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Entrevista com Frédéric Lafarge

22 de Fevereiro de 2021

De vez em quando, Vinho sem Segredo trará uma entrevista com um produtor de vinho de referência em algum terroir do planeta vitis. Qual será o critério de escolha? Ter passado pelo crivo do mestre Nelson Luiz Pereira, ou seja, ter sido alvo de algum post em que ele teceu elogios à vinícola ou ao enólogo. Para estrear essa seção, o escolhido foi Frédéric Lafarge, hoje à frente do mítico domaine Michel Lafarge, que já foi tema de alguns posts escritos pelo Nelson, incluindo-se um “Lafarge, a essência de Volnay” e outro “os top tens da Borgonha”.

Falar que os vinhos de Lafarge estão entre os melhores da Côte de Beaune é como restringir o trabalho de Alfred Hitchcock ao suspense. “Um Corpo que Cai” é um filme de suspense ou um drama facilmente listado entre os melhores longas de todos os tempos? É perder o todo, o conjunto da obra em que cada nota faz sentido. Lafarge faz há décadas alguns dos melhores vinhos da Côte d´Or, com rótulos que esbanjam elegância, profundidade e longevidade. Nas safras excelentes, faz obras primas, nas ruins consegue fazer bons vinhos, bastante superiores à média. O Clos de Chênes 2004, bebido há dois anos, é um dos melhores premiers crus degustados dessa safra fraca e rivaliza com o Clos Saint Jacques de Éric Rousseau, dois produtores que conseguiram fazer vinhos muito acima da média.

O quintal dos Lafarges

Com 11,6 hectares de produção, boa parte voltada para Volnay, o domaine é uma referência entre os Bourgognes femininos e longevos. Aqui se usa muito pouca madeira, menos de 15%, porque a ideia é fazer o terroir transparecer. Numa comparação com Marquis d´Angerville, seu principal rival em Volnay, este faz vinhos mais viris, Lafarge elabora vinhos mais delicados.

Quem vai ao domaine (pisandoemuvas.com traz a visita feita em 2017) e ao quintal deles se depara com as 11 galinhas que passeiam por pouco mais de 0,5 hectare de vinhedos de Clos du Château des Ducs, monopólio quintal dos Lafarge. “Além de proteger de pragas, elas rendem ovos premier cru”, brinca Frédéric. Com uvas de mais de 40 anos, esse vinhedo é mais quente que outros da cidade e produz vinhos longevos que rivalizam com o Clos de Chênes, outro premier cru reputado em suas mãos.

Os Lafarges têm uma extensa produção de rótulos. Os brancos são bons, os tintos são excelentes. O Beaune Les Aigrots é o oposto do mais mineral Grèves, ambos para se comprar de caixa. O Pommard Pézérolles é um Pommard mais mineral, mais suave que os feitos por Courcel ou Épeneaux. O Volnay Village é um primor, elegante e feminino. Pode passar subestimado por muitos paladares, mas tem um refinamento difícil de se ver em comunais.

Antes de chegar à cave do século XIII, um passeio pelo monopólio

O Vendanges Selectionnés vem do centro da apelação, rodeado de premiers crus, é o grande segredo aqui, com uma capacidade grande também de envelhecimento, comprovado pelo excelente 2002 provado em 2017. O Mitans é um premier cru mais delicado que os outros três: o Caillerets (último vinhedo comprado pela família em 2000), com muita fruta, o Clos de Ducs tem um aroma floral delicado e taninos suaves; o Clos de Chênes é mais tânico, mineral, precisa de mais tempo.

A seguir, os principais trechos da entrevista com Frédéric Lafarge, que também tem investido em Beaujolais, com os rótulos Lafarge-Vial, sobrenome de Chantal, sua esposa. Os vinhos do domaine Lafarge chegarão ao Brasil pela primeira vez em junho pela Clarets.

Além de combater as pragas, as galinhas rendem ovos premiers crus, brinca Frédéric

Vinho sem segredo: Eu sempre me impressiono com a longevidade dos vinhos de vocês. Tomei um Clos de Chênes 2007 que eu jamais diria ter mais de cinco anos de vida. Bebi um Vendanges Selectionnés 2002 há 4 anos que ainda tinha longa vida. Vi no instagram que vocês abriram um Clos de Chênes 1949. Como ele estava?

Frédéric Lafarge: Os vinhos do domaine envelhecem muito bem. O Clos de Chênes 1949 estava excelente. Sua cor estava viva, com as bordas traduzindo o passar das décadas. O nariz estava harmônico com alguns aromas terciários. No palato, estava absolutamente redondo. A gente podia sentir as uvas bem maduras da safra colhida em um ano quente e seco. Ele tinha energia soberba e ia se revelando aos poucos à medida que o bebíamos.

Vinho sem segredo: Sua filha, Clothilde, está ao lado para a vinificação. Ela fez estágios fora da França e é uma jovem. Ela tem contribuído para mudanças na maneira que vocês vinificam os vinhos?

Frédéric Lafarge: A Clothilde é apaixonada. Ela reintroduziu o trabalho com cavalos em  Caillerets e Clos du Château des Ducs. Na cave, a gente tem experimentado barricas maiores, de 350 a 500 litros para afinar os vinhos.

Vinho sem segredo: O que você recomenda como harmonização de comida com o Clos de Chênes e o Clos Du Château des Ducs, os dois principais crus do domaine?

Frédéric Lafarge: Com o Clos de Chênes, eu recomendaria uma costela bovina ou um pernil de cervo, uma carne com sabor mais pronunciado. Com o Clos Du Château des Ducs, seria um pombo ou outro tipo de ave.

Vinho sem segredo: Cada viticultor tem um terroir de preferência. Pierre Ramonet amava seu Ruchottes, Jean Marc Roulot participou de uma peça de teatro com seu Luchets como protagonista, Alain Burguet se inclinava pelo Mes Favorites. Qual seu terroir preferido?

Frédéric Lafarge: Tenho dois. Um é o Clos du Châteaux des Ducs; tenho a sorte de ser nosso monopólio. O outro é o Beaune Grèves, cujas vinhas completam 100 anos em 2021.

Vinho sem segredo: A família decidiu investir em Beaujolais há poucos anos, com o Lafarge-Vial. Por quê?

Frédéric Lafarge: Os crus de Beaujolais são grandes terroirs com uma história relevante que não deixa nada a dever com a Côte de Beaune e a Côte de Nuits. Em 2014, tivemos uma ótima oportunidade de comprar um domaine com vinhedos antigos em ótimos terroirs graníticos. É uma bela aventura essa de criar uma domaine familiar em outro local. Nós estamos encantados. É muito apaixonante de trabalhar com a uva gamay nesse terroir granítico que tem muitas convergências com os vinhos da Côte de Beaune. Nós trabalhamos os vinhedos na biodinâmica. Voltamos às práticas tradicionais de Beaujolais. Usamos 25% de vendanges entières (desengaço parcial) e praticamos remontagens et pigeages (processo mecânico através de um bastão com placa na extremidade para extrair cor, aromas e taninos). Os vinhos são vinificados sem madeira nova. São engarrafados depois de 14 meses. Eles refletem seus terroirs com finesse, charme e uma estrutura para se apreciar jovens ou com mais tempo em garrafa.

Vinho sem segredo: O Clos de Tart foi vendido em 2017 por € 250 milhões. Há muitos investidores estrangeiros e franceses de olho em terras na Bourgogne. Isso é preocupante? 

Frédéric Lafarge: A alma da Bourgogne e dos seus vinhos é estruturada nos domaines familiares. É importante que tudo seja feito para que essa estrutura tenha futuro, ou seja, facilitando a transmissão de bens entre pessoas da família. (Primeiro: O governo francês taxa com vigor as heranças de vinhedos, a taxa é de 30% de um pai para o filho e mais alta se o parentesco é mais distante; Segundo: a França taxa as fortunas. Uma alta dos preços das vinhas infla o balanço dos proprietários e o imposto que eles têm de pagar. O produtor que explora e é dono está isento da cobrança, mas não os seus irmãos, irmãs e primos (também proprietários))

Vinho sem segredo: Em 2000, vocês adquiriram parcelas de Les Caillerets et em 2005 parcelas do Beaune premier cru Les Aigrots e do Volnay premier cru Les Mitans. Hoje seria impossível de fazer?

Frédéric Lafarge: Em 2000 e 2005 nós tivemos excelentes ofertas por isso compramos, mas hoje seria muito difícil. Mas nós temos esperança de continuar a trabalhar com outros grandes terroirs da Côte de Beaune em brancos e tintos.

Os polêmicos Top 100 WS

19 de Novembro de 2019

Finalmente, a lista dos 100 melhores vinhos da revista americana Wine Spectator. Sempre muito polêmica, suas notas mexem com os preços dos mais bem pontuados. Como sempre, a premiação se concentra nos americanos, franceses, e italianos. Espanha e Portugal em números modestos, e o restante, na maioria Novo Mundo, completam a lista. Todos os vinhos: http://www.winespectator.com 

Além dos Top Ten já anunciados e comentados em artigo anterior, segue minha lista Top Ten baseada na lista dos 100 melhores anunciada. Escolhi dez vinhos dentre os noventa abaixo do Top Ten.

wine spectator moccagatta barbaresco

Moccagatta Barbaresco Bric Balin 2015 

97 pontos (11° colocado)

Barbaresco de estilo mais moderno. O vinhedo Bric Balin tem vinhas desde 1957 até 1985 com 3,4 hectares. O vinho passa cerca de 18 meses em barricas francesas. Sempre muito bem pontuado, tem corpo e ótimo poder de fruta. Importadora Vinci.

wine spectator huet le mont demi sec

Domaine Huet Vouvray Demi-Sec Le Mont 2018

95 pontos (15° colocado)

Huet é referência absoluta na apelação Vouvray com a uva Chenin Blanc no Loire. O vinhedo Le Mont parte de um terroir pedregoso (sílex) em meio a argila. O vinho tem 17 g/l de açúcar residual em perfeita harmonia. Excelente para pratos delicados e agridoces. É a versão alemã dos brancos franceses. Importadora Premium.

wine spectator castellare chianti classico

Castellare di Castellina Chianti Classico 2017

94 pontos (17° colocado)

Belo produtor de Castellina in Chianti, região clássica desta denominação. O vinho é baseado em Sangiovese com uma pitada de Canaiolo. Seu amadurecimento dá-se em tonéis de madeira francesa por sete meses. Sempre muito consistente e de muita tipicidade. Importadora Vinci. 

wine spectator guigal blonde e brune

Guigal Côte-Rôtie Brune et Blonde 2015

96 pontos (21° colocado)

Talvez o maior especialista na apelação Côte-Rôtie, Guigal elabora este vinho baseados nos vinhedos Côte Blonde (solo xistoso rico em sílica e calcário) e Côte Brune (solo rico em óxido de ferro). Os rendimentos são baixos e o blend é calcado na uva tinto Syrah com uma pitada da branca Viognier. Passa 36 meses em toneis de madeira, sendo 50% novos. Excelente pedida por preços honestos. Quem tem acesso à famosa trilogia (La Turque, La Mouline, e La Landonne) está no céu. Importadora Interfood.

wine spectator marques de murrieta reserva

Marques de Murrieta Rioja Finca Ygay Reserva 2015

92 pontos  (40° colocado)

Um clássico da Rioja com vinhos sempre consistentes. Nesta safra temos 80% Tempranillo, 12% Graciano, 6% Mazuelo, 2% Garnacha. Passa 18 meses em barricas de carvalho americano. Um vinho sedutor e marcante. Dignifica o estilo clássico dos grandes Riojas. Importadora World Wine.

wine spectator noval vintage 2017

Quinta do Noval Vintage Port 2017

98 pontos (53° colocado)

Uma das cinco melhores Casas do Porto, os Vintages da Noval são complexos e longevos. Nesta estupenda safra 2017 temos um Porto para esquecer na adega. Muito concentrado e estruturado para longo envelhecimento. Para quem não tem paciência, decanta-lo por ao menos quatro horas. Importadora Adega Alentejana.

wine spectator poliziano vino nobile

Poliziano Vino Nobile di Montepulciano 2016

92 pontos (54° colocado)

Poliziano é a grande referência quando se fala na denominação Vino Nobile di Montepulciano, a sul do Chianti Classico. Elaborado com 85% Prugnolo Gentile (Sangiovese) e 15% das uvas Canaiolo, Merlot, e Colorino. Passa entre 14 e 16 meses em madeira inerte de várias dimensões. Um toscano clássico. Importadora Mistral.

wine spectator maquis d´angerville

Marquis d´Angerville Volnay Champans 2016

95 pontos (67° colocado)

D´Angerville é juntamente com Domaine Lafarge as maiores referências na apelação Volnay. No caso de D´Angerville temos um lado mais viril de Volnay com vinhos aptos a longo envelhecimento. Geralmente passam de 15 a 18 meses em barricas francesas, sendo no máximo 20% novas. Champans trata-se de um de seus Premier Cru. Importadora Premium.

wine spectator pichon lalande

Chateau Pichon Lalande Pauillac 2016

97 pontos (97° colocado)

Um clássico de Pauillac, sempre pregando surpresas às cegas para os Premiers desta comuna. Um tinto muito sedutor, taninos sempre bem moldados, e embora possa ser acessível em tenra idade, envelhece com muita nobreza. Mais um dos grandes Bordeaux da ótima safra 2016. Várias importadoras podem tê-lo. 

wine spectator dominique piron morgon

Dominique Piron Morgon Côte du Py 2017

92 pontos (99° colocado)

Morgon é um dos Crus de Beaujolais do ótimo produtor Dominique Piron. Côte du Py é uma colina de solo granítico dentro da apelação Morgon com vinhas acima de 50 anos. Amadurecimento parcial em madeiras inertes de várias dimensões. Um Beaujolais diferenciado e muito gastronômico. Importadora Decanter.

Enfim, uma lista europeia, sem a presença dos americanos, pois estes últimos são inacessíveis em nosso mercado. Todos os vinhos listados tem importação no Brasil, embora não da safra específica mencionada. Como consequência, fica como sugestão para os vinhos deste final de ano.

De um modo geral, os Top 100 deste ano deram ênfase para os Cabernets e Pinot Noir americanos, os tintos da Toscana, especialmente Chianti Classico, e os Bordeaux da safra 2016.

Jules Lavalle: Classificação 1855

20 de Junho de 2019

Quando falamos de classificação de vinhos de 1855, já pensamos de imediato nos famosos Chateaux de Bordeaux de margem esquerda. Uma classificação polêmica e imutável, onde 61 chateaux foram listados em cinco categorias, levando em conta prestígio e preços dos vinhos na época, sobretudo. Entretanto, desta feita, estamos falando da Borgonha, de um pesquisador e estudioso da época, que deu as diretrizes de classificação e organização dos vinhedos da Côte d´Or, além de um belíssimo trabalho cartográfico. Estamos falando de Jules Lavalle, professor da escola de Medicina de Dijon, diretor do Jardim Botânico de Dijon, secretario da Sociedade de  Horticultura da Côte d´Or e membro da Sociedade de Geologia da França. Essa classificação abriu caminho para as futuras apelações de origem francesas da região, promulgadas em 1936.

A seguir, vamos analisar as principais comunas da Côte d´Or, comparando a classificação de Lavalle com a atual legislação da Borgonha, principalmente nas categorias Grand Cru e Premier. Lavalle propõe uma classificação em cinco níveis de categoria na seguinte ordem decrescente de importância e mérito: Tête de Cuvée, Première, Seconde, Troisième, et Quatrième Cuvée. As questões de terroir no sentido mais amplo da palavra foram consideradas, mencionando um termo que ele chama de finage, ou seja, a perfeita integração de uma comunidade rural com suas terras integradas num conjunto harmônico que engloba não só os vinhedos, como florestas, outras culturas paralelas, respeitando fauna e flora locais. Segue tabela comparativa abaixo: 

JULES LAVALLE

Clique acima para abrir arquivo

Já na primeira comuna ao norte da Côte de Nuits, Fixin, uma surpresa. O climat Clos de La Perrière era considerado por Lavalle como Tête de Cuvée, enquando na classificação atual, qualquer um dos climats de Fixin são no máximo, Premier Cru. Atualmente, uma comuna bem menos prestigiada que outrora.


Seguindo a rota a sul, a famosa comuna na sequência é Gevrey-Chambertin, uma das mais prestigiadas da Côte d´Or atualmente com nada menos que nove Grands Crus. No entanto, na época de Lavalle, somente dois dos atuais Grands Crus foram Tête de Cuvée, Chambertin e Clos de Bèze que de fato, são os climats mais importantes desta comuna. Realmente, é difícil ter um consenso de mesmo prestígio nos outros sete Grands Crus atualmente classificados.


Na sequência, temos a comuna de Morey-St-Denis com cinco Grands Crus na atualidade. Destes, somente Clos de Tart foi classificado por Lavalle como Cuvée de Tête. Clos des Lambrays, Clos de La Roche, Clos St Denis, e uma pequena parte de Bonnes Mares, ficaram longe da excelência. Clos de Tart bem o merece. É um vinho tão enigmático como o mítico Romanée-Conti e sua longa história dentro da Borgonha medieval é igualmente rica e brilhante.


Continuando a saga, Musigny é o grande vinho da comuna de Chambolle-Musigny. Sempre um vinho de grande prestígio, é o único que Lavalle classificou como Tête de Cuvée. Bonnes Mares, atualmente Grand Cru, e Les Amoureuses um super Premier Cru, foram considerados como Première Cuvée.


Quando se fala do Grand Cru Clos de Vougeot, falamos primeiramente de história, deixando o rigor técnico um pouco de lado. De fato, com cerca de 80 produtores fica difícil manter uma homogeneidade e um padrão elevado em todo o vinhedo que perfaz 50 hectares de vinhas, um verdadeiro latifúndio na Borgonha. Por isso, tanto a legislação atual como Lavalle, consideram Clos de Vougeot um patrimônio histórico inestimável com a classificação máxima. Lavalle utiliza um termo peculiar que ele chama de “Hors Ligne”, equivalente ao termo Tête de Cuvée.


Nas comunas de Flagey-Echezeaux e Vosne-Romanée, tratadas atualmente como uma só com o nome mais prestigiado, Vosne-Romanée, temos oito Grands Crus na legislação vigente, ou seja, Romanée-Conti, La Tache, Richebourg, Romanée-St-Vivant, Echezeaux, Grands-Echezeaux, La Romanée, e La Grande Rue. Lavalle foi bem rigoroso, listando sem contestação como  Tête de Cuvée os vinhedos Romanée-Conti, Grands-Echezeaux, e La Romanée. Em seguida fez questão de classificar parcialmente como Tête de Cuvée os vinhedos La Tache, a parte original sem a participação de Les Gaudichots, atualmente totalmente fundido com o nome La Tache. O mesmo critério foi usado para Richebourg. A porção denominada Les Richebourgs foi considerada Tête de Cuvée, mas parte Les Veroilles, hoje incorporado ao vinhedo original, foi considerada Première Cuvée. Os vinhedos La Grande Rue e Romanée-St-Vivant foram considerados como Première Cuvée. Por fim, o vasto vinhedo Echezeaux, dividido por Lavalle em várias parcelas, foi considerado Premiére Cuvée, sendo algumas delas ainda abaixo desta classificação.


Fazendo um parêntese na comparação Echezeaux e Grands-Echezeaux, fica muito claro a enorme diferença de força, concentração, profundidade, entre esse dois vinhos degustados lado a lado, sobretudo se forem DRC, suas melhores interpretações. O Echezeaux parece de fato um Premier Cru, frente ao poderoso Grands-Echezeaux, um verdadeiro Grand Cru.


Terminando a Côte de Nuits, a última comuna de Nuits-St-Georges revela grandes surpresas. Na atual legislação, não há nenhum Grand Cru, embora tenhamos vários Premiers Crus. Já para Lavalle, muitas parcelas foram classificadas como Tête de Cuvée. As mais famosas são Les Saint Georges com toda a justiça, Les Pruliers, Les Vaucrains, e Les Poirets (Porrets), entre outras. De fato, uma comuna bem mais prestigiada no passado.


Iniciando a Côte de Beaune no sentido norte-sul, começamos pelas comunas contíguas Ladoix, Aloxe-Corton, e Pernand-Vergelesses. Evidentemente, aqui os Grands Crus Corton para tintos, e Corton-Charlemagne para brancos, são os mais prestigiados. Entretanto, Lavalle classifica somente algumas parcelas destes vinhedos, os chamados lieux-dits, como Tête de Cuvée: Le Chaumes, Le Charlemagne, Le Corton, Les Renardes, e Le Clos du Roi.


Descendo em direção ao sul, temos a comuna de Savigny-Les-Beaune com vinhos deliciosos, mas nenhum Grand Cru. Somente Premier Cru na classificação atual em concordância com Lavalle na época. Sem surpresas.


Seguindo a sequência, temos a vasta comuna de Beaune, emblematizada pelos vinhos do Hospices de Beaune. Na legislação atual, não temos nenhum Grand Cru, somente Premier Cru. Para Lavalle, alguns lieux-dits merecem destaque com a classificação Tête de Cuvée, tais como, Aux Cras, Champs Pimont, Les Fèves, e Les Grèves. Le Clos des Mouches, vinhedo de muito prestígio nos vinhos de Drouhin, foi classificado como Première Cuvée.


Em seguida, temos a comuna de Pommard, os tintos mais rústicos da Borgonha numa sintonia fina. Chamados também, os “Barolos” da região. Nenhuma surpresa, nenhum Tête de Cuvée, nenhum Grand Cru na legislação atual. Destaques para os vinhedos Les Grands Epenots e Les Rugiens.


Ao lado de Pommard, a comuna de Volnay com vinhos completamente diferentes onde a delicadeza impera. Nenhum Grand Cru na legislação atual, embora com muitos Premier Cru. Já para Lavalle alguns vinhedos especiais com a classificação Tête de Cuvée. São eles: Les Caillerets, Champans, Les Santenots, e Clos des Santenots. Curiosamente, Clos des Chenes e Clos des Ducs não eram tão prestigiados como na atualidade.


Em Meursault, começam os grandes brancos da Côte de Beaune, embora sem nenhum Grand Cru na legislação atual. Para Lavalle, os climats Perriéres e Clos des Perrières são diferenciados, merecendo a classificação Tête de Cuvée. No mais, sem surpresas.


Seguinda a rota, vamos para Puligny-Montrachet. Aqui, embora tendo quatro Grands Crus de primeira grandeza: Montrachet, Chevalier-Montrachet, Batard-Montrachet e Bienvenues-Batard Montrachet, Lavalle só considera o grande Montrachet como Tête de Cuvée. Os demais são todos Première Cuvée. Pessoalmente, achei muito rigorosa a classificação, pois esses vinhedos embora com características próprias, são espetaculares nos principais Domaines.


Em Chassagne-Montrachet, a comuna vizinha, o mesmo critério. Somente o Le Montrachet foi considerado como Tête de Cuvée por Lavalle. No entanto, ele faz menção especial para alguns Premier Cru, tais como, Clos Saint-Jean, Morgeot La Boudriotte, e Morgeot Clos Pitois.


Na última comuna da Côte de Beaune, Santenay, sem maiores surpresas. Nenhum Grand Cru na classificação atual com alguns Premiers Crus. Para Lavalle, menção especial para os vinhedos Les Gravières e Clos de Tavannes.


Concluindo, as classificações evoluem com o tempo, ditadas pelas fusões de terroir, pelas modificações ocorridas nos climats, sobretudo pela intervenção humana, inerente a perpetuação das práticas vitivinícolas de acordo com as mudanças do homem moderno, sempre na adequação do vinho de acordo com seu tempo.

Vosne também tem seu lado masculino!

25 de Maio de 2019

Segundo Pepeu Gomes em sua canção: Masculino e Feminino, todos nós temos nosso lado oposto, aquele que contradiz o que somos realmente. Pois bem, os vinhos da Borgonha têm o glamour da delicadeza, da feminilidade, da sensualidade, sobretudo na comuna de Vosne-Romanée, berço dos mais espetaculares tintos borgonheses. Num agradável almoço no restaurante Gero, um desfile de grandes Borgonhas, mostrou com propriedade que o lado masculino desta comuna abençoada também existe, convivendo em harmonia com a feminilidade onipresente. 

uma viagem no tempo …

Essa história começa com a dupla de vinhos acima, mostrando muitos contrastes e uma viagem pelo tempo. O vinho da esquerda é um dos mais tradicionais monopólios da Borgonha, o clássico Clos des Mouches, localizado na Côte de Beaune. Embora a família Drouhin detenha boa parte da propriedade, a Maison Chanson tem uma parcela significativa de 4,5 hectares. Este exemplar degustado no estilo old school é da safra 1964 com todos seus terciários desenvolvidos, sobretudo toques terrosos, de cogumelos e de chá. Um tinto com uma masculinidade incrível, ora lembrando um Barolo ou Barbaresco, ora lembrando alguns tintos do sul do Rhône. Bem evoluído, mas ainda íntegro. 

O outro lado da moeda é o Volnay Premier Cru do Domaine Chassorney safra 2013. Além de bem mais jovem e uma vinificação mais moderna, Volnay expressa toda a feminilidade na Côte de Beaune. Um tinto de fruta muito limpa, toques florais e especiarias finas, tudo calcado num equilíbrio harmonioso. Portanto, os sexos dos anjos estão apresentados.

img_6128um abismo separa estes tintos

Neste primeiro embate, o maior contraste do almoço, quase um disparate, inclusive na opção sexual. Embora seja um Grand Cru de um mesmo produtor, as safras falam por si e mostram imensos contrastes. Os tintos de 83 são geralmente duros, austeros e masculinos. Além disso, esta garrafa 83 estava um pouco prejudicada com um vinho turvo e um tanto cansado. Mesmo que estivesse em sua melhor forma, não seria páreo para o vinho do almoço, sua majestade DRC Romanée-St-Vivant 1978. Um tinto lendário de Vosne-Romanée cheio de feminilidade e principalmente, jovialidade. Seus aromas de carne, rosas, alcaçuz, especiarias delicadas, permeavam a taça. Um equilíbrio fantástico em boca com final bastante expansivo, sem nunca perder a delicadeza. Um tinto de sonhos para ser colocado na prateleira dos grandes tintos de Vosne na história. O mestre Jayer já dizia sobre a safra 78: este foi o melhor Richebourg e o melhor vinho que fiz, outro tinto lendário. 

img_6130mais alguns contrastes …

DRC Grands-Echezeaux 1988 personifica em estilo e safra o lado masculino de Vosne-Romanée. Uma safra dura para um vinho austero deste belo Grand Cru. Só mesmo o tempo com seus trinta anos para domar esta fera. O vinho já está evoluído, taninos polimerizados, aromas terciários de adega úmida, além de um final arrebatador. Um tinto para quem tem paciência em adega, mas vale cada segundo de envelhecimento. Bravo!

Por outro lado, Madame Leroy fez milagre na pobre safra 1992 para tintos, pois os brancos são espetaculares. Apesar de ser um tinto do Domaine e não da Maison, falta a ele profundidade e maior riqueza aromática num nível Grand Cru. Mesmo assim, é um vinho extremamente feminino e com o toque elegante desta bruxa maravilhosa. 

img_6134um embate de gigantes!

Nesta briga de titãs, a hierarquia foi mantida. Embora o Richebourg 90 estivesse maravilhoso e muito mais pronto no momento, teve que ceder à suntuosidade do grandioso La Tache, um dos maiores vinhedos sobre a Terra, já dizia Hugh Johnson. Richebourg teve que ficar com o lado feminino com muita graciosidade e sedosidade em boca. Já o La Tache 90 tem um toque oriental de incenso maravilhoso, muito equilíbrio em boca, e uma persistência aromática bastante ampla. Deve ainda evoluir em adega e dar muito prazer por décadas. Um tinto marcante!

img_6135cinco anos faz diferença

Duas obras de arte pareadas em nota, 95 pontos cada um. É claro que o 95 não está pronto e acabou sendo o infanticídio do almoço, mas é muito bem elaborado e com futuro brilhante pela frente. Contudo, acho que não chega na grandiosidade do La Tache 90, um tinto que beira a perfeição. Aqui, os sexos se misturam e o que vale é o prazer. Aliás, falando de La Tache,  a safra 99 vai ser lendária como um dos melhores La Tache da história. Lembro-me até hoje do maravilhoso La Tache 62 degustado com muitas saudades …

alguns dos pratos do menu

A polenta com funghi e o tagliarini com molho de costela, fotos acima, foram um dos pratos que casaram bem com os vinhos, sobretudo os de certa evolução. A fidalguia do maître Ismael e toda a equipe do Gero sempre nos conforta. Adendo especial ao sommelier Felipe Ferragone com um serviço de sommellerie perfeito e rolhas intactas, foto logo mais abaixo. 

img_6140Terroir de duas comunas

Bonnes Mares é uma das poucas apelações na Borgonha que divide comunas contíguas. Uma boa parte está em Chambolle-Musigny, mas seu caráter parece ser de Morey-St-Denis. Dujac é um dos especialistas na apelação com os dois exemplares acima de safras muito pontuadas. Servidos às cegas, o 2005 parecia mais jovem, tanto na cor, como nos aromas e taninos mais presentes. Já o 2009, muito mais gracioso, feminino, e acessível no momento. Um flight aparentemente fácil, mas surpreendente, onde a maioria arriscando pela lógica, trocou as safras. Nosso presidente, homem forte da confraria sentenciou: o 2005 é mais austero, mais fechado, de evolução mais lenta em garrafa. Mais um acerto taxativo. 

o único branco e rolhas intactas

No final do almoço já com os queijos, surge um branco da Madame, Domaine d´Auvenay, sua reserva particular de produção limitadíssima. Auxey-Duresses é uma apelação sem grande expressão, frente aos badalados brancos de Beaune. No entanto, em se tratando de Auvenay, nada surpreende. Um lieu-Dit comunal, Les Boutonniers, nas mãos da bruxa, se transforma num verdadeiro Grand Cru. Com seus quase 20 anos, é um branco complexo com toques de evolução e equilíbrio perfeito. Expansivo em boca e de alta classe. Bate com folga muitos Grands Crus de Beaune. 

parceria harmoniosa

Passando a régua, um Yquem 98 para encerrar o almoço. 95 pontos com apogeu previsto para 2050. O vinho encontra-se naquela fase de transição, entre a juventude e maturidade. Doçura bem equilibrada com a acidez, textura macia e envolvente da Botrytis, e um final longo. Foi muito bem com o pudim de pistache da Casa com calda de caramelo.

Por fim, os agradecimentos aos confrades, companheiros de mesa e copo, que sempre nos proporcionam momentos de  descontração, alegria, e imensa generosidade. Que Bacco nos proteja nesta gostosa caminhada aos prazeres da vida!

Bordeaux em quatro atos

27 de Abril de 2019

Neste cenário paradisíaco  aconteceu um belo almoço envolvendo Grand Cru Classés de Bordeaux, tanto da  margem direita, como da margem esquerda, em flights às cegas. A despeito da colocação  e preferência de cada um, não houve vencedores e perdedores. Todos os tintos mostraram seu valor, tipicidade de terroir, e porque são considerados ícones nas mais rigorosas avaliações da crítica especializada.

 

exclusividade para doze convidados

 

abrindo e encerrando o evento

Antes dos flights propriamente dito, a recepção foi regada a Dom Perignon 2006, uma safra generosa em aromas com certo toque de tropicalidade em seu estilo, geralmente mais austero. Champagne de 96 pontos já muito prazeroso no momento, mas com bom potencial de guarda.

Passando a régua, já com as sobremesas e charutos, um bebezinho em magnum foi servido para deleite dos convivas, Taylor´s Port Vintage 2003. Outra safra generosa em aromas, de grande corpo e concentração, mas ainda em tenra idade. Deve evoluir por décadas em garrafa, entrando na galeria dos grandes Vintages da Casa, a qual é uma de suas especialidades.

algumas das delicias do Chef Magaldi

O Chef Magaldi do buffet Fasano abrilhantou o almoço numa sucessão de pratos muitos bem executados. Alguns dos destaques que combinaram muito bem com os vinhos servidos foram o ravióli de zampone com ossobuco, e um corte de Wagyu ultra maturado e marmorizado de uma maciez e sabores impressionantes. Grande Magaldi!

img_6016confronto de margens

Sem mais delongas, vamos ao primeiro flight, num par de Moutons, ladeado por um Pomerol, Chateau L´Evangile. Na preferência dos convivas, L´Evangile ganhou com folga. Pudera, com 95 pontos Parker numa das melhores safras de Pomerol, o vinho esbanja fruta, certa maciez em boca, embora possa envelhecer com propriedade por longos anos. Com 72% Merlot e 28% Cabernet Franc, seu balanço entre graciosidade dada pela Merlot e uma certa estrutura e elegância advinda da Cabernet Franc, garantiram o primeiro lugar. 

Quanto aos Moutons, são muito parecidos em notas, 97 pontos para o 98, e 94 pontos para o de safra 96. A safra 98 para a margem esquerda, proporcionou vinhos um pouco mais duros, de taninos de longa guarda, razão pela qual o 96 mostrou-se mais gracioso, mais abordável no momento. Dois belos Moutons que devem envelhecer com muita dignidade.

img_6017sua Majestade, Chateau Latour

Um trio de Latours deu um ar de imponência à degustação. O Latour 88 já apresenta boa maturidade, embora possa envelhecer com tranquilidade por longos anos. Sua estrutura tânica e seu toque aromático de couro fino são notáveis. Foi o mais pronto do trio. A grande surpresa do flight foi a diferença de garrafas entre os dois 90 acima, provando mais uma vez que em vinhos antigos não existem grandes safras e sim, grandes garrafas. Uma delas estava divina, vinho elegante, taninos de rara textura, e longo em boca. Já o outro exemplar de mesmo ano, parecia um pouco cansado, com aromas evoluídos para esta idade de garrafa. Davam a impressão de dois vinhos de safras diferentes, bastante didático.

img_6018Destaque para o Chateau Margaux

No terceiro flight, aparece um vinho de 100 pontos, Chateau Margaux 1990. Em todas as avaliações de Parker, consistentemente 100 pontos com apogeu previsto para 2040. Uma das grandes safras deste Chateau com taninos de veludo. Boca perfeita, aromas elegantes envolvendo cedar box, especiarias, e um toque de sous-bois. Longa persistência aromática e um final arrebatador.

Os outros dois do páreo não eram do mesmo nível de perfeição. O Haut Brion 86 que alguns acharam um pouco cansado, estava delicioso mesmo assim. Talvez pela safra, potente em taninos, o vinho ainda apresenta um estrutura impressionante com mais de trinta anos. Os aromas de cacau, couro e incenso, ratificam a elegância deste Chateau. Quanto ao Latour 93, o infanticídio do almoço. Muito novo para um Latour num dos melhores vinhos da difícil safra 1993. Um tinto ainda com taninos potentes, aromas um tanto fechados, embora muito elegante. Vinho de longa decantação para ser apreciado no momento.

img_6023Pavie, o único em Magnum do painel

Chateau Pavie 2004 degustado em Magnum, mostrou a sensualidade da margem direita. Fruta deliciosa com toques florais e uma boca firme, embora sedutora, num blend que além da majoritária Merlot, conta com as duas Cabernets, Franc e Sauvignon, proporcionando mais estrutura. Deve envelhecer bem em adega.

Chateau Haut Brion 2000, outro infanticídio com apogeu prevista para 2050. Um vinho praticamente perfeito com 99+ pontos Parker. Gostaria de saber de onde ele tirou um ponto deste vinho. Boca grandiosa, equilíbrio perfeito, e longa persistência final. Os aromas ainda são tímidos, mas com muita tipicidade. Ervas, estrebaria e um toque de tabaco. Um grande vinho, ainda muito longe do que pode oferecer de pleno prazer. 

Por fim, a grande injustiça do almoço, ficando na lanterna deste flight. É bem verdade que 95 não é uma grande safra deste Chateau. Contudo, Cheval Blanc é um dos vinhos mais elegantes entre todos os Bordeaux. Um bouquet fino, ricos em ervas e especiarias. Em boca, taninos delicados, bem integrados, e um equilíbrio dos grandes vinhos. Talvez, pelo nível alcoólico do pessoal nesta altura do campeonato, esses detalhes passaram desapercebidos.

img_6026mais um embate entre margens

Deu tempo ainda para mais uma dupla poderosa com 95 pontos cada um. No caso do Mouton, a safra 95 proporciona vinhos muito macios, elegantes e de taninos suaves. É um vinho muito gostoso de ser tomado com as notas de cassis, café e um leve toque de tabaco que será amplificado com o tempo em garrafa. No caso do Valandraud 2000, a maciez e sensualidade continuam por uma questão de terroir, onde a Merlot confere maciez e elegância, enquanto a Cabernet Franc aporta estrutura e firmeza ao conjunto. 

De todo modo, foram flights diversificados, curiosos em certos aspectos, mostrando a grandeza e pluralidade da mais fina região de tintos do mundo. Agradecimentos a todos os confrades, que proporcionaram momentos de alegria e descontração.

a hora da fumaça!

Já fora da mesa, cafés, fortificados e destilados entraram em ação. Cohibas das mais variadas bitolas, inclusive Behikes estavam à disposição. Grappas Poli, das mais refinadas da Itália estavam presentes nas versões com e sem madeira. Um pouco mais de conversas, piadas e risadas. Essa é a essência da vida.

img_6030para aqueles que ainda tinham sede!

No apagar das luzes, para os que tinham sede e alguns amigos de última hora, foram abertas mais duas garrafas dos rivais, Bordeaux e Bourgogne. Maison Leroy e seu elegante Volnay, um tinto  de Beaune dos mais delicados, convivendo com os vinhos de Meursault. Safra precoce e já bastante abordável. No lado bordalês, um dos destaques da safra 2003. Um vinho cheio de vida, rico em frutas e toques empireumáticos, lembrando café e notas tostadas. Boca ampla, cheia de taninos finos, e final expansivo.

Hora de ir pra casa e sonhar com os anjos. Agradecimentos especiais ao anfitrião pela imensa generosidade e simpatia em nos agradar sem limites. Que Bacco nos proteja e nos proporcione mais encontros memoráveis. Abraços a todos!

Hits da Borgonha

16 de Abril de 2018

Vez por outra, é bom dar um passeio pela Borgonha buscando comunas distintas em épocas onde o glamour do vinho tinha um sentido mais romântico e filosófico do que os atuais dias onde o marketing e a especulação imperam num dos terroirs mais fascinantes da França. Foi com esses propósito, que um grupo de amigos reuniu-se na Trattoria Fasano num belo almoço outonal. 

Old School

Diferentemente de champagne ou vinho branco, iniciamos os trabalhos com um aperitivo distinto, um Charmes-Chambertin 1964 da velha guarda da Borgonha. Notem no rótulo abaixo, que não há menção Grand Cru. Nesta época, Charmes-Chambertin como Lieu-Dit (território consagrado) era mais relevante para os conhecedores. É um vinho muito mais de alma que de corpo. Seus aromas etéreos com notas de chá, manteiga de cacau e sous-bois, além das sutilezas em boca, nos leva a outros tempos …

IMG_4478.jpgsafra 1964: sabor nostálgico

Descendo mais um pouquinho no tempo, chegamos a mítica safra de 1959, minha safra também, para nos deliciarmos com toda a energia deste Pommard Village sem identificação do vinhedo. Aparentemente sem pedigree, o vinho é de uma força extraordinária, justificando sua fama de Barolo da Borgonha. Com seus quase 60 anos, tem sua rusticidade domada pelo tempo com aromas terciários fantásticos. Sem sinais de declínio. 

1959, uma das safras históricas

Deixando de lado a nostalgia, vamos para 1997 na comuna de Volnay, sabidamente de tintos delicados, exceto por este produtor, Domaine Marquis d´Angerville. Sobretudo em seu grande tinto, o monopole Clos des Ducs do século XVI de pouco mais de dois hectares, mostra extrema virilidade, taninos bastante firmes, aromas recatados, dando indícios de sua longa guarda. Este provado da safra 1997, mostra-se ainda muito jovem, necessitando de decantação. Seus aromas um tanto tímidos mostra um lado sanguíneo, notas de alcatrão, e frutas escuras. Sua incrível acidez e estrutura tânica o permitirão vencer décadas de lenta polimerização, liberando seu bouquet.

IMG_4482.jpgum tinto para envelhecer

O outro grande nome da comuna de Volnay é Domaine Lafarge, de estilo mais feminino e elegante, mas igualmente complexo e sedutor. Seu monopole Clos des Chenes 1999 provado há anos, ainda está na memória …

DRC Romanée-St-Vivant em dois tempos

Entrando no terroir sagrado de Vosne-Romanée, um dos meus DRCs preferidos, Romanée-St-Vivant. É sempre um vinho vibrante, gracioso, sem muita timidez. A safra 1995 da foto abaixo, mostra já um vinho delicioso em sua maioridade, mas com muita vida pela frente. Taninos firmes e polidos, aromas de cerejas negras, especiarias, toques balsâmicos, e uma boca harmoniosa. Aqui não há vinhos comuns …

diferentes momentos de evolução

Agora para tudo, sua majestade Romanée-St-Vivant DRC 1978 entra em cena. Um dos cinco melhores Borgonhas que já provei numa safra mítica da região. Esta garrafa estava incrivelmente jovem comparada a outras degustadas. Um vinho praticamente imortal, com uma energia e vivacidade ímpares. Suas notas de cerejas negras, rosas, especiarias delicadas, toques balsâmicos, são de um riqueza e harmonia absolutas. Impossível não ser seduzido por todo este encantamento. Aquela garrafa da ilha deserta …

IMG_4487.jpgum bebê engatinhando

Ainda em Vosne-Romanée, um pequeno infanticídio com a criança acima, um Echezeaux Liger-Belair da ótima safra 2015. Um vinho elegante, muito bem equilibrado e com ótima riqueza de fruta. Vide, foto acima.

flagey echezeaux

uma comuna que se confunde com Vosne-Romanée

O mapa acima tenta ilustrar a complexidade deste terroir chamado Echezeaux com área em torno de 37 hectares. É um pouco menor do que Clos de Vougeot, Grand Cru com 50 hectares de vinhas. Nos dois casos, cerca de 80 produtores disputam espaço e imprimem por conseguinte seu estilo de vinho. Portanto, uma comuna com vinhos bastante heterogêneos. 

A rigor, os Grands Crus Echezeaux e Grands-Echezeaux pertencem à comuna de Flagey-Echezeaux conforme mapa acima, e frequentemente confundida e englobada na badalada comuna de Vosne-Romanée. Em termos de terroir, existem 11 diferentes Climats em torno de Grands-Echezeaux formando o mosaico chamado Echezeaux. Em linhas gerais, os climats adjacentes a Grands-Echezeaux de solo mais argiloso, mostram vinhos mais robustos e concentrados. Não é por acaso, que as vinhas DRC para esta apelação estão concentradas nesta porção de terreno, sobretudo no climat Les Poulaillères. Já Liger-Belair, objeto de nosso tinto degustado, possui vinhas nos climats Les Crouts e Les Champs Traversins, de solo mais arenoso e menos argiloso. Isso proporciona vinhos mais leves e elegantes. Seu grande diferencial, são vinhas muito antigas, em torno de 65 anos. Daí se explica a delicadeza de seus vinhos.

IMG_4484.jpgfettuccini com cogumelos e molho rôti

Um dos pratos de grande sucesso do almoço na Trattoria Fasano foi o Fettuccini com cogumelos e molho rôti. A textura da massa estava perfeita para a densidade dos borgonhas, além dos aromas e sabores do prato instigarem o aspecto de evolução desses vinhos baseados em sous-bois e algo terroso.

IMG_4490.jpgum vinho enigmático

Por fim, um dos tintos mais enigmáticos da Côte de Nuits, Clos de Tart, monopole histórico da comuna de Morey-St-Denis. Seu rótulo sóbrio traz o peso de sua história e tradição. Um vinho sempre muito difícil de se mostrar, pedindo tempo ao tempo, mas de uma riqueza impressionante, incitando o degustador a tentar revelar seus segredos. O vinho é muito equilibrado, muito estruturado em todos seus componentes, mas ainda a ser lapidado. Esse seu mistério e relutância em não se revelar por completo me remete de alguma forma ao mítico Romanée-Conti. Sempre um privilégio prova-lo. 

bolivarianos em ação

Finalizando a conversa, nada como uma sessão espiritual, Puros e Cognacs. A seleção ficou a cargo da Casa Bolivar, uma das mais tradicionais marcas cubanas conhecida por sua destacada fortaleza em aromas e sabores. No caso, um duplo figurado lembrando um concorrente à altura, Partagas Salomones. Além disso, uma bitola exclusiva de nome Geniales com ring 54 de ótimo fluxo completou o deleite.

IMG_4493.jpgencontro espiritual

Essa garrafinha dentilhada de  Baccarat quando entra em cena, não há espaço para a concorrência. Cognac Louis XIII, a excelência desta apelação francesa, primando pelo extremo cuidado na seleção e envelhecimento dos melhores cognacs da Maison Remy Martin. Personalidade, força, em perfeita harmonia com a elegância e delicadeza de um verdadeiro néctar.

O que mais dizer, senão agradecer aos amigos pela companhia, bom papo, e alto astral. Que Bacco nos proteja em busca de novas orgias. Abraço a todos!

 

 

Final MasterChef: Harmonização

6 de Dezembro de 2017

Como de costume, toda a final MasterChef, Vinho Sem Segredo tenta harmonizar alguns vinhos com os pratos propostos pelos finalistas, desta feita, profissionais.

A diversidade de pratos foi imensa num menu com quatro entradas, quatro pratos principais e quatro sobremesas. Achei um pouco de exagero ter quatro sobremesas e tempo de execução de apenas uma hora para cada finalista. Enfim, vamos às harmonizações.

Imaginando um menu desses para oito pessoas, são mais que suficientes dois vinhos de entrada, dois vinhos para os pratos principais, e duas meias garrafas para os vinhos de sobremesa. Portanto, as sugestões de vinhos serão por duplas de pratos, supondo uma situação real sem exageros.

Entradas

mexilhão à esquerda e linguiça de camarão à direita

Nada melhor que iniciar uma refeição com um Riesling da Alsace, sobretudo se for um Zind-Humbrecht da importadora Clarets (www.clarets.com.br). Esse Riesling costuma ter um off-dry bem balanceado por uma bela acidez, certa textura em boca, além de toques cítricos, minerais, e florais. Os aromas marinhos e a gordura do creme de leite são bem contrastadas pela mineralidade e acidez do vinho. A riqueza de sabores de ambos os pratos encontra eco nos múltiplos sabores e aromas do vinho. O toque de bacon e a fritura nesta linguiça de camarão são bem criativas. Um harmonização que mantem a boca fresca para a sequência de pratos.

foie gras com abóbora e nhoque de calda de ameixa

Nesta sequência de entradas, os sabores se intensificam e se tornam bem exóticos. Aqui precisamos um vinho de caráter e personalidade. Um distinto Amontillado da região de Jerez pode ser uma bela surpresa. Se for da bodega Lustau, melhor ainda. A sugestão é o Amontillado Los Arcos, importado pela Ravin (www.ravin.com.br). Esse vinho apresenta sabores interessantes com o foie gras grelhado e abóbora cabotiá ao forno. A calda de ameixa com temperos e especiarias, quase um consomé, encontra eco nos sabores multifacetados do vinho com frutas secas, especiarias e toques empireumáticos. A preparação do fígado de galinha que é incorporado no nhoque, conta com redução de vinho do Porto e conhaque, o que aumenta a ligação com o vinho em questão.

Pratos Principais – peixes

truta no vapor e robalo grelhado

Os sabores dos dois pratos são delicados, sobretudo no robalo onde as três versões de couve-flor são apresentadas (purê, picles delicado, e assado). Temos ainda o pistache na composição. Na truta ao forno, temos um recheio de pralina com castanha de caju. O peixe é coberto com lâminas de pupunha e folhas de capiçoba, uma planta típica de Minas Gerais. Para todos esses sabores pouco comuns, a sugestão é Hermitage branco, vinho pouco conhecido com as uvas Marsanne e Roussanne. Costuma ser um vinho que valoriza as harmonizações por ser pouco invasivo. Normalmente, não se percebe a madeira, além de envelhecer muito bem. Não tenha medo de compra-lo com alguns anos de garrafa. Seus aromas evocam frutas e flores delicadas, um fundo de mel, e com o tempo, toques minerais e de frutas secas. Certamente, irá realçar os sabores da couve-flor e no caso da truta, um prato de sabores relativamente mais marcantes, tem mineralidade para o peixe e sintonia com a castanha de caju. Existem belos exemplares na importadora Mistral (www.mistral.com.br). Um vinho também da própria mistral como alternativa, é o Domaine Ferret em várias versões de Pouilly-Fuissé. Um vinho delicado e de muita mineralidade.

Pratos Principais – carnes

costeleta de vitela à esquerda e língua à direita

Novamente, carnes delicadas e molhos de alto refinamento. Com essas características, poucas opções fora da Borgonha. Poderia ser até um branco da região, mas vamos colocar um tinto. Aliás, o único do menu. Da principais comunas da Côte d´Or, escolheria um Volnay pela delicadeza e preços não tão abusivos. Num mundo ideal, Domaine Lafarge, não encontrado no Brasil. Voltamos então à Mistral com boas opções. Como sugestão um De Montille 1º Cru Les Champans 2009 na promoção. Esse vinho tem a delicadeza para as carnes propostas, para o morilles, um champignon fino com toques terrosos. Todos os outros sabores de ervas, especiarias e pistache, têm sintonia com o vinho. Harmonização de sutilezas.

Sobremesas – frutas frescas

sorvete de goiaba à esquerda e abacaxi com mascarpone

Aqui o primeiro par de sobremesas com frutas frescas, certa intensidade de sabores e alguma cremosidade. O vinho indicado é um Sainte-Croix-du-Mont, apelação satélite de Sauternes, elaborado com as mesmas uvas botrytisadas. É uma versão mais leve e menos untuosa. Vai bem com as frutas, a cremosidade do mascarpone, os queijo canastra e requeijão, a farofa de castanha, o chocolate branco, e o molho cítrico do abacaxi. Este é um exemplar da importadora Decanter (www.decanter.com.br). Chama-se Chateau de Tours.

Sobremesas – chocolate e café

sorvete de pão com telha de café – mousse de chocolate amargo com caju

Aqui temos sobremesas ricas e de sabores marcantes. A telha de café, o chocolate amargo, o sorvete de pão, leite e manteiga, espuma de caramelo e doce de leite, caju em calda, e espuma de cachaça. Todos esses sabores, texturas, doçuras e gorduras, pedem um belo Madeira Malmsey 10 ou 15 anos, encontrado na Adega Alentejana do produtor H.M. Borges (www.alentejana.com.br). A acidez, a doçura, os toques empireumáticos, cítricos, de especiarias e baunilha, são elementos suficientes para uma boa harmonização. Para quem for mais curioso, tem um raro Carcavelos na mesma importadora. Elaborado nos arredores de Lisboa, é um vinho fortificado quase em extinção. Vale a pena prova-lo como alternativa.

As receitas em detalhes encontram-se no site do MasterChef Profissionais na Uol. Antes que alguém venha comentar sobre a idoneidade do programa, este artigo visa pura e simplesmente um exercício de enogastronomia. Não tenho nenhuma relação com o programa, apenas acompanho como telespectador.

Os finalistas foram os competentes Chefs Francisco Pinheiro e o jovem Pablo Oazen, vencedor da grande final. Em cada foto acima, um duelo entre os dois. Foram testados ao limite. Parabéns!

Tintos da Borgonha: Top Ten

23 de Junho de 2016

Tempos atrás fiz um ranking pessoal dos melhores tintos de Bordeaux provados ao longo de mais de 20 anos. Agora, chegou a vez dos tintos da Borgonha. É sempre uma escolha difícil, até porque a memória nos trai. Em todo caso, segue abaixo alguns vinhos com a ressalva ao longo do tempo de serem modificados. De qualquer modo, são vinhos especiais, e que dificilmente irão decepcionar aqueles que experimentarem. É bom frisar também, que não sou um especialista na matéria, mas alguém já disse: o gosto é soberano!

la tache 1990

Hug Johnson: Um dos melhores vinhedos sobre a Terra

A ordem da lista não significa prioridades ou escala de pontuação. Evidentemente, são vinhos sob meu critério, acima de 95 pontos, ou seja, obras de arte.

  • DRC Romanée-Conti 1985

vinho difícil que precisa de tempo. acho que com seus mais de trinta aninhos mostra suas verdadeiras virtudes.

  • DRC La Tâche 1990

normalmente, agrada mais que o mito acima na maioria das vezes.

  • DRC Romanée-St-Vivant 1978

um vinho de sonhos. É o meu preferido do Domaine e nesta safra, extrapola as expectativas.

  • Henri Jayer Cros Parantoux 1988

aqui é um homenagem ao monstro sagrado da Borgonha, Henri Jayer. Poderia ser outra safra ou qualquer um de seus tintos. A delicadeza e longevidade desses vinhos não tem descrição a meu ver.

  • Clos de Tart

Novamente, independe da safra. particularmente, as safras 88 e 96 são magnificas. Um dos poucos da Borgonha capazes de encarar o mito (Romanée-Conti).

  • Domaine Jacques-Frédéric Mugnier Chambolle-Musigny Premier Cru Les Amoureuses

Independente da safra, mas com este produtor. você não completará a Borgonha sem ter provado esta obra-prima. A linha tênue que separa o encantamento da mediocridade, só Mugnier chegou mais perto.

  • Domaine Ponsot

Independente de safra, seus Grands Crus Clos St Denis e Clos de La Roche, todos vinhas velhas, são de uma profundidade impar. O silencio depois da prova é inevitável.

  • Domaine Rousseau

Seus Chambertins são espetaculares. Difícil escolher um. Até seu Premier Clos St-Jacques é inesquecível.

  • Domaine Méo-Camuzet

Seus Grands Crus Richebourg e Clos de Vougeot são raros, caros e divinos. A essência de Vosne-Romanée.

  • Domaines Michel Lafarge e/ou Marquis D´Angerville

Uma homenagem aos tintos da Côte de Beaune com dois domaines espetaculares. Não são Grands Crus, mas seus Volnay topo de gama são de uma delicadeza impar. Lafarge, mais feminino. D´Angerville, mais viril. Premiers Crus como Clos des Chênes, Chateau des Ducs e Clos des Ducs, são sensacionais e podem envelhecer dignamente.

clos te tart 2007

Terroir de séculos

Reparem que com exceção do último vinho, todos os demais são da Côte de Nuits, berço espiritual da Côte d´Or e por conseguinte, de toda a Borgonha. Todos são Grands Crus distribuídos pelas famosas comunas de Vosne-Romanée, Chambolle-Musigny, Morey-St-Denis e Chambertin.

richebourg meo camuzet

exclusividade: menos de meio hectare

Além dos Premiers Crus da Côte de Beaune como última indicação, Les Amoureuses também inclui-se nesta classificação. Contudo, este tinto por si só, já é uma exceção.

henri jayer cros parantoux

o mito engarrafado

Há uma lacuna nesta classificação que precisa ser explicada. Os vinhos do Domaine Leroy. Infelizmente, os vinhos tintos do Domaine e não da Maison Leroy ainda não os provei. O branco Corton-Charlemagne é divino. Penso que os tintos devem seguir o mesmo caminho. Como disse, uma lista como essa jamais pode ser definitiva. A fila anda …

mugnier les amoureuses

a epítome da delicadeza

Todos esses vinhos são tintos de guarda que precisam pelo menos dez anos para se expressarem plenamente, alguns bem mais, especialmente Romanée-Conti, Clos de Tart e Domaine Ponsot.

Mudança de Adega: Entre um gole e outro

3 de Maio de 2015

Um dos trabalhos do sommelier é também montar adegas novas ou transferi-las para um novo local. Este foi o caso de um grande amigo que mudou recentemente de endereço. Possuidor de um arsenal de mais de três mil garrafas cuidadosamente selecionadas ao longo dos anos. E que arsenal! Pode não ser das maiores do Brasil em quantidade, mas a qualidade e o garimpo de seus vinhos são irrepreensíveis. Apaixonado pelos bordaleses, os melhores chateaux e as melhores safras de ambas as margens estão lá. Outro fascínio, são os DRCs de Vosne-Romanée. Uma coleção completa destes borgonheses fantásticos com algumas safras memoráveis. A prateleira de recepção da adega é repleta de Imperiais (seis litros) destes mitos citados acima. Sem contar com a bela coleção de Vegas (espanhóis), Yquem, e Domaine Leflaive.

Painel Romanée-Conti

O painel acima está no centro, em destaque, da prateleira de DRCs. Mas antes desta montagem, muito trabalho. Com a chegada dos vinhos na nova residência foi preciso um trabalho árduo, de muita paciência, para separar e classificar os vários Chateaux, Domaines, separando por safra, vinhedos ou cuvées especiais, se for o caso, para poder planilha-los de forma cartesiana e lança-los no computador, ou seja, a adega virtual. A foto abaixo, nos dá uma ideia do tamanho do problema.

A bagunça sendo organizada

Evidentemente, nem tudo é trabalho. Em determinados momentos a generosidade do proprietário brindava-nos com alguns mimos, conforme a sequência abaixo:

Referência na apelação Volnay

Quando pensamos em alto nível na comuna de Volnay (Borgonha), imediatamente nos vêm Domaine Lafarge e Domaine Maquis d´Angerville. O primeiro já foi descrito em artigo neste mesmo blog. Este acima da safra 97 ainda é uma criança. Podemos dizer que foge até um pouco da tipicidade da apelação, pois Volnay elabora tintos elegantes, sedosos, acessíveis, mesmo na juventude. Este porém, tem caráter masculino, estrutura tânica portentosa. A cor mostra-se jovem, aromas um tanto fechados, sugerindo cerejas negras, alcaçuz, especiarias e uma nota tostada. A boca impressiona por sua estrutura. Taninos bem delineados, mas em quantidade suficientes para mais uma década, pelo menos. E olha que estamos falando de uma safra acessiivel (97). Realmente, é vinho de longa guarda.

Um Pomerol de livro

Já tive o privilégio de participar de uma extensa vertical de Le Pin, e este 85 é encantador. Com seus trintas anos, continua sedutor, macio, equilibrado e sem sinais de decadência. As ameixas em calda, as flores, o toque terroso e de especiarias, confirmam os descritores clássicos desta pequena apelação. Aliás, a safra 85 é encantadora para a maioria dos grandes bordaleses.

Um Lafleur parrudo

Este exemplar da safra de 1990 mostra um Lafleur quase indestrutível. Cor muito pouco evoluída, aromas não completamente desabrochados e uma estrutura tânica impressionante para um margem direita. Talvez a alta proporção de Cabernet Franc e a potência da safra expliquem esta estrutura. Os aromas de frutas escuras, tabaco, minerais e especiarias, foram se mostrando lentamente com algum tempo nas taças. Deve ser obrigatoriamente decantado por pelo menos duas horas. É páreo para um bom Confit de Pato.

Yquem 75 : para ficar na memória

Já tomei alguns Yquems de peso como as safras de 83, 86 e 2001, mas este 75 em formato Magnum, mesmo com o problema acima, foi memorável. Algo absolutamente  inédito nesta garrafa com a rolha soltando-se dentro do liquido e apenas a capsula, segurando todo o conteúdo, sem nenhum vazamento. O vinho com uma cor âmbar brilhante estava adequada para a idade (40 anos). Os aromas de caramelo escuro, notas de coco, marron-glacê, doces mineiros cristalizados, curry, entre outros, eram deslumbrantes. E a boca? Esplendorosa! Uma harmonia entre os componentes de álcool, acidez e açúcar, em perfeito equilíbrio. Tudo isso era transportado por uma viscosidade única, devido a altas taxas de glicerol que neste caso, é perfeitamente perceptível. Uma persistência interminável, expansiva, como se houvesse compassadamente lufadas deste liquido indescritível. O melhor Yquem tomado até hoje. Nunca se sabe o dia de amanhã…

Continuando a bagunça

Mais alguns dias de trabalho e algumas paradas sedentas. Numa delas dois exemplares dos injustiçados Bordeaux brancos. Dois Châteaux de peso na comuna de Pessac-Léognan, zona norte de Graves, bem próximo à cidade de Bordeaux. Vamos a eles!

Bela estrutura

Os tintos do chateau acima são encantadores. Este branco da safra 2009 é altamente pontuado pela crítica especializada. Uma bela cor, aromas ainda tímidos lembrando minerais e cogumelos. Em boca, um belo corpo, muito macio e com uma certa untuosidade. Consequência da boa proporção de Sémillon no corte e um longo período sur lies (contato com as leveduras) e bâtonnages frequentes. Deve evoluir com o tempo, tornando-se um branco bastante gastronômico.

Haut-Brion: O Ícone da região

Num estilo totalmente diferente do branco anterior, este exemplar prima por seu frescor, vivacidade e elegância. Sem dúvida, disputa a primazia dos brancos bordaleses com seu grande rival, Château Laville Haut-Brion, o grande branco do Château La Mission Haut-Brion. Curiosamente, a partir da safra 2009 passou a ser chamado Château La Mission Haut-Brion Blanc. Voltando ao Haut-Brion,  seus aromas cítricos, alimonados e até lembrando a carambola destacam-se com as notas de madeira elegante. Alta proporção de Sémillon também, mas a fermentação dá-se em barricas de carvalho parcialmente novas. Embora haja bâtonnages, a maciez é mais discreta, prevalecendo a vivacidade. Um clássico a ser provado entre os amantes de Bordeaux.

Felicidades ao amigo, e que seu novo lar proporcione momentos de paz, felicidade, alegria e muitos brindes, aliados a seu bom gosto e enorme generosidade. Santé pour tous!

Barolo x Pommard

6 de Março de 2015

 Continuando nossa série de degustações inusitadas, o título acima propõe um desafio ousado, confrontar lado a lado, Piemonte e Borgonha. Embora esta analogia já tenha sido citada, não é fácil encontrar os estilos e pontos mais parecidos. As duas regiões partem de vinhos varietais, climas frios, e solos envolvendo argila e calcário. As taças utilizadas são as mesmas, naquele estilo mais bojudo. Contudo, as características da uvas são bem diferentes.

A Nebbiolo, uva do Barolo, tem maturação tardia, pois é rica em taninos, mas pobre em antocianos. Daí, sua cor assemelhar-se ao borgonhas, não muito intensa e perdendo rapidamente a tonalidade rubi com o tempo. Além dos taninos, a Nebbiolo mostra-se com alta acidez. Esses dois componentes já são suficientes para comprovar a incrível longevidade destes vinhos.

Pio Cesare: Belo produtor de Serralunga d´Alba

A Pinot Noir, uva dos borgonhas tintos, tem estrutura tânica mais discreta e baixa pigmentação na cor. A acidez é seu principal componente em termos de estrutura como regra geral. Em resumo, podemos dizer que os tintos da Côte de Beaune são mais delicados e os tintos da Côte de Nuits são mais estruturados e longevos, numa visão bastante genérica. E exceções não faltam na Borgonha.

Na apelação Pommard, contígua à apelação Volnay, os vinhos apresentam perfis completamente opostos. Volnay é a pura expressam dos tintos da Côte de Beaune, delicados, sutis e femininos. Essa diferença no estilo dos vinhos em comunas tão próximas deve-se ao perfil geológico de ambos. A presença de calcário em Volnay é muito mais destacada, gerando vinhos delicados e elegantes. Já em Pommard, os vinhos são musculosos, um tanto rústicos, e bastante austeros quando jovens. Apesar do solo de marga (mistura de argila e calcário), temos um perfil pedregoso, rico em óxido de ferro. Essa é uma das razões para os tintos de Pommard serem bastante ricos em cor. Em seu envelhecimento, os toques defumados, terrosos e de couro, lembram muito os grandes Barolos quando envelhecem.

Courcel:Referência nesta apelação

Do lado piemontês, os solos na região de Barolo são ricos em peculiaridades. No entanto, temos dois perfis distintos e clássicos na região, o solo Tortoniano e o solo Helvético. O primeiro, apresenta um solo de marga azulado, rico em manganês e magnésio, gerando os Barolos mais frutados e abordáveis na juventude. Já o segundo solo,  é um arenito rico em ferro, gerando os Barolos mais austeros na juventude, mas com grande poder de longevidade.

Uma outra comuna que pode gerar vinhos  para esta comparação é Nuits St-Georges, esta na Côte de Nuits. São vinhos potentes, ricos em taninos e bastante longevos, sobretudo aqueles situados na parte sul da comuna, ou seja, abaixo da cidade homônima. Produtores como Henri Gouges exemplificam bem este estilo.

Os produtores citados são respectivamente das importadoras Decanter (www.decanter.com.br), Cellar (www.cellar-af.com.br) e Zahil (www.zahil.com.br).


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