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Musigny e seus arredores

10 de Julho de 2019

Segundo Hugh Johnson, Musigny pode ser o melhor, se não for o mais poderoso, entre todos os tintos da Borgonha. Realiza na boca o que se chama “cauda de pavão”, abrindo sabores em leque. Um tinto profundo e muito elegante. Seria o Margaux da Côte de Nuits. Alguns produtores com produções diminutas fazem dele um dos tintos mais raros e cobiçados da Terra Santa.

musigny les petitsClos de Vougeot: vizinhança

A exclusividade não é tanta quando se trata de Comte Vogüé com as maiores parcelas em Musigny. Além disso, a porção Les Petits Musigny é seu monopólio, totalizando uma área de pouco mais de sete hectares em todos os setores. Resumindo, Vogüé domina 70% de todo o Grand Cru Musigny.

musigny grand crunobres parcelas

  1. Domaine Comte Georges de Vogüé – 2.9273 ha
  2. Domaine J.F. Mugnier – 1.1358 ha
  3. Maison Joseph Drouhin – 0.6720 ha
  4. Domaine Leroy – 0.2700 ha
  5. Domaine Vougeraie – 0.2104 ha
  6. Maison Louis Jadot – 0.1665 ha
  7. Domaine Faiveley – 0.1318 ha
  8. Domaine Drouhin-Laroze – 0.1193 ha
  9. Domaine Georges Roumier – 0.0996 ha

Para quem acha que Musigny Leroy é o limite da exclusividade, veja a parcela de Georges Roumier com praticamente um décimo de hectare, ou seja, mil metros quadrados de vinhedo, um verdadeiro jardim. Isso é apenas um terço da área de Madame Leroy, onde seu Musigny é o Grand Cru tinto mais exclusivo. Resumindo, uma loucura!

img_6309Exclusividade à toda prova: 300 garrafas por safra

pode chegar a mais de 60 mil reais a garrafa!

 

Terroir/solo/geologia

A parte de Vogué, Les Petits Musigny, é um terreno mais baixo, mais pedregoso, mais argiloso, e com menos calcário ativo. Portanto, gera vinhos com mais potência e menos finesse. Ao contrário, Le Musigny tem um aclive em média 12% mais alto. Aqui a proporção de calcário sobre a argila é maior com presença de fosseis marinhos tipo Ostrea acuminata, gerando vinhos de grande finesse. Dá para entender porque Vogué faz vinhos mais duros e menos elegantes do que por exemplo, Roumier e Mugnier. Segundo Vogué, o fato de Petits Musigny fazer parte de seus vinhos, não é fator relevante no caráter dos mesmos. O mais importante é a filosofia do produtor. Cada um tire suas conclusões …

Existe uma pequena parcela de Musigny Blanc exclusiva de Vogué de apenas 0,65 hectare, sob a apelação Bourgogne Blanc. É um vinho interessante, mas abaixo dos Corton-Charlemagne e da família dos Montrachets.

Voltando ao tinto, e falando de Musigny, já que Petits Musigny é só Vogué, o vinho se desenvolve lentamente ao longo dos anos em adega. Na juventude, pode lembrar um Bonnes Mares num vinho mais masculino e de grande potência. Com a idade, ganha finesse e riqueza de aromas, lembrando de certo modo o Les Amoureuses. 

Voltando à comparação do Chateau Margaux, este grande Premier Grand Cru Classé se destaca na sua comuna tida como de tintos elegantes, pela alta porporçao de Cabernet Sauvignon que lhe dá uma estrutura e poder de longevidade impressionantes. Na definição de Paul Pontallier, já falecido, Margaux tem a graciosidade de uma bailarina com a sustentação e força de quem a segura, ou seja, ele transmite finesse que se esconde atrás de uma força fabulosa. Os outros vinhos da comuna não têm esta força, à exceção do Chateau Palmer em algumas safras. De mesma forma, Musigny Grand Cru é visto em comparação à sua vizinhança de mesma apelação.

Seus concorrentes de comuna

img_5762todos espetaculares, nível Grand Cru

Les Amoureuses, localizado logo abaixo de Musigny (ver mapa acima), tem um solo bastante pedregoso com boa proporção de calcário ativo. Um vinho de grande finesse, delicado ao extremo. Podemos dizer que sua delicadeza é tal que fica próxima á uma linha comum por sua suposta fragilidade. Contudo, é preciso prestar atenção, pois é uma delicadeza de profundidade e bela estrutura para envelhecer. Aqui a acidez, muito mais que seus delicados taninos, fornecem bons anos de vida em adega. Como classificação é um Premier Cru, mas juntamente com Cros Parantoux de Vosne Romanée, e Clos St Jacques do grande Rousseau em Chambertin, forma a trilogia dos “falsos” Grands Crus.

BONNES MARES MAPvinhedo Bonnes Mares – Vogué 

img_6140belas safras

O Outro Grand Cru de Chambolle-Musigny é Bonnes Mares com a curiosidade de uma pequena parte do vinhedo estar em Morey-St-Denis. No mapa acima, a parte de Bonnes Mares assinalada é do Domaine Vogué, setor à esquerda do mapa, denominado Terre Rouge. Um solo mais pesado que gera vinhos mais duros, bem ao estilo Vogué. Já o setor à direita caminhando para Clos de Tart em Morey-St-Denis, tem solo com mais calcário e minerais, gerando vinhos de grande finesse, denominado Terre Blanche. Os melhores produtores como Roumier e Mugnier têm parcelas dos dois lados e vinhos de grande equilíbrio e longevidade. Domaine Dujac também é destaque neste Grand Cru (foto acima).

Enogastronomia

Para acompanhar um Musigny, aves, cogumelos e trufas, são belos ingredientes, sobretudo com bons anos de adega. Para os queijos, um Brie de Meaux ou um Reblochon não muito curados, é um bom fecho de refeição. Como entrada, creme com funghi porcini pode ser divino.

galinha d´angola com morilles e os queijos acima

A textura e os sabores acima vão muito bem com os aromas e sabores de um Musigny envelhecido. Seus toques terrosos e de caça adaptam-se perfeitamente com os cogumelos e os toques de frutas secas dos queijos.

carlos aldo conterno 71

grandes velhinhos!

Tá certo que em vinhos antigos a garrafa conta muito, e este Musigny do Hudelot de 50 anos estava ótimo. Tudo no lugar, ainda com fruta, e seus toques de sous-bois e de caça. Muito equilibrado, final bem acabado, e persistência aromática longa. Mais uma prova que os grandes vinhos, especialmente Musigny, envelhecem com muita propriedade. 

Viva a Bourgogne! Berço Espiritual da Pinot Noir!

Proibido para menores de 50 anos

24 de Junho de 2017

Nosso querido confrade Ivan entende bem deste tema. Brincadeiras à parte, vamos falar de vinhos envelhecidos e execrarmos mais uma vez aquela velha máxima: “quanto mais velho, melhor”. Pouco vinhos no mundo têm esta capacidade de envelhecer e melhorar com o tempo durante anos a fio. E aqui, estou falando de décadas. Certamente, os grandes Bordeaux costumam entram em cena. E se existem frases verdadeiras sobres vinhos antigos, a mais importante é seguramente esta: “não existem grandes safras, e sim grandes garrafas”.

dois monumentos da Borgonha

Antes de continuarmos o tema, é preciso fazer um parêntese imenso sobre os vinhos brancos de entrada no jantar. Duas feras acima de qualquer suspeita. Vinhos de grande exclusividade e prestígio. Estamos falando de Montrachet DRC e Domaine d´Auvenay da impecável Madame Leroy, conforme foto acima.

A julgar simplesmente pela bela safra de 2009 na Borgonha, não seria motivo suficiente para enfatizar a excelência deste Domaine d´Auvenay Puligny-Montrachet Les Folatières Premier Cru. Apenas 900 garrafas elaboradas nesta safra (vide foto da direita). Isso sim é exclusividade!. O vinho estava tão maravilhoso, a ponto de deixar meio sem jeito o Montrachet DRC safra 2011, o que não é pouca coisa. Peitar um vinho deste quilate e pô-lo no bolso, não é para qualquer um. Os aromas e sua textura em boca são inacreditáveis. Sua leve opacidade na taça, nos permite supor a quase inexistente manipulação em seu engarrafamento. Realmente, uma preciosidade. Obrigado Super Mário!

chef rouge la mission 1953

vinho e prato em perfeita sintonia

Voltando aos velhinhos, o La Mission 1953 estava fantástico, sobretudo nos aromas. Como diria o grande sommelier italiano Enrico Bernardo, campeão mundial com apenas 27 anos, esse vinho lembrava a atmosfera de adegas úmidas escavadas na rocha. Seus aromas terciários plenamente desenvolvidos, mostram até onde esses bordaleses podem chegar. Sua elegância e sutileza o aproximou muito de seu rival Haut-Brion. A combinação com a polenta trufada e foie gras foi um escândalo. Maravilhoso!

chef rouge la mission 59 e 55

Duas Magnum: duzentos pontos em jogo

Outro grande destaque foi o La Mission 1959, um dos nota 100 de Parker, em grande forma. Em boca, perfeito, taninos abundantes e muito finos. Já está delicioso com seus aromas de tabaco e chocolate, mas ainda em quinta marcha, buscando novos horizontes. É mais um 1959 histórico. A combinação com o Confit de Pato e Maça Assada com Especiarias foi incrível, mostrando sintonia na riqueza de sabores de ambos.

chef rouge confit pato maça assada

confit de pato para taninos possantes

Já o La Mission 55, o grande vinho desta safra em Bordeaux, também um nota 100 inconteste, não estava numa noite feliz. Foi aberta inicialmente uma Magnum, e depois uma standard (750 ml). Em nenhuma delas mostrou verdadeiramente seu potencial. A Magnum, um vinho um pouco cansado, sem o brilho habitual. A standard melhor, mas ainda assim não totalmente perfeita. O histórico dessas garrafas é sempre um mistério …

chef rouge costeletas vitelo e cepes

costeletas de vitela e cèpes

Outro ponto alto do encontro, foram os pratos de acompanhamento desses velhinhos no restaurante Chef Rouge. Além de bem executados, seus sabores estavam sintonizados com as sutilezas desses caldos etéreos. Senão, vejamos: polenta com trufas e foie gras, costeletas de vitela com cogumelos frescos e confit de pato com maçã delicadamente assada. A foto acima mostra esses cogumelos gigantes e frescos, equivalentes aos funghi porcini. Com a maioria de nossos “velhinhos” fico muito interessante.

chef rouge pontet canet 1929

A cor deste 1929 impressiona na taça

A partir da foto acima, começam os vinhos mais polêmicos e problemáticos. Além do histórico incerto dessas garrafas muito antigas, temos o problema da falsificação. Para complicar a questão, o gosto pessoal de cada um entra em jogo, conflitando opiniões. Para alguns, determinado vinho pode estar maravilhoso, enquanto que para outros, o mesmo vinho pode estar em decadência. A linha tênue entre evolução plena de um vinho e sua fase decadente e oxidativa produz inexoravelmente opiniões contraditórias.

O vinho acima por exemplo, Pontet Canet 1929 em Magnum, impressiona pela cor. De fato, o vinho ainda tem vida, estrutura, mas sem muita complexidade aromática. Levando-se em conta a idade, foi pessoalmente uma experiência incrível. 90 pontos Parker.

chef rouge latour 26 beychevelle 45

dupla de muita História

Só o fato de provar safras que transmitem tempos que não voltam mais, já é um privilégio por si só. O Beychevelle 1945 talvez seja o vinho mais polêmico com notas muito discrepantes. Parker chega a dar 95 pontos, enquanto Wine Spectator não passa de 82 pontos. Aqui, a felicidade de encontrar uma grande garrafa é fundamental. Pessoalmente, na garrafa degustada, percebemos a potência e concentração do glorioso ano da vitória, mas senti que este vinho já teve melhores dias.

Latour 1926, Parker fornece 93 pontos com a ressalva de se deparar com uma boa garrafa. Novamente, opinião pessoal, por se tratar de um Latour, o senhor do Médoc, esperava um pouco mais de vigor, um pouco mais de imponência. Nesses velhinhos, é impressionante como os aromas terciários de tabaco, chocolate e minerais se evidenciam. O problema maior realmente é a boca. Muitas vezes eles perdem um pouco o equilíbrio, evidenciando ora uma acidez mais aguda, ora um tanino mais rugoso.

chef rouge latour 26 e margaux 1900

o imortal Margaux 1900

Já tive a felicidade de prova-lo em plena forma, reiterando a imortalidade deste grandioso Margaux. Infelizmente, não foi o caso da garrafa acima. Partindo de uma falsificação grosseira de rolha, o vinho estava irreconhecível. Melhor nem perdermos tempo com um líquido mentiroso como este.

chef rouge yquem 90 e queijos

a combinação clássica

Nada como adoçar a boca com um belo Yquem 1990, ainda com o vigor de seus vinte e poucos anos. 99 pontos Parker, será com certeza um velhinho muito saudável. A combinação com queijos como Comté, Reblochon, Port Salut, entre outros, dispensa comentários, fechando “comme il faut” uma refeição à francesa.

chef rouge bordeaux envelhecidos

a turma toda com alguns direto para a UTI

Fechando o semestre em alto estilo, mais uma vez o agradecimento pela companhia de todos nesta experiência maravilhosa através do tempo. Só mesmo os grandes vinhos são capazes de registrar tempos sem internet, tempos de mais gentilezas, tempos de guerras estúpidas, e o próprio vinho que essencialmente em sua simplicidade é motivo de prazer e comunhão, sem especulações, distorções, e valores que atualmente o afasta da pessoas. Boas férias a todos!

Chateau-Chalon: O Xérès da França

14 de Março de 2011

O chamado Vin Jaune (vinho amarelo) na França é uma especialidade de Jura (região fria e montanhosa a leste da Borgonha e vizinha da Suiça). A apelação mais famosa deste curioso vinho é Chateau-Chalon e a uva protagonista é a autóctone Savagnin.

O método de produção é extremamente peculiar, desenvolvendo no vinho aromas semelhantes ao Jerez (famoso fortificado do sul da Espanha). As semelhanças param por aí, já que neste vinho não há fortificação, nem o famoso sistema solera, que dinamiza entradas e sáidas dos lotes de vinho. Neste caso, trata-se de um sistema estático.

Boa parceria para queijos de personalidade: Comté

Após uma colheita tardia com as uvas Savagnin, o mosto é fermentado tradicionalmente como os brancos da região. Terminada esta etapa, o vinho é colocado em barricas de carvalho já utilizadas em outras colheitas ou barricas usadas em vinhos brancos na Borgonha. As barricas não são preenchidas totalmente, deixando um espaço para que haja desenvolvimento de leveduras do tipo Saccharomyces Bayanus na superfície do vinho, por sinal, as mais resistentes ao elevado teor alcoólico. O vinho então é deixado nas barricas por pouco mais de seis anos, sem nenhuma reposição. Naturalmente, haverá evaporação, diminuindo consideravelmente o volume do produto final.

O vinho é colocado em garrafas tipicas de tamanho especial denominadas “clavelin”, com 620 ml (mililitros). A explicação vem do fato de que se deixarmos proporcionalmente um litro de vinho durante seis anos neste processo, restarão no final a medida acima citada.

O resultado é um vinho extraordinário, com aromas peculiares e extremamente longevo (pode durar mais de um século). O véu de leveduras formado ao longo dos anos, protege o vinho de uma oxidação excessiva, criando aromas de frutas secas, cogumelos, mel, empireumáticos (torrefação e caramelo) e especiarias. Neste sentido, vem a lembrança dos vinhos de Jerez.

A combinação com queijos curados como Comté, Reblochon e Epoisses é espetacular. Carnes de sabor acentuado (pato, marreco, e caças de pena) com molhos de certa acidez são surpreendentes. Cogumelos, trufas e especiarias, são ingredientes também com muita afinidade. A receita abaixo pode harmonizar muito bem, principalmente se for um coelho de caça.

Coelho ao molho de Mostarda e Cogumelos

No Brasil, uma boa pedida é o produtor Alain Baud da importadora Club du Tastevin (www.tastevin.com.br). Outro bem tradicional é do produtor Jean-Marie Courbet, importado pela Mistral e atualmente em falta (www.mistral.com.br).

 


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