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Os Tesouros de Jerez: Almacenistas

30 de Outubro de 2015

Infelizmente, os vinhos de Jerez são pouco conhecidos, pouco divulgados e por consequência, pouco consumidos. No entanto, termos como Fino, Amontillado e Oloroso, são familiares mesmo para os iniciados no assunto. Agora, existe uma categoria dificilmente encontrada no Brasil, chamada Almacenista, vinhos raros, muito bem lapidados, e apreciados só por conhecedores.

JOSÉ LUIS GONZÁLEZ OBREGÓN

Almacenista: José Luis González Obrégon

Normalmente, Almacenista é um bodegueiro famoso, de larga experiência na criação de Jerezes, que cria e supervisiona lotes especiais deste vinho para um envelhecimento lento, de características muito especificas, e que são lançados no mercado numa partida limitada de garrafas. São considerados vinhos de meditação, podendo ser harmonizados com pratos singulares, muitas vezes de difícil casamento. Aliás, almacenar em espanhol significa guardar, armazenar. Abaixo, daremos alguns exemplos destas maravilhas, elucidando melhor o assunto.

manzanilla pasada

Manzanilla Pasada. Almacenista: Manuel Cuevas Jurado

Sabemos que a categoria Manzanilla trata-se do mais fino e delicado Jerez. Tendo a particularidade de ser criado em Sanlúcar de Barrameda, próximo ao mar, além do frescor de um autentico Fino, há um toque inconfundível de salinidade muito particular. Este tipo de vinho criado com a proteção da chamada Flor (camada de leveduras específicas na região) deve ser consumido jovem, sendo um excelente aperitivo de entrada.

Até aqui, nenhuma novidade. É neste momento que entra o talento de um Almacenista. Existem partidas especiais de Jerez conforme a safra, ou um vinhedo especial, ou desenvolvimento particular do vinho sob as leveduras (flor), que são percebidas por estes especialistas. Estes lotes então, são criados de uma maneira especial, dando a personalidade de seu criador numa bebida distinta, fugindo às características de sua categoria inicial. É o caso deste Manzanilla Pasada. Uma Solera de 80 botas (pipas) que envelhece lentamente com a perda gradativa da flor, adquirindo toques oxidativos. Num Manzanilla padrão, este tipo de envelhecimento destruiria o vinho, perdendo suas características de frescor que devem ser preservadas a qualquer custo. Contudo, nestes lotes especiais, há uma interação entre o toque oxidativo e a reminiscência do frescor desta categoria, surgindo aromas e sabores incríveis. Como harmonização por exemplo, salmão defumado ou aspargos podem ser belos acompanhamentos.

amontillado sanlucar de barrameda

Amontillado de Sanlúcar de Barrameda. Almacenista: Manuel Cuevas Jurado

A categoria Amontillado apresenta uma flor não muito espessa que ao longo de um tempo relativamente curto morrerá, deixando a oxidação dominar o envelhecimento. Contudo, sempre haverá um toque de frescor e salinidade permeando os aspectos oxidativos da crianza. Neste lote, o almacenista selecionou 21 botas para formar a solera. Os Amontillados de Sanlúcar tem uma elegância muito particular. Especialmente este, é ideal para acompanhar sopas, foie gras, e embutidos.

oloroso del puerto

Oloroso del Puerto. Almacenista: José Luis González Obregón

Na categoria Oloroso, o estilo oxidativo sem a formação de flor é marcante. Neste caso, mais uma vez, o almacenista perceber lotes especiais e neste vinho trata-se de uma solera de 110 botas (pipas) que envelhece lentamente. São vinhos de corpo, muito aromáticos e de forte presença gustativa. É ideal para acompanhar frutas secas e queijos curados de difícil casamento. Um Manchego Viejo é um exemplo clássico.

É importante ressaltar que nesta gama Almacenistas, a bodega Lustau faz questão de mencionar no rótulo o nome do bodegueiro, verdadeiros mestres na arte de selecionar e criar jerezes especiais.

Como não há esses vinhos no Brasil, podemos nos contentar com os ótimos Jerezes da bodega Lustau dos três exemplos acima. Atualmente, a importadora Ravin (www.ravin.com.br) é responsável por esta marca no Brasil. Há várias opções de Jerez com preços bem convidativos.

Harmonizações Exóticas

12 de Maio de 2014

O conhecimento do sommelier atualmente deve ser ampliado, haja vista os concursos mundo afora exigindo sistematicamente provas com as mais diversas bebidas, tanto teóricas como práticas. Se já não bastasse o conhecimento profundo dos mais diversos tipos e estilos de vinhos, é preciso também entender sobre cervejas, destilados, cafés, chás, águas, cocktails, charutos, entre outros. Pessoalmente, acho um tanto pretensiosas estas exigências, já que existem especialistas nas mais diversas áreas. Contudo, pelo menos uma boa noção sobre estes temas se faz necessária. Neste sentido, vamos fazer um exercício neste artigo sobre algumas harmonizações inusitadas, fugindo um pouco dos vinhos em si, ou seja, no menu abaixo proporemos algumas ousadias. Para entender esta proposta é preciso mente aberta e moderação nas bebidas, pois a guerra é longa e são muitas batalhas. Portanto, vamos à luta.

Salmão Defumado

Harmonização: Single Malt Scotch Whisky Islay

Numa harmonização clássica, poderíamos pensar em um Riesling de estilo seco como o da Maison Trimbach (Alsácia) ou um Pouilly-Fumé (Vale do Loire) bem típico. A proposta escocesa pelos maltes de Islay (ilha com terroir específico) é o alto teor de turfa neste tipo de whisky. Os sabores impactantes do salmão encontram eco no caráter medicinal da bebida com teores elevados de turfa. Sem dúvida, uma entrada surpreendente. Não para um escocês, evidentemente.

Encontrado no Brasil

Foie Gras Grelhado com Maçãs Caramelizadas

Harmonização: Port Tawny 20 Years Ago

O óbvio seria o casamento com o clássico vinho de Sauternes (região francesa de Bordeaux). Entretanto, pessoalmente, prefiro trocar o excesso de açúcar pelo álcool, pois trata-se de um vinho fortificado. O déglacé com aguardente na frigideira onde o foie gras foi grelhado juntamente com o açúcar para caramelizar as maçãs formam uma bela sintonia com os aromas deste estilo de Porto de caráter oxidativo com açúcar suficiente para o prato.

Cocktail: Negroni

Neste momento, seria de bom tom servirmos um sorbet (sorvete à base de frutas com uma aguardente neutra) para limpar o paladar após um prato de sabor persistente e geralmente com alguma doçura. O clássico Negroni pode fazer este papel com a mistura em partes iguais de Gin, Vermute tinto e Campari, on the rocks.

Bacalhau Empanado ao Molho Curry

Harmonização: Château-Chalon (Vin Jaune)

Finalmente chegamos ao vinho, e que vinho! Pouco conhecido, é uma espécie de Jerez francês. O vinho depois de elaborado passa longos anos em barricas protegido por uma camada espessa de leveduras denominada flor (a mesma encontrada nos vinhos espanhóis de Jerez, notadamente o tipo Fino). Com um pouco de sorte, é possível encontrar este vinho da região francesa do Jura no Brasil. A personalidade do bacalhau vai de encontro aos sabores marcantes do vinho, enquanto o molho cremoso com toques de curry casa perfeitamente com os aromas do vin jaune.

Chimay Bleue: gastronômica

Costeletas de Porco com Molho Agridoce

Harmonização: Cerveja Belga Chimay Bleue

O molho muitas vezes pode incluir cerveja e o agridoce pode advir de uma fruta cítrica ou vermelha. De todo o modo, podemos optar pela Chimay Bleue, de bom corpo e toques caramelados. As cervejas belgas são muito gastronômicas, principalmente as trapistas (elaboradas por monges desta ordem monástica). 

Queijo: Manchego Viejo

Harmonização: Brandy de Jerez Solera Reserva

Novamente aqui, trocamos o vinho por uma aguardente. O vinho clássico seria um bom Jerez Oloroso, mas os famosos brandies da mesma região são belas opções. O da foto abaixo é importado pela Casa Flora (www.casaflora.com.br).

Um dos melhores da região

Sobremesa: Tiramisù

Harmonização: Irish Whiskey

Começamos com Whisky e por que não terminarmos com ele? Evidentemente, estamos falando de um outro tipo, um autêntico irlandês. Aqui lembramos do clássico Irish Coffee, cocktail de inverno misturando a bebida com café. Se lembrarmos que tiramisù tem esse sabor marcante, nada mais natural nesta harmonização.

Podemos à essa altura dispensarmos o café e para aqueles que apreciam, que tal continuarmos o irlandês com um belo puro? Neste caso, a suavidade deste Whiskey triplamente destilado pede um Hoyo de Monterrey com seus aromas florais e de especiarias.

Encontrado no Brasil

Depois de todas essas batalhas, limpando e revigorando o paladar, um aromático chá Early Grey com notas de bergamota. Pode não ser a melhor das harmonizações, mas este menu vai ficar na memória.

Lembrete: Vinho Sem Segredo na Radio Bandeirantes FM 90,9 às terças e quintas-feiras. Pela manhã no programa Manhã Bandeirantes e à tarde no Jornal em Três Tempos.

Os tesouros de Jerez

10 de Outubro de 2011

Em artigos anteriores (vide Jerez em seis partes), procuramos esmiuçar particularidades do mundo fascinante dos vinhos de Jerez. Inclusive, comentamos denominações exclusivas e bastante restritas com as siglas VOS (Vinum Optimum Signatum ou Very Old Sherry) e VORS (Vinum Optimum Rare Signatum ou Very Old Rare Sherry). São categorias especiais, com soleras de idades prolongadas. O site www.sherry.org tem todas as informações detalhadas.

A escolha é sua, a experiência é única.

A ABS-SP nesta quarta-feira proporcionou uma degustação de alto nível com quatro Jerezes excepcionais trazidos pela importadora Vinissimo (www.vinissimo.com.br) da  artesanal e exclusiva  Bodegas Tradicion. Esta bodega só trabalha com soleras especiais, aptas a um envelhecimento prolongado. É um trabalho de garimpo e muito especializado, conhecido também por almacenistas, bodegueiros de soleras diferenciadas.

Os vinhos acima pertencem à categoria VORS (solera com idade média acima de 30 anos). Na verdade, esses vinhos especificamente, chegam a ter 45 anos de envelhecimento. A renovação destas soleras obedece critérios rígidos para escolhas de novas partidas que irão revigorar a solera, com vinhos de alta distinção e características especiais, aptos a longo envelhecimento.

Todos os três vinhos acima são excepcionais com uma característica comum aos grandes vinhos, longa persistência aromática, expansivos e complexos. As texturas vão aumentando desde o Amontillado até o Oloroso, passando pelo elegantíssimo Palo Cortado.

O Amontillado apresenta notas aromáticas iodadas e de maresia que se confirmam em boca através de sua clara salinidade. Um vinho que mescla crianza biológica  e crianza oxidativa em perfeita harmonia. Portanto, seu envelhecimento inicia-se sob ação de um véu não muito espesso de levedura (flor) por um período de seis a oito anos quando posteriormente, começa a fase oxidativa (ausência da flor), prolongando-se por mais de trinta anos. Uma experiência sensorial sem paralelos.

Na dúvida, prove os três. Pratos com aliche, azeitonas ou peixes defumados para o Amontillado; Pâté de Campagne para o Palo Cortado e queijo Manchego Viejo para o Oloroso, serão harmonizações únicas e inesquecíveis.

Jerez: Parte III

29 de Setembro de 2010

 

Matizes de cores incríveis

Neste post abordaremos as principais características dos vários tipos de Jerez, sempre secos, deixando os adocicados artificialmente, e também o próprio Pedro Ximénez, para uma outra ocasião.

Fino

Jerez criado sempre com a presença da flor (crianza biológica). Este tipo é extremamente seco, pois a flor alimenta-se de boa parte do glicerol, um pouco de álcool, boa parte do ácido lático e praticamente todo o açúcar residual, o qual é comumente encontrado em qualquer vinho dito seco. Com isso, todos os elementos que conferem maciez ao vinho ficam afetados, enfatizando muito a acidez, principalmente a málica. Além disso, os aromas advindos da atuação da flor sobre o vinho são bastante acentuados na família dos aldeídos (nozes, amêndoas, aroma medicinal).

Sua cor correta deve ser sempre o amarelo-palha bem claro, e com grande luminosidade, brilhante. É um excelente aperitivo e deve ser servido gelado (em torno de 8ºC). É o parceiro ideal das tapas (petiscos variados da cozinha espanhola). Encara como nenhum outro vinho, entradas salgadas, picantes e ácidas.

Manzanilla

É um tipo especial de Fino criado em Sanlúcar de Barrameda, com forte influência marítima. Normalmente, é mais leve e delicado que um Fino, com características semelhantes de aroma e de cor. Seu diferencial é a salinidade, um certo aroma floral e de maça verde, já que é rico em ácido málico.

Deve ser servido também gelado e acompanha os mesmos pratos de um Fino. Entradas com acentuado sabor de maresia, combinam perfeitamente com este tipo, que é sem dúvida nenhuma, um dos melhores aperitivos no mundo dos vinhos.

Não podemos deixar de mencionar um tipo muito especial denominado de Manzanilla Pasada. São Manzanillas diferenciadas que enfrentam soleras muito prolongadas, onde a flor fica parcialmente debilitada, dando origem a leves toques oxidativos. Um belo exemplo deste Jerez de exceção é o Hidalgo Pastrana, importado pela Mistral (www.mistral.com.br). Pode acompanhar muito bem entradas com Bottarga (ovas secas de tainha), um ingrediente exótico e de difícil harmonização.

Amontillado

Jerez imortalizado no clássico “A Festa de Babette”, compartilha crianza biológica com crianza oxidativa, já que a flor tem uma atuação parcial no processo. Sua cor já denota certa oxidação, desde um dourado claro, até um âmbar menos acentuado. Isso vai depender muito do produtor e da solera específica. Seus aromas guardam algo do fino, mas normalmente as notas oxidativas de frutas secas e traços empireumáticos prevalecem.

Deve ser servido em torno de 14ºC e acompanha muito bem sopas (até mesmo a de tartaruga), além de queijos semicurados, aspargos e alcachofras. Particularmente, é meu preferido para o famoso jamón Pata Negra.

Oloroso

Elaborado totalmente em crianza oxidativa, sua cor é bastante acentuada, tendendo ao âmbar escuro. Aromas potentes de frutas secas, notas empireumáticas e de cogumelos. A diferença gustativa deste tipo para o Amontillado é a maciez, pela presença da glicerina, já que não há atuação da flor.

Deve ser servido em torno de 14ºC e acompanha muito bem queijos curados (manchego viejo), patês de sabor acentuado (carne de porco, caça) e saladas com confit de pato desfiado.

Palo Cortado

Um tipo raro de Jerez entre o Amontillado e o Oloroso. O bodeguero precisa ter muita sensibilidade para perceber características distintas no mosto no momento da fortificação. Ocorre uma curta crianza biológica, seguindo posteriormente o caminho de um Oloroso. Em suma, seria um Amontillado diferenciado. Além de aromaticamente mesclar o estilo Amontillado e Oloroso, aparecem notas cítricas (laranja) e de manteiga.

Deve ser servido também em torno de 14ºC e pode ser apreciado como vinho de meditação. É importante ter uma culinária de alta classe para esta categoria de Jerez. Experimente um belo patê de Foie Gras ou um queijo manchego especial semicurado. Frutas secas de um modo geral não comprometem sua apreciação.


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