas por litro dificulta sobremaneira a ação das leveduras. Portanto, apenas alguns graus de álcool são conseguidos. Neste caso, foram 3,5º graus. O segredo para este equilíbrio fantástico em boca é sua incrível acidez, na ordem de mais de 15 gramas por litro. Para se ter uma ideia deste número, é superior à acidez de um vinho-base de Champagne. Concentração absurda de sabores. Como diz um dos convivas, esse é para tomar de colher.

Enfim, tudo bem cuidado e coordenado no restaurante Picchi com atenção especial do Chef Paolo Picchi e o competente sommelier Ernesto e sua paciência nipônica.

O que me resta, senão agradecer a todos pela companhia, pela boa mesa, pelos belos vinhos, tudo em harmonia e boa prosa. Vida longa a todos e que Bacco nos proteja!

Cozinha Libanesa sem GPS

9 de Julho de 2017

Pessoas especiais para se deliciar com a melhor comida árabe de São Paulo em local não identificado, onde o maior restaurateur de São Paulo bateu palmas. E olha que ele é exigente e fiel aos clássicos. Sem mais delongas, vamos ao desfile de grandes vinhos e pratos.

o bem receber …

Como exceção aos tintos, brindando os convivas, o irretocável champagne Cristal 2006. Um assemblage com leve predominância da Pinot Noir sobre a Chardonnay das melhores cuvées da Maison Louis Roederer, lentamente envelhecida sur lies por cinco anos, antes do dégorgement. Elegância, personalidade, e aqueles aromas de praline inconfundíveis. Daqui pra frente, é só manter o nível …

raul cutait decantação

decantação à vela

Acima de tudo, com larga predominância dos tintos bordaleses, foi uma grande aula de como esses vinhos evoluem no tempo, mostrando cada qual em sua época, a incontestável qualidade, tipicidade, e estrutura, de um terroir impar, independente de qual margem estivermos falando.

raul cutait palmer 2005

grande promessa!

Começando com o Palmer 2005 em garrafa double Magnum, 97 pontos Parker, com apogeu previsto entre 2040 e 2050. Um bebê ainda, mas aquele bebê Johnson, lindo e perfeito. Uma estrutura poderosa, taninos de rara textura, uma explosão de frutas, além de longa persistência. Evidentemente, falta integração entre seus elementos, e os fantásticos aromas terciários que certamente virão com o tempo. Daqui a uns vinte anos a gente se encontra …

raul cutait la mission 94

23 anos e muito fôlego

Agora mais dez anos no tempo, vamos ao La Mission Haut Brion 1994 em Magnum. Aqui já vemos um Bordeaux se preparando para o apogeu. Com pouco mais de 20 anos, ainda tem vigor, alguns segredinhos a confessar, mas está delicioso. Foi um convite à mesa, para escoltar as delicadas iguarias da anfitriã.

raul cutait angelus 95

garrafa muito bem adegada

Outro contemporâneo do vinho anterior, o estupendo Angelus 1995 de conservação impecável do mestre Amauri de Faria, comandante da importadora Cellar, uma das mais diferenciadas do mercado. É inacreditável a estrutura tânica deste tinto, um margem direita com proporções iguais entre Merlot e Cabernet Franc. Ainda tímido nos aromas, mas com uma mineralidade incrível. Seus taninos massivos, porem ultra finos, vão precisar de mais uma década de polimerização. Os aromas devem acompanhar esta evolução. Quem viver, verá!

terroirs diferenciados

Agora os adoráveis 89, Chateau Léoville Las Cases e o Premier Chateau lafite. Neste embate, fica muito claro a hierarquia de classificação e o desempenho de cada um nesta safra específica. Começando pelo Léoville em garrafa Magnum, não foi uma grande safra para este chateau, embora esteja longe de desapontar. Pelo contrário, é um Léoville mais delicado, sem aquela pujança habitual. Seus aromas já bem desenvolvidos, mostra uma boca afável e extremamente prazerosa.

e os pratos se sucedem …

Por outro lado, temos o Lafite 89 num desempenho equivalente em termos de safra. Contudo, é um Premier Grand Cru Classe de grande personalidade. É uma espécie de Borgonha de Pauillac com muita elegância e sutileza. Atrás de uma aparente fragilidade, temos uma estrutura de aço, capaz de evoluir por longos anos. Aqui o terroir fala alto, num vinho sempre misterioso e intrigante.

raul cutait latour 64

a nobreza de um vinho

Finalmente, vamos um pouquinho mais longe no tempo. Que tal 1964? aquele tempo em que tínhamos de consultar os livros, e não o google. Para falar deste época, precisamos de um Pauillac de peso, sempre imponente, o todo poderoso Chateau Latour. As duas garrafas abertas com pequenas diferenças, mostraram didaticamente o que é de fato um grande Bordeaux envelhecido. Taninos totalmente polimerizados, os clássicos aromas de cedar box, couro envelhecido, e notas minerais. Equilíbrio perfeito com grande expansão em boca. Outra maravilha para os belos pratos servidos.

raul cutait clos vougeot 89

 o que diria Babette …

Agora os bem-vindos intrusos …

Depois desta avalanche de bordaleses, só mesmo Madame Leroy  e Aldo Conterno para mudar a rota sem sobressaltos. Clos de Vougeot é com certeza o maior e mais polêmico Grand Cru da Borgonha. Não é para menos, 50 hectares de vinhas para cerca de 80 proprietários. Um verdadeiro latifúndio na Terra Santa. Aí você vai neste palheiro e pinça uma agulha chamada Madame Leroy. Além da ótima safra 89, este é um “mise en bouteille au domaine”, o que faz toda a diferença. Luxuriante, sedutor, delicado e ao mesmo tempo profundo, marcante. Seus aromas de sous-bois são de livro. Este merecia estar presente no clássico “A Festa de Babette”.

raul cutait granbussia 90

Granbussia e os Trockenbeerenausleses

Completando a intromissão, Aldo Conterno Granbussia Riserva 1990 em Magnum. Os franceses diriam baixinho: “este vinho é tão bom que nem parece italiano”. Que maravilha de Barolo! Que taninos! Que elegância!. Fica difícil tomar outros Barolos. Embora já delicioso, sua estrutura permite ainda grandes voos. Talvez um Filetto alla Rossini seja uma bela companhia com mais alguns anos de guarda. 

Enfim, chegamos ao final do sacrifício. O que acompanhar “comme  il faut” esses doces maravilhosos e tentadores. Só mesmo um Trockenbeerenauslese 1975 elaborado com as desconhecidas uvas Sieger e Huxelrebe, suscetíveis ao ataque da Botrytis Cinerea, provocando alta concentração de açucares, e ao mesmo tempo, conservando uma acidez notável. Esse palavrão conhecido como TBA, quer dizer literalmente “seleção de bagos secos”, fenômeno inerente à ação do fungo. São vinhos muito raros na Alemanha, só ocorrendo em determinadas sub-regiões e em safras específicas. Costumam ter concentração de açúcar perto de 300 gramas por litro, frente a uma acidez tartárica de mais de 10 gramas por litro, equivalente a vinhos-bases de Champagne.

o paraíso é doce!

Neste exemplar degustado, apresentou-se com uma cor marron escura, própria de vinhos envelhecidos neste estilo. Afinal, são mais de 40 anos de vida. Os aromas denotavam frutas secas escuras como ameixas, figos e tâmaras, um toque de ruibarbo, e a nota de acetona, próprio de vinhos botrytisados. O equilíbrio entre doçura e acidez era notável, além de longa persistência final. Assemelhou-se muito a Tokaji antigos acima de 6 puttonyos, ou seja, Tokaji Eszencia. Um final arrebatador!

raul cutait lembranças

lembranças …

Outro botrytisado notável presente no almoço foi o grande Yquem 1990 com 99 pontos. Vinho decantado em prosa e verso, dispensando comentários e apresentações. Evidentemente, à altura do time bordalês apresentado acima.

Em sala reservada, Behikes à disposição da turma da fumaça. Um pouco mais prosa, cafés e Armagnac. Houve espaço para alguns Single Malts, mas isso já é uma outra história. Abraço a todos, especialmente ao casal anfitrião, proporcionando mais um encontro inesquecível. Que El Masih sempre os abençoem!

Chenin Blanc e Loire

27 de Fevereiro de 2017

Existem uvas que são fiéis e praticamente exclusivas de seus respectivos terroirs de origem. É o caso da Nebbiolo no Piemonte, Furmint em Tokaj, famosa região húngara de vinhos botrytisados, e a nossa uva em questão, a multifacetada Chenin Blanc.

Completamente adaptada ao longo do rio Loire, as condições de clima e solo em trecho específicos do rio, potencializam suas virtudes e características, proporcionando vinhos de vários estilos e diferentes graduações de açúcar residual.

É uma uva de maturação longa, alta acidez, e de aromas relativamente discretos. Características importantes para os casos de botrytisação, ou seja, o benéfico ataque do fungo Botrytis Cinerea.

geologia-franca

geologia francesa

Para entender melhor este terroir específico, o mapa acima mostra em linhas gerais a geologia francesa. Notem que na altura da cidade de Nantes, foz do rio Loire, o subsolo é granítico, de acordo com o maciço Armoricain. Este cenário prolonga-se bem até a região de Anjou, onde temos várias apelações famosas com a protagonista Chenin Blanc.

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Chenin Blanc “xistosos”

Não tão perto do clima oceânico, Anjou tem insolação suficiente e tempo relativamente prolongado para o lento amadurecimento da Chenin Blanc. O solo de ardósia e xisto contribuem para enaltecer características específicas, sobretudo a mineralidade. O auge destas condições acontece na apelação Savennières, onde a perfeita maturação da casta produz Chenins plenos, maduros, extremamente minerais e secos. Nas grandes safras, esses brancos são capazes de evoluírem por décadas, tornando-se vinhos de grande guarda. O ápice neste contexto é o famoso Coulée de Serrant, um dos brancos mais emblemáticos da França, merecedor de uma apelação própria, exclusiva, e homônima.

Outras apelações como Anjou, Saumur, Coteaux d´Ancenis, Coteaux de L´Aubance, não têm a mesma expressão de Savennières, mas podem ser boas alternativas de preço, e de consumo imediato.

Quando além dessas condições, temos confluência de rios, alternância de umidade e calor, a Botrytis Cinerea se faz presente, gerando Chenins doces e complexos. No mapa acima, a apelação mais ampla Coteaux du Layon, é capaz de produzir esses vinhos muitas vezes não tão doces, mas de uma acidez aguda, dando suporte para um longo envelhecimento. De área relativamente extensa, temos quase 1500 hectares de vinhas. Dentro dessa área, temos duas apelações bem mais exclusivas que são Coteaux du Layon avec Dénomination Geographique e, Coteaux du Layon Premier Cru Chaume. Essas exclusividades normalmente não chegam ao Brasil, exceto as duas apelações abaixo que por serem também especiais, gozam de nomes próprios dentro de território de Layon.

Bonnezeaux

Dentro de apelações exclusivas, Bonnezeaux conta com 80 hectares de vinhas em solos de xisto com colinas expostas a sudoeste. Os rendimentos giram em torno de 20 hl/ha perfazendo pouco mais de 200 mil garrafas em toda a apelação. Cor dourada, bastante aromático e boa densidade em boca.

Quarts de Chaume Grand Cru

Outra apelação exclusivíssima com apenas 29 hectares de vinhas, perfazendo pouco mais de 50 mil garrafas por ano. Solo também xistoso, sua exposição é perfeita a sul. Mais delicado que seu concorrente acima (Bonnezeaux), é capaz de envelhecer por décadas nas grandes safras.

loire-touraine

Chenin Blanc e o calcário

O mapa acima mostra Touraine, região mais interiorana do Loire. Além do clima com maior influência continental, o solo muda radicalmente. Neste ponto, se lembrarmos do primeiro mapa do artigo, percebemos que Tours encontra-se geologicamente dentro da bacia parisien, de origem sedimentar e calcária. Neste contexto, a Chenin Blanc mantem a acidez, mas ganha delicadeza e uma aparente fragilidade. Contudo, seus vinhos assumem vários estilos e podem envelhecer por décadas.

A apelação Vouvray é a mais emblemática e versátil. Aqui temos Chenins com vários graus de doçura, além de belos espumantes pelo método tradicional. Os termos tranquille sec, tendre, demi-sec, e moelleux, indicam quantidades de açúcar residual crescentes. Essa delicadeza, textura, e os vários graus de doçura, aproximam esses vinhos do estilo alemão como nenhum outro vinho francês.

Domaine Huet é referência inconteste desta apelação com vinhos quase imortais. Seus três vinhedos famosos: Le Haut-Lieu, Clos du Bourg e Le Mont, exprimem as características específicas de um solo argilo-calcário, produzindo Chenins com vários graus de doçura, além de delicadeza e elegância extremas.

Termos como Fine Bulles e Pétillant são importantes para os vinhos espumantes do Loire, sobretudo em Vouvray. São elaborados sempre pelo método tradicional. No caso do Pétillant, a pressão na garrafa deve ser inferior a 2,5 atmosferas, tornando o vinho frisante. A produção destas bolhas chega a 60% do total de vinhos produzidos em Vouvray, sempre 100% Chenin Blanc.

Essas joias do Loire podem acompanhar à perfeição pratos da alta gastronomia como peixes, sobretudo de rio, aves, patês, foie gras, quiches, tortas de frutas frescas, queijos, e tantos outros pratos de sabores refinados. Basta escolher a apelação certa, e o grau de doçura desejado. Bom Appétit!


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