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Porco e Cabernet Sauvignon

21 de Julho de 2016

Normalmente, quando falamos em harmonização com carne de porco, lembramos logo de Riesling, sobretudo quando temos algo defumado para fazer a ligação com os toques minerais do vinho. Entretanto, há outras possibilidades com alguns pratos específicos. Neste sentido, vamos falar de duas sugestões dadas pelo sommelier Philippe Faure-Brac, campeão mundial em 1992 aqui mesmo no Brasil. Ele tem o restaurante Bistrot du Sommelier em Paris, propondo algumas harmonizações ousadas. As receitas fazem parte de um livro  do sommelier intitulado “Vins et Mets du Monde” com os respectivos títulos que serão detalhados: Porc et Legumes sautés à la Sauce d´Huître, e a última receita, Travers de Porc Grillé Sauce Barbecue avec Épis de Maïs Grillés.

Nestas propostas, a indicação é um tinto à base de Cabernet Sauvignon, gerando vinhos sabidamente tânicos. No entanto, algumas peculiaridades fazem a ligação com aromas e sabores destes vinhos, promovendo combinações inusitadas, como veremos a seguir.

porco ao molho de ostra

porco ao molho de ostra

O prato da foto acima tem inspiração chinesa, elaborado na wok (panela em forma de meia esfera). Esta panela tem a propriedade de grelhar o alimento e mantê-lo crocante. A receita pede inicialmente para fritar a carne de porco (lombo de porco em cubos pequenos) em óleo de amendoim por cinco minutos. Reserve a carne e em seguida, doure os legumes tais como; ervilha torta, pimentão vermelho, abobrinha, gengibre, cebolinha, alho, broto de feijão, deixando-os crocantes. Reserve-os juntamente com a carne de porco. Voltando à wok, junte o molho de ostra, shoyu e vinagre de arroz, fervendo um pouco a mistura. Em seguida, junte o molho aos legumes e à carne de porco. Finalize com pimenta e óleo de gergelim.

O vinho deve ser um Cabernet Sauvignon ou se preferir, um corte bordalês. Na indicação de Philippe, o vinho é um corte bordalês com notável predominância da Cabernet Sauvignon de Hawkes Bay, ilha norte da Nova Zelândia. Para a devida harmonização precisamos ter um vinho com fruta presente, madeira elegante, toques minerais e taninos relativamente resolvidos, ou seja, um vinho com alguns anos de adega, mas com fruta ainda vivaz. Nessas condições, a textura da carne, dos legumes, e de certa untuosidade do molho, casarão perfeitamente com o vinho. Os toques picantes e o leve herbáceo do pimentão vermelho realçaram os sabores do vinho. Ainda segundo Philippe, é uma harmonização de refinamento, à altura da cozinha chinesa. Reforçando esta tese, um outro campeão mundial francês, o sommelier Olivier Poussier, colaborador de La Revue du Vin de France, afirma a sinergia entre a mineralidade do vinho e o molho de soja.

chateau giscours

ousadia bordalesa

O tinto acima poderia funcionar nesta primeira receita de origem chinesa. Já para a receita abaixo, os tintos do Novo Mundo têm mais chances, pois os toques de madeira, tostados e resinosos, são mais evidentes. Só para informação, este Giscours 2004 da comuna de Margaux, margem esquerda, tem em sua composição 60% Cabernet Sauvignon, 30% Merlot, 5% Cabernet Franc e 5% Petit Verdot. Amadurece de 15 a 18 meses em barricas francesas, sendo 50% novas. Nesta idade, 12 anos, os taninos estão razoavelmente domados.

porco grelhado ao molho barbacue (2)

costelinhas de porco ao molho barbacue

O segundo prato, foto acima, são costelinhas de porco grelhadas no molho barbacue acompanhadas de milho cozido e grelhado em manteiga. O segredo é fazer este molho barbecue que servirá de marinada para a carne. Ferva as costelinhas em água com sal e em seguida, escorra-as. Em seguida, tempere a carne com óleo e cebola. Para o molho, junte alho, mostarda, ketchup, curry, páprica, pimenta, vinagre de maçã, e açúcar mascavo. Junte este molho à carne em forma de marinada e deixe na geladeira por uma hora. Em seguida, grelhas as costelinhas, versando o molho periodicamente. Sirva então a carne com as espigas grelhadas em mateiga.

Neste caso, o Cabernet Sauvignon deve ter toques resinosos de menta, eucalipto, madeira presente, notas de baunilha, especiarias e uma certa mineralidade. Philippe sugere um Cabernet de Margaret River, costa oeste da Austrália. Contudo, pode ser um chileno ou mesmo um Rioja. A textura da carne grelhada incorporada ao molho casa bem com a textura e tanicidade do vinho. Os aromas da grelha e as especiarias do molho vão de encontro ao lado tostado do vinho, enquanto os toques agridoces do molho e do milho combinam com o lado frutado. Vinhos relativamente novos, com presença mais marcante da fruta funcionam melhor. São características bem presentes nos Cabernets de classe do Novo Mundo.

Enfim, experiências e tentativas novas no exercício da enogastronomia, fugindo um pouco do habitual classicismo. São nestas aventuras que muitas vezes temos as surpresas mais agradáveis e marcantes.

Il Vino: Enrico Bernardo

2 de Março de 2015

Enrico Bernardo, melhor sommelier do mundo em 2004, já foi citado várias vezes neste blog em alguns artigos específicos. Italiano, mas com profundo respeito à França, tanto no que diz respeito à gastronomia, como a seus vinhos. Il Vino, um nome um tanto provocativo aos parisienes, é um de seus restaurantes onde o vinho, as harmonizações, têm tratamento especial. Há inclusive um menu às cegas, onde uma série de pratos é harmonizada com taças de vinhos escolhidas didaticamente. Só para treinarmos um pouco, o menu abaixo para um almoço sugere algumas harmonizações. Os pratos e preços a seguir estão sujeitos a variações e mudanças.

À déjeuner

OEuf crémeux, lardo di Colonnata, crème de pommes de terre

ou…

Saumon fumé, écume de coco, fenouil, sésame noir

Filet de mérou poêlé, blettes et palourdes

ou…

Selle d’agneau rôtie, châtaignes et trompettes de la mort

Pamplemousse et pistaches

ou…

Poire rôtie aux épices, glace pannacotta

Entrée & Plat ou Plat & Dessert 29 euros

Entrée, Plat & Dessert 38 euros

Enrico Bernardo

Meilleur Sommelier du Monde 2004

Meilleur Sommelier d’Europe 2002

Meilleur Sommelier d’Italie 1996 et 1997

Dentre as opções sugeridas, ficaria com o salmão defumado de entrada, o cordeiro como prato principal, e a pera como sobremesa. Evidentemente, uma escolha pessoal.

Para a entrada temos o salmão defumado que pede um vinho de boa acidez e mineralidade. Há ainda completando o prato, espuma de coco, erva-doce e gergelim negro. Esses complementos podem quebrar um pouco a dureza do vinho e até permitir certos aromas de evolução. Uma boa indicação seria um Riesling alemão, de boa acidez, com leve tendência adocicada (halbtrocken), e com alguns anos de envelhecimento. Alguns rieslings austríacos enquadram-se nesta descrição. Em resumo, a acidez e mineralidade do vinho garantem o confronto com o salmão defumado, o lado frutado e macio vai bem com a erva-doce, e uma certa evolução aromática casa bem com o gergelim.

No prato principal, o cordeiro assado com castanhas e cogumelos tipo trombeta sugere um tinto estruturado e com toques de evolução. A primeira opção, extremamente clássica, seria um Bordeaux de margem esquerda. Sua estrutura, taninos, cairiam bem com a trama da carne. Evidentemente, para fazer eco às castanhas e cogumelos precisaríamos de um tinto com pelo menos dez anos de safra. Mesmo assim, uma safra não tão poderosa. Um Grand Cru Classé de 2001 é uma bela harmonização. Outros cortes bordaleses podem dar certo, embora o original seja mais prazeroso.

A sobremesa, peras assadas com especiarias e sorvete de pannacotta, pede um branco delicado, tanto do ponto de vista aromático, como gustativo. Um branco do Loire como Bonnezeaux  ou Quarts de Chaume, elaborado com a uva Chenin Blanc. Um Beerenauslese austríaco de Neusiedlersee ou um Monbazillac de Bergerac (Dordogne) também são boas opções.

Il Vino: http://www.enricobernardo.com

Outro restaurante nos mesmos moldes e mais antigo é o Bistrot du Sommelier, comandado por outro campeão mundial, Philippe Faure-Brac, título conquistado em 1992 no Rio de Janeiro. Faure-Brac é autor de um belo livro sobre enogastronomia intitulado “Vins et Mets du Monde”. Maiores informações: http://www.bistrotdusommelier.com

 Boas experiências para quem gosta de vinhos, enogastronomia e todos os detalhes da correta sommellerie.

Commandaria: O vinho das Cruzadas

10 de Fevereiro de 2011

Rei dos vinhos, Vinho dos reis!

Quando falamos de Barolo ou do húngaro Tokaji, a exaltação acima é sempre lembrada. No entanto, este ditado é muito mais antigo e provavelmente proferido pela primeira vez por Ricardo Coração de Leão (Ricardo I – Rei da Inglaterra), sobre o mítico vinho licoroso Commandaria da Ilha de Chipre. Talvez seja o vinho mais antigo, ainda produzido.

Reputado na Grécia Antiga na era de 800 AC (antes de Cristo), sua origem data por volta de quatro mil anos, tendo grande prestígio no tempo das Cruzadas e reverenciado nas cortes européias. Aliás, o nome Commandaria foi dado nesta época, no século XII, quando Cavaleiros Templários foram os guardiões de uma área delimitada da ilha, onde eram cultivadas as uvas do famoso vinho. Commandaria, inicialmente, é uma palavra que designa uma ordem (organização) militar.

O vinho destacou-se ainda mais neste período, após ter sido eleito o melhor em uma competição no século XIII, conhecida como a Batalha dos Vinhos, onde participaram os grandes vinhos da Europa.

Elaborado com as uvas locais Mavro (uva tinta) e Xynisteri (uva branca), as mesmas após serem colhidas bem maduras, passam ainda por um processo de soleamento, aumentando ainda mais a concentração de açúcares. O mosto é extraído lentamente através de prensas verticais, e então submetido a uma demorada fermentação. Normalmente, atinge 15º de álcool, com açúcar residual bastante elevado (cerca de quatro vezes em relação ao vinho do Porto). Sua doçura e viscosidade lembram um Pedro Ximenez (o típico Jerez doce), mas olfativamente está mais inclinado ao Porto, pelos aromas de chocolate e torrefação.

O vinho atualmente deve permanecer em madeira pelo menos dois anos antes da comercialização, embora nos tempos áureos, sua permanência fosse condicionada ao perfeito equilíbrio de seus componentes.

Concentrado e de textura viscosa

Este breve histórico tem o objetivo de enriquecer a harmonização abaixo proposta por Philippe Faure-Brac, um dos grandes sommeliers do mundo, proprietário do Bistrot du Sommelier em Paris.

Sachertorte, um clássico da Áustria.

A famosa torta de chocolate austríaca apresenta sabores intensos e textura cremosa. A massa e a cobertura são à base de chocolate e o recheio com de geléia de damasco.

A riqueza aromática do Commandaria e sua textura aveludada formam um par perfeito com a torta, numa explosão de sabores. É sem dúvida, uma harmonização por similaridade em termos de corpo, intensidade e textura, onde outros vinhos clássicos, provavelmente seriam sucumbidos pela doçura e forte presença de chocolate cremoso do prato. Banyuls e Portos, de boa concentração e potência, podem ter sucesso.

Harmonização: Quesadillas au Poulet

7 de Fevereiro de 2011

Prato popular da cozinha mexicana, cozinha esta, tão em moda atualmente em nosso circuito enogastronômico. A curiosa harmonização é do conceituado sommelier Philippe Faure-Brac, campeão mundial em 1992 no Brasil, e proprietário do Bistrot du Sommelier, em Paris.

Philippe Faure-Brac: Campeão Mundial em 1992

A proposta é harmonizar com um tinto mexicano, americano ou australiano, elaborado com a uva pouco usual Petite Syrah, também conhecida como Durif. Esta uva é um cruzamento da Syrah com a uva Péloursin. A Petite Sirah, outra grafia comumente usada, gera vinhos de bom corpo (álcool elevado, acima de 13,5º), macios e muito aromáticos (frutas escuras em geléia e especiarias, notadamente a pimenta).

Quesadilla: Tortilla com presença obrigatória de queijo

O prato em questão tem como ingredientes o frango, queijo cheddar, milho, pimenta fatiada (pode ser dedo de moça), cebola, coentro e molho de pimenta.

O vinho é encorpado para o prato, mas a força aromática de ambos é que permite a harmonização. O lado frutado do vinho, sua força alcoólica e as especiarias, encontram eco no adocicado do milho e no calor da pimenta. Uma queda de braço na intensidade de sabores frutados e apimentados.

Particularmente, prefiro outra sugestão do próprio Philippe. Um rosé provençal da apelação Bandol, com presença marcante da uva Mourvèdre. É um rosé de personalidade, com corpo mais adequado e o frescor necessário para o calor da pimenta. A importadora Zahil tem um ótimo exemplar, Château de Pibarnon, elaborado com Mourvèdre e Cinsault (www.zahil.com.br).

Outra boa opção é o rosé provençal da Domaine Sorin, importado pela Decanter (www.decanter.com.br). Participam várias uvas como Grenache, Cinsault, Syrah e Mourvèdre.


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