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Harmonização: Compota de Figos

22 de Abril de 2014

Mais uma receita do adorável livro l´Accord Parfait do sommelier Philippe Bourguignon. Trata-se de uma exótica compota de figos escoltada por um autêntico Banyuls do célebre produtor Domaine du Mas Blanc.

Compota de figoErvas e especiarias em profusão

Les figues compotées au romarin

12 pièces de figue violettes

2 bulbes de gingembre confit

un bâton de cannelle divisé en quatre morceaux

2 étoiles de badiane divisées en deux

4 branches de romarin

2 cuillères à soupe de miel de romarin

4 cuillères à soupe de gelée de groseille

10 grains de poivre noir

le jus d´un citron

Banyuls é um vinho fortificado do sul da França, mais especificamente da região de Roussillon. Nesse terroir escarpado beirando o mar Mediterrâneo, os terraços são cultivados em solo xistoso (pedras) com a uva Grenache. Assim como o Porto, há vários estilos de Banyuls. Pessoalmente, o que mais me agrada é o estilo oxidativo, amadurecido em tonéis e muitas vezes ainda soleados em garrafões, lembrando um Porto Tawny a grosso modo. É um estilo chamado localmente de Rancio. Pois bem, os aromas lembram frutas em compota, especialmente ameixas e figos, inúmeros toques de especiarias, ervas e toda a família dos empireumáticos, notadamente o cacau e o chocolate. Daí, sua combinação clássica com a polêmica iguaria.

Provar um Banylus do Domaine du Mas Blanc é como provar um Porto de uma grande casa do quilate de Taylor´s, Fonseca ou Quinta do Noval. Sua fidelidade ao terroir é impressionante. É um daqueles vinhos imortais.

Solo xistoso com videiras antigas

A harmonização de hoje visa enaltecer este grande terroir com uma sobremesa pouco comum, uma compota de figos aromatizada com alecrim. Além desta erva de personalidade marcante, temos canela em pau, pimenta negra em grãos, mel, geleia de frutas vermelhas (groselha, framboesa ou morangos, por exemplo), suco de limão, anis estrelado e gengibre, conforme foto acima.

O suco de limão, o anis estrelado e o gengibre levantam os sabores do prato, equilibrados pela acidez do vinho. Já o alecrim, a canela, a pimenta, exaltam os gloriosos aromas terciários do vinho. Por fim, o figo a geleia e o mel, enaltecem seu lado frutado, com o açúcar na medida certa. 

Sobrando vinho, se for possível, um belo puro como Bolivar ou Partagás com seus aromas terrosos, é certamente um gran finale. Santé!

Lembrete: Vinho Sem Segredo na Radio Bandeirantes FM 90,9 às terças e quintas-feiras. Pela manhã no programa Manhã Bandeirantes e à tarde no Jornal em Três Tempos.

Vin Doux Naturel: Parte II

8 de Novembro de 2012

Dando prosseguimento à região de Roussillon, sul da França, vizinha dos Pirineus, falaremos de mais uma grande apelação dos chamados VDNs (Vin Doux Naturel) denominada Maury. Segundo dados de 2011, Maury conta com pouco mais de trezentos hectares de vinhas, praticamente a metade da famosa apelação Banyuls. Voltando ao nosso mapa abaixo, percebemos que Maury encontra-se num terroir bem mais interiorano, e portanto continental, em relação a Banyuls. São colinas de solo escuro, de natureza argilo-calcária, também com presença de xisto. As uvas, além da Grenache em suas três versões (Blanc, Gris e principalmente Noir), são complementadas com Macabeu, Malvasia, Muscat, Carignan e Syrah.

Agrandir VDN

Maury: apelação bem ao norte de Roussillon

Os vinhos costumam ser mais densos e austeros em relação a Banyuls. Apesar de haver estilos mais frutados, os belos vinhos de Maury são conhecidos mais pelo estilo oxidativo com notas empireumáticas de café e chocolate. As apelações Maury Hors d´Âge e Maury Rancio são o ápice desta versão, com longos anos de envelhecimento, seja em madeira e/ou garrafões de vidro deixados sob o sol.

Agrandir Maury

Vinhedos nas colinas de Maury

Rivesaltes

Novamente, voltando ao mapa acima, praticamente toda a região de Roussillon produz uvas Grenache principalmente, para a elaboração de VDN sob a apelação Rivesaltes. Podem eventualmente entrar na composição, uvas como Macabeu, Malvasia e Muscats (Petits Grains e d´Alexandrie). São aproximadamente três mil e quatrocentos hectares de vinhas.

Temos três versões da apelação Rivesaltes: Grenat, Tuilé e Ambré (Grená, Telha e Âmbar). A primeira tem caráter bem frutado com participação exclusiva de Grenache Noir. A segunda com caráter oxidativo mesclando a Grenache Noir com uvas brancas. Finalmente a terceira, com caráter acentuadamente oxidativo, sem a presença de Grenache Noir, somente uvas brancas. Além destas versões, temos uma pequena parcela de vinhos sob as apelações Rivesaltes Hors d´Âge e Rivesaltes Rancio, com forte caráter oxidativo. São vinhos com envelhecimento mínimo de cinco anos, mas na prática, com idade muito superior.

Muscat de Rivesaltes

Apelação ainda mais extensa que a anterior, com aproximadamente quatro mil e setecentos hectares de vinhas abrangendo o mesmo território de Rivesaltes. A grande diferença é que trata-se de vinhos brancos elaborados somente com Muscat à Petits Grains e Muscat d´Alexandrie. Geralmente, são os VDNs mais leves, mais frutados e mais florais de todo o Roussillon. Embora agradáveis, costumam ser um tanto diluídos. Portanto, a importância do produtor é fundamental. Domaine Cazes é sempre uma boa referência, trazido pela importadora Mistral (www.mistral.com.br).

Vin Doux Naturel: Parte I

5 de Novembro de 2012

Embora a França não tenha uma versão à altura dos chamados vinhos fortificados da península Ibérica, notadamente o trio de ferro (Porto, Madeira e Jerez), já comentado em detalhes em artigos específicos neste mesmo blog, a tradição dos chamados VDN (Vin Doux Naturel) merece todo o respeito e divulgação, baseados em alguns dos mais tradicionais terroirs franceses.

O processo de fortificação conhecido como mutage na região dos VDNs, prevê a adição de aguardente vínica a 96º de álcool, ou seja, extremamente concentrada. Embora os sites oficiais falem somente em aguardente vínica, sabe-se que a origem deste álcool pode ser proveniente de outras frutas.

O mais famoso e conhecido VDN vem da região de Roussillon sob as denominações Banyuls, Maury e Rivesaltes. Na região contígua do Languedoc temos uma série de Muscats, os quais serão devidamente abordados. Já no sul do Rhône, temos o famoso Muscat Beaumes-de-Venise e o quase extinto Rasteau na versão VDN. Por fim, o Muscat du Cap-Corse, elaborado na porção norte da ilha da Córsega, praticamente desconhecido do grande público.

Roussillon

Conforme mapa abaixo, esta pequena região francesa bem ao sul da França, limítrofe aos Pirineus, norte da Espanha, elabora cerca de 90% do Vin Doux Naturel (VDN) do país. Basicamente, temos três apelações em Roussillon. Banyuls, a mais famosa. Maury, muito interessante, mas pouco difundida, e Rivesaltes, a mais extensa e menos prestigiada.

Agrandir VDN

As linhas pontilhadas separam Roussillon da Espanha a sul, e Languedoc a norte

Banyuls

Este seja talvez o mais famoso VDN por ser a combinação clássica com o difícil e delicioso chocolate. Possui um terroir muito particular em termos de clima e solo. Com terraços debruçados sobre o mediterrâneo, a influência marítima é marcante, além de seu solo pedregoso à base de xisto. Neste cenário as uvas Grenache amadurecem perfeitamente, proporcionando mostos extremamente ricos em açúcares.

Agrandir Banyuls & Banyuls Grand Cru

Solos de xisto à beira-mar

As duas apelações Banyuls e Banyuls Grand Cru, exigem 50% e 75% de Grenache Noir em sua composição, respectivamente, podendo ser complementada pelas uvas Grenache Blanc e Grenache Gris. São 603 hectares sob a apelação Banyuls e 107 hectares sob a apelação Banyuls Grand Cru, segundo dados de 2011.

O termo Rimage indica um Banyuls de caráter não oxidativo, ou seja, pouco contato com madeira e engarrafamento precoce, conservando sua cor rubi. Equivale ao estilo Ruby ou LBV nos vinhos do Porto. Já a apelação Banyuls Grand Cru, exige pelo menos trinta meses de amadurecimento em madeira, buscando um estilo mais oxidativo. É comum na região o amadurecimento do vinho em bombonas de vidro sob o sol, acelerando a oxidação e promovendo um estilo particular conhecido como Rancio.

Próximo post continuamos com Roussillon e as apelações Maury e Rivesaltes.

Harmonização: Peras em Calda

30 de Agosto de 2012

Frutas em calda é um clássico dentre as sobremesas de vários países. Cada um tem sua fruta preferida e também uma técnica peculiar na elaboração. O fato é que frutas de um modo geral combinam muito bem com vinhos calcados na uva moscatel, a começar com a salada de frutas que vai muito bem com Moscato d´Asti ou Asti Spumante. Uma das frutas mais delicadas e ao mesmo tempo ingrediente principal de um ícone no gênero é a pera em calda, ilustrada na foto abaixo.

O visual já transmite muito frescor, geralmente acompanhado de sorvete. No caso da receita acima, as peras foram elaboradas numa calda de frambroesas ou amoras, dando um tom avermelhado. Existe sempre um contraste entre a doçura marcante da calda com o frescor da fruta. Vinhos de colheita tardia ou mesmo botrytisados, apesar de compensarem o açúcar necessário para a harmonização, apresentam textura dominadora, comprometendo a sensação de frescor e um certo equilíbrio dado pela fruta. O ideal é partir para vinhos fortificados, pois fornecem doçura suficiente e textura mais adequada ao prato, além de enfrentar o sorvete com boa alcoolicidade.

Dos vários moscatéis fortificados, um dos melhores para este tipo de sobremesa é o Muscat de Rivesaltes, também classificado como VDN (vin doux naturel), da região de Languedoc-Roussillon, sul da França. Além de Rivesaltes, temos uma vasta gama de apelações Muscat no Languedoc tais como: Muscat de Frontignan, Muscat de Lunel, Muscat de Mireval, todos eles fortificados, mas sempre com o lado frutado bastante fresco. Como sugestão, seguem dois produtores de destaque na região:

Ainda na França, um vinho que pode harmonizar bem é o Vouvray Moelleux, dependendo da textura e do açúcar residual  que podem variar muito. Como sabemos, é uma das mais reputadas apelações do Loire, utilizando a nobre casta Chenin Blanc. Favor pesquisar neste mesmo blog, artigos sobre Vale do Loire em seis partes. Voltando à harmonização, a versão Moelleux não extremamente doce e um tanto untuosa, pode calibrar bem a doçura e textura que o prato exige, mantendo um belo frescor.


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