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Bordeaux e seus anos Dourados

16 de Julho de 2018

Os anos 80 foram ótimos para Bordeaux, especialmente com a mítica safra de 82, uma das melhores do século XX. Tirando 84 e 87, safras de poucas emoções, o restante tem muita coisa boa. Neste almoço, demos atenção à dobradinha 89/90, anos de vinhos gloriosos com bom potencial de guarda. Difícil afirmar taxativamente a superioridade de um desses dois anos, embora a safra 90 desperte maior glamour. Entretanto, 89 pode surpreender e ganhar esta disputa. Tire suas próprias conclusões com os vinhos abaixo.

img_4864la vie en rose …

Como de costume, algumas borbulhas para atiçar as papilas são bem-vindas, ainda mais com um Dom Pérignon Rosé 2003. Neste exemplar, temos 60% de Pinot Noir e 40% de Chardonnay. Nesta porcentagem de Pinot, temos uma parte de vinho tinto, dando a nuance e intensidade do rosé. É o chamado Rosé de Assemblage (5 a 20% de vinho tinto). Estilo elegante, muito frescor, mousse presente e cremosa. Tem um lado gastronômico, capaz de acompanhar muitos pratos à base de peixes, aves, e frutos do mar.

img_4869o terroir explica as diferenças

Voltando aos caldos bordaleses, vamos ao primeiro flight, o mais desigual em evolução e estrutura dos vinhos. Afinal de contas, tínhamos o rei Petrus na parada, um tinto sempre de estrutura e longevidade monumentais. Aqui percebemos de fato a força do terroir. Como é possível obter um Merlot com tamanha estrutura tânica, força, e austeridade. Nesta safra 90, temos um Petrus de 100 pontos com previsão de apogeu para 2054. Um tinto com uma força extraordinária  de frutas escuras, notas de cacau, chocolate, especiarias, e um toque terroso. Taninos massivos e extremamente finos. É imperativo decanta-lo por pelo menos duas horas. O infanticídio do almoço, sem dúvida. 

Vieux Chateau Certan 90 fez um par gracioso ao lado de sua Majestade, mostrando bela evolução ao longo de seus 28 anos. Um tinto pleno de aromas com um toque de margem esquerda, já que seu blend comtempla além da Merlot, Cabernet Franc, e Cabernet Sauvignon, pouco usual nestas paragens, nas seguintes proporções respectivamente: 65 a 70% Merlot, 25% Cabernet Franc, 5 a 10% Cabernet Sauvignon. Encontra-se no auge de sua evolução com toques de tabaco, couro, ervas finas e notas balsâmicas. Muito prazeroso neste momento. Os mesmos proprietários do badaladíssimo Le Pin, outro Pomerol de destaque.

img_4871embate de gigantes!

Este segundo flight só foi decidido no fotochart. Dois dos grandes Montroses lado a lado, safras 89 e 90. Duzentos pontos sobre a mesa e um punhado de dúvidas quanto à identificação. É intrigante como Parker pontua o Montrose 90 com 100 pontos e uma (?) interrogação entre parênteses. De fato, é um vinho bem evoluído no nariz e bem resolvido em boca, mas aquele toque de curral, animal, é mais acentuado que o 89, dando margem à possível presença de Brettanomyces (contaminação desta levedura no vinho, perdendo o poder de fruta, e acentuando toques terciários nos aromas). A sensação é que este exemplar de 90 está pronto, sendo temeroso guarda-lo por muito tempo. Já o 89 mostrou-se superior, pelo menos pessoalmente. A fruta está mais presente, sem perder seus toques terciários. Ele parece um pouco mais encorpado e com maior estrutura tânica. Seu apogeu pode atingir o ano 2060, segundo Parker. Pessoalmente, acho um pouco exagerado. O tempo dirá, mas que é um baita vinho, não tenho dúvidas. 

VCC à esquerda, Petrus à direita

Alguns pratos do restaurante Gero escoltaram essa tropa de tintos. O Capeletti in Brodo fez uma parceria exótica com o Pomerol VCC 90. Seus aromas evoluídos e sua textura mais delicada caiu bem com o brodo.

img_4873as duas margens em confronto

No útimo flight, um embate da safra 89 com dois vinhos de comunas diferentes, Saint-Emilion e Pessac-Léognan. O primeiro vinho, Chateau Tertre Roteboeuf, é um Grand Cru de Saint-Emilion, mas não está no grupo de elite. Localizado próximo aos Chateaux Pavie e Troplong-Mondot, sua primeira safra deu-se em 1978, relativamente recente. Embora seus vinhos partam de um corte clássico para esta apelação (80% Merlot e 20% Cabernet Franc), seu estilo é mais austero, aproximando-se do famoso Ausone. A safra 89 degustada, é uma das melhores de sua história com 95 pontos. Percebe-se em boca um vinho estruturado com riqueza da taninos de textura muito fina. Seus aromas já com boa evolução denota fruta madura, notas de especiarias e chocolate, além de um toque mineral. Bem mais acessivel que seu parceiro no flight, o delicioso La Mission Haut Brion com 100 pontos consistentes.

Com boa proporção de Merlot no Corte, sendo a Cabernet Sauvignon a uva majoritária, é um Pessac-Léognan com toques de estrebaria, ervas finas, chocolate, tabaco, e tantos outros aromas. Embora evoluído e bastante prazeroso, tem muita elegância e vida pela frente. Particularmente, achei esta garrafa um pouco mais evoluída que a média. A despeito de seus 100 pontos, ainda acho seu eterno rival e vizinho Haut Brion, insuperável nesta memorável safra 89.

risoto e a famosa coteletta

Mais alguns pratos entremeando os vinhos. O risoto de parmesão com molho de rabada por cima foi muito bem com a dupla de Montrose. Os toques terciários dos vinhos além da força de sabores, complementaram bem a intensidade e personalidade do prato. Já a Coteletta Milanese foi muito bem com a elegância do La Mission Haut Brion 89.

img_4880

Neste embate doce, o grande Yquem brilhou nos dois anos, 89 e 90. Difícil comparar a complexidade e longevidade destes dois exemplares. O da safra 90 parece ser mais equilibrado em acidez e menos opulento. Vai na ala dos Yquems mais elegantes. Sua acidez certamente o levará muito longe em adega. Já o 89 é mais opulento, mais glicerinado, parece ter mais Botrytis. É uma questão de gosto, mas o 89 pessoalmente, é mais persistente em boca.

a competência no salão do mestre Ismael e o jovem sommelier Felipe

O creme de mascarpone com chocolate, foto acima, foi um bom complemento para os dois Sauternes, respeitando a compatibilidade de textura na harmonização. Um final de prova delicioso com mais esta especialidade bordalesa, os divinos brancos de Sauternes e Barsac.

Enfim, mais uma bela oportunidade de provar e confrontar os belos tintos de Bordeaux, onde Chateaux e safras permitem um cem números de experiências e combinações formidáveis. Agradecimento aos confrades por mais este momento, numa prova sempre recorrente de amizade e generosidade. Que Bacco nos proteja sempre!

Bordeaux em Segundos

25 de Fevereiro de 2018

Os Chateaux bordaleses na chamada margem esquerda além de aristocráticos, são de dimensões muito maiores que as propriedades de margem direita, notamente Pomerol e Saint-Emilion. Estamos falando de uma relação de um para dez em termos de áreas, onde a noção de micro parcelas fica pulverizada. É neste contexto, que surge a ideia do chamado segundo vinho do Chateau, e em alguns casos, até o terceiro.

Recordando o processo, no Chateau Margaux por exemplo, temos quase 100 hectares de vinhas plantadas com Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc e Petit Verdot. Para cada um destes varietais, temos várias micro parcelas espalhadas na propriedade. Esses parcelas são colhidas e vinificadas separadamente. Em seguida vem o estágio crucial para a montagem do Grand Vin. A equipe enológica do Chateau se reúne exaustivamente compondo o blend das várias parcelas de cada um dos varietais. Isso era comandado com maestria até  pouco tempo atrás pelo saudoso Paul Pontallier, que nos deixou recentemente. Desta seleção rigorosa, nasce o Grand Vin. As amostras que foram rejeitadas para este fim, comporá o chamado segundo vinho. No caso de Margaux, existe agora um terceiro vinho.

Este foi exatamente o propósito da degustação que será descrita abaixo, num agradável almoço no restaurante Gero. Já de pronto, devo dizer que as conclusões tiradas neste evento não devem ser generalizadas para todos os Chateaux bordaleses, pois os quatro vinhos provados nesta ocasião eram de grandes safras e de Chateaux excepcionais. Afinal, quase 400 pontos estavam na mesa!

6eba4821-dd75-427c-bced-711188e508da.jpgtexturas compatíveis

Antes porém, uma pausa para abertura dos trabalhos. Talvez o branco mais austero de toda a Alsácia, Clos Sainte-Hune da Maison Trimbach, um Riesling seco de extrema mineralidade. Este provado da safra 2004, estava surpreendentemente pronto, já que trata-se de um branco de grande guarda. Seus aromas cítricos e destacadamente defumados foram muito bem com um atum marinado. As texturas de ambos (prato e vinho) casaram-se perfeitamente. O vinho apresentou ótimo equilíbrio e um final de boca extremamente persistente.

b4597437-e2c9-46ab-b950-588b4e4ea5ff.jpgdistância considerável neste embate

Único embate de margem direita, Cheval Blanc tem uma propriedade considerável em termos de área, 41 hectares, para padrões em Saint-Emilion. Nesta safra, apenas 55% do vinho elaborado passou pelo crivo de Grand Vin. O rigor deste julgamento se traduz na taça com ampla superioridade deste Cheval com 99 pontos. Gostaria de uma explicação de Mr. Parker pela não perfeição do vinho. Embora com décadas pela frente, este Cheval mostra uma elegância impar, própria dos grandes vinhos. Seus taninos, seu equilíbrio, e sua expansiva persistência, faz dele um dos grandes Chevais da história. Já o Petit Cheval, mostrou-se muito prazeroso para o momento, uma das vantagens dos chamados segundos vinhos. Nota-se sutis aromas de pirazinas (pimentão), advindo sobretudo dos Cabernets, fruto de uma maturação imperfeita de alguns setores das vinhas. Isso claro, numa sintonia fina, comparado a seu astro maior. De todo modo, um belo vinho para ser apreciado sem comparações. Nota 87 de Parker, um pouco rigorosa.

gero latour 2000

Latour: vinhos consistentes

Aqui uma disputa acirrada, pois Les Forts de Latour é o melhor segundo vinho de todo o Médoc, opinião quase unânime da crítica. De fato, é uma maravilha. Bem mais acessível que o todo poderoso Latour, seus aromas de cassis, couro e notas minerais permeiam a taça. Pode ainda evoluir por bons anos em adega. Voltando à maxima onde a comparação é cruel, o Latour 2000 é uma muralha de taninos em multicamadas de extrema finesse. Seus aromas de pelica, frutas escuras, e grafite, são marcas registradas do senhor do Médoc. Seu platô de evolução está estimado para 2060. Um monumento!

risoto e cordeiro para os Bordeaux

Acima, alguns dos pratos que valorizaram o desfile de belos Bordeaux. O risoto de funghi porcini casou muito bem com a textura delicada e os aromas terciários do Margaux 90, por exemplo. Já o carré de cordeiro tinha a fibrosidade e suculência exatas para um La Mission 2000 ou o Latour de mesmo ano com seus taninos presentes.

gero margaux e pavillon 90

padrão elevado de segundo vinho

Neste embate, mais um vinho perfeito, Margaux 1990 com 100 pontos consistentes. Aí é difícil peitar. Mesmo para este Pavillon Rouge 90, vindo diretamente do Chateau de uma coleção privada, faltou fôlego para chegar ao Grand Vin. O Margaux 90 é deslumbrante com seus aromas de couro e sous-bois, fruta delicada, e rico em toques balsâmicos. Em elegância se equipara ao Cheval Blanc 2000 acima descrito. O Pavillon Rouge até que tentou, mas se deparou com um dos grandes Margaux da história. Novamente, tomado sozinho, sem comparações, é um belíssimo vinho cheio de elegância e muito prazeroso aromaticamente.

gero la mission 2000

disputa muito acirrada

Neste último flight, mais um vinho de 100 pontos, o fabuloso La Mission Haut-Brion 2000. Em termos de estilo, potência, bem semelhante ao Latour 2000, mostrando toda a sua força. Um verdadeiro infanticídio, já que seu platô está estimado para 2050. Um vinho musculoso, cheio de frutas negras, toques minerais terrosos e defumados. Uma montanha de taninos a ser domada pelo tempo. Amplo em boca com um equilíbrio notável. Seu par La Chapelle 2000, segue o mesmo estilo, um pouco menos imponente. Foi a disputa mais acirrada entre as duplas, na distância entre o Grand Vin e seu respectivo segundo vinho.

Enfim, belos vinhos de grandes safras e de Chateaux irrepreensíveis. Fica a lição que os chamados Grand Vin são realmente espetaculares, mas que tem no preço e na paciência em espera-los na adega, seus maiores empecilhos. Por outro lado, os segundos vinhos são bem prazerosos para abate-los mais jovens, apesar de seu bom potencial de guarda.

96 pontos com louvor!

Passando a régua, um Chateau d´Yquem 1976, uma das grandes safras desta maravilha. Com seus 42 anos de idade, entra numa fase de bouquet sublime com notas de café, marron-glacê, e toques de cítricos confitados. Um equilíbrio e uma expansão notáveis, acompanhando de forma impecável um creme de mascarpone e chocolate. Lembrando que 1976 é grande ano na Alemanha para vinhos botrytisados.

gero tokaji szamorodni

estilo meio seco

O vinho acima vale a pena um comentário. Trata-se de um Tokaji Szamorodni que não faz parte da família Aszú, onde o índice de uvas botrytisadas é relativamente alta em vários níveis (3, 4, 5, 6 Puttonyos). Neste caso, Szamorodni significa uvas colhidas naturalmente com algum índice de botrytisação, ou seja, menor porcentagem de uvas botrytisadas vai para um estilo mais seco, dry, ou Száraz em húngaro. Portanto, tem um sabor meio seco semelhante a um Jerez Amontillado. Muito bom para patês de caça, aperitivos e queijos de personalidade. Um vinho que apesar da idade, mais de 20 anos, tem estrutura e vigor para bons anos em adega.

gero behike 52

 o melhor Robusto da atualidade

Finalizando a tarde, alguns Behike 52 para esfumaçar as conversas em meio a Cognacs e Grappas. Behike é a linha super luxo da Cohiba elaborada em três bitolas. Esse 52, ring do charuto, é considerado o melhor Robusto atualmente, já tendo ganhado como melhor Puro do ano em 2010 pela Cigar Aficionado.

Agradecimentos aos amigos e confrades em mais uma experiência fantástica com caldos bordaleses. Vida longa aos companheiros de copo e mesa num ano que promete fortes emoções. Aos ausentes o alerta, o campeonato é de pontos corridos. No final do ano vai fazer falta. Abraço a todos!

Harmonização: Tiramisù e Vinho

24 de Maio de 2010

Origem incerta, mas parece ser do Veneto

Embora esteja presente em muito restaurantes, poucos sabem reproduzir a verdadeira receita. Uma das dificuldades é trabalhar com o queijo italiano mascarpone. A receita inclui ovos, açúcar, biscoitos tipo champagne sem açúcar, café (preferencialmente expresso sem açúcar), cacau em pó e o bendito queijo.

Os biscoitos são levemente molhados com o café na travessa que será feito o doce. Eventualmente, pode-se incorparar ao café algum tipo de bebida (um brandy ou um licor). Faz-se então camadas intercaladas dos biscoitos, o creme (mistura dos ovos e açúcar com a incorporção delicada do mascarpone, que é um queijo suavemente cremoso) e cacau polvilhado. Deve ser servido gelado.

Do exposto acima, vamos às características do prato. É comedidamente doce, cremoso, textura delicada e agradavelmente amargo, seja pelo café, como também pelo pó de cacau. É aquele teor de amargor tão ao agrado do italiano, ao ponto. Os sabores são marcantes tanto pelo café, como pelo cacau.

O vinho não precisa ser muito doce, mas tem que ter força aromática, certa densidade e acidez equilibrada. Os vinhos fortificados são sempre lembrados. Portos, Madeiras e Moscatéis. Pessoalmente, Porto Tawny com declaração de idade (10 ou 20 anos) e Madeira Boal de certo envelhecimento vão muito bem, notadamente pela sintonia com os aromas empireumáticos (café e cacau). Os moscatéis costumam ir bem com chocolate, mas acho-os um pouco dominadores. Late harvest e o próprio Sauternes, apesar de não comprometerem, não apresentam sintonia perfeita.

Deixei por último, um vinho italiano pouco consumido, porém de grande tradicão, o Vin Santo. Elaborado com uvas passificadas, é fermentado e envelhecido em pequenas barricas denominadas  caratelli por pelo menos três anos antes de ser engarrafado. Seus aromas oxidativos lembrando mel e frutas secas harmonizam muito bem com o Tiramisù. Além da Toscana, seu tradicional reduto, o Vin Santo pode ser elaborado em Trentino com a uva Nosiola. Pouco conhecido, raro e de muita personalidade.

Voltando à Toscana, para aqueles que tiveram o privilégio de provar os exemplares do produtor Avignonesi (Montepulciano – Toscana)  sabem de sua supremacia nesta denominação, sobretudo o Vin Santo Occhio di Pernice, envelhecido por dez anos em madeira, antes de ser comercializado. Neste caso, há predominância da uva Sangiovese, conhecida localmente como Prugnolo Gentile. Este produtor é importado pela Mistral (www.mistral.com.br).


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