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Vinho do Gelo

21 de Agosto de 2018

Dos vários métodos de obtenção de vinhos doces como Late Harvest, Passificação, Fortificação, e Botrytis Cenerea, o Icewine ou Eiswein em alemão, é um dos mais sui generis. Com origem acidental na Alemanha, este tipo de vinho parte de cachos de uvas congelados que vão para a prensa assim que possível, gerando mostos ricos em açúcares, contrabalançados por altos índices de acidez.

iceberg vinho brasil

Eiswein: Ponta do Iceberg

Pela lei alemã, o Eiswein situa-se entre o Bereenauslese (BA) e Trockenbeerenauslese (TBA) com um mínimo de 120° Oeschsle ou 16,4° potencial de álcool. Vinho de produção muito pequena e de alto risco, ou seja, as uvas devem estar perfeitamente maduras, protegidas por rede devido a ataque de predadores (pássaros), e esperar as baixas temperaturas do inverno que se aproxima. Quando tudo ocorre a contento, as temperaturas atingem pelo menos sete graus negativos. Neste cenário, as uvas começam a se desidratar, concentrando açúcares e ácidos. Deste modo, as uvas ficam protegidas por uma fina camada de gelo e mosto em seu interior fica concentrado na forma líquida. As uvas então são prensadas congeladas, obtendo um mosto de difícil fermentação. Aqui, estamos falando em concentração de açúcares entre 180 e 320 gramas por litro com níveis de acidez acima de 10 gramas por litro.

ice wine grapes

uvas congeladas

Outras regiões fora Alemanha onde encontramos o Ice Wine são Áustria, leste europeu (Croácia, Eslovênia, por exemplo), Luxemburgo, Nova Zelândia e Japão, entre outros. As uvas são colhidas ainda à noite, próximo ao amanhecer.

Na foto acima, a ponta do Iceberg nos dá a proporção exata da raridade dos Ice Wines em relação a outros métodos de obtenção de vinhos doces.

É importante que as uvas destinadas a esse tipo de vinho não sejam botrytisadas, pois as cascas ficam muito fragilizadas pelo ataque da Botrytis. Se houver, esse ataque deve ser apenas parcial. Outro ponto crucial, é o rendimento destes vinhos. Em relação à vinificação de um vinho de mesa, é necessário uma quantidade de uvas quatro a cinco vezes maior para obter a mesma quantidade de vinho, tal a desidratação e enrugamento das mesmas sofridas no processo.

Devido à raridade do fenômeno, há um paralelo interessante entre o Ice Wine e os vinhos botrytisados. Sabemos que o fenômeno da Botrytis ocorre de forma inconsistente mesmo nas regiões clássicas como Sauternes, Vale do Loire, Alsácia e Alemanha. Entretanto, na região austríaca de Burgenland, este fenômeno ocorre com frequência devido às condições específicas de terroir onde um imenso lago com profundidade rasa (apenas dois metros) está sujeito à alternância de neblina e insolação. Do mesmo modo, na região canadense de Ontário, as condições climáticas para a elaboração do Ice Wine são bastante consistente ano após ano, devido ao fator moderador dos lagos, alongando o processo de maturação das uvas.

Não é à toa que o Canadá é líder na produção de Ice Wine. Além da Riesling, a híbrida Vidal (cruzamento da Ugni Blanc e Seibel) é muito cultivada na região. Um vinho ainda mais exótico é o Ice Wine feito com a tinta Cabernet Franc de cor avermelhada.

Em relação ao Eiswein (alemão), o Ice Wine canadense tende a ser um pouco mais denso e com grau alcoólico maior. Em resumo, um pouco mais untuoso.

A trajetória do Ice Wine inicia-se na Alemanha no século XIX. Em seguida, no Canadá nos anos 70. Nas décadas de 80 e 90, vários países adotaram a produção deste tipo de vinho, inclusive o Brasil. A vinícola Pericó de Santa Catarina, elabora um exemplar a partir de Cabernet Franc. O planalto catarinense apresenta condições favoráveis, dependendo da safra em questão.

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Uma das melhores harmonizações com esses vinhos são os sorvetes de frutas de difícil compatibilização. A temperatura do sorvete com o toque cítrico da fruta se encaixa perfeitamente com a textura do vinho e sua acidez vivaz. A doçura do vinho normalmente é maior que a do sorvete, amplificando sabores. A foto acima é sugestão do grande sommelier Philippe Faure-Brac, campeão mundial no Brasil em 1992.

cheesecakeCheesecake: outra bela combinação

Outras harmonizações seguras são as tortas de frutas frescas como morangos, pêssegos, e Kiwi. O frescor destes pratos encontra eco na acidez do vinho, além do açúcar de ambos se complementarem.

2351f201-fe99-42b0-a736-0a7a45254d5bharmonização ousada

Em termos globais, a América encabeçada pelo Canadá produz pouco mais da metade de todo Ice Wine. Em seguida com 25% fica a Alemanha, seguida por República Checa e Áustria.

Infelizmente, a oferta destes vinhos no Brasil é escassa, podendo ser encontrado eventualmente em lojas específicas como empório Santa Luzia, por exemplo. Além disso, os preços não são nada convidativos, geralmente encontrados em meia-garrafa. O melhor mesmo, é comprar algumas garrafas em viagens internacionais. 

Massandra: Shangri-La do Vinho

10 de Setembro de 2017

Massandra, Масандра em ucraniano, ou Массандра em russo, é uma comunidade na cidade de Yalta, República da Criméia, território autônomo incorporado à Rússia, uma espécie de Vaticano na Itália.

Situada no Mar Negro, é uma importante estação balneária, gozando de clima, solo e latitude, propícios ao cultivo das vinhas. Afinal, esta região outrora ocupada pelos gregos faz parte da própria origem da vinha, na região do Cáucaso. O mapa abaixo, elucida o fato.

massandra mapa

Yalta: encontro histórico de generais no pós-guerra

O encontro histórico entre Churchill, Stalin e Roosevelt em 1945 na cidade de Yalta, selaram os rumos do mundo após a segunda guerra mundial. Voltando ao assunto, a história dos vinhos de Massandra começa com o príncipe Leo Golitzin que mandou construir uma grande adega subterrânea com sete tuneis de 150 metros de extensão cada um, onde repousam cerca de um milhão de garrafas. A intenção era construir uma coleção de garrafas com todos os tipos de vinhos, incluindo vinhos de mesa, brancos e tintos, além de vinhos de sobremesa e fortificados. Essas duas últimas categorias é que ficaram consagradas na história, sobretudo garrafas antigas do século dezenove.        

massandra wineryentrada da vinícola 

A adega do ponto de vista técnico é perfeita, principalmente em termos de umidade e temperatura. Prova disso, são essas antiguidades preservadas e absolutamente íntegras em sua grande maioria ao longo de várias décadas. Seus Muscats, Sherries, e Portos, são famosos, longevos, e complexos. Além disso, a coleção é vasta com mais de 800 referências. A cada vinte anos, as garrafas antigas são rearrolhadas.

massandra cellars

 os grandes Muscats de Massandra

Em 1922 com Stalin no comando russo, ordenou que todos os vinhos encontrados nos palácios dos csares retornassem à Massandra. Em 1944, com a iminente invasão alemã, foi montada uma grande operação de transporte hercúlea para a retirada de todos os vinhos de Massandra. Logos após o fim da guerra em 1945, todos os vinhos já estavam de volta, devidamente acondicionados.       

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os sete túneis de Massandra Winery

O mundo não conhece Massandra, mas Esta conhece o mundo. A vinícola cultiva cerca de cinco mil variedades de uvas, podendo reproduzir todos os vinhos do mundo. É um acervo fascinante sobre todos os pontos de vista vitivinícolas. Talvez o maior colecionador de vinhos antigos do mundo com uma adega de mais de 40 mil garrafas na França, Michel Chasseuil, nos conta o verdadeiro laboratório que é Massandra. Eles têm 100 pés da cada videira do mundo, podendo reproduzir todos os vinhos. São oito fazendas com cinco mil hectares de vinhas cada uma.

Voltando aos vinhos doces, especialmente os Muscats, e também vinhos fortificados, seguem alguns exemplos de sua vasta coleção. Massandra Sherry, Madère, Port, Malaga, Lacrima Christi, Tokay, Cahors.

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Cahors à moda antiga

Neste Massandra, a uva é Saperavi com vinhas de setenta anos, uma uva tinta nativa de grande prestígio. Trata-se de um vinho fortificado com 180 gramas de açúcar residual e destacada tanicidade lembrando Cahors, tinto do sudoeste francês. Na Idade Média, parte do vinho de Cahors era vinificado para missa, aquecendo o mosto a 60° de temperatura. Esta versão de Massandra reproduz com brilhantismo este cenário histórico.

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versão fiel à sua origem

As vinhas deste Lacrima Christi já não existem mais. O vinho tem 9,5° de álcool e 280 gramas de açúcar residual perfeitamente balanceados por sua incrível acidez. É comparado em termos de persistência aromática aos melhores Sauternes.  Itália e Espanha (Málaga) disputam sua paternidade. A versão original italiana na região do Vesúvio, fala de um vinho tinto e doce, bem diferente das versões atuais, branco e seco. Mais uma vez, Massandra preserva a história.

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Porto com Cabernet Sauvignon

Massandra faz Portos de todos os estilos, inclusive complexos Portos brancos. As uvas Cabernet Sauvignon e Mourvèdre são as mais utilizadas. Curiosamente, as versões brancas são elaboradas com Cabernet Sauvignon sem o contato das casas. Ambas as versões podem envelhecer magnificamente por décadas. O da foto acima, trata-se de um exemplar com a uva Mourvèdre com vinhas de 80 anos. Livadia indica um terroir diferenciado em Massandra, antiga residência de verão dos Czares. Degustado por um especialista da Sotheby´s, mostrou-se totalmente integro, podendo ser adegado por longo tempo ainda. Portanto, imortal.

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existem apenas cinco garrafas

Uma das mais antigas garrafas de Massandra, pertencente à adega de Michel Chasseuil, um dos maiores colecionadores da atualidade. Este velho Madeira com vinhas de 80 anos, reproduz fielmente o exemplar de origem, tanto em complexidade, como longevidade. Seguramente, a melhor réplica do original. Alguns ousam dizer que o discípulo superou o mestre.

massandra muscat 1945o ano da Vitória

Por fim, vamos à especialidade de Massandra, seus ricos, ecléticos e longevos Muscats. Três grandes categorias balizam esses vinhos: White Muscat, Rose Muscat, e Black Muscat. Este último de variedade tinta, é o mais intenso e untuoso com notas de chocolate e ameixas. De fato, a insolação e o clima da região favorece sobremaneira a grande maturação de vários tipos de Moscatéis. Normalmente, eles são fortificados e permanecem por um bom tempo em contato com as cascas em sua elaboração. De toda a forma, existem os mais intensos e os mais delicados e aromáticos. O importante é sempre ter um bom suporte de acidez. O envelhecimento confere ao vinho toques resinosos e de damascos. Os Muscats de Frontignan e de Lunel são bastante famosos em Massandra, ambos originários do sul da França.

Os vinhos atuais de Massandra podem ser comercializados na Europa e na própria vinícola. Já os da coleção de raros vinhos antigos, de quando em quando são disponibilizados pequenos lotes para os melhores leilões internacionais.

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Trifel aux Quetsches

A clássica sobremesa inglesa acima, é uma das sugestões de harmonização para um Muscat de Massandra, segundo Philippe Faure-Brac, melhor sommelier do mundo em 1992 no Brasil. Quetsches são ameixas escuras com tonalidade violácea, não muito doces e de ótima acidez. A sobreposição de camadas envolvendo geleia de quetsches, uma mistura de merengue com chantilly, e pedacinhos de biscoitos (pode ser macarrons), criam uma textura macia e ao mesmo tempo crocante compatíveis com o vinho. A doçura e acidez do prato são bem balanceadas com o Muscat, além da convergência de sabores, misturando a baunilha da sobremesa no preparo do creme com os toques de torrefação, caramelo e de frutas cítricas cristalizadas do vinho. Do livro Vins et Mets du Monde.   

Enfim, vinhos raros, exóticos, longe do convencional. Na fronteira da Europa e Ásia, Massandra guarda um pedaço da história com réplicas memoráveis de alguns dos maiores vinhos do mundo do outros tempos. Para nossa sorte, continua fazendo história com viticultura e vinificação impecáveis. Afinal, pertinho dali, tudo começou um dia …

Harmonização com Sushis

16 de Fevereiro de 2017

Segundo Philippe Faure-Brac, grande sommelier francês e campeão mundial, sushi combina com sakê ou saquê, se preferirem. Assim como pão combina com cerveja, faz todo sentido sushi combinar com saquê, já que ambos têm o arroz em comum. Pessoalmente, partilho dessa harmonização. Essa opinião é contraditória tanto que, a melhor indicação para uma harmonização tradicional que os próprios japoneses praticam é o chá verde.

Contudo, como o assunto é vinho, vamos analisar alguns exemplares e conferir suas afinidades ou não com o prato. Para isso, foram testados três tipos de sushi, conforme foto abaixo.

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peixes: namorado, salmão e atum

Não é uma harmonização fácil, pois lidamos ao mesmo tempo com peixe in natura, arroz levemente avinagrado e adocicado, e um conjunto muito delicado. O shoyu (molho de soja) entra na brincadeira, dando um toque salgado importante. Para não complicar e de fato, deve ser evitado, não consideramos o wasabi, aquela pastinha verde, extremamente picante.

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harmonizações interessantes

Vallontano Espumante Extra Brut  LH. Zanini 2012

Este espumante nacional é elaborado no Vale dos Vinhedos, Serra Gaúcha, pelo método Tradicional com as uvas Chardonnay (75%) e Pinot Noir (25%). O vinho-base não tem passagem por barrica e as garrafas permanecem sur lies por 24 meses após a espumatização. A designação Extra Brut sugere que a bebida seja bastante seca. Importadora Mistral (www.mistral.com.br).

A maior proporção de Chardonnay dá leveza ao conjunto. A austeridade da bebida por ser Extra Brut combina bem isoladamente com o peixe in natura. Contudo, temos que analisar o conjunto onde o arroz é parte importante. Neste caso, falta textura ao espumante e principalmente um lado mais macio e adocicado.

Conclusão: Vá de espumante Brut ou até Extra-Dry, onde aquele açúcar residual é mascarado pela alta acidez do espumante e ao mesmo tempo, quebra a austeridade desnecessária de um Extra-Brut ou Brut Nature. Deixe essas versões para o sashimi. Aí sim, só a maresia do peixe sem interferência do arroz, cria uma sinergia de texturas. Quanto mais mineral for o espumante, melhor o casamento com o peixe in natura.

Portal do Fidalgo Alvarinho 2014

Este branco português do Minho é elaborado pela Provam, uma espécie de cooperativa das sub-regiões Monção e Melgaço, referentes à denominação Alvarinho. Totalmente vinificado em aço inox, não tem nenhum contato com madeira. Seus aromas são citrinos, minerais e florais.

Na harmonização, este branco mostrou bela acidez, corpo adequado e mineralidade interessante para o prato. O grande problema é que ele tinha um amargor importante, inerente ao vinho. Na combinação, esse amargor foi intensificado, faltando um lado um pouco mais frutado do vinho.

Normalmente, vinhos verdes, não necessariamente Alvarinhos, podem dar certo. Eles são mais delicados, álcool comedido, e comumente apresentam um lado off-dry interessante para a harmonização.

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harmonizações complicadas

Chateau St Hilaire Rosé Tradition Coteaux d´Aix-en-Provence 2015

Tradicional rosé da Provence com as uvas Grenache (60%) e Syrah (40%) elaborado pelo método de Pressurage Direct. Rosé bem claro, delicado, sem nenhum contato com madeira. Seus aromas cítricos, florais e de ervas, caracterizam bem a tipicidade desses rosés. É bom frisar um lado extremamente seco do vinho. Importadora Premium (www.premiumwines.com.br).

Os rosés da Provence costumam mostrar belo frescor e fruta vermelha mais comedida. O vinho mostrou-se adequado quanto ao corpo e textura para o prato. Porém, impróprio na harmonização, devido à extrema secura do vinho. O lado adocicado do arroz agrediu sua acidez, além da maresia do peixe metalizar levemente o vinho. O atum, por ter um sabor mais pronunciado,  mais estruturado, foi o que menos apresentou conflitos.

Deve-se evitar rosés com sushis. Em novas experiências, talvez rosés delicados mas com um lado frutado mais intenso, possam dar certo. Por exemplo, alguns rosés do Loire com a uva Gamay, a mesma uva do Beaujolais.

S.A. Prüm Wehlener Sonnenuhr Kabinnet Riesling 2012

Belo Riesling alemão do Mosel do vinhedo Wehlener Sonnenuhr em solo de ardósia. Classificação máxima para padrões alemães, VDP Grosse Lage é o equivalente ao Grand Cru francês. A inclinação de 70% do terreno garante uma boa incidência solar em elevadas latitudes. A vinificação é feita em grandes tonéis de madeira inerte com longo contato sur lies na maturação. A categoria Kabinett admite um final off-dry com um teor máximo de 9 g/l de açúcar residual. Importadora Vindame (www.vindame.com.br).

Foi a combinação de menor conflito de um modo geral, mostrando que esse tipo de Riesling alemão apresenta corpo, textura, acidez, mineralidade e um certo adocicado interessante ao prato. Entretanto, esse adocicado ficou um pouco acima do esperado. Além disso, o vinho aromaticamente era muito potente para o prato, sobrepondo-se um pouco no conjunto. O ideal é um Riesling Trocken ou Halbtrocken (meio seco) da região do Mosel, mais delicado. Pode ser também um alsaciano, desde que não seja muito austero e seco.

Um vinho interessante a ser testado para este casamento é o Jerez, fortificado espanhol do sul do país. Este vinho apresenta um teor alcoólico semelhante ao saquê, porém é extremamente seco. É exatamente este detalhe que pode atrapalhar na harmonização com um Fino ou Manzanilla, os jerezes mais minerais com crianza biológica.

Em resumo, trata-se de uma harmonização delicada, onde a sintonia fina pode fazer grande diferença. Em linhas gerais, a indicação de espumantes Brut e Rieslings são as mais seguras.

Porco e Cabernet Sauvignon

21 de Julho de 2016

Normalmente, quando falamos em harmonização com carne de porco, lembramos logo de Riesling, sobretudo quando temos algo defumado para fazer a ligação com os toques minerais do vinho. Entretanto, há outras possibilidades com alguns pratos específicos. Neste sentido, vamos falar de duas sugestões dadas pelo sommelier Philippe Faure-Brac, campeão mundial em 1992 aqui mesmo no Brasil. Ele tem o restaurante Bistrot du Sommelier em Paris, propondo algumas harmonizações ousadas. As receitas fazem parte de um livro  do sommelier intitulado “Vins et Mets du Monde” com os respectivos títulos que serão detalhados: Porc et Legumes sautés à la Sauce d´Huître, e a última receita, Travers de Porc Grillé Sauce Barbecue avec Épis de Maïs Grillés.

Nestas propostas, a indicação é um tinto à base de Cabernet Sauvignon, gerando vinhos sabidamente tânicos. No entanto, algumas peculiaridades fazem a ligação com aromas e sabores destes vinhos, promovendo combinações inusitadas, como veremos a seguir.

porco ao molho de ostra

porco ao molho de ostra

O prato da foto acima tem inspiração chinesa, elaborado na wok (panela em forma de meia esfera). Esta panela tem a propriedade de grelhar o alimento e mantê-lo crocante. A receita pede inicialmente para fritar a carne de porco (lombo de porco em cubos pequenos) em óleo de amendoim por cinco minutos. Reserve a carne e em seguida, doure os legumes tais como; ervilha torta, pimentão vermelho, abobrinha, gengibre, cebolinha, alho, broto de feijão, deixando-os crocantes. Reserve-os juntamente com a carne de porco. Voltando à wok, junte o molho de ostra, shoyu e vinagre de arroz, fervendo um pouco a mistura. Em seguida, junte o molho aos legumes e à carne de porco. Finalize com pimenta e óleo de gergelim.

O vinho deve ser um Cabernet Sauvignon ou se preferir, um corte bordalês. Na indicação de Philippe, o vinho é um corte bordalês com notável predominância da Cabernet Sauvignon de Hawkes Bay, ilha norte da Nova Zelândia. Para a devida harmonização precisamos ter um vinho com fruta presente, madeira elegante, toques minerais e taninos relativamente resolvidos, ou seja, um vinho com alguns anos de adega, mas com fruta ainda vivaz. Nessas condições, a textura da carne, dos legumes, e de certa untuosidade do molho, casarão perfeitamente com o vinho. Os toques picantes e o leve herbáceo do pimentão vermelho realçaram os sabores do vinho. Ainda segundo Philippe, é uma harmonização de refinamento, à altura da cozinha chinesa. Reforçando esta tese, um outro campeão mundial francês, o sommelier Olivier Poussier, colaborador de La Revue du Vin de France, afirma a sinergia entre a mineralidade do vinho e o molho de soja.

chateau giscours

ousadia bordalesa

O tinto acima poderia funcionar nesta primeira receita de origem chinesa. Já para a receita abaixo, os tintos do Novo Mundo têm mais chances, pois os toques de madeira, tostados e resinosos, são mais evidentes. Só para informação, este Giscours 2004 da comuna de Margaux, margem esquerda, tem em sua composição 60% Cabernet Sauvignon, 30% Merlot, 5% Cabernet Franc e 5% Petit Verdot. Amadurece de 15 a 18 meses em barricas francesas, sendo 50% novas. Nesta idade, 12 anos, os taninos estão razoavelmente domados.

porco grelhado ao molho barbacue (2)

costelinhas de porco ao molho barbacue

O segundo prato, foto acima, são costelinhas de porco grelhadas no molho barbacue acompanhadas de milho cozido e grelhado em manteiga. O segredo é fazer este molho barbecue que servirá de marinada para a carne. Ferva as costelinhas em água com sal e em seguida, escorra-as. Em seguida, tempere a carne com óleo e cebola. Para o molho, junte alho, mostarda, ketchup, curry, páprica, pimenta, vinagre de maçã, e açúcar mascavo. Junte este molho à carne em forma de marinada e deixe na geladeira por uma hora. Em seguida, grelhas as costelinhas, versando o molho periodicamente. Sirva então a carne com as espigas grelhadas em mateiga.

Neste caso, o Cabernet Sauvignon deve ter toques resinosos de menta, eucalipto, madeira presente, notas de baunilha, especiarias e uma certa mineralidade. Philippe sugere um Cabernet de Margaret River, costa oeste da Austrália. Contudo, pode ser um chileno ou mesmo um Rioja. A textura da carne grelhada incorporada ao molho casa bem com a textura e tanicidade do vinho. Os aromas da grelha e as especiarias do molho vão de encontro ao lado tostado do vinho, enquanto os toques agridoces do molho e do milho combinam com o lado frutado. Vinhos relativamente novos, com presença mais marcante da fruta funcionam melhor. São características bem presentes nos Cabernets de classe do Novo Mundo.

Enfim, experiências e tentativas novas no exercício da enogastronomia, fugindo um pouco do habitual classicismo. São nestas aventuras que muitas vezes temos as surpresas mais agradáveis e marcantes.

Il Vino: Enrico Bernardo

2 de Março de 2015

Enrico Bernardo, melhor sommelier do mundo em 2004, já foi citado várias vezes neste blog em alguns artigos específicos. Italiano, mas com profundo respeito à França, tanto no que diz respeito à gastronomia, como a seus vinhos. Il Vino, um nome um tanto provocativo aos parisienes, é um de seus restaurantes onde o vinho, as harmonizações, têm tratamento especial. Há inclusive um menu às cegas, onde uma série de pratos é harmonizada com taças de vinhos escolhidas didaticamente. Só para treinarmos um pouco, o menu abaixo para um almoço sugere algumas harmonizações. Os pratos e preços a seguir estão sujeitos a variações e mudanças.

À déjeuner

OEuf crémeux, lardo di Colonnata, crème de pommes de terre

ou…

Saumon fumé, écume de coco, fenouil, sésame noir

Filet de mérou poêlé, blettes et palourdes

ou…

Selle d’agneau rôtie, châtaignes et trompettes de la mort

Pamplemousse et pistaches

ou…

Poire rôtie aux épices, glace pannacotta

Entrée & Plat ou Plat & Dessert 29 euros

Entrée, Plat & Dessert 38 euros

Enrico Bernardo

Meilleur Sommelier du Monde 2004

Meilleur Sommelier d’Europe 2002

Meilleur Sommelier d’Italie 1996 et 1997

Dentre as opções sugeridas, ficaria com o salmão defumado de entrada, o cordeiro como prato principal, e a pera como sobremesa. Evidentemente, uma escolha pessoal.

Para a entrada temos o salmão defumado que pede um vinho de boa acidez e mineralidade. Há ainda completando o prato, espuma de coco, erva-doce e gergelim negro. Esses complementos podem quebrar um pouco a dureza do vinho e até permitir certos aromas de evolução. Uma boa indicação seria um Riesling alemão, de boa acidez, com leve tendência adocicada (halbtrocken), e com alguns anos de envelhecimento. Alguns rieslings austríacos enquadram-se nesta descrição. Em resumo, a acidez e mineralidade do vinho garantem o confronto com o salmão defumado, o lado frutado e macio vai bem com a erva-doce, e uma certa evolução aromática casa bem com o gergelim.

No prato principal, o cordeiro assado com castanhas e cogumelos tipo trombeta sugere um tinto estruturado e com toques de evolução. A primeira opção, extremamente clássica, seria um Bordeaux de margem esquerda. Sua estrutura, taninos, cairiam bem com a trama da carne. Evidentemente, para fazer eco às castanhas e cogumelos precisaríamos de um tinto com pelo menos dez anos de safra. Mesmo assim, uma safra não tão poderosa. Um Grand Cru Classé de 2001 é uma bela harmonização. Outros cortes bordaleses podem dar certo, embora o original seja mais prazeroso.

A sobremesa, peras assadas com especiarias e sorvete de pannacotta, pede um branco delicado, tanto do ponto de vista aromático, como gustativo. Um branco do Loire como Bonnezeaux  ou Quarts de Chaume, elaborado com a uva Chenin Blanc. Um Beerenauslese austríaco de Neusiedlersee ou um Monbazillac de Bergerac (Dordogne) também são boas opções.

Il Vino: http://www.enricobernardo.com

Outro restaurante nos mesmos moldes e mais antigo é o Bistrot du Sommelier, comandado por outro campeão mundial, Philippe Faure-Brac, título conquistado em 1992 no Rio de Janeiro. Faure-Brac é autor de um belo livro sobre enogastronomia intitulado “Vins et Mets du Monde”. Maiores informações: http://www.bistrotdusommelier.com

 Boas experiências para quem gosta de vinhos, enogastronomia e todos os detalhes da correta sommellerie.

Combinado: Saquê ou Riesling?

25 de Agosto de 2014

Um dos pratos mais pedidos na culinária japonesa é o combinado, envolvendo vários elementos como sushis e sashimis numa apresentação sempre sedutora e instigante, conforme foto abaixo:

Texturas e sabores sutis

No belo livro do sommelier Philippe de Faure-Brac sobre harmonização, Vins et Mets du Monde, há sempre sugestões audaciosas para os vinhos de acompanhamento. Contudo, na culinária japonesa sobre sushis e sashimis, sua proposta é bem tradicional, saquê e não o vinho. De fato, devo admitir que é um combinação admirável, provando mais uma vez que bebidas e comidas locais, regionais, são escolhas certeiras. A delicadeza da bebida e seu leve toque adocicado faz par perfeito com o sushi, sobretudo. O arroz com uma sugestão de doçura faz o elo de ligação com o saquê de forma extremamente harmoniosa. Embora o Jerez seja o vinho mais próximo da tradicional bebida japonesa, numa comparação tête-à-tête, o Jerez chega a ser tosco, muito evasivo. É o que eu digo sempre, a comparação é cruel. Insistindo no Jerez, prefira um delicado e fresco Manzanilla com sua nota de salinidade.

Vale a pena optar pelo autêntico saquê japonês. Mais delicado, elegante e pouca percepção do álcool. Apesar de custar pelo menos o dobro dos nacionais, o preço final não é tão proibitivo. É claro que os exemplares especiais, de grande artesanato, são sempre de custo elevado.

Um autêntico japonês: sutil e marcante

Já quando se trata de sashimi, o vinho pode combinar bem, prevalecendo o toque de maresia no prato. Pessoalmente, os Rieslings são os mais indicados. Sua alta acidez, leveza, frescor e um toque de mineralidade, são componentes fundamentais para a harmonização. Ele contrapõe de forma admirável a maresia e a salinidade do prato (molho shoyu). Um Kabinett clássico alemão do Mosel, apresenta leveza, sutileza e um leve toque adocicado que pode acompanhar também o sushi com sucesso. Os alemães do Rheingau tendem a ser mais encorpados e menos delicados com as devidas exceções. Já os alsacianos costumam apresentar mais corpo e estrutura, passando um pouco por cima do prato. Uma exceção pode ser o riesling da Maison Trimbach (importadora Zahil – http://www.zahil.com.br), extremamente seco e mineral. Prefira a versão básica, menos encorpada do que os fabulosos Cuvée Frédéric Émile e o suntuoso Clos Sainte-Hune.

Mosel: elegância e sutil doçura

O produtor acima, importado pela Decanter (www.decanter.com.br),  é pouco conhecido no Brasil, mas de grande reputação na denominação Mosel-Saar-Ruwer. Trittenheimer é um de seus terroirs especiais.

Alguns rieslings do Novo Mundo podem ser testados tais como, australianos do Clare Valley, a norte de Barossa Valley; neozelandeses da Ilha Sul, vinícola Rippon de Central Otago por exemplo, um dos belos vinhedos do mundo, importado pela Premium (www.premiumwines.com.br). Austríacos com a uva emblemática Gruner Veltliner são opções interessantes. Alguns vinhos do Loire com a uva Chenin Blanc sob a apelação Vouvray Sec e Tendre (leve açúcar residual) são os vinhos que mais se aproximam do estilo alemão.

Lembrete: Vinho Sem Segredo na Radio Bandeirantes (FM 90,9) às terças e quintas-feiras. Pela manhã, no programa Manhã Bandeirantes e à tarde, no Jornal em Três Tempos.

Harmonização: Ceia de Natal

1 de Dezembro de 2011

Neste Natal, Vinho Sem Segredo sugere uma harmonização exótica, tanto para o prato, como para o vinho. Na verdade, uma sugestão tirada do livro Vins et Mets du Monde, do grande sommelier Philippe Faure-Brac. Para aqueles que preferem não correr riscos, as harmonizações clássicas natalinas estão no post “Harmonização: Festas Natalinas”, do ano passado neste blog.

 

Voltando ao que interessa, o prato sugerido trata-se de um medalhão de carne de avestruz, hoje não tão difícil de ser encontrada, evidentemente em estabelecimentos diferenciados, conforme site (www.betelavestruzes.com.br).

A carne de avestruz apresenta baixíssimo teor de gordura, rica em ferro, e todas as características de uma carne vermelha. Por isso, torna-se imperativo grelhá-la ao ponto, para manter maciez e suculência agradáveis. Os medalhões devem ser temperados com pimenta negra grosseiramente moída, gengibre ralado, um pouco de azeite e vinho tinto. O molho é uma redução de vinho tinto, cebolas roxas e caldo de carne. No final da redução, acrescenta-se frutas escuras (blueberries ou amoras negras) para não desmancharem. A guarnição pode ser batatas cozidas e tostadas em manteiga na frigideira.

A origem e uma das maiores criações de avestruz estão no continente africano. Como pratos e vinhos locais costumam se dar bem, nossa sugestão para harmonização é um Pinotage, uva emblemática da África do Sul, cruzamento da Pinot Noir com a Cinsault, uvas da Borgonha e sul da França, respectivamente. Pessoalmente, a vinícola Kanonkop de Stellenbosch representada pela importadora Mistral (www.mistral.com.br), elabora o melhor Pinotage sul-africano. As parreiras são antigas e a vinificação é competente e consistente, ano após ano.

O vinho precisa ser jovem para ter frescor e muita fruta,  frente à acidez do molho e a sugestão de doçura das berries. A pimenta e o gengibre também pedem animação e frescor no vinho. Finalmente, a suculência da carne e a intensidade do molho pedem uma boa estrutura tânica e corpo adequado. Pinotage Kanonkop cumpre bem todos estes requisitos.

Outras opções são vinhos de bom corpo e muita fruta. Shiraz da Austrália e da própria África do Sul, portugueses do Alentejo e italianos sulinos como Primitivo de Manduria, são belas opções.

Este pode ser o prato principal da ceia, precedido de algumas entradas, e finalizada com as devidas sobremesas. Feliz Natal a todos!

Pantelleria e a uva Zibibbo

10 de Março de 2011

Moscatos e Passitos são algumas especialidades da enologia italiana. Um dos mais famosos e pouco conhecido no Brasil, são os Moscatos e Passitos di Pantelleria (ilha de origem vulcânica pertencente à Sicilia, contudo mais próxima da Tunísia, norte da África).

O clima da ilha é dominada por ventos como Maestrale (tem origem no Mistral da Provence) e sobretudo o Scirocco (vento quente que sopra do norte da África). O incansável Scirocco é que vai determinar a elaboração em determinados anos do Moscato di Pantelleria e o Passito di Pantelleria.

Pantelleria: mais próxima do continente africano

Segundo Marco de Bartoli, proprietário da Azienda Bukkuram, quando o inverno é frio (frio em Pantelleria quer dizer sem chuva antes da colheita) e o scirocco sopra depois da colheita, as uvas são postas a secar sobre o solo de pedras da ilha, tendo assim um appassimento perfeito. Nesta situação é elaborado o Passito, um vinho mais rico e concentrado. Já, se o Scirocco soprar antes da colheita com eventuais chuvas, o apassimento não será tão adequado. Neste caso, a tendência é fazer o Moscato di Pantelleria, um vinho agradável, equilibrado, porém sem a concentração do Passito. Vale salientar, que o rendimento destes vinhos são muito baixos. Cada quilo de uva de uva pode gerar no máximo 300 ml de vinho.

De todo modo, são vinhos muito interessantes que vale a pena serem provados. Cada qual em seu momento e devidamente harmonizado.  

Donnafugata: Produtor de destaque

O processo de elaboração dos dois tipos tem suas peculiaridades conforme critérios de cada produtor, mas em linhas gerais, uma parte das uvas é colhida e vinificada normalmente. Outra parte delas, é colhida e posta para secar por trinta, quarenta dias, ou mais. Posteriormente, as uvas passificadas são  adicionadas ao vinho da primeira parte do processo, dando continuidade à fermentação. Devido a elevados teores de álcool e açúcares, a fermentação é naturalmente interrompida, ficando um açúcar residual natural. Os rendimentos, as porcentagens de uvas passificadas e os índices de açúcar e álcool decorrentes de todo o processo, vão determinar as denominações Moscato ou Passito. Posteriormente, eles podem  passar por um amadurecimento em madeira (normalmente madeira inerte) por um tempo determinado, de acordo com o produtor (um a dois anos em média).

A uva em questão é a Moscatel di Alexandria, localmente chamada Zibibbo (em árabe quer dizer uva passa), com a pele espessa, resistente à passificação. É a mesma uva que elabora os famosos Moscatéis de Setúbal.

Um bela harmonização sugerida por Philippe Faure-Brac (melhor sommelier do mundo em 1992) é um Moscato di Pantelleria com  pão tipo italiano recheado de damasco, acompanhando um queijo italiano gorgonzola dolce. Eu digo italiano, porque existem muitos no mercado tipo gorgonzola, mas a cremosidade e concentração do italiano não têm paralelos.

Além do produtor Donnafugata da importadora World Wine (www.worldwine.com.br), temos outro belo exemplar de passito na Enoteca Fasano do produtor Benanti (www.enotecafasano.com.br).

Commandaria: O vinho das Cruzadas

10 de Fevereiro de 2011

Rei dos vinhos, Vinho dos reis!

Quando falamos de Barolo ou do húngaro Tokaji, a exaltação acima é sempre lembrada. No entanto, este ditado é muito mais antigo e provavelmente proferido pela primeira vez por Ricardo Coração de Leão (Ricardo I – Rei da Inglaterra), sobre o mítico vinho licoroso Commandaria da Ilha de Chipre. Talvez seja o vinho mais antigo, ainda produzido.

Reputado na Grécia Antiga na era de 800 AC (antes de Cristo), sua origem data por volta de quatro mil anos, tendo grande prestígio no tempo das Cruzadas e reverenciado nas cortes européias. Aliás, o nome Commandaria foi dado nesta época, no século XII, quando Cavaleiros Templários foram os guardiões de uma área delimitada da ilha, onde eram cultivadas as uvas do famoso vinho. Commandaria, inicialmente, é uma palavra que designa uma ordem (organização) militar.

O vinho destacou-se ainda mais neste período, após ter sido eleito o melhor em uma competição no século XIII, conhecida como a Batalha dos Vinhos, onde participaram os grandes vinhos da Europa.

Elaborado com as uvas locais Mavro (uva tinta) e Xynisteri (uva branca), as mesmas após serem colhidas bem maduras, passam ainda por um processo de soleamento, aumentando ainda mais a concentração de açúcares. O mosto é extraído lentamente através de prensas verticais, e então submetido a uma demorada fermentação. Normalmente, atinge 15º de álcool, com açúcar residual bastante elevado (cerca de quatro vezes em relação ao vinho do Porto). Sua doçura e viscosidade lembram um Pedro Ximenez (o típico Jerez doce), mas olfativamente está mais inclinado ao Porto, pelos aromas de chocolate e torrefação.

O vinho atualmente deve permanecer em madeira pelo menos dois anos antes da comercialização, embora nos tempos áureos, sua permanência fosse condicionada ao perfeito equilíbrio de seus componentes.

Concentrado e de textura viscosa

Este breve histórico tem o objetivo de enriquecer a harmonização abaixo proposta por Philippe Faure-Brac, um dos grandes sommeliers do mundo, proprietário do Bistrot du Sommelier em Paris.

Sachertorte, um clássico da Áustria.

A famosa torta de chocolate austríaca apresenta sabores intensos e textura cremosa. A massa e a cobertura são à base de chocolate e o recheio com de geléia de damasco.

A riqueza aromática do Commandaria e sua textura aveludada formam um par perfeito com a torta, numa explosão de sabores. É sem dúvida, uma harmonização por similaridade em termos de corpo, intensidade e textura, onde outros vinhos clássicos, provavelmente seriam sucumbidos pela doçura e forte presença de chocolate cremoso do prato. Banyuls e Portos, de boa concentração e potência, podem ter sucesso.

Harmonização: Quesadillas au Poulet

7 de Fevereiro de 2011

Prato popular da cozinha mexicana, cozinha esta, tão em moda atualmente em nosso circuito enogastronômico. A curiosa harmonização é do conceituado sommelier Philippe Faure-Brac, campeão mundial em 1992 no Brasil, e proprietário do Bistrot du Sommelier, em Paris.

Philippe Faure-Brac: Campeão Mundial em 1992

A proposta é harmonizar com um tinto mexicano, americano ou australiano, elaborado com a uva pouco usual Petite Syrah, também conhecida como Durif. Esta uva é um cruzamento da Syrah com a uva Péloursin. A Petite Sirah, outra grafia comumente usada, gera vinhos de bom corpo (álcool elevado, acima de 13,5º), macios e muito aromáticos (frutas escuras em geléia e especiarias, notadamente a pimenta).

Quesadilla: Tortilla com presença obrigatória de queijo

O prato em questão tem como ingredientes o frango, queijo cheddar, milho, pimenta fatiada (pode ser dedo de moça), cebola, coentro e molho de pimenta.

O vinho é encorpado para o prato, mas a força aromática de ambos é que permite a harmonização. O lado frutado do vinho, sua força alcoólica e as especiarias, encontram eco no adocicado do milho e no calor da pimenta. Uma queda de braço na intensidade de sabores frutados e apimentados.

Particularmente, prefiro outra sugestão do próprio Philippe. Um rosé provençal da apelação Bandol, com presença marcante da uva Mourvèdre. É um rosé de personalidade, com corpo mais adequado e o frescor necessário para o calor da pimenta. A importadora Zahil tem um ótimo exemplar, Château de Pibarnon, elaborado com Mourvèdre e Cinsault (www.zahil.com.br).

Outra boa opção é o rosé provençal da Domaine Sorin, importado pela Decanter (www.decanter.com.br). Participam várias uvas como Grenache, Cinsault, Syrah e Mourvèdre.


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