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Bordeaux pelas Águas

23 de Março de 2020

Recentemente escrevi sobre a geologia da França e sobre as características das principais regiões. Falando mais especificamente da região de Bordeaux, vamos abordar o tema drenagem para uma sub-região particular chamada Médoc, ou em latim, “medio acquae” significa entre as águas.

Sabemos que o Médoc, entre outros grandes terroirs, foi forjado pelo homem, procurando entender o tipo de natureza ao redor e dentro dele. Na parte oeste, beirando o oceano Atlântico, temos a formação de dunas que naturalmente tentam avançar pelo continente, a maior e mais famosa é duna Pilat, foto abaixo.

bordeaux pilat

a areia avançando sobre a floresta

Pelos principais motivos, solo com lençol freático alto e o avanço das dunas, os bordaleses foram praticamente obrigados a plantar a maior floresta da Europa ocidental, La forêt des Landes com um “milhão de hectares”, a maioria pinheiros, destinada sobretudo à industria moveleira e também à produção de papel e celulose.

Nas várias regiões do Médoc, a floresta apresenta diferentes cenários, de acordo com sua função. As principais funções em termos de viticultura é barrar os ventos salinos vindos do mar, barrar o avanço das dunas, regular as chuvas e temperaturas no interior do continente, e ajudar o fator drenagem tão importante na região.

foret de landes

do norte do Médoc até a fronteira espanhola

Na formação do Médoc, nasceram alguns lagos importantes na longa batalha entre o mar e o continente, principalmente na costa litorânea. Com esse fenômeno e as idas e vindas da maré no estuário Gironde, a formação dos chamados Marais (pântano em português) foi inevitável. Nesse sentido, foi providencial a construção de canais, diques e todo um sistema de drenagem sob supervisão de holandeses, especialistas em represamento de águas. Os Marais de Lafitte e Marais de Beychevelle, limitam as famosas comunas entre Saint-Esthépe e Pauillac e as comunas de Saint-Julien e o Haut-Médoc ao sul, respectivamente. Com a construção de jalles (canais de drenagem) e estey (pequenos canais), surgem as chamadas “croupes”, fator importantíssimo na região onde ondulações no terreno, semelhante a campos de golfe, indicam boa drenagem e a concentração de cascalho, tão importante no cultivo das uvas, sobretudo a Cabernet Sauvignon. Esse cascalho são consequências de cataclismas antigos ocorridos nos Pirineus (cadeia montanhosa na fronteira espanhola) e também no Maciço Central. Essas pedras têm nomes como Graves Pyrénéennes e Graves Garonnaises, respectivamente.

Na formação de água gerada pelo Atlântico nas imediações da região bordalesa são divididas em 65% na formação de chuvas, 24% que vão para os cursos de água, e 11% infiltrados no solo.

img_7391divisa entre St-Estèphe e Pauillac

Falando um pouco do sistema de drenagem no Médoc, vamos para um dos mais importantes, bem na divisa entre St-Estèphe e Pauillac. Lá temos a separação de dois grandes chateaux, Cos d´Estournel e Chateau Lafite. Aliás o termo “Cos” em dialeto local quer dizer croupe, as famosas ondulações de cascalho.

Pelo mapa acima, vemos que a Jalle du Breuil vem do interior do Médoc recolhendo águas de drenagem para desaguar na Gironde. Antes disso, passa a se chamar Chenal du Lazaret, bem próximo da refinaria de Petróleo. Os lagos e jardins do Chateau Lafite têm a ver com o famoso Marais, dentro da propriedade.

marais de lafiteMarais de Lafite

Quando vemos fotos do Chateau Lafite, percebemos alguns pequenos lagos mais abaixo da propriedade. Fazem parte do Marais de Lafite, uma área pantanosa drenada pela Jalle de Breuil e posteriormente o Canal de Lazaret. Há uma série de drenagens para que tudo funcione em harmonia.

Além disso, temos o canal de Calon e Estey d´Un, um pequeno curso d´água que determina os limites da comuna de St-Estèphe com o Haut-Médoc ao norte. Esse outro sistema permite drenar uma área importante no norte da comuna.

img_7392outro importante Marais do Médoc

Na divisa de St-Julien a sul, entrando no Haut-Médoc, temos o Marais de Beychevelle, importante Grand Cru Classe do Médoc. Esta zona pantanosa é drenada pelo canal do Milieu (meio) que vai desaguar na Gironde. Beychevelle faz parte deste sistema onde temos o canal do Norte, um pouco mais afastado e de alguns metros acima, formando as croupes. Dividindo St-Julien com Pauillac, temos um pequeno curso d´água chamado Ruisseau du Juillac.

img_7394um grande sistema de drenagem

Por fim, um grande sistema de drenagem na parte superior de Médoc, conhecida  como Bas-Médoc. Se St-Estèphe já é conhecida pela dureza de seus vinhos, alta acidez, e solos mais úmidos, argilosos, imaginem essas condições ainda mais ao norte.

Pelo mapa acima, vemos todo um sistema de drenagem em direção ao canal de La Maréchale. Outro sistema mais ao norte, temos Grand Chenal du By. Apenas um dos exemplos onde esses sistemas de drenagem são muito importantes para as condições de terroir.

Essas condições naturais de terroir nem sempre são satisfatórias como clima e solos. Cabe ao homem com sua perspicácia, rever esses conceitos dando novos cenários ao vinhedo para se desenvolver adequadamente. Portanto, sem águas excessivas, descobriram um solo de cascalho bem balanceado e com excepcionais condições de cultivar o melhor Cabernet Sauvignon do Mundo. É por isso que há um ditado nesta região:  “O solo do Médoc muda a cada passo”.

Essas condições de drenagem do terreno, sobretudo na margem esquerda, especificamente no  Médoc, mais do que a morfologia de solos é o fator essencial para o sucesso dos vinhos, pois clima e detalhes de altitude são secundários. Com o aparecimento das croupes é que podemos destacar um Chateau Latour, por exemplo, um vinho de grande distinção, de um vinho sem grandes atrativos num local relativamente perto. Coisas do terroir …

Melhores vinhos de 2019

6 de Novembro de 2019

Ao longo do ano provei muita coisa boa entre vinhos de sonhos, inacessíveis, seja pelo preço, seja pela dificuldade em encontra-los. Paralelamente, provei os vinhos terrenos, mais acessíveis e disponíveis no mercado brasileiro. Com a aproximação do final de ano, ficam algumas dicas para festas, presentes, e mesmo para seu consumo pessoal. São doze indicações, formando uma caixa de 2019 nos mais variados estilos.

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1 – Champagne Agrapart Mineral Extra-Brut Grand Cru 2012

Uma das mais badaladas e reputadas Maisons de Champagne na atualidade, muito bem pontuada nos melhores guias. Este provado e nomeada Cuvée Mineral, já o nome diz tudo. Extremamente mineral, seca, acidez incisiva, um autêntico Blanc de Blancs. Vale experimentar todos os outros champagnes da Casa trazidos com exclusividade pela importadora Juss Millesimes (www.juss-millesimes.com.br).

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2 – Nicolas Joly Coulée de Serrant 2011

Nicolas Joly dispensa comentários. Pai da Biodinâmica e exímio enólogo, faz um dos brancos mais espetaculares de toda a França dentro de Savennières no Vale do Loire com apelação própria Coulée de Serrant, um monopole com sete hectares de vinhas de cultivo esmerado. O vinho com a uva Chenin Blanc precisa ser decantado com horas de antecedência, antes do serviço. Vinho de grande complexidade e persistência aromática. Os outros vinhos de Nicolas Joly são igualmente de grande distinção. Trazidos pela importadora Clarets (www.clarets.com.br).

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 3 – Chateau Le Bon Pasteur 2007

Um Bordeaux relativamente pronto para ser tomado. Um dos clássicos de Pomerol onde a uva Merlot e Cabernet Franc moldam vinhos elegantes e macios. A safra 2007 ajuda na precocidade do vinho com taninos afáveis e aromas já desenvolvidos. Trazido pela importadora Clarets, muitos outros Bordeaux interessantes podem ser apreciados. Uma especialidade da Casa (www.clarets.com.br).

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4 – Chateau Gloria Saint-Julien 2010 

Um dos clássicos Crus Bourgeios de Saint-Julien, embora esta classificação seja um tanto polêmica. De fato, o chateau tem uma consistência muito boa, safra a após safra. Nesta 2010, uma safra clássica de grande longevidade. No momento, precisa ser devidamente decantado, mas já apresenta belos aromas e boa harmonia em boca, embora possa ser adegado por pelo menos mais dez anos. Dá uma boa ideia de um belo Grand Cru Classe. Importadora Mistral (www.mistral.com.br).

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5 – Benjamin Romeo La Viña de Andrés Romeo 2012 

Não é um vinho barato, mas é um baita Tempranillo. Um estilo moderno e extremamente elegante, sem exageros. Uma boa extração de frutas com muito cuidado e sutileza. A madeira empregada é francesa da mais alta qualidade, escolhida pessoalmente por Benjamin Romeo. Boca harmônica e longa persistência aromática. Trazido esse e outros da bodega pela importadora Premium (www.premiumwines.com.br). 

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6 – Porto Quinta do Noval LBV Unfiltered 2012 

Quinta do Noval, Casa de elite no cenário de vinhos do Porto. Esta talvez seja sua maior pechincha. Um LBV não filtrado que tem nível de muitos Vintages por aí. Extrema concentração, pureza de frutas, e muito expansivo em boca. Deve ser obrigatoriamente decantado e pode durar por longos anos em adega. Difícil bate-lo nesta categoria. Trazido pela Adega Alentejana (www.alentejana.com.br).

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7 – Maison Roche de Bellene Chambolle-Musigny Vieilles Vignes 2014 

Por ser um vinho comunal, impressiona muito bem. São vinhas entre 50 e 70 anos na comuna de Chambolle-Musigny. Um tinto robusto de frutas escuras e um toque terroso. Sai um pouco daquela feminilidade de Chambolle, mais muito elegante. Taninos muito finos e destacada persistência aromática. Um belo exemplar da Borgonha. Trazido pela importadora Premium (www.premiumwines.com.br).

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8 – Chateau Calon-Ségur 2009 

Um das safras históricas deste Chateau de Saint-Estèphe com 96 pontos Parker. Baseado em 90% Cabernet Sauvignon, complementado com Merlot e Petit Verdot. O vinho tem uma estrutura magnifica com taninos muito finos e uma bela acidez. Fatores estes que lhe conferem enorme longevidade. Os aromas ainda são um tanto tímidos, mas de muita classe. Uma das melhores pedidas desta bela safra. Importadora Mistral (www.mistral.com.br).

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9 – Casa Marin Pinot Noir Litoral 2013 – Vinci

Como é difícil encontrarmos um Pinot Noir fora da Borgonha. Na zona fria do Vale San Antônio no Chile, Casa Marin elabora algo interessante. Um Pinot Noir com frescor e aromas elegantes desta casta. Madeira bem colocada, vinho ainda jovem, mas com bom poder de fruta e notas defumadas bem mescladas ao conjunto. Bem equilibrado em boca. Uma opção segura e uma das referências na América do Sul. Seu Sauvignon Blanc também é ótimo. Importadora Vinci (www.vinci.com.br). 

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10 – Travaglini Gattinara 2013 – World Wine

Travaglini é um dos destaques na denominação Gattinara do Piemonte. Um Nebbiolo de clima alpino, menos encorpado que os clássicos Barbarescos e Barolos. Contudo, um vinho muito elegante e com toques terciários típicos da casta. Muito equilibrado e com boa persistência aromática. Boa pedida para pratos com trufas. Importadora World Wine (www.worldwine.com.br). 

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11 – Domaine Ferret Pouilly-Fuissé 2011 – Mistral

Domaine Ferret é referência absoluta na apelação Pouilly-Fuissé com vinhos muito equilibrados e de grande classe. Este provado é dos mais simples e já muito bem construído. Suas outras tantas cuvées, uma melhor que a outra. Tem perfil para enfrentar um bom Premier Cru das famosas apelações de Beaune. Sempre um porto seguro. Importadora Mistral (www.mistral.com.br). 

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12 – Zind-Humbrecht Muscat Goldert Grand Cru 2011

Muscat é uma das quatro castas nobres da Alsace, mas é a menos prestigiada. Neste exemplar do ótimo produtor Zind-Humbrecht ela alcança outra dimensão, dificilmente encontrada na maioria dos vinhos concorrentes. Trata-se de um vinhedo Grand Cru de solo calcário, o qual confere extrema elegância e mineralidade ao vinho. Tem um leve açúcar residual muito bem equilibrado por uma acidez vibrante. Seus aromas são típicos da casta, mas com muitas nuances. Vai muito bem com comidas asiáticas com toques agridoces. Importadora Clarets (www.clarets.com.br). 

Sempre que fazemos uma seleção, alguma injustiça, alguma falta, pode ser notada. Alguns outros vinhos poderiam ter entrado nesta caixa, mas os que estão aí são bem diversificados e devidamente testados. Tenho certeza que cada leitor irá em alguns deles ter seu gosto pessoal atendido. Que outros bons vinhos venham em 2020, já batendo em nossa porta!

 

 

Comunas e Estilos

8 de Janeiro de 2018

Quando tentamos traçar um paralelo entre as regiões francesas de Bordeaux e Bourgogne é sempre algo muito mais contrastante do que semelhante. Tudo que cerca esses dois terroirs são conceitos muito diferentes, além de solos, climas e uvas. Um dos únicos pontos em comum é que são vinhos igualmente divinos, que envelhecem bem, e atinge uma complexidade difícil de parear com outras regiões vinícolas. Evidentemente, estamos falando do que há de melhor nestes respectivos terroirs. Assim sendo, as mais nobres sub-regiões de cada um destes terrenos estão exemplificadas no mapa abaixo: Médoc em Bordeaux e Côte de Nuits em Bourgogne.

correlação de estilos

As principais comunas dessas regiões fornecem vinhos distintos e de muita personalidade. O estilo particular de cada comuna permite fazer uma analogia entre as duas regiões. A intensidade, sabor, aroma, e textura, não são os mesmos, mas há uma linha mestra que permite a comparação. Senão, vejamos.

Margaux e Chambolle-Musigny

São comunas que afloram sobretudo a elegância. Portanto, textura e aromas delicados, escondendo com sutileza a força e profundidade desses vinhos. Quando nos deparamos com os respectivos astros maiores, a comparação faz ainda mais sentido. Um grande Chateau Margaux possui uma estrutura fabulosa, capaz de vencer décadas em garrafa, sempre envolto em muita elegância. O Grand Cru Le Musigny é outro vinho monumental que segue o mesmo caminho, profundo e elegante. São vinhos com discrição, que precisam ser descobertos e apreciados com atenção e paciência.

Saint-Julien e Morey-Saint-Denis

O ponto em comum entre essas comunas é a imprecisão de estilos de seus vinhos. Saint-Julien, colada em Pauillac, tenta ter a mesma força com vinhos muito equilibrados. Às vezes, o estilo pende para Margaux. Da mesma forma, os tintos de Morey-Saint-Denis procuram ter a força de Chambertin com alguma delicadeza de Chambolle-Musigny. De toda a forma, ambas comunas fazem vinhos de grande consistência e longevidade.

Pauillac e Gevrey-Chambertin

Duas comunas de grande prestígio e com o maior número de Grands Crus em seus respectivos terroirs. Pauillac tem três dos cinco primeiros de Bordeaux. Gevrey-Chambertin possui nove Grands Crus, liderados pelos espetaculares Chambertin e Clos de Bèze. Outros vinhos logo abaixo do primeiro escalão procuram manter o alto nível dos grandes astros. Já os demais vinhos de cada uma das comunas ficam sensivelmente abaixo da perfeição. De fato, são terroirs muito distintos, de difícil replicação.   

Saint-Estèphe e Nuits-Saint-Georges

Comunas que não possuem Grands Crus em seus repectivos terroirs. Saint-Estèphe tem vinhos longevos e de muita distinção, mas falta-lhes um certo refinamento que os difere de um Pauillac, por exemplo. Nuits-Saint-Georges segue o mesmo caminho. Embora seja uma comuna relativamente extensa, os tintos produzidos mais perto de Vosne-Romanée tendem a ser mais delicados, mas falta-lhes finesse, a elegância suprema de Vosne. Pessoalmente, prefiro a autêntica rusticidade de um Gouges ou Faiveley. São mais verdadeiros e envelhecem muito bem.

Vosne-Romanée

Aqui não há comparação. Aqui não temos vinhos comuns. São tintos que aliam profundidade e elegância sem paralelos. Isso fica potencializado quando nos deparamos com produtores como Domaine de La Romanée-Conti, Domaine Leroy, e Henri Jayer. A Pinot Noir toma outra dimensão, gerando vinhos de alta complexidade e enorme longevidade. Do trio mágico acima, os DRCs costumam ser menos lapidados. Precisam de muito tempo em garrafa para mostrarem o que são. Agora, a alta costura dos vinhos de Madame Leroy e Jayer são indescritíveis. Eles imprimem uma elegância extrema, parecendo ser quase frágeis, mas com uma profundidade soberba.

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duas obras-primas sem paralelos

Para não ficar em cima do muro, um grande Vosne em algum momento de sua evolução apresenta uma intersecção com um belo Lafite envelhecido, o mais borgonhês de todo o Médoc. Lafite, sempre é um tinto discreto, misterioso, difícil de se mostrar quando novo. Contudo, quando envelhece, seus aromas etéreos lembrando flores e cedro, além da textura delicada, alguma coisa da Borgonha parece dançar pela taça.

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delicadeza bordalesa com traços borgonheses    

Enfim, apenas um pouco de filosofia comparando duas pequenas porções de terreno onde os maiores tintos do planeta se expressam. O dia em que cair a última gota de chuva e for removido o último estrato geológico na terra, ainda não se saberá porque a França é a indiscutível mestra dos vinhos.  Hugh Johnson!  

 

 

Entre tintos, brancos, secos, doces …

17 de Novembro de 2016

Belos exemplares degustados recentemente, envolvendo uvas diversas, regiões, denominações e safras diferentes. Para começar, duas feras da Borgonha, lado a lado, cada qual especialista em seu terroir específico. Iniciando os trabalhos, Raveneau Valmur Chablis Grand Cru 2009 (foto abaixo).

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Valmur: um dos Grands Crus de Chablis

Embora seja uma safra relativamente nova e muito badalada, mostra-se incrivelmente precoce e sobretudo, atípica. Aquela acidez cortante, aguda dos grandes Chablis, é muito mais esmaecida, dando lugar a um toque frutado destacado pouco comum neste tipo de vinho. E olha que estamos falando de um Raveneau, o epitome nesta apelação francesa. De todo modo, não deixa de ser um vinho brilhante, muito bem equilibrado, e de final bem acabado.

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Chevalier Leflaive: What Else?

A segunda fera, foto acima, resume a perfeição de uma apelação em todos os sentidos: produtor, vinhedo, e safra. Domaine Leflaive é o grande nome de Chevalier-Montrachet na excepcional safra 2005. Ainda jovem, mas extremamente prazeroso para consumo. Aromas intensos de tudo que a família Montrachet é capaz de proporcionar. Frutas, especiarias, tostado fino, mineral, entre outros aromas. Em boca, aquela sutil leveza que o diferencia de um Montrachet sem de maneira alguma, ser um demérito. Pelo contrário, pessoalmente, adoro este lado mais vivaz e ligeiro. O equilíbrio e a persistência aromática são quase indescritíveis. Felizes daqueles  que tiverem esta chance!

Nota: uma das explicações desta leveza do Chevalier em relação ao Montrachet é dada pela altitude do terreno (Chevalier está acima de Montrachet), aliada à forte pedregosidade de Chevalier, proporcionando uma textura de solo mais leve, mais aerada.

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tartare de pato com morilles

O prato acima preparado pelo Nino Cucina foi bem com os dois brancos acima. A carne de pato e a delicadeza do cogumelo entrelaçaram-se bem com a força, elegância e acidez dos brancos. Ora, o Chablis com sua acidez realçava o prato, ora o Chevalier entrava com sua força e complexidade enriquecendo a combinação.

A safra 2006 em Bordeaux, especialmente na margem esquerda, quase nem é mencionada. Muito provavelmente, foi e ainda é ofuscada pelo monumental ano 2005. Entretanto, preste atenção em alguns exemplares do Médoc. É uma safra de qualidade, sem ter que esperar longos anos para seu apogeu. Foi o caso deste Calon-Segur 2006, foto abaixo. Aromas típicos com notas de frutas escuras, minerais, e erva finas. Em boca, aquela acidez que marca a tipicidade da comuna, taninos presentes, e muito bem equilibrado. O que realmente falta é aquele meio de boca, próprio das safras espetaculares. De todo modo, preço relativo e precocidade são bons atrativos.

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ótima referência de Saint-Estèphe

Montevetrano é o grande tinto do sul da Itália quando se trata de um vinho moderno, calcado na internacional Cabernet Sauvignon. Complementado por Merlot e uma pitada de Aglianico (10%), é praticamente um corte bordalês da Campania. Seu mentor, o grande Ricardo Cotarella, uma espécie de Michel Rolland italiano, tem feeling para este tipo de vinho. De estilo encorpado, combinando bem com o jeito sulino, é um dos preferidos de Robert Parker que o chamou de “Sassicaia of the South”.

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Montevetrano: Sassicaia do sul da Itália

Neste exemplar safra 2004 (foto acima), mostra todo seu vigor com seus 12 anos de vida. Muita concentração de fruta, especiarias, notas defumadas e de chocolate. Sucedeu bem o Calon Segur descrito acima, acompanhando carnes como um bife de chorizo grelhado.

A riqueza dos vinhos doces do Loire é um capitulo à parte, sendo o grau de doçura um ponto importante de diversidade, desde os menos doces, até paulatinamente aos intensamente doces. Apelações como Coteaux du Layon, Bonnezeaux, Quarts de Chaume, e Vouvray, baseadas na casta Chenin Blanc, mostram vinhos delicados e absolutamente profundos. São os que mais se aproximam do estilo alemão e ao mesmo tempo, lembram a bela acidez dos vinhos húngaros Tokaji. O ponto em comum entre eles é a Botrytisação, ou seja, o ataque do fungo Botrytis Cinerea que resumidamente gera vinhos de muita complexidade aromática, muito equilibrados, de muito frescor, e de texturas únicas.

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Chenin Blanc Botrytisado

No exemplar degustado da bela safra 2005 (foto acima), este Quarts de Chaume do Chateau de Suronde, apresenta rendimentos por volta de 10 hectolitros por hectare, 18 meses em barricas de carvalho, e várias passagens no vinhedo, colhendo seletivamente as uvas botrytizadas. O resultado é um vinho que se assemelha a um bom alemão doce entre a categoria Beerenauslese e Trockenbeerenauslese,  ou se preferirem, um Tokaji entre 5 e 6 Puttonyos.

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Tatin de Pêssegos

Acompanhou maravilhosamente uma Tatin de pêssegos, tanto na similaridade de sabores, como também de texturas. As notas de mel, cera, e caramelo, eram notáveis no vinho, sempre mantendo um enorme frescor.

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Vintage: Datas de safra e engarrafamento obrigatórios

Existem Vintages e Vintages para a categoria máxima em Vinho do Porto, mas 1994 está certamente no rol das melhores safras do século XX. Felizmente, tenho o privilegio de ter provado vários 94 em suas várias fases de evolução até agora. Não foi diferente com este Graham´s 1994 com 96 pontos. É uma safra que está saindo da infância agora, de evolução muito lenta. Não sei se vou ter tempo para ver seu apogeu. Atualmente, mostra com muita intensidade notas de licor de jabuticaba, especiarias, chocolate e um traço mineral. Muito equilibrado e de final bastante longo.

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Torpedos, sempre ótimas pedidas

Acompanhou muito bem esta dupla de Puros, Montecristo n°2 e Bolívar Belicosos. As melhores harmonizações ocorreram no segundo terço do Montecristo, mais potente que este Bolívar, que por sua vez, ficou melhor na sua fase final com o Porto.

Outra combinação muito boa com este Vintage foi o pão de mel. Textura, chocolate e os toques de especiarias deste bolinho delicioso, estavam bem balanceados com a força e complexidade do vinho, valorizando ambos. Enfim, outras experiências virão …

Belle Époque: Parte II

22 de Maio de 2016

Após o desfile de toda linha Belle Époque, chegamos ao prato de carne, especialidade inconteste do restaurante Varanda Grill. E que carnes! dois Kobe beefs com diferentes cortes e diferentes graus de marmorização (gordura entremeada na carne). A harmonização segue abaixo.

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menu Belle Époque

Duo de Kobe – Tenderloin 5/6 e Strip Loin 7/8

Chateau Cos d´Estournel 1997

kobe beef

ponto perfeito da carne

cos d´estournel 1997

Bordeaux pleno de aromas

Nesta harmonização cabe uma explicação sobre os dois cortes de Kobe. Tenderloin é o nosso corte de filé mignon e Strip Loin é o famoso bife de chorizo (contrafilé). Os códigos 5/6 e 7/8 são os respectivos graus de marmorização da carne (gordura entremeada).

Embora os dois cortes estivessem divinos e macios, o contrafilé tende a uma trama de carne mais compacta, exigindo mais suculência. Daí, os vinhos mais tânicos e sobretudo mais jovens têm sua adstringência melhor trabalhada, tornando a harmonização mais agradável. No caso do vinho acima, pela polimerização praticamente concluída de seus finos taninos, o Tenderloin ficou mais adequado.

Agora um parêntese para este Bordeaux. Cortesia do impecável anfitrião João Camargo, este deuxième de Saint-Estèphe estava divino em termos de evolução e prontidão para ser tomado. Detalhes de conhecedor. A safra 1997 é um bom ano sem ser excepcional e tem características de precocidade. Esses dois fatores aliados aos seus praticamente 20 anos de guarda, entregam toda a elegância e complexidade que um Grand Cru Classé pode oferecer. Fruta deliciosa, toques de tabaco, ervas finas e uma nota animal extremamente elegante (bastidores de Jockey Club). Sensacional!

 Dessert by Giuliana Cupini

Belle Epoque Rosé 2005

abacaxi e sorvete de framboesao mesmo design da entrada

mousse de chocolate

mousse de chocolate

belle epoque rose

rosé de assemblage

As sobremesas, independente da harmonização, foram um show à parte. Executadas pela chef Giuliana Cupini, foram duas releituras servidas no jantar. A primeira foto lembra fielmente a entrada de vieira composta de mousse de coco, sagu de mirtilo, ovas de cereja e violeta cristalizada. Embora o sabor do coco não tenha muito a ver com o champagne, em termos de textura e acidez, a harmonização correu bem.

Quanto à foto abaixo da “vieira”, a ideia foi reproduzir a bela garrafa estilizada da versão Belle Époque. A composição se deu com mousse de chocolate com boa porcentagem de cacau e inserção de compota de framboesa. A cobertura de chocolate branco na cor rosé, além da flor e do beija-flor dourado, refletiram o design da garrafa. Novamente, apesar da harmonização não ser perfeita, os sabores de chocolate e principalmente a acidez da framboesa, equilibraram bem o sabor do champagne. O que pecou foi a falta de sintonia de texturas entre o prato e o vinho. Um Porto estilo Ruby seria perfeito. De todo modo, valeu a experiência ousada.

Parabéns à toda equipe da Pernod Ricard e também do Varanda Grill na execução e coordenação deste belo evento. Menção especial ao sommelier Tiago Locatelli, ao chef Fabio Lazzarini e a chef pâtissière Giuliana Cupini.

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Taças de champagne: passado e presente

Um pouco mais de Perrier Jouët

Champagne de estilo delicado com sede em Épernay. No inicio do século passado, época da belle époque, seus champagnes eram muito prestigiados com exportações de mais de um milhão de garrafas. Em alusão a este áureo período, sua cuvée de luxo Belle Époque foi criada em 1964 e lançada no mercado em 1969.

Os vinhedos são praticamente todos grands crus nas três sub-regiões de Champagne:  Cramant e Avize (cote des blancs), Mailly (montagne de Reims), Aÿ e Dizy (vallée de la marne).

Como curiosidade, em 1856 a Maison lançou o primeiro champagne seco (sec), já que na época imperava o estilo doce. Com essa iniciativa, em 1876, a Inglaterra começou a pedir champagnes neste estilo sec que mais tarde abriu caminho para o termo Brut. Para se ter uma ideia, no século XIX (1882), os ingleses consumiam os champagnes mais secos com açúcar residual entre 22 e 66 g/l. Os americanos, um pouco mais doce, entre 110 e 165 g/l. Já os russos com inacreditáveis índices de açúcar entre 275 e 330 g/l, ou seja, um terço da garrafa era açúcar. Em nossos dias, o termo Brut admite açúcar até 12 g/l, sendo que muitas casas ficam bem abaixo deste valor.

Em 2009, foram degustadas champagnes Perrier Jouët antigas das safras 1825, 1848, 1858, 1874, 1906 e 1911. A safra 1825 mostrou-se surpreendentemente palatável e com ótima complexidade aromática. É considerado o champagne mais antigo com duas garrafas guardadas na Maison.

Atualmente, a Maison conta com 65 hectares de vinhas e uma produção anual em torno de dois milhões e quinhentas mil garrafas.

Franceses em tempos de crise

1 de Fevereiro de 2016

Se você não abre mão de um bom vinho francês, ainda há solução sem desembolsar uma fortuna. O que a gente ve de porcaria nas prateleiras de supermercados é qualquer coisa de assombroso e ainda por cima, caro !!!. Portanto, vamos nortear uma das saídas, conforme sugestões abaixo:

  • Albert Mann Riesling Tradition 2014 – R$ 80,00

Belo produtor alsaciano com vinhos bem moldados e muita tradição. Este Riesling é para você não esquecer o charme desta uva onde as inúmeras tentativas mundo afora é geralmente frustrante.

  • Frédéric Magnier Crémant de Bourgogne Extra-Brut Blanc de Noirs – R$ 90,00

Bela alternativa para um champenoise autêntico. Elaborado com Pinot Noir, tem boa estrutura para ir à mesa com pratos leves de verão.

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Um de seus Premier Cru

  • Jean-Marc Boillot Bourgogne Blanc 2013/14 – R$ 60,00 (1/2 gf) e R$ 135,00 (750 ml)

Este produtor sabe os segredos de um belo Puligny-Montrachet. Portanto, seu Borgonha branco básico está garantido nas opções de meia garrafa ou garrafa inteira. Elegante, bem elaborado e sem sustos.

  • Gay-Coperet Moulin-à-Vent Vieilles Vignes 2013 – R$ 90,00

A primeira dica para se comprar um bom Beaujolais, típico tinto de verão, é não estar escrito Beaujolais no rótulo. Moulin-à-Vent é a comuna de maior expressão desta apelação. As vinhas antigas garantem autenticidade e concentração.

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Cuvée Especial

  • Arlaux Champagne 1º Cru Brut Grande Cuvée – R$ 220,00

Aonde você encontra hoje em dia um champagne por R$ 220,00? Já tem espumante nacional neste preço! Além do mais, trata-se de um champagne artesanal com vinhas Premier Cru. Na versão rosé, basta mais quarenta reais. Para os amantes da bebida, não há desculpa.

  • Yann Chave Crozes-Hermitage Rouge 2013/2014 – R$ 105,00 e R$ 115,00

Está cansado daqueles Shiraz pesados do Novo Mundo? Crozes-Hermitage é uma apelação onde o produtor faz a diferença. Esté Syrah é equilibrado, autêntico, e muito adequado nesta época do ano onde vinhos musculosos são enfadonhos.

Fleurie chignard

Outra bela opção em Cru du Beaujolais

Agora para os amantes de Bordeaux, sempre de boas safras.

  • Château Potensac 2005 – R$ 360,00

Tinto sempre confiável da excelente safra 2005. Já passando de seus primeiros dez anos, mostra o que um Bordeaux oferece a quem tem paciência. Tinto para pratos estruturados com excelente equilíbrio e classe.

  • Château Sociando-Mallet 2009 – R$ 400,00

Um dos mais confiáveis tintos do Médoc com jeitão de “Grand Cru Classe”. Outra bela safra com bons anos em adega pela frente. Taninos polidos, equilíbrio perfeito e longo em boca.

  • Château Meyney 2010 – R$ 240,00

Outra bela safra na região com ótimo potencial de guarda. Se for toma-lo agora, pelo menos uma hora e meia de decantação. A comuna de Saint-Estèphe costuma gerar vinhos de destacada acidez e certa austeridade quando jovens. Contudo, o tempo devolve tudo em dobro.

  • Château Haut-Bergeron Sauternes 2010/11 – R$ 120,00 (1/2 gf) e R$ 220,00 (750 ml)

Esta é por anos a fio a maior pechincha em Sauternes. Sempre muito consistente, independente da safra, traz toda a tipicidade de um Sauternes. E ainda, na opção de meia garrafa. Não corra riscos por aí.

Enfim, essas são dicas de compra neste feriado de carnaval que se aproxima. Passando por todos os tipos: espumante, champagne, brancos, tintos e vinho de sobremesa, temos franceses confiáveis. Muitos deles, com preços girando em torno de cem reais. Notem que não se trata de saldões, desovas ou coisa do gênero, tão comum nesta época.

Sem nenhum interesse e para sua facilidade, todos esses vinhos num só lugar, importadora Cellar. O expert Amauri de Faria seleciona com carinho e conhecimento há anos, opções sempre interessantes a preços justos. http://www.cellar-af.com.br

Bordeaux 1961: Allegro Moderato

18 de Agosto de 2015

Feitas as apresentações e o início do encontro com o espetacular Dom Pérignon P3 (Plenitude 3) 1973, vamos ao embate dois a dois dos grandes Bordeaux 1961, devidamente abertos e decantados. A ordem que se segue não foi exatamente esta, mas resolvi comentá-los de acordo com o nível de cada confronto num crescente cada vez mais dramático.

Margaux versus Graves

Dois grandes châteaux, representantes autênticos de suas respectivas comunas de margem esquerda. O primeiro, líder inconteste da comuna de Margaux que neste ano deixou a desejar. Por se tratar de um Premier Grand Cru Classé, algo desandou nesta safra. A elegância, a finesse, estavam presentes, mas faltava estrutura para vencer as décadas que se espera de um vinho deste naipe. Este exemplo se enquadra bem nas características da safra 61, ou seja, é preciso pesquisar chateau por chateau para não haver surpresas.

O segundo vinho, Chateau Pape Clement, da apelação Graves (é bom lembrar que a partir de 1987 os chateaux mais bem situados da região assumiram a apelação mais restritiva denominada Pessac-Léognan), foi marcado pela elegância e pelos toques de evolução, pontos em comum para a comparação neste primeiro confronto. Macio em boca, com os típicos aromas de trufas, cogumelos, mineral (terroso) e ervas finas. Bem acabado, equilibrado, muito prazeroso neste momento.

Saint-Juilen x Saint-Estèphe

Acompanhando o andamento Allegro Moderato, adentramos às comunas de Saint-Julien e Saint-Estèphe. Chateau Beychevelle trilhou o mesmo caminho do Margaux acima. Contudo, está mais condizente com sua história. É sempre um vinho que prima muito mais pela elegância do que pela potência e neste caso, cumpriu seu papel. Bem resolvido tanto em boca, como nos aromas de evolução. Final agradável, devendo ser consumido nesta fase. Não há porque esperar mais.

No segundo vinho damos um salto. Estamos diante de um grande Montrose. E este vinho não se curva ao longo do tempo. É viril, é marcante, é insolente. Estrutura tânica fantástica. Precisa ser decantado por pelo menos duas horas. Bom corpo, acidez marcante, aromas minerais, de ervas, especiarias, e um belo equilíbrio. Ainda tem caminho a percorrer. Só mesmo a safra de 1990 para poder supera-lo. O tempo dirá.

Os dois Moutons (pobre e rico)

Aqui começamos a entrar no tabernáculo dos grandes 61. Chateau Lynch-Bages à esquerda, maldosamente chamado de Mouton dos pobres, e o grande Mouton-Rothschild à direita. Ambos, refletindo a força e a nobreza da comuna de Pauillac. Lynch-Bages, cor densa, aromas profundos e de grande intensidade. Aqui o cassis permeia em notas minerais, empireumáticas (notadamente o café), resinosas e toques de couro. Encorpado, envolvente, taninos de rara textura com final de alta costura. Ainda tem muita conversa em adega.

Já o segundo vinho, Mouton-Rothschild, se não é perfeito, está muito próximo. Tem tudo que seu primo pobre tem, mas a vida é feita de detalhes. São esses detalhes que lhe dão as credenciais para um legitimo Premier Grand Cru Classé. Um tanino ainda mais polido, uma elegância difícil de mensurar e situar, entre outros mistérios. De todo modo, um embate de gigantes.

Um detalhe; neste época, Mouton-Rothschild ainda não era um Premier de direito, mas de fato. Essa honraria só seria concedida em 1973 pelo então presidente Valéry Giscard d´Estaing. As legendas do castelo mudaram, mas permanece sua personalidade e sua firme opinião: “Sou primeiro, já fui segundo, Mouton não muda”.

Timo: Textura delicada

Entre um gole e outro, ninguém é de ferro. Então, sempre aparecia um prato como da foto acima. Neste caso, um prato com Timo, pequena glândula localizada na cavidade torácica. Carne delicada, tanto no sabor, como na textura. Pedi vinhos de estirpe e de aromas elegantes. Perfeito para os vinhos aqui comentados. Evidentemente, Montrose e Mouton suplantaram um pouco a harmonização.

Agora os motores estão aquecidos. Que venha o próximo artigo!

Entre um gole e outro

11 de Agosto de 2015

Mais um almoço entre amigos, belos vinhos, pratos e boa conversa. A vida não precisa muito mais que isso. Um dia ensolarado, aguardando a enogastronomia. Para iniciar, dois brancos acompanhando um prosciutto San Daniele com kiwi (quiuí no bom português) e melão, conforme fotos abaixo.

Clássico dos Alvarinhos

O consistente Palácio da Brejoeira mostrou-se com uma cor citrina, aromas florais, frutas brancas delicadas e boa mineralidade. A harmonização com o presunto foi positiva com a boa acidez do vinho combatendo o sal e a gordura do mesmo. Os sabores delicados de vinho e prato também deram as mãos. Com as frutas juntas, o kiwi saiu-se melhor. O lado cítrico da fruta foi mais favorável ao vinho. Como alternativa aos brancos do Friuli, combinação clássica deste presunto, este português cumpriu muito bem seu papel.

Gaja: a habitual elegância

Esse é um dos brancos de Gaja, gênio do Piemonte, elaborado com Sauvignon Blanc. Sua vinificação engloba um bom trabalho de bâtonnage e leve passagem por barricas, tornando o vinho macio e com boa complexidade aromática. Contudo, é difícil identifica-lo pela casta com os descritores aromáticos mais clássicos. Não importa, é um vinho de personalidade, equilibrado e muito bem acabado. Seu grande trunfo na harmonização foi com o melão e o presunto juntos. A sutil doçura da fruta casou bem com os aromas e a textura do vinho, culminando numa ótima delicadeza em boca. Enfim, uma bela entrada com bom exercício de harmonização.

Arroz de Pato: estrela da mesa

A foto acima mostra nosso prato de resistência, um belo e delicado arroz de pato. Sua surpreendente delicadeza acabou influenciando a harmonização com um embate de dois grandes tintos entre França e Itália. Um Bordeaux de Saint-Estèphe e um Barolo do inimitável Aldo Conterno.

A incrível longevidade dos Bordeaux

Os tintos de Saint-Estèphe possuem alta capacidade de envelhecimento. Sua acidez e estrutura tânica permitem comprovar esta característica. E este exemplar acima é considerado um Cru Bourgeois, hierarquia abaixo dos famosos Grands Crus Classés. Com seus 27 anos, a cor está predominantemente rubi com discretos traços alaranjados de borda. Aroma elegante, denotando ervas finas, frutas escuras, toques terrosos e defumados. Muito bem equilibrado, taninos presentes com boa polimerização e um final firme e longo. Se impôs um pouco sobre o prato, pedindo sabores mais intensos. Nada que comprometesse o conjunto. Este 1988 pode manter-se tranquilamente por mais cinco anos neste platô de evolução. Viva este solo sagrado!

Colonnello: um dos crus da trilogia

Agora, passemos ao tabernáculo do Barolo, Poderi Aldo Conterno. Colonnello é um de seus Crus formando a trilogia com os vinhedos Cicala e Romirasco. Este em questão, trata-se do lado mais feminino, mais elegante, de seu mentor. De fato, esta delicadeza camuflando um força extraordinária, principalmente por sua estrutura tânica, foi o grande trunfo para a harmonização com o prato. Seus taninos delicados e sua bela e refrescante acidez combateram de forma brilhante a gordura e a textura do arroz de pato. Os toques minerais do vinho, defumados e um resinoso elegante, aliaram-se perfeitamente aos sabores do pato permeados no arroz. Mais uma vez, vinhos italianos à mesa são praticamente imbatíveis nas harmonizações. Eles sempre dão um jeito de se amoldarem à comida, valorizando-a e por consequência, virando as estrelas naturalmente.

Produtor e safra excepcionais

O que falar do vinho acima? Safra histórica e uma casa do Porto de alta reputação. É neste patamar de 38 anos de idade que você começa ter a real dimensão do que são os Portos Vintages. A cor sem aquele aspecto retinto, dá lugar a um rubi com certa transparência e limpidez impressionantes. Os aromas tornam-se elegantes, sutis, longe daquela potência dos primeiros vinte anos de vida. Toques florais, de ervas, especiarias. O lado balsâmico, mineral e de todos os empireumáticos (chocolate, café, caramelo, …). Em boca, a fusão do álcool, taninos e acidez é harmoniosamente amalgamada, num final longo, limpo e interminável. Esse vinho é tudo isso e mais um pouco. Foi escoltado por pães-de-mel caseiros com cardamomo, passas e nozes. A Dolce Vita!

Zacapa: a sublimação de um grande rum

Após muitas taças, garfadas, conversas, risadas, vamos à varanda para os cafés e chás. Um suave brisa vai direcionar o espirito dos Puros que virão a seguir. Por sinal, deve ser algo de alto calibre, à altura do destilado na foto acima, o espetacular rum guatemalteco Zacapa. Neste caso, foi escolhido um Partagás E2 bitola 54. Charuto de grande força aromática, fluxo intenso e sabores marcantes.

Voltando á nossa joia acima, este Gran Reserva X.O. é o máximo em refinamento da casa. Vejamos alguns detalhes: o canavial encontra-se a 350 metros de altitude em solo vulcânico. A extração deste néctar leva-se em conta apenas a primeira prensagem chamada “miel virgen”. Há um trabalho lento e minucioso de fermentação com leveduras especialmente cultivadas. Após a destilação, o envelhecimento do produto dá-se a 2300 metros de altitude num sistema de soleras de alta complexidade. A idade média dos runs neste blend varia de 6 a 25 anos, amadurecidos em tonéis antigos de Cognac. Com todo respeito aos grandes Cognacs, Armagnacs e Malt Whisky, este rum ombreia-se neste grupo. A cor está descrita na foto. Os aromas são intensos e altamente complexos, mesclando mel, pâtisserie, baunilha, caramelo, chocolate, entre outros. Em boca, uma bela untuosidade, com a acidez equilibrando bem os açúcares e álcoois. Sua presença no palato, sua potência e persistência foram decisivas para uma harmonização espetacular com nosso Partagas.

Agradecimentos aos amigos e companheiros de copo, já aguardando nosso próximo encontro. Como fiel gladiador lhe saúdo amigo: Ave César!

Amigos descontraídos, Vinhos sérios: Parte II

2 de Abril de 2015

Após o belo almoço DRC do artigo passado, só o desejo de provar um Romanée-Conti poderia continuar a saga. Em Petit Comitê, seguimos à casa de outro confrade onde outras surpresas estavam reservadas. Logo que chegamos, o confrade responsável pela fera chegou com a garrafa do mito 1998. Como gentilezas não têm limites, ele trouxe também um Petrus 2001 para a adega do anfitrião.

Mais um pequeno infanticídio

A princípio, na minha opinião, um Romanée-Conti não deve ser tomado com menos de 20 anos de safra, e em alguns casos até mais. Contudo, não deixa de ser uma experiência interessante, nem que seja para tentar vislumbrar seu potencial de guarda. A cor predominantemente rubi, denota sua junventude. Os aromas apesar de extremamente elegantes, ainda são tímidos, tanto pelo vinho em si, como pela característica da safra. Em boca, um equilíbrio fantástico, taninos finíssimos a resolver, e final harmonioso. Estimo seu auge daqui uns dez anos.

Preços estratosféricos

Este é um dos americanos mais caros e mais badalados de Napa Valley. O terroir não poderia ser melhor, a sub-região  de Oakville, situada entre Rutherford e Stag´s Leap. O corte bordalês é baseado com alta porcentagem de Cabernet Sauvignon. A safra é relativamente nova de 2006 com 98 pontos Parker. Vinho potente, cor concentrada e aromas um tanto fechados. Em boca, muito macio, taninos ultra-finos e persistência longa. Um estilo moderno, mas muito bem delineado. Longos anos de adega pela frente. Essa é uma das provas que os americanos estão muito à frente em relação a outros países do Novo Mundo quando se trata de vinhos topo de gama.

Safra surpreendente: 94 pontos (RP)

Esta é uma bela compra para os bordaleses de margem esquerda da pouco badalada safra de 2006. Com 94 pontos de Parker, mostrou-se muito agradável para o momento com toda a tipicidade de um grande Saint-Esthèphe. Cor pouco evoluída, mas aromas relativamente abertos, com toques de frutas escuras (notadamente o cassis), toques de torrefação, especiarias e ervas finas. Em boca, muito receptivo, macio, e com um balanço de componentes digno de um Grand Cru Classé. Final agradável e extremamente elegante.

Potência e Elegância no mais alto nível

Como cantava Nara Leão, o barquinho vai, a tardinha cai …, e mais um tinto de tirar o fôlego. Simplesmente, Amarone Dal Forno Romano safra 2006. Um estilo moderno, superconcentrado, muito mais do que se espera de um Amarone. Para se ter uma ideia da concentração deste tinto, o vinhedo sofre um forte adensamento de vinhas, chegando a ultrapassar mais de 13000 pés por hectare. Como essas uvas são colhidas supermaduras e posteriormente, sofrem o processo de appassimento, os rendimentos são baixíssimos. De 100 kg de uvas faz-se apenas 15 litros de Amarone. Além disso, o proprietário não deixa por menos, utiliza 100% de barricas novas. Diz ele: se o vinho não aguentar a barrica, é porque ele não está à altura da mesma. E de fato, a madeira reina em plena harmonia. Cor quase impenetrável, aromas potentes de frutas em geleia, alcaçuz, especiarias, café, e um defumado inebriante. Em boca, extremamente macio, um veludo, taninos bem dóceis, e um bom suporte de acidez. Pode ser tomado com prazer, mas evolui por muitos anos de adega. Um de seus parceiros clássicos é o queijo Grana Padano, o qual foi provado e confirmado com esta garrafa.

Um Corton-Charlemagne de Exceção

O nosso confrade do Romanée-Conti não estava para brincadeiras. Como se não bastasse ter trazido a fera, não deixou por menos no branco. E que Branco! Um preciosíssimo Corton-Charlemagne 2009 de Madame Leroy de produção extremamente limitada. Um dos melhores brancos da Borgonha que provei, unindo potência e elegância como poucos. Frutas como pêssego, damasco, o famoso pão com manteiga na chapa, o tostado lembrando frutas secas secadas ao forno (amêndoas), toques florais, e vai por aí afora. Já era noite, mas este monumental branco levantou o ânimo e nos reavivou. Fantástico!

A costumeira elegância Dom Pérignon

Com a chegada da noite ninguém é de ferro, sobretudo com um Dom Pérignon Rosé 2003. Para uma bela harmonização, que tal comida japonesa de alta qualidade e esmero. Foi um sucesso, principalmente com os pratos que envolviam atum. A acidez, a elegância e frescor deste champagne são pontos-chaves para um casamento perfeito. Se um Dom Pérignon já é exclusivo, um Rosé de produção baixíssima nem se fala. Além do mais, a safra 2003, um tanto calorosa, foi ideal para o perfeito amadurecimento da Pinot Noir, uva importante neste estilo de vinho. E assim terminamos o dia, a noite, e os sonhos …

Uma das sensações da Borgonha

Só para encerrar o artigo, esqueci de comentar o Borgonha acima degustado no final do almoço, após os DRCs. Um Vosne-Romanée exclusivíssimo do Domaine Prieuré-Roch,  o qual seu proprietário, Henry-Frédéric Roch, assinou muitas safras de Romanée-Conti. Este exemplar denominado Le Clos Goillotte da safra 2006 parte de vinhas com mais de quarenta anos, situadas a cinquenta metros dos limites do vinhedo La Tâche. A produção não passa de duas mil garrafas/ano. Um vinho de estilo mais moderno e muito abordável na juventude. Aromas abertos, francos, frutas deliciosas, toques florais, defumados e de especiarias, muito bem integrado à madeira. Para quem não tem paciência de esperar anos em adega, é uma boa pedida.

Sem mais delongas, agradeço mais uma vez aos confrades que proporcionaram momentos inesquecíveis com boa conversa e belos vinhos. Se esqueci de algum outro detalhe, é porque o inevitável abuso do álcool não permitiu. Grande abraço, e até as próximas!

Montrose x Cos d´Estournel

23 de Março de 2015

A comuna de Saint-Estèphe tem dois astros de primeira grandeza: Château Montrose e Château Cos d´Estournel. Situada na margem esquerda do Gironde, é a última comuna na direção norte. Apesar de não haver nenhum Premier Grand Cru Classé, Saint-Estèphe fornece vinhos firmes na juventude com alto potencial de envelhecimento. Aqui, embora o cascalho seja importante, a presença de argila é mais evidente. Esse fator acaba deixando o vinho mais fechado, menos convidativo quando jovem e de uma acidez mais destacada. Seus taninos são firmes e presentes, pedindo muitos anos em adega.

Cerca de dois quilômetros separam os dois châteaux.

Mais do que a distância acima entre os châteaux, a diferença de altitude  e a distância de cada um do Gironde são aspectos mais importantes. Montrose está mais perto do Gironde e portanto, numa altitude mais baixa, na média doze metros acima do mar. Já Cos d´Estournel, mais longe do rio, encontra-se numa colina a cerca de vinte metros acima do mar. Aliás, Cos no dialeto Gascon quer dizer colina.

Safra clássica de um Montrose

As diferenças não param por aí. Montrose apresenta um solo com mais cascalho e maior proporção de areia em meio argiloso. O cascalho se dando bem no Médoc, pois a calor é refletivo nas uvas nos meses de maturação, além de contar com excelente drenagem, são fatores essenciais para o cultivo da Cabernet Sauvignon. A proporção de Cabernet no corte clássico de um Montrose é de dois terços para um terço de Merlot. Isso faz de Montrose um vinho firme, tânico e de alta acidez.

Montrose: Vinhas que olham o Gironde

Diversas são as  frases que definem o Médoc: “o solo do Médoc muda a cada passo”, “Médoc: um terroir forjado pelo homem”, e  “as melhores vinhas são aquelas que olham o rio”. A primeira frase refere-se ao fator drenagem, extremamente irregular na região, importantíssimo num local cercado por águas. A segunda diz sobre um conjunto de fatores que permitem plantar vinhas de alta qualidade. A floresta de pinheiros a oeste evitando o avanço das dunas e ao mesmo tempo, impedindo a umidade e salinidade do Atlântico. O trabalho de engenheiros holandeses no século dezessete drenando toda a região com as famosas valas, muitas delas divisas de comunas famosas. E por último, a localização das melhores vinhas numa posição privilegiada vigiando o rio. Esta localização tem a ver com o movimento das marés ao longo de milhares de anos depositando e posicionando as camadas mais espessas de cascalhos, item fundamental para melhorar a eficiência de absorção de água no terreno.

Em Cos d´Estournel,  o solo também pedregoso mistura-se numa mescla de argila e calcário. A proporção de Merlot sempre que possível, é ligeiramente maior que Montrose. As fermentações procuram enaltecer a fruta, sem extrações excessivas de taninos. O tempo de amadurecimento em barricas de carvalho é um pouco maior em relação ao Montrose, além da porcentagem de barricas novas também ser prevalente. Na média, 80% de barricas novas em Cos d´Estournel e 60% em Montrose. Todos esses fatores fazem de Cos d ´Estournel um vinho mais macio, mais frutado, e mais aromático em sua juventude, embora possa envelhecer de forma brilhante ao longo dos anos. A safra de 1982 encontra-se em plena forma.

Duas safras memoráveis

Pela acidez e tanicidade dos tintos de Saint-Estèphe, se comparássemos aos vinhos de Barolo, Montrose seria um Serralunga d´Alba e Cos d´Estournel seria um La Morra.

Enfim, o Médoc tem seus mistérios como toda grande região vinícola. Alguns ainda por descobrir, outros parcialmente desvendados, tentado explicar as sutilezas desses caldos bordaleses que há séculos encantam apreciadores mundo afora.


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