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Margaux: Terroir e Vinhos

22 de Fevereiro de 2020

Das quatro comunas famosas do Médoc, margem esquerda de Bordeaux, saem os quatro Premier Grand Cru Classé, além de outros vinhos de grande estirpe. A comuna de Margaux tem certas particularidades que não são comuns às outras três: Saint-Estèphe, Pauillac, e Saint-Julien, todas elas praticamente coladas entre si.

No caso de Margaux, os chateaux ficam espalhados em torno das aldeias, ou seja, eles ficam mais pulverizados em relação às outras comunas. Além desta característica, a mão e o estilo do produtor pesam nas condições de terroir.

medoc comunas

Margaux, um pouco isolada

Os setores mais longe rio nós chamamos de Haut-Medoc que circundam as outras comunas mais famosas. O cascalho pode aparecer, mas ele é mais escasso e aparece em talhões isolados neste território. Vejam pelo mapa acima que o cascalho presente nas três comunas tem uma parte descontinuada e volta aflorar em Margaux.

Podemos dizer que os vinhos de Saint-Estèphe tem taninos mais firmes, acidez mais destacada e um certa rusticidade em relação às outras comunas. Isso se deve à maior proporção de argila no terreno. Pauillac por vez, tem alta proporção de cascalho e excelente drenagem. Vinhos que aliam potência e elegância, fornecendo três tintos Premier Grand Cru Classe (Latour, Mouton e Lafite). Por fim, Saint-Julien, comuna que não tem o mesmo brilho de Pauillac, mas uma destacada regularidade.

medoc margaux

as comunas de Margaux

Das cinco comunas que aparecem no mapa de Margaux, a comuna homônima é a mais importante, dando o mesmo nome ao único Premier Grand Cru Classé da região, Chateau Margaux.

É interessante notar que os tintos de Margaux são marcados pela elegância e finesse, falando-se muito da Merlot no corte. Contudo é prudente notar que os grandes vinhos de Margaux tem alta porcentagem de Cabernet Sauvignon na mistura, a começar pelo grande Margaux. Acontece que o cascalho da comuna de Margaux é diferente. São calhais brancos de grande profundidade num solo acinzentado com alguma proporção de calcário, o que confere extrema finesse ao vinho. Isso é tão relevante que o Cabernet Sauvignon de Margaux parece ser mais leve e fino que o próprio Merlot elaborado num sítio comum.

Notem que as comunas de Margaux, Cantenac e Labarde são as que mais refletem este terroir. Elas têm proximidade do rio e um teor de cascalho maior. Na parte norte em Soussans, o cascalho quase desaparece, aumentando a proporção de argila. Neste cenário os vinhos são mais robustos e pesados, ficando a finesse em segundo plano. Por fim, a comuna de Arsac fica mais no interior da apelação, semelhante às comunas de Listrac e Moulin, no que diz respeito à distância do rio. Os solos contêm algum cascalho, mas há mais presença de areia, o que torna o vinho mais leve. Essa condição a sul de Margaux é uma característica de Macau e Ludon-Médoc. Os exemplos típicos deste tipo de vinho são Chateau Cantemerle e Chateau La Lagune, os quais são considerados Haut-Médoc de destaques.

margaux comunaconcentração nas comunas principais

Chateau d´Issan  x  Chateau Margaux

Se a comparação não vale pela fama e prestígio, em preço e condições de terroir podemos conversar. Notem que a distância do rio em relação aos dois chateaux são idênticas, separada por pouco mais de um quilômetro entre eles.

No Chateau d´Issan, tradicional desde a idade média, temos uma área menor de 44 hectares de vinhas com solo pedregoso, argila e algum calcário. Essas condições de terreno faz a proporção de Merlot aumentar, embora  a Cabernet Sauvignon seja ainda majoritária.

img_7328sempre em caixas de madeira

No Chateau Margaux temos outra situação. O vinhedo é praticamente o dobro com 80 hectares de vinhas. O solo é mais pedregoso, embora com argila e calcário. Este fato faz com que a Cabernet Sauvigon seja amplamente majoritária com mais de 70% no corte. Portanto temos um vinho muito mais longevo e estruturado. Embora com estas características, Margaux  é um vinho de extrema finesse dada pelos calhais de seu terreno,  aliada à uma estrutura monumental. A parte mais calcária do terreno temos um fato singular no Médoc. A expressão de um autêntico Sauvignon Blanc de larga tradição.  O branco mais prestigiado do Médoc.

Esses vinhos podem ser adquiridos na importadora Clarets com preços competitivos. Os dois chateaux, Margaux e d´Issan, apresentam várias linhas de produção e preços, de acordo com seu bolso. A vantagem do d´Issan além do preço, é sua prontidão mais adiantada neste momento. http://www.clarets.com.br

img_7337briga de titãs

Na bela safra 1983 para Margaux, os chateaux acima travam uma batalha acirrada ao longo do tempo. Por enquanto, Palmer está na frente com 98 pontos.

Chateau Palmer

O segundo vinho na hierarquia de Margaux, após a Grand Vin Chateau Margaux. Em algumas safras se rivalizam em alto nível como 1961 e 1983, numa difícil disputa. Os solos de Palmer ficam entre os calhais pedregosos, argila e areia. Aqui o aporte da Merlot é significativo, podendo em alguns anos superar o Cabernet Sauvignon. No entanto, apresenta classe e uma estrutura monumental para envelhecimento em garrafa. É um estilo intermediário, não tem a força do Chateau Margaux, mas tem mais um lado mais feminino desta comuna. 

Em linhas gerais, a comuna de Margaux sofre nas safras não tão boas. O solo mais frio de calhais e o próprio calcário não contribuem para o perfeita amadurecimento das uvas em alguns anos. No entanto, nas grandes safras, Margaux costuma fazer os vinhos mais finos de todo o Médoc.

Grandes vinhos, grandes safras.

1 de Fevereiro de 2020

O trinômio produtor, vinhedo e safra é levado muito a sério na Borgonha, mas pode facilmente ser estendido a outras regiões vinícolas. Às vezes fico me perguntando porque os vinhos de nosso Presidente são sempre especiais. Entre outros cuidados que ele toma na hora da compra, é prestar atenção nas grandes safras. E isso faz uma enorme diferença, pois o trinômio atinge a perfeição. Foi o que aconteceu num belo encontro no restaurante Mani em Pinheiros.

bela combinação!

Eis o primeiro trinômio: Coche-Dury, vinhedo Perrières, safra 96. Em estilo, talvez somente Roulot para peitar os Meursaults de Coche-Dury. A perfeição de seus vinhos começa nos vinhedos, parcelas minúsculas muito bem trabalhadas. Este Perrières, o mais emblemático Premier Cru de Meursault tem apenas meio hectare de vinhas plantadas em 1950, 70 e 05. A vinificação é em madeira com um bom trabalho de bâtonnage, evitando a oxidação dos vinhos. Os vinhos mais relevantes como Perrières passa de 15 a 22 meses em barricas, sendo mais de 50% novas. No entanto, o casamento do vinho e barrica é sempre harmonioso.

Este 96 estava perfeito. Tem 99 pontos e só perde para si mesmo na safra 2015. Porém, para um branco de 24 anos, o vinho estava deslumbrante. Evoluido, mas não oxidado. Os aromas eram de uma finesse única com toques de frutas secas, frutas amarelas maduras, especiarias delicadas e um mineral que se mistura a um fino tostado. A boca é impactante pela bela acidez que dá sustentação ao vinho, mas sem ser agressiva. O equilíbrio é perfeito, terminando numa persistência aromática extremamente expansiva. Fez um belo par com o tempurá de camarão e quiabo, guarnecido por uma mousse de ervas. O frescor do vinho contrabalançou muito bem a gordura do prato e os aromas sutis de ambos valorizaram o conjunto. 

img_7269as safras fazem a diferença!

Nemhum dos dois acima é Premier Grand Cru Classé, mas as safras de ambos fazem a diferença. O Montrose 90 fizeram o vinho e jogaram a fórmula fora. Um vinho sensacional que em certos momentos lembra ser um Pauillac, mas sem o mesmo peso. Esta safra particularmente tem indícios de Brett em boa parte das garrafas, mas esta garrafa em especial estava perfeita. Tinha um sutil toque de estrebaria, mas muito bem mesclado à fruta, especiarias e caixa de charutos. Já está delicioso, mas aguenta bons anos em adega.

Já o Palmer 83 foi o tinto do almoço. Ainda tem um platô estável de evolução, mas o vinho é delicioso. Não sei se é melhor que o Palmer 61, um vinho mítico, mas com certeza desbancou seu rival maior, o Margaux 83. Seus aromas lembravam de alguma maneira o notável Haut-Brion, um Premier Cru de grande distinção. Em todo caso, os toques de sous-bois, frutas escuras, alcaçuz, e traços florais, inundavam a taça. Não é muito encorpado, mas essa comuna prima pela elegância. Taninos finíssimos, acidez correta e um final de boca muito longo. Um Margaux de livro!

img_7270briga de titãs!

Definitivamente, tenho que rever minhas impressões sobre o Margaux 82, que achava um pouco abaixo dos demais Premiers desta safra. Mais uma garrafa perfeita onde o Margaux 82 tem criado aromas sedutores e uma boca mais harmoniosa, sobretudo em seus taninos. Foi páreo duro para o grande Mouton 82. Um vinho de 100 pontos em mais uma garrafa perfeita. A diferença sutil entre os dois é que o Mouton tem um pouco mais de corpo e de estrutura tânica, mas está delicioso de ser provado. A caixa de charutos, ervas e uma fruta madura deliciosa, dá grande vivacidade ao vinho. Garrafas como esta, podem ser guardadas por vários anos em adega.

pratos muito bem executados

À parte dos belos vinhos, o almoço no Mani foi muito bem elaborado com pratos de grande sabor como este polvo com arroz bomba, o mesmo utilizado na paella e executado com mestria pela Chef Helena Rizzo. A leitoa assada no ponto com farofa e verdura refogada lembrou a boa cozinha mineira de raiz.

img_7265belo vinho da importadora Cellar

Para quem quer provar um Grand Cru da Borgonha sem desembolsar uma pequena fortuna, este Charmes-Chambertin está no ponto. Provado a título de curiosidade, mostrou ser um vinho agradável e pronto para ser tomado, aromas francos e de boa intensidade, taninos presentes e macios. Uma safra jovem e não clássica, onde o vinho se desenvolve mais rapidamente. Muito abordável já na juventude. Outros bons exemplares na Cellar. Falar com Malizia!

Passando a régua, nos resta agradecer a imensa generosidade e fidalguia de nosso Presidente, a companhia de amigos, além de belos vinhos e ótima comida. Coisas simples que fazem reforçar e perpetuar as amizades. Que Bacco sempre nos proteja!

Margaux e seu super Deuxième

30 de Julho de 2019

Quando falamos de segundos vinhos de Bordeaux, sabemos que normalmente a diferença para o Grand Vin é notável, pois em última análise, o segundo vinho é a rejeição do vinho principal. Contudo, há exceções como o Les Forts de Latour, segundo vinho do Chateau Latour, sempre muito bem pontuado e com alta consistência. Nesta linha de raciocínio, devemos incluir o Pavillon Rouge de Margaux, pois sua qualidade lado a lado com o Grand Vin é marcante e incontestável. Foi o que aconteceu num belo almoço no Ristorantino, coordenado pela excelente sommelière Juliana Carani, mulher do mestre Manoel Beato.

bela harmonização

Como sempre de início, um branquinho para fazer a boca. Seguindo o script, um belo Bordeaux blanc do Chateau Pape Clément safra 2010. Seu blend é composto de 50% Sauvignon Blanc, 40% Sémillon, e 10% Sauvignon Gris. O vinho é fermentado e amadurecido em barricas francesas com o devido bâtonnage (revolvimento das borras). Seu nariz é rico em frutas amarelas como pêssegos e ameixas, notas de pâtisserie, manteiga, baunilha e mel. Boca de certa untuosidade dada pela presença da Sémillon e o trabalho de barrica. Final longo e com aromas de certa evolução. Não convém guarda-lo por muito tempo, pois já é delicioso no momento. Foi muito bem com um Cacio e Pepe (foto acima) bem delicado do menu proposto.

img_6416flight surpreendente

Neste primeiro flight, o mais surpreendente do almoço, a maioria da mesa confundiu o Pavillon com o Grand Vin de 100 pontos. Diante do fato, dá pra ver o nível deste segundo vinho. É bem verdade que esta garrafa de Pavillon Rouge, além da safra excepcional, veio diretamente do Chateau, um diferencial importante. Tanto a longevidade como a complexidade deste segundo vinho são notáveis e surpreendentes. Prova disso, que a nota deste Pavillon Rouge 90 pelo Parker é de 86 pontos, sendo considerado um vinho velho em seu patamar final de evolução. Avaliação totalmente contrária desta garrafa degustada. 

Um pouco de história …

A história do segundo vinho do Chateau Margaux, Pavillon Rouge, começa no final do século XIX e a primeira menção deste nome data de 1908. Entre as décadas de 30 e final de 70, o vinho não foi elaborado, tendo seu ressurgimento em 1978. Segundo o próprio Chateau, a produção do Grand Vin corresponde a 40% do total das vinhas, enquanto o Pavillon Rouge fica com 50% do total. Atualmente, existe um terceiro vinho que fica com os 10% restantes. Donde se conclui que boa parte das vinhas é dedicada ao segundo vinho, fugindo daquele critério básico de elabora-lo a partir somente da rejeição de lotes do Grand Vin. Portanto, é um segundo vinho diferenciado com bom poder de longevidade.

flight extremamente didático

Na comparação entre as safras 95 e 96 segundo o mestre Beato, os 95 geralmente são vinhos um tanto duros e inrustidos. Já os 96 são vinhos femininos, acessíveis, e muito prazerosos de serem provados. Isso ficou absolutamente claro nas taças, sendo o 96 um vinho de 100 pontos, o vinho do almoço como unanimidade.

Vale dizer que o 95 cresceu muito na taça com tempo, provando que ele precisa de tempo de adega para sua perfeita evolução, além de longa decantação para prova-lo no momento. O Margaux 96 já é delicioso, mas deve evoluir por décadas ganhando seus lindos toques terciários. O risoto de pato (foto acima) acompanhou muito bem este par de vinhos.

um intruso no ninho

Seria um flight clássico a disputa dos Margaux 82 e 83 se não fosse a presença do Pavillon Rouge 2009 novamente. É claro que ficou fácil de aponta-lo no páreo já que era extremamente jovem. Contudo, no mesmo nível de qualidade dos demais vinhos com grande concentração de sabor. Bela harmonização com costeletas de cordeiro à milanesa e lentilhas du Puy (foto acima).

Para minha surpresa, confundi as safras 82 e 83 com percepções totalmente contrárias as que sempre me recordaram em outros momentos. A safra 83 costuma ser elegante, delicada, e até um pouco misteriosa, sendo este ano muito bem avaliado para a apelação Margaux. Já o Margaux 82 sempre me pareceu um vinho duro, muito masculino para os padrões do Chateau. Diante do fato, o único que realmente apontou com convicção as taças corretas foi nosso Presidente, sempre nos surpreendendo em degustações às cegas. Aliás, agradecimentos especiais  a ele pelo vinhos selecionados, especialmente estes Pavillons maravilhosos ex-chateau, divinamente bem conservados. Uma verdadeira aula!

Licoroso e seleção de queijos

Para finalizar o almoço, mais um nota 100 na parada. Bem ao estilo PX (Pedro Ximenez), este licoroso de Jerez à base de Moscatel. Um vinho untuoso, de extrema presença em boca, e de longa persistência aromática. Trata-se de uma Cuvée especial denominada Toneles. Falando um pouco sobre o processo de elaboração, essas uvas são colhidas maduras e postas para solear em esteiras durante algumas semanas, tornando-se quase passas. O mosto rico em açucares e ácidos é posto para fermentar de maneira muito lenta. A fortificação acontece no início da fermentação, deixando no produto final cerca de 420 g/l de açúcar residual. O vinho apesar de doce, tem um equilíbrio muito bom devido a uma acidez de 10 g/l, a qual lhe confere um belo frescor, não o deixando enjoativo. 

Além da potência do vinho em si, sua alta complexidade aromática dá-se pelo sistema Solera de partidas muito antigas, podendo chegar a cem anos, ou seja, à medida que vão sendo sacados alguns lotes de vinho para o engarrafamento, vinhos novos são repostos na Solera para serem “educados” pelos mais antigos. É uma maneira contínua de renovar o sistema, mantendo a lenta evolução dos vinhos. Nestas soleras antigas, as sacas são muito criteriosas em partidas diminutas, pois os vinhos que serão repostos precisam ter alta qualidade equivalente ao nível da solera.

Enfim, um vinho que impactou a todos por sua potência e equilíbrio. Bom parceiro para charutos, como disse um dos confrades, além de queijos curados (foto acima) e geleias. Pode ser surpreendente por contraste com sorvetes de ameixa, banana, ou outras frutas passas. 

Agradecimentos a todos os confrades pela companhia, generosidade e boa conversa. Margaux é sempre um tema apaixonante, provando mais uma vez sua elegância e personalidade única. Que Bacco nos guie por caminhos sempre surpreendentes!

Comunas e Estilos

8 de Janeiro de 2018

Quando tentamos traçar um paralelo entre as regiões francesas de Bordeaux e Bourgogne é sempre algo muito mais contrastante do que semelhante. Tudo que cerca esses dois terroirs são conceitos muito diferentes, além de solos, climas e uvas. Um dos únicos pontos em comum é que são vinhos igualmente divinos, que envelhecem bem, e atinge uma complexidade difícil de parear com outras regiões vinícolas. Evidentemente, estamos falando do que há de melhor nestes respectivos terroirs. Assim sendo, as mais nobres sub-regiões de cada um destes terrenos estão exemplificadas no mapa abaixo: Médoc em Bordeaux e Côte de Nuits em Bourgogne.

correlação de estilos

As principais comunas dessas regiões fornecem vinhos distintos e de muita personalidade. O estilo particular de cada comuna permite fazer uma analogia entre as duas regiões. A intensidade, sabor, aroma, e textura, não são os mesmos, mas há uma linha mestra que permite a comparação. Senão, vejamos.

Margaux e Chambolle-Musigny

São comunas que afloram sobretudo a elegância. Portanto, textura e aromas delicados, escondendo com sutileza a força e profundidade desses vinhos. Quando nos deparamos com os respectivos astros maiores, a comparação faz ainda mais sentido. Um grande Chateau Margaux possui uma estrutura fabulosa, capaz de vencer décadas em garrafa, sempre envolto em muita elegância. O Grand Cru Le Musigny é outro vinho monumental que segue o mesmo caminho, profundo e elegante. São vinhos com discrição, que precisam ser descobertos e apreciados com atenção e paciência.

Saint-Julien e Morey-Saint-Denis

O ponto em comum entre essas comunas é a imprecisão de estilos de seus vinhos. Saint-Julien, colada em Pauillac, tenta ter a mesma força com vinhos muito equilibrados. Às vezes, o estilo pende para Margaux. Da mesma forma, os tintos de Morey-Saint-Denis procuram ter a força de Chambertin com alguma delicadeza de Chambolle-Musigny. De toda a forma, ambas comunas fazem vinhos de grande consistência e longevidade.

Pauillac e Gevrey-Chambertin

Duas comunas de grande prestígio e com o maior número de Grands Crus em seus respectivos terroirs. Pauillac tem três dos cinco primeiros de Bordeaux. Gevrey-Chambertin possui nove Grands Crus, liderados pelos espetaculares Chambertin e Clos de Bèze. Outros vinhos logo abaixo do primeiro escalão procuram manter o alto nível dos grandes astros. Já os demais vinhos de cada uma das comunas ficam sensivelmente abaixo da perfeição. De fato, são terroirs muito distintos, de difícil replicação.   

Saint-Estèphe e Nuits-Saint-Georges

Comunas que não possuem Grands Crus em seus repectivos terroirs. Saint-Estèphe tem vinhos longevos e de muita distinção, mas falta-lhes um certo refinamento que os difere de um Pauillac, por exemplo. Nuits-Saint-Georges segue o mesmo caminho. Embora seja uma comuna relativamente extensa, os tintos produzidos mais perto de Vosne-Romanée tendem a ser mais delicados, mas falta-lhes finesse, a elegância suprema de Vosne. Pessoalmente, prefiro a autêntica rusticidade de um Gouges ou Faiveley. São mais verdadeiros e envelhecem muito bem.

Vosne-Romanée

Aqui não há comparação. Aqui não temos vinhos comuns. São tintos que aliam profundidade e elegância sem paralelos. Isso fica potencializado quando nos deparamos com produtores como Domaine de La Romanée-Conti, Domaine Leroy, e Henri Jayer. A Pinot Noir toma outra dimensão, gerando vinhos de alta complexidade e enorme longevidade. Do trio mágico acima, os DRCs costumam ser menos lapidados. Precisam de muito tempo em garrafa para mostrarem o que são. Agora, a alta costura dos vinhos de Madame Leroy e Jayer são indescritíveis. Eles imprimem uma elegância extrema, parecendo ser quase frágeis, mas com uma profundidade soberba.

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duas obras-primas sem paralelos

Para não ficar em cima do muro, um grande Vosne em algum momento de sua evolução apresenta uma intersecção com um belo Lafite envelhecido, o mais borgonhês de todo o Médoc. Lafite, sempre é um tinto discreto, misterioso, difícil de se mostrar quando novo. Contudo, quando envelhece, seus aromas etéreos lembrando flores e cedro, além da textura delicada, alguma coisa da Borgonha parece dançar pela taça.

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delicadeza bordalesa com traços borgonheses    

Enfim, apenas um pouco de filosofia comparando duas pequenas porções de terreno onde os maiores tintos do planeta se expressam. O dia em que cair a última gota de chuva e for removido o último estrato geológico na terra, ainda não se saberá porque a França é a indiscutível mestra dos vinhos.  Hugh Johnson!  

 

 

O vinho e o tempo

12 de Novembro de 2017

Quanto mais velho, melhor. Esta é uma das inúmeras frases sobre vinhos e uma das mais equivocadas também. A grande maioria dos vinhos deve ser tomada com poucos anos de garrafa, onde seu apogeu é relativamente curto. Mesmo numa região como Bordeaux, somente menos de cinco por cento de toda a produção anual, faria jus à frase citada.   

As condições de terroir para vinhos de grande longevidade são extremamente precisas e singulares. Voltando a Bordeaux, percebemos que os melhores terrenos nos chamados vinhos de margem esquerda apresentam camadas de cascalho profundas e espessas, garantindo assim uma drenagem eficiente e o perfeito amadurecimento da Cabernet Sauvignon, uva principal do chamado corte bordalês nestas paragens. Seu ciclo de amadurecimento nestas condições de solo e de clima ameno fica alongado, proporcionando uma estrutura de taninos única, não encontrada em outras partes do mundo. Esses taninos sobretudo, é que garantirão um grande Chateau  envelhecer seus vinhos durante 20, 30, 40 anos, ou mais, dependendo de condições específicas de safra.

Nada como constatar na prática o exposto acima num excelente almoço entre amigos. Ficou extremamente didático como os grandes Bordeaux se comportam ao longo do tempo com aromas e sabores fascinantes, cada qual com suas peculiaridades e fidelidade a seus respectivos terroirs.

mani latour 90

a vida começa aos 27 anos …

O que são 27 anos para um Latour? Sabe aquele jovem bem preparado que está começando a vida, cheio de vitalidade e sonhos?. É exatamente a sensação de provar um vinho deste naipe. Devidamente decantada, esta garrafa double magnum estava deliciosa. Toda a força e imponência do Latour numa grande safra. Reparem no rótulo, apenas 12,5 graus de álcool, para que mais?. Corpo perfeito, taninos ultra polidos, absurdamente equilibrado, e extremamente bem conservado. Sua marca registrada estava ali, um toque elegante de couro de pelica, além do intenso cassis, grafite, e notas de chocolate. Vai romper décadas para ser um daqueles grandes Latours que faz a fama do tinto mais respeitado de todo o Médoc.

mani pichon 82

o apogeu de um Bordeaux

Vamos descer um pouco mais no tempo e chegar aos gloriosos 82. São vários os que marcaram história: Latour, Mouton, Lafite, e tantos outros. Contudo, Pichon Lalande se superou como Deuxième. Um vinho às cegas que é capaz de fazer grande barulho na turma de primeiro escalão. Apesar de estar em seu esplendor, seu platô é amplo com uma capacidade de envelhecimento imensa. Mescla com maestria a exuberância da fruta com divinos toques terciários. Sem medo de errar, é o melhor Pichon de toda história deste grande Chateau.

mani margaux 59

outra safra gloriosa

Aqui temos a exata ideia de um grande Bordeaux envelhecido. É um dos grandes Margaux da história, mostrando toda a elegância deste senhor da comuna homônima. Um licor de cassis misturado com floral e um tabaco de Havana sensacional. Taninos totalmente polimerizados, equilíbrio perfeito, e um final muito bem delineado. Vai um pouco de gosto pessoal, mas a suavidade e elegância destes tintos envelhecidos são experiências únicas. 

mani lafite 69

as marcas do tempo no rótulo   

O Brasil ainda se preparava para ser tricampeão mundial de futebol com Pelé em plena maturidade futebolística. Por falar em maturidade, eis um Bordeaux com quase 50 anos. Não é tecnicamente uma grande safra, mas é um Lafite. Só pelos aromas, já vale a pena prova-lo. Etéreo ao extremo com seus toques de cedro, madeira fina, balsâmicos, e notas de chá. A boca já um pouco cansada, mantem o equilíbrio e altivez de um autentico Premier Grand Cru Classé. Lafite é a Borgonha de Pauillac, vinho de extrema elegância e sutilezas. 

Aqui podemos ter a clara noção de delicadeza com profundidade. Numa brincadeira com um dos convivas, aliás nascido nesta safra e grande conhecedor de Bordeaux de elite, foi lhe dado uma taça para provar sem nenhuma pista, e imediatamente sentenciou: isso aqui é uma mistura de Lafite com Latour. De fato, era o que estava na taça. Analisando o fato, veja como um Lafite aparentemente frágil peitou de frente o todo poderoso Latour numa safra vigorosa, pois os aromas do Lafite predominaram na taça. Mistério dos vinhos …

carnes do restaurante Mani

Carnes de diferentes texturas como bochecha de boi e bife de chorizo acompanharam com competência o time de bordaleses descritos acima. Outros pratos do menu harmonizaram melhor com uma série de brancos maravilhosos que descreverei no próximo artigo, exceto o Yquem 1990 abaixo, por sua origem bordalesa.

mani yquem 90mani mochi de bacuri

safra histórica deste grande ícone

Começamos e encerramos muito bem o almoço com dois maravilhosos Bordeaux de 1990, Latour e Yquem. Parece que essa garrafa adivinhou que iria encerrar um almoço de bordaleses envelhecidos. Ao contrário de outras garrafas de mesma safra, a própria cor estava mais evoluída, acompanhando os aromas de mel, caramelo escuro, e notas adamascadas. Amplo em boca, deixa um final harmonioso e bastante expansivo. Ainda na foto acima, sobremesa de frutas exóticas e a cor evoluída do maior dos Sauternes.

Encerrando as considerações sobre o tempo, os grandes vinhos nos ensinam que paciência e sabedoria são virtudes trabalhadas ano após ano com muita serenidade. Num dado momento, percebemos que a espera valeu a pena.    

Abraços a todos os confrades, companheiros de mesa e copo!

Petrus x Médoc

31 de Outubro de 2017

Mais um belo jantar preparado pelo Chef Laurent Suaudeau, um dos mais clássicos franceses radicado em nosso país, escoltando cinco bordaleses de primeiro escalão num bom momento de evolução em garrafa de safras não tão badaladas. É nessas horas que vemos toda a categoria desses vinhos e sua capacidade de envelhecer longamente em adega. Antes porém, um Champagne e um Meursault fizeram as honras da casa recepcionando os convivas.

champagne e bottarga

Na foto acima, Louis Roederer Cristal Rosé 2005 em Magnum. Um dos diferenciais deste incrível champagne é ser elaborado com maceração pelicular da Pinot Noir, ou seja, um rosé de saignée. Na grande maioria dos champagnes rosés, o método normalmente usado é de assemblage, misturando um pouco de vinho tinto no mosto incolor apenas para tingi-lo devidamente. Além disso, sua categoria Brut está no limite do açúcar residual permitido, entre 11 e 12 gramas por litro. O blend é feito com 70% Pinot Noir e 30% Chardonnay. O vinho permanece cerca de quatro anos sur lies antes do dégorgement. O resultado é um champagne de estrutura, macio, com a elegância da Maison acima de tudo. Mousse muito delicada e um final harmônico, mesclando frescor e uma sensação off-dry. Acompanhou bem uma das entradas (foto acima), lâminas de bottarga com purê de batata, mostrando personalidade. 

bisque de camarão e Meursault. Hum !!!

Nesta combinação tem um pequeno detalhe. O Meursault é do Roulot e a bisque, do Laurent. Isso pode fazer uma enorme diferença. Este Premier Cru Le Porusot tem uma diminuta área de 0,42 hectare. Seu estilo é muito mineral, um toque alimonado, e uma textura não tão untuosa como um Lafon, por exemplo. A porcentagem de barrica nova no processo é bem pequena, da ordem de 15 a 20%. Muito equilibrado, super bem acabado e complementou divinamente uma das entradas (foto acima), panelinha de vongole e camarão. 

Nessa altura do campeonato, todos já olhando para os decanters na mesa de apoio com os cinco vinhos devidamente livres de seus sedimentos.

carlos lafite e margaux 79

safra que pode surpreender

Abrindo os trabalhos, lado a lado, Lafite e Margaux com quase 40 anos. O Lafite 79 mostrou toda a evolução de um grande Bordeaux. Aromas terciários plenos, taninos polimerizados, um toque de cedro muito elegante. Enfim, o vinho mais pronto no momento e com incrível prazer. É sem dúvida, o mais delicado e elegante entre os grandes Pauillac. Já o Margaux 79, surpreendeu positivamente. Uma safra que muita gente não dá bola, mas no caso de Margaux apresenta grande estrutura. Seus taninos ainda não estão totalmente resolvidos. Os aromas muito elegantes do Margaux lembram um toque floral e de sous-bois, entre outros. Já pode ser bebido, mas evolui por pelo menos cinco anos. Tem 93 pontos Parker.

carlos mouton 87 e latour 94

a força de Pauillac

Neste segundo flight, a maior disparidade. Tanto em evolução, como diferenças de safra. Mouton 87 numa safra com muitos problemas. Por ser uma safra relativamente precoce e sem muita concentração, seu melhor momento certamente passou. Ainda longe de qualquer indicio de oxidação, não foi tão longo em boca. Já o Latour 94, foi o infanticídio da noite. Outra safra não muito badalada, mas com 94 pontos Parker. Cor ainda escura, aromas um pouco fechado, foi se abrindo aos poucos. Uma montanha de taninos para ser trabalhada ao longo do tempo. Aromas clássicos com um toque de cassis, couro fino, mineral, e tabaco. Longo em boca, precisa dormir pelo menos mais dez anos em adega. Latour é Latour.

carlos bouef bourguignon

boeuf bourguignon comme il faut

Acima, um dos pratos do mestre Laurent, o clássico cozido borgonhês para cutucar um pouco os bordaleses. Sem nenhum problema de harmonização, quando já bem evoluídos, os bordaleses pegam um pouco a delicadeza da Borgonha.

carlos petrus 80

um dos mitos de Bordeaux

Abram alas para sua majestade, Rei Petrus. É mais ou menos assim que pensamos quando ele chega à mesa. Para começar, esta safra mostra uma boa estratégia para aqueles que desejam prova-lo  pelo menos uma vez. Não é tão cara como outras safras badaladas e tem a vantagem de estar pronto, sem muitas arestas. Com seus 37 anos, é muito prazeroso de toma-lo. Ainda com muita fruta, toques terrosos e de adega úmida, seus taninos são sedosos, e um final complexo. Pela expectativa da safra, surpreendeu positivamente. Além disso, título do artigo, enfrentou sozinho os quatro da margem esquerda com altivez.

Ainda deu tempo de dar um pulinho na safra 99 com dois grandes chateaux, Haut-Brion de Graves, e Ausone de Saint-Emilion.

carlos ausone e haut brion 99

já chegando nos seus 20 anos!

Outra safra que muitas vezes passa esquecida em Bordeaux. Os dois chateaux acima ainda muito novos, provando mais uma vez a enorme longevidade desses vinhos. Haut-Brion sempre prazeroso com seus toques terrosos e de estrebaria. Segue o perfil elegante, não muito encorpado, mas extremamente equilibrado. Devidamente decantado por duas horas, pode ser muito agradável no momento. Já o Ausone, foi outro infanticídio. Um vinho com 95 pontos Parker de taninos abundantes e muito finos. Fruta escura concentrada, um toque mineral esfumaçado, faltando claramente integração entre seus componentes. Lembra um pouco os aromas do Troplong Mondot, outro grande St-Emilion. Com a devida paciência, será um dos grandes Ausones, fechando o século passado.

carlos yquem 87

o melhor final de festa bordalês

Falar que Yquem é um grande Sauternes, um vinho maravilhoso, é chover no molhado. O que novamente surpreendeu positivamente neste exemplar foi a safra 87, outra vez pouco badalada. Um vinho pronto, não muito untuoso, mas com aromas delicados e muito harmônicos. Um toque sutil de mel, caramelo e marron glacé. Final não muito longo, mas extremamente prazeroso.

carlos noval vintage 1970

Madelaine, Porto e Latour ao fundo

Na foto acima, o brinde final. Quinta do Noval Vintage 1970 devidamente decantado. A cor é bem mais delicada que o decanter da foto, no caso Latour 94. Noval é uma Casa de elegância impar. Notas balsâmicas e de frutas em compota permeiam seus aromas. Boca ampla, de grande equilíbrio, e terrivelmente persistente. As madeleines não são de Proust, mas do mestre Laurent. Um Gran Finale!    

De vez em quando a gente vai pro céu …

10 de Junho de 2017

A morte é uma viagem sem volta, mas para dar uma olhadinha no céu e voltar, vale a pena. Um dos atalhos mais seguros nesta vereda são os grandes Bordeaux. E neste almoço de comemoração de um dos confrades, as passagens para o céu estavam reservadas. Nas boas vindas ao paraíso, que tal um Dom Pérignon 1971 Oenothèque degorjado em 2006! Fora da nomenclatura atual, trata-se de um P3 (terceira plenitude), dentro do conceito da casa de manter por longo tempo o vinho em contato com as leveduras. Para atingir o nível máximo, somente as melhores partidas de cada ano têm estrutura e folego para tal fim.

o pulo do gato: 35 anos sur lies

E este P3 estava divino. Não há adega no mundo que conserve tão bem um champagne como a proteção natural das leveduras na garrafa (contato sur lies). Além de conferir complexidade e textura inigualáveis, as borbulhas se mantêm vivas, presentes, e ultra delicadas. Uma maravilha de sabor mesclando leves toques amanteigados, cítricos de toda sorte e algo como pêssegos confitados. É como estar nas nuvens.

gero haut brion 89 double magnum

o paraíso existe!

Para começar a brincadeira, foi aberta uma Double Magnum de Haut Brion 1989, 100 pontos indiscutíveis, que permeou todo o almoço. Sabe aquele vinho que ainda não está pronto, que ainda vai durar por décadas, mas que mesmo assim já é maravilhoso, este é o Haut Brion 89, prazer em conhece-lo. Pensem em aromas complexos, taninos ultra finos, profundidade, equilíbrio, e persistência, notáveis. Realmente, excepcional!

briga de gente grande

Para um primeiro confronto, duas taças lado a lado: Latour 1988 e Margaux 1990. O primeiro, não está entre os grandes Latours, mas é um Latour. Isso por si só, já o credencia a um vinho brilhante. Ainda novinho e uma montanha de taninos a serem lapidados por longos anos em adega. A estrutura de um Latour faz dele o senhor do Médoc. Já o Margaux 1990 foi o infanticídio do almoço. Praticamente um feto, tímido, tentou se soltar aos poucos, mas ainda sem pernas para caminhar sozinho. Digamos assim, um monstrinho engarrafado. Contudo, não tenham dúvidas, será um dos grandes Margaux da história. Para quem não tem paciência, decanta-lo por pelo menos duas horas.

gero risoto de codorna

em sintonia com os bordeaux

Fazendo uma pausa com os vinhos, o delicioso almoço onde desfilaram vários pratos, o da foto acima, risoto de codornas com o próprio molho, foi o que mais harmonizou com os caldos bordaleses, sobretudo os mais delicados e de aromas terciários.

Já em outra Dimensão …

Agora totalmente no paraíso, chega a Santíssima Trindade: Haut Brion 1959, Margaux 1947, e o rei Petrus 1947. Para tudo! não se pontua, não se compara, só se aprecia. É neste estágio, que poucos vinhos se diferenciam dos demais, mesmo entre os grandes. A cor do Margaux 47 é simplesmente inacreditável, conforme foto abaixo. A imagem não precisa de palavras.

gero margaux 1947

um grande Bordeaux não mostra a idade

Novamente o Haut Brion em cena, e com a mesma consistência, elegância e classe. Que Bordeaux maravilhoso! onde o tempo só faz muda-lo de aparência com a pátina da idade. Um dos maiores da safra 1959, por sinal, meu ano.

como é bom envelhecer!

Passando a régua, Petrus 1947 com engarrafamento na Bélgica. Sim, naquela época uma parte do Petrus era engarrafada na Bélgica, onde as barricas eram exportadas. O “mis en bouteille au Chateau” não era tão rígido. Até mesmo os Cognacs, muitos deles eram mandados em barricas para envelhecer no porto de Londres, por exemplo. Engarrafamentos à parte, estava divino, muito longe daqueles Petrus fechados, que relutam em amadurecer. Este completamente desnudo, mostrando tudo que um vinho como esse é capaz de proporcionar. Ultra macio, equilibradíssimo, com tudo no lugar. Seus aromas terciários remetiam a uma floresta de cogumelos. Finalmente, um Petrus no ponto de ser tomado.

gero latour 82

O Senhor do Médoc

Saindo um pouco do céu, mas ainda no paraíso, mais um nota 100 entra em cena para fazer par com o Haut Brion 89, Chateau Latour 1982, uma legenda de vinho. Com muito fôlego pela frente, já se mostra extremamente prazeroso com toda aquela imponência que lhe é peculiar. Notas de couro fino, tabaco, o clássico cassis, e um mineral estupendo. Foi muito didática a comparação dessas duas comunas (Pauillac e Pessac-Léognan) em termos de terroir, sobretudo por questões de solo e de blend. Onde a participação da Merlot no Haut Brion é mais enfática, e em contrapartida a participação da Cabernet Sauvignon, imperativa no Latour, percebemos claramente a maior robustez deste emblemático Pauillac. A preferência aqui é antes de mais nada, pessoal. Dois monumentos da margem esquerda.

gero bas armagnac 1959

taças: a tradicional e a técnica

Após muito papo, sobremesa e cafezinhos, a festa tem que continuar. E agora, já fora da mesa. O grande sommelier do grupo, mestre Beato, nos presenteou com um Bas Armagnac da safra 1959, engarrafado em 1987. O Domaine Boingnères é um dos mais reputados nesta apelação. Aliás, Bas-Armagnac é o melhor terroir da região, moldando as aguardentes mais finas e delicadas. O longo tempo de permanência em barricas de carvalho diluiu completamente o excesso de álcool inicial, sem necessidade de retificação com água. É a chamada parte dos anjos (part des anges), onde a evaporação natural nas adegas faz perder cerca de meio grau alcoólico por ano. Não havia melhor bebida para encerrarmos mais esta orgia.

gero partagas lusitanias gran reserva

aqui se separa os homens dos meninos

Os Puros evidentemente, escoltaram devidamente este néctar, o qual foi lentamente sorvido. Um dos Havanas em destaque, foto acima,  foi o Partagas Lusitanias Gran Reserva. De grande fortaleza e persistência, seus tabaco é envelhecido por pelo menos cinco anos. Esse em questão, um Double Corona, é da safra 2007.

O que mais dizer senão agradecer a todos, pela companhia, energia positiva, e grande generosidade dos confrades. Parabéns Moreira! Vida longa!

Porco e Cabernet Sauvignon

21 de Julho de 2016

Normalmente, quando falamos em harmonização com carne de porco, lembramos logo de Riesling, sobretudo quando temos algo defumado para fazer a ligação com os toques minerais do vinho. Entretanto, há outras possibilidades com alguns pratos específicos. Neste sentido, vamos falar de duas sugestões dadas pelo sommelier Philippe Faure-Brac, campeão mundial em 1992 aqui mesmo no Brasil. Ele tem o restaurante Bistrot du Sommelier em Paris, propondo algumas harmonizações ousadas. As receitas fazem parte de um livro  do sommelier intitulado “Vins et Mets du Monde” com os respectivos títulos que serão detalhados: Porc et Legumes sautés à la Sauce d´Huître, e a última receita, Travers de Porc Grillé Sauce Barbecue avec Épis de Maïs Grillés.

Nestas propostas, a indicação é um tinto à base de Cabernet Sauvignon, gerando vinhos sabidamente tânicos. No entanto, algumas peculiaridades fazem a ligação com aromas e sabores destes vinhos, promovendo combinações inusitadas, como veremos a seguir.

porco ao molho de ostra

porco ao molho de ostra

O prato da foto acima tem inspiração chinesa, elaborado na wok (panela em forma de meia esfera). Esta panela tem a propriedade de grelhar o alimento e mantê-lo crocante. A receita pede inicialmente para fritar a carne de porco (lombo de porco em cubos pequenos) em óleo de amendoim por cinco minutos. Reserve a carne e em seguida, doure os legumes tais como; ervilha torta, pimentão vermelho, abobrinha, gengibre, cebolinha, alho, broto de feijão, deixando-os crocantes. Reserve-os juntamente com a carne de porco. Voltando à wok, junte o molho de ostra, shoyu e vinagre de arroz, fervendo um pouco a mistura. Em seguida, junte o molho aos legumes e à carne de porco. Finalize com pimenta e óleo de gergelim.

O vinho deve ser um Cabernet Sauvignon ou se preferir, um corte bordalês. Na indicação de Philippe, o vinho é um corte bordalês com notável predominância da Cabernet Sauvignon de Hawkes Bay, ilha norte da Nova Zelândia. Para a devida harmonização precisamos ter um vinho com fruta presente, madeira elegante, toques minerais e taninos relativamente resolvidos, ou seja, um vinho com alguns anos de adega, mas com fruta ainda vivaz. Nessas condições, a textura da carne, dos legumes, e de certa untuosidade do molho, casarão perfeitamente com o vinho. Os toques picantes e o leve herbáceo do pimentão vermelho realçaram os sabores do vinho. Ainda segundo Philippe, é uma harmonização de refinamento, à altura da cozinha chinesa. Reforçando esta tese, um outro campeão mundial francês, o sommelier Olivier Poussier, colaborador de La Revue du Vin de France, afirma a sinergia entre a mineralidade do vinho e o molho de soja.

chateau giscours

ousadia bordalesa

O tinto acima poderia funcionar nesta primeira receita de origem chinesa. Já para a receita abaixo, os tintos do Novo Mundo têm mais chances, pois os toques de madeira, tostados e resinosos, são mais evidentes. Só para informação, este Giscours 2004 da comuna de Margaux, margem esquerda, tem em sua composição 60% Cabernet Sauvignon, 30% Merlot, 5% Cabernet Franc e 5% Petit Verdot. Amadurece de 15 a 18 meses em barricas francesas, sendo 50% novas. Nesta idade, 12 anos, os taninos estão razoavelmente domados.

porco grelhado ao molho barbacue (2)

costelinhas de porco ao molho barbacue

O segundo prato, foto acima, são costelinhas de porco grelhadas no molho barbacue acompanhadas de milho cozido e grelhado em manteiga. O segredo é fazer este molho barbecue que servirá de marinada para a carne. Ferva as costelinhas em água com sal e em seguida, escorra-as. Em seguida, tempere a carne com óleo e cebola. Para o molho, junte alho, mostarda, ketchup, curry, páprica, pimenta, vinagre de maçã, e açúcar mascavo. Junte este molho à carne em forma de marinada e deixe na geladeira por uma hora. Em seguida, grelhas as costelinhas, versando o molho periodicamente. Sirva então a carne com as espigas grelhadas em mateiga.

Neste caso, o Cabernet Sauvignon deve ter toques resinosos de menta, eucalipto, madeira presente, notas de baunilha, especiarias e uma certa mineralidade. Philippe sugere um Cabernet de Margaret River, costa oeste da Austrália. Contudo, pode ser um chileno ou mesmo um Rioja. A textura da carne grelhada incorporada ao molho casa bem com a textura e tanicidade do vinho. Os aromas da grelha e as especiarias do molho vão de encontro ao lado tostado do vinho, enquanto os toques agridoces do molho e do milho combinam com o lado frutado. Vinhos relativamente novos, com presença mais marcante da fruta funcionam melhor. São características bem presentes nos Cabernets de classe do Novo Mundo.

Enfim, experiências e tentativas novas no exercício da enogastronomia, fugindo um pouco do habitual classicismo. São nestas aventuras que muitas vezes temos as surpresas mais agradáveis e marcantes.

Um almoço das Arábias: Parte I

20 de Março de 2016

Eu pensava que conhecia comida árabe, mas depois deste almoço, mudei meus conceitos. Um grande amigo, um grande profissional da saúde, nos presenteou em seu aniversário com um encontro memorável em torno da mesa. Sua mulher, Márcia, teve presença marcante desde a recepção, a decoração, o mise em place maravilhoso dos pratos numa antessala, e o mais importante, um conhecimento apurado sobre esta cozinha milenar. A apresentação, o equilíbrio de sabores em todos os pratos, bem como a escolha dos mesmos, foram de uma precisão impar.

dom perignon raul

devidamente mergulhado

A recepção

Esperando todos os confrades chegarem, as papilas foram agraciadas com Dom Pérignon 2004. Bela safra, bom momento de evolução em garrafa, mas com muita vida pela frente. Nessas cuvées especiais, o equilíbrio, a textura e a persistência aromática são superlativos. Para quem se lembrou dele durante o almoço, mostrou-se muito gastronômico e versátil na harmonização. Escoltando o Dom Pérignon, um divino patê de chancliche, foto abaixo.

chancliche

pâezinhos crocantes

A preparação de uma Imperial Château Palmer 1982

São seis litros de puro prazer. A safra de 82 dispensa comentários, mas o importante é apreciar um grande Bordeaux em sua plena maturidade. Poucos tem paciência para esses momentos e muitos infanticídios são cometidos. Uma pena!

A preparação desta joia deve ser criteriosa. Garrafa em pé com dias de antecedência e abertura prévia para a devida decantação. É preciso pelo menos quatro decanters de tamanho padrão, pois teremos 1,5 litro para cada um. A abertura deste tipo de garrafa não permite saca-rolhas padrão e nem a lâmina paralela, pois o diâmetro do gargalo é bem maior que o habitual. O melhor é usarmos um saca-rolhas em T com espiral longa e helicoidal com diâmetro grande. Com isso, a empunhadura fica mais precisa e a distribuição de forças na tração da rolha mais equalizada. Com muita paciência, a rolha vai gradativamente subindo até o ponto em que com a própria mão, podemos puxá-la com maior distribuição de forças ainda, sem forçar o miolo da mesma. Pronto, a Imperial está aberta.

abertura imperial

subida da rolha

O próximo passo é a decantação. É preciso um auxiliar nesta hora, pois o peso da garrafa é grande e os movimentos devem ser delicados. O auxiliar segura o decanter próximo ao gargalo. Com a garrafa apoiada na mesa, o sommelier vai lentamente vertendo o líquido.  Pequenas paradas entre a troca de decanters são permitidas de modo muito suave até chegar o último decanter. Nesta hora, toda a atenção é pouca. A decantação deve ser bem suave e de maneira progressiva sem paradas, para não revolver o líquido. No final, próximo ao ombro da garrafa observa-se a chegada e o acúmulo de sedimentos. É hora de parar, o vinho está decantado.

cor palmer 82

Palmer 82 Imperial: 34 anos

Extraoficialmente, sabemos que Château Palmer é o segundo vinho da comuna de Margaux. Evidentemente, logo abaixo do grande Margaux, o qual dá o nome à comuna. Um grande Bordeaux com mais de trinta anos muitas vezes nos engana na cor, demonstrando ser mais jovem do que sua verdadeira idade. É o caso deste Palmer. Toques levemente atijolados de borda. Os aromas terciários são sensacionais misturando couro, tabaco, ervas finas e principalmente nos tintos de Margaux, um incrível sous-bois e notas de adega úmida. Uma maravilha!. Em boca, é sedoso, harmonioso, com taninos completamente polimerizados, dando suporte ao conjunto. Nesta safra, Palmer apresenta um corpo médio, extremamente adequado aos pratos do almoço. Todas essas impressões são intensificadas e preservadas em garrafas maiores, sobretudo neste tamanho Imperial.

palmer 82 imperial

Um belo vinho de “garrafão”

cordeiro e batatas

Cordeiro com batatas assadas

arroz de amendoas

arroz de amêndoas

Nem precisa falar que a combinação dos tintos bordaleses de margem esquerda com cordeiro e arroz de amêndoas é sensacional. O casamento da textura da carne e os sabores de cordeiro assado com grandes Bordeaux é clássico. Complementando, o arroz de amêndoas destaca e amplifica os belos aromas de evolução deste Margaux.

Próximo bloco, continuamos com outros pratos do almoço; os Puros, o Porto, o Armagnac, e muito mais. Até breve!

Amigos Especiais

6 de Outubro de 2015

Os encontros enogastronômicos entre amigos deixam sempre boas lembranças, um astral renovado e a expectativa que o próximo não tarde a chegar. Vários vinhos desfilaram, mas o embate Bourgogne x Bordeaux era o mais esperado, conforme relato abaixo.

Ferrari Perle 2006

Ferrari: quase um champagne

Sempre que possível, gosto de testar um Ferrari com amigos e sentir suas reações. Quase sempre muito positivas, e concordando que perante champagnes mais comerciais e de alta produção, Ferrari está  um passo a frente. Além disso, trata-se de um Blanc de Blancs, elaborado somente com Chardonnay. Leve, delicado, elegante, perfeito para iniciar os trabalhos. Este da safra 2006 passou cinco anos sur lies antes do dégorgement.

Ott Romassan 2013

Domaines Ott: referência em rosés na Provence

Os rosés da Provence são encantadores, sobretudo os três do Domaines Ott. Este em especial, Chateau Romassan, provem de vinhedos na região de Bandol, onde a cepa Mourvèdre é protagonista. Apesar de bem estruturado, os toques delicados de frutas, flores, especiarias, garantem a elegância e equilíbrio habituais. A cor salmonada de grande delicadeza tem a ver com o processo de prensagem das uvas que neste caso chama-se pressurage (obtenção de cor com pressão delicada das uvas e um breve tempo de contato). Acompanhou muito bem o típico prato abaixo provençal recheado de legumes chamado Tian.

tian de legumes

Rosé combina com legumes, alho e ervas

dufort-vivens 2000

A safra 2000 confirma sua longevidade

Não é fácil comparar um Bordeaux a um Bourgogne. Chega a ser até uma certa heresia. Contudo, com um pouco de bom senso é possível haver uma aproximação. Por ser da comuna de Margaux e ser um Chateau delicado, achei que um Dufort-Vivens de quinze anos de safra estaria de bom tamanho. Só não contava com a potência da safra 2000, safra realmente de grande longevidade. A cor sem nenhum sinal de evolução, os aromas predominantemente primários e taninos ainda bem presentes. O lado de frutas escuras (cassis) e toques minerais sobressaíram. Boca muito bem equilibrada, taninos finos, mas ainda a resolver. Talvez mais dez anos em adega possa atingir o auge.

sylvain cathiard 2003

Cathiard: uma pérola no santuário de Vosne

Meu amigo Roberto Rockmann, especialista em vinhos borgonheses, é que pinça essas preciosidades. Sylvain Cathiard é um pequeno vigneron com pouco hectares dentro de Vosne-Romanée, entre os quais, o Premier Cru acima, Aux Malconsorts da temida safra de 2003. Um tinto com a elegância e os mistérios da comuna. Os aromas delicados e profundos dos tintos da Côte de Nuits. Toques florais, terrosos, de carne, especiarias e incenso, alternam-se na taça, intrigando-nos do começo ao fim. Taninos de rara textura e um final de boca expansivo. A grande estrela do almoço.

Sylvain Cathiard exporta praticamente tudo que produz de minúscula produção. Estados Unidos e Reino Unido lideram a fila. São parreiras de mais de quarenta anos com rendimentos ínfimos. Este vinho degustado provem de parreiras bem próximas ao majestoso La Tâche DRC (Domaine de La Romanée-Conti), vizinhança ilustre. Seus vinhos passam por pelo menos 70% de madeira nova no amadurecimento. e onde está a madeira? o gato comeu. É a força do terroir!

yquem 1999

O soberano Yquem em qualquer safra

Finalizando os serviços à mesa, um Yquem 1999 aparece. Evidentemente, para a longevidade deste mito encontra-se em tenra idade. Seus aspectos visuais são dourados e bem vivos. Aromas inebriantes e intensos. Boca extremamente macia, sedosa, bem dosada em açúcar e principalmente, com aquela acidez que dignifica os grandes vinhos doces. Não é das grandes safras, mas quem é rei nunca perde a majestade. Grande fecho de refeição.

montecristo 2008

Puros safrados e de edição limitada

Agora, partindo para os cafés, chás e boa música, Puros  e Porto Tawny Quinta da Romaneira embalam noite adentro. Nessa hora, os comentários do encontro, a boa conversa e sobretudo, projetos para os novos encontros. De preferência, bem rápidos. Abraço a todos!


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