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Entrevista com Frédéric Lafarge

22 de Fevereiro de 2021

De vez em quando, Vinho sem Segredo trará uma entrevista com um produtor de vinho de referência em algum terroir do planeta vitis. Qual será o critério de escolha? Ter passado pelo crivo do mestre Nelson Luiz Pereira, ou seja, ter sido alvo de algum post em que ele teceu elogios à vinícola ou ao enólogo. Para estrear essa seção, o escolhido foi Frédéric Lafarge, hoje à frente do mítico domaine Michel Lafarge, que já foi tema de alguns posts escritos pelo Nelson, incluindo-se um “Lafarge, a essência de Volnay” e outro “os top tens da Borgonha”.

Falar que os vinhos de Lafarge estão entre os melhores da Côte de Beaune é como restringir o trabalho de Alfred Hitchcock ao suspense. “Um Corpo que Cai” é um filme de suspense ou um drama facilmente listado entre os melhores longas de todos os tempos? É perder o todo, o conjunto da obra em que cada nota faz sentido. Lafarge faz há décadas alguns dos melhores vinhos da Côte d´Or, com rótulos que esbanjam elegância, profundidade e longevidade. Nas safras excelentes, faz obras primas, nas ruins consegue fazer bons vinhos, bastante superiores à média. O Clos de Chênes 2004, bebido há dois anos, é um dos melhores premiers crus degustados dessa safra fraca e rivaliza com o Clos Saint Jacques de Éric Rousseau, dois produtores que conseguiram fazer vinhos muito acima da média.

O quintal dos Lafarges

Com 11,6 hectares de produção, boa parte voltada para Volnay, o domaine é uma referência entre os Bourgognes femininos e longevos. Aqui se usa muito pouca madeira, menos de 15%, porque a ideia é fazer o terroir transparecer. Numa comparação com Marquis d´Angerville, seu principal rival em Volnay, este faz vinhos mais viris, Lafarge elabora vinhos mais delicados.

Quem vai ao domaine (pisandoemuvas.com traz a visita feita em 2017) e ao quintal deles se depara com as 11 galinhas que passeiam por pouco mais de 0,5 hectare de vinhedos de Clos du Château des Ducs, monopólio quintal dos Lafarge. “Além de proteger de pragas, elas rendem ovos premier cru”, brinca Frédéric. Com uvas de mais de 40 anos, esse vinhedo é mais quente que outros da cidade e produz vinhos longevos que rivalizam com o Clos de Chênes, outro premier cru reputado em suas mãos.

Os Lafarges têm uma extensa produção de rótulos. Os brancos são bons, os tintos são excelentes. O Beaune Les Aigrots é o oposto do mais mineral Grèves, ambos para se comprar de caixa. O Pommard Pézérolles é um Pommard mais mineral, mais suave que os feitos por Courcel ou Épeneaux. O Volnay Village é um primor, elegante e feminino. Pode passar subestimado por muitos paladares, mas tem um refinamento difícil de se ver em comunais.

Antes de chegar à cave do século XIII, um passeio pelo monopólio

O Vendanges Selectionnés vem do centro da apelação, rodeado de premiers crus, é o grande segredo aqui, com uma capacidade grande também de envelhecimento, comprovado pelo excelente 2002 provado em 2017. O Mitans é um premier cru mais delicado que os outros três: o Caillerets (último vinhedo comprado pela família em 2000), com muita fruta, o Clos de Ducs tem um aroma floral delicado e taninos suaves; o Clos de Chênes é mais tânico, mineral, precisa de mais tempo.

A seguir, os principais trechos da entrevista com Frédéric Lafarge, que também tem investido em Beaujolais, com os rótulos Lafarge-Vial, sobrenome de Chantal, sua esposa. Os vinhos do domaine Lafarge chegarão ao Brasil pela primeira vez em junho pela Clarets.

Além de combater as pragas, as galinhas rendem ovos premiers crus, brinca Frédéric

Vinho sem segredo: Eu sempre me impressiono com a longevidade dos vinhos de vocês. Tomei um Clos de Chênes 2007 que eu jamais diria ter mais de cinco anos de vida. Bebi um Vendanges Selectionnés 2002 há 4 anos que ainda tinha longa vida. Vi no instagram que vocês abriram um Clos de Chênes 1949. Como ele estava?

Frédéric Lafarge: Os vinhos do domaine envelhecem muito bem. O Clos de Chênes 1949 estava excelente. Sua cor estava viva, com as bordas traduzindo o passar das décadas. O nariz estava harmônico com alguns aromas terciários. No palato, estava absolutamente redondo. A gente podia sentir as uvas bem maduras da safra colhida em um ano quente e seco. Ele tinha energia soberba e ia se revelando aos poucos à medida que o bebíamos.

Vinho sem segredo: Sua filha, Clothilde, está ao lado para a vinificação. Ela fez estágios fora da França e é uma jovem. Ela tem contribuído para mudanças na maneira que vocês vinificam os vinhos?

Frédéric Lafarge: A Clothilde é apaixonada. Ela reintroduziu o trabalho com cavalos em  Caillerets e Clos du Château des Ducs. Na cave, a gente tem experimentado barricas maiores, de 350 a 500 litros para afinar os vinhos.

Vinho sem segredo: O que você recomenda como harmonização de comida com o Clos de Chênes e o Clos Du Château des Ducs, os dois principais crus do domaine?

Frédéric Lafarge: Com o Clos de Chênes, eu recomendaria uma costela bovina ou um pernil de cervo, uma carne com sabor mais pronunciado. Com o Clos Du Château des Ducs, seria um pombo ou outro tipo de ave.

Vinho sem segredo: Cada viticultor tem um terroir de preferência. Pierre Ramonet amava seu Ruchottes, Jean Marc Roulot participou de uma peça de teatro com seu Luchets como protagonista, Alain Burguet se inclinava pelo Mes Favorites. Qual seu terroir preferido?

Frédéric Lafarge: Tenho dois. Um é o Clos du Châteaux des Ducs; tenho a sorte de ser nosso monopólio. O outro é o Beaune Grèves, cujas vinhas completam 100 anos em 2021.

Vinho sem segredo: A família decidiu investir em Beaujolais há poucos anos, com o Lafarge-Vial. Por quê?

Frédéric Lafarge: Os crus de Beaujolais são grandes terroirs com uma história relevante que não deixa nada a dever com a Côte de Beaune e a Côte de Nuits. Em 2014, tivemos uma ótima oportunidade de comprar um domaine com vinhedos antigos em ótimos terroirs graníticos. É uma bela aventura essa de criar uma domaine familiar em outro local. Nós estamos encantados. É muito apaixonante de trabalhar com a uva gamay nesse terroir granítico que tem muitas convergências com os vinhos da Côte de Beaune. Nós trabalhamos os vinhedos na biodinâmica. Voltamos às práticas tradicionais de Beaujolais. Usamos 25% de vendanges entières (desengaço parcial) e praticamos remontagens et pigeages (processo mecânico através de um bastão com placa na extremidade para extrair cor, aromas e taninos). Os vinhos são vinificados sem madeira nova. São engarrafados depois de 14 meses. Eles refletem seus terroirs com finesse, charme e uma estrutura para se apreciar jovens ou com mais tempo em garrafa.

Vinho sem segredo: O Clos de Tart foi vendido em 2017 por € 250 milhões. Há muitos investidores estrangeiros e franceses de olho em terras na Bourgogne. Isso é preocupante? 

Frédéric Lafarge: A alma da Bourgogne e dos seus vinhos é estruturada nos domaines familiares. É importante que tudo seja feito para que essa estrutura tenha futuro, ou seja, facilitando a transmissão de bens entre pessoas da família. (Primeiro: O governo francês taxa com vigor as heranças de vinhedos, a taxa é de 30% de um pai para o filho e mais alta se o parentesco é mais distante; Segundo: a França taxa as fortunas. Uma alta dos preços das vinhas infla o balanço dos proprietários e o imposto que eles têm de pagar. O produtor que explora e é dono está isento da cobrança, mas não os seus irmãos, irmãs e primos (também proprietários))

Vinho sem segredo: Em 2000, vocês adquiriram parcelas de Les Caillerets et em 2005 parcelas do Beaune premier cru Les Aigrots e do Volnay premier cru Les Mitans. Hoje seria impossível de fazer?

Frédéric Lafarge: Em 2000 e 2005 nós tivemos excelentes ofertas por isso compramos, mas hoje seria muito difícil. Mas nós temos esperança de continuar a trabalhar com outros grandes terroirs da Côte de Beaune em brancos e tintos.

Domaine Lafarge: A essência de Volnay

2 de Setembro de 2013

Neste blog falamos várias vezes, exaustivamente, que Borgonha é terra de especialistas. Definitivamente, não existe clínico geral de grande competência. Se você quiser sonhar com Borgonha, determine a comuna de sua preferência e vá para domaines que tenha total sintonia com o terroir em questão. Foi o caso de um belo jantar na companhia dos amigos Roberto Rockmann (profundo conhecedor da região) e doutor César Pigati (meu grande parceiro na ABS-SP). A estrela da noite é o exclusivo rótulo abaixo do Domaine Lafarge, ícone da comuna de Volnay, não encontrado no Brasil.

Safra 1999: em plena forma com bons anos pela frente

Sabemos que a comuna de Volnay, situada na Côte de Beune, elabora tintos delicados, características intrínsecas ao tipo de solo e clima da região. Entretanto, delicadeza com profundidade é competência para poucos. E quando isso ocorre, é como penetrar na alma de um autêntico borgonha. Foi o que aconteceu com este belo tinto chegando ao seus catorze anos de vida, e vida longa por sinal. A cor com leve tendência ao atijolado e intensidade acima da média. Os aromas com predominância de toques terciários mantinham uma fruta presente, de bom frescor e muita vivacidade. O sous-bois (mistura de terra e cogumelos), o alcaçuz, o floral, as especiarias finas, estavam bem presentes. Na boca, um equilíbrio notável, com componentes bem balanceados e grande harmonia. A presença de taninos ainda a serem polimerizados garante boa longevidade. E que qualidade de taninos! textura agradável e bastante finos. Enfim, o melhor Volnay que já provei, por enquanto. Entre 92 e 94 pontos, parece ser uma avaliação segura. Nada mau para um vinho desta comuna.

Comuna de Volnay e seus Climats

Quanto ao domaine, atualmente conta com doze hectares de vinhas em cultivo biodinâmico (cultura orgânica com influência dos astros). Este exemplar degustado vem de um monopólio (um único produtor) com pouco mais de meio hectare. As vinhas possuem idade entre 16 e 55 anos num solo de predomínio argiloso sobre uma camada de pedras. Lafarge costuma utilizar no máximo 25% de madeira nova em seus vinhos para maturação, dependendo da potência da safra e as características da madeira disponível na ocasião. O tempo de maturação varia entre 15 e 20 meses. A vinificação com leveduras nativa conta com maceração em torno de catorze dias e temperatura entre 28 e 33°C. Isso permite uma boa extração de polifenóis, sobretudo os taninos. As uvas são desengaçadas entre 80 e 100%, conforme a qualidade de taninos na safra em questão.

Concluindo, um domaine exemplar que merece ser degustado ao menos uma vez na vida. Fique de olho nas oportunidades e nas raras ofertas no exterior.