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À mesa com Amauri de Faria

26 de Outubro de 2019

Após 24 anos à frente da importadora Cellar, sua criação, Amauri de Faria resolveu viver a vida passando o bastão a um grupo de jovens empresários muito bem sucedidos. Gourmet refinado e ótimo faro para vinhos de grande distinção, Amauri transita entre França e Itália com enorme intimidade. Num belo almoço na Trattoria Fasano, o menu italiano da Chef Mara Zanetti Martin da Osteria da Fiore, Veneto, acompanhado de vinhos franceses escolhidos pelo anfitrião transcorreu com maestria.

 

nada como iniciar com champagne

O brinde inicial segue a etiqueta ortodoxa, champagne Blanc de Blancs. A mais delicada, a mais mineral, a mais estimulante para o paladar. Esta cuvée especial denominada Les Chemins d´Avize é um millésime 2010 com vinhedos integralmente Grand Cru. Refinada, incisiva, e salivante, tal sua mineralidade. O longo trabalho sur lies de pelo menos cinco anos nas adegas confere um final de notas cremosas, sutilezas e longa persistência aromática. Surpreendentemente jovem e muito bem conservada.  Caiu como uma luva com as ostras gratinadas.

 

o menu de quatro pratos

O segundo vinho, um Sancerre branco de Alphonse Mellot em sua cuvée especial denominada Edmond. São vinhas antigas em solos argilo-calcários com idade entre 40 e 87 anos. A vinificação à moda bourguignon é feita em barricas com posterior bâtonnage. O vinho adquire uma rica textura e ganha complexidade aromática. Foi muito bem com as ostras no sentido de harmonizar texturas, enquanto o champagne contrastou sua acidez e mineralidade com a fritura e o toque marinho das mesmas.

 

a Borgonha entra em campo!

Terceiro vinho branco, provando que eles são muito gastronômicos. Este Premier Cru Champ-Canet de Jean-Marc Boillot tem menos de meio hectare com vinhas de 55 anos. O vinho é trabalhado em barricas de carvalho (30% novas) com sucessivos bâtonnages. A elegância de um Puligny tendo a fruta em plena harmonia com a madeira. Casamento perfeito com a massa verde ao molho de mexilhões e vôngoles. 

 

rocambole de coelho, batatas e alcachofras

Eis que chega o primeiro tinto, Chambolle-Musigny de Frederic Magnien, um Premier Cru do vinhedo Borniques. Este vinhedo fica bem ao lado do grande Musigny, o único Grand Cru de Chambolle, pois Bonnes Mares é dividido com Morey-St-Denis. Talvez esta proximidade tenha passado uma certa austeridade ao vinho. Demorou para se abrir, provando que tem mais uns bons anos de guarda, dada a excelente safra 2015. Foi muito bem com o rocambole de coelho, guarnecido com batatas e alcachofras. Delicadeza de ambas as partes. Os demais convivas escolheram o fígado acebolado com purè de batatas que também harmonizou muito bem.

 

que Bordeaux Supérieur!

Aqui está o pulo do gato para quem conhece vinhos a fundo. Escolher um grande Grand Cru Classé para o almoço é algo muito prazeroso, mas de resultado extremamente previsível. Agora, escolher um “simples” Bordeaux Supérieur com nível de Grand Cru Classé é coisa para Amauri de Faria. Quem já viu o histórico vídeo de uma degustação às cegas em Paris no restaurante Laurent, onde vários degustadores experientes, dentre eles Olivier Poussier, melhor sommelier do mundo no ano 2000, classificando o Chateau Reignac 2001, este acima na foto, como segundo melhor vinho do painel, concorrendo com feras do tipo Petrus, Margaux, Haut Brion, ficou absolutamente estarrecido com o resultado.

Pois bem, provado ontem com quase 20 anos de idade, o vinho está magnifico e sem nenhum sinal de decadência. Chateau Reignac fica na comuna de Saint-Loubès, bem ao norte de Entre-deux-Mers, um terroir absolutamente secundário. No entanto, os 79 hectares da propriedade fica numa croupe argilo-graveleuse de excelente drenagem, o mesmo perfil geológico do grandes vinhos de margem esquerda. Os rendimentos também são de Grand Cru Classé, apenas 26 hl/ha. O corte privilegia a Merlot, uva extremamente sedutora, com um pouco de Cabernet Sauvignon. O vinho passa 20 meses em barricas francesas. Portanto, o resultado da famosa degustação não foi uma avaliação amadora. O vinho é realmente magnífico!

img_6833chateau diferenciado para um “simples” Sauternes

Novamente a mão de Amauri de Faria se faz presente. Uma escolha muito antiga da importadora Cellar e imbatível até hoje. Não existe no Brasil um vinho de apelação simples Sauternes com esta qualidade. Olhando a ficha técnica do Chateau Haut-Bergeron fica fácil entender a afirmação. Sua localização relativamente perto do grande Yquem, pertence à comuna de Preignac, a mesma do famoso Gilette, um Sauternes de estilo diferenciado. Seu corte com alta porcentagem de Sémillon (80 a 90%) favorece o ataque da Botrytis, além de conferir rica textura ao vinho. Agora o que realmente surpreeende é a idade das vinhas ao redor de 60 anos, além dos absurdos rendimentos por parreira entre 10 e 12 hl/ha, índices dos melhores Sauternes, incluindo o mítico Yquem. E realmente este Bergeron da safra 2009, uma das melhores deste novo século, estava deslumbrante. Rico em Botrytis, untuoso, e com um equilibrio entre açúcar e acidez, somente dos grandes Sauternes. Um fecho triunfal!

Olhando para os cinco felizardos à mesa, a qual me incluo, lembrei da frase de Jorge Paulo Lemann: se você é a pessoa mais inteligente da mesa, você está na mesa errada. É por isso que sempre estou na mesa certa. Obrigado Amauri pelo trabalho de mais duas décadas trazendo sempre vinhos de muito bom gosto e assim, elevando o nível de paladar do consumidor brasileiro, sobretudo os paulistanos, sua grande clientela. Que Bacco continue te iluminado nos melhores caminhos!

Burgundy Cellar

5 de Fevereiro de 2019

A importação de vinhos no Brasil deveria ter mais Amauris de Faria. Homem refinado com vasta experiência de mesa e copo. Escolhe vinhos para Cellar, sua importadora sem sócios, graças a Deus, como se os escolhessem para beber. Com seu extremo bom gosto, basta este único critério. Se ofende com descontos, pois seus preços são absolutamente justos. Não tem aquela pegadinha infame de por uma gordurinha a mais para dar uma de bonzinho depois. Muito de seus vinhos são como Ferrari. Não se discute preço, apenas se escolhe o modelo.

Num jantar extremamente prazeroso, ele nos brindou com algumas surpresas bem instigantes, saindo do óbvio. Sutilmente, uma pequena aula de Borgonha. Antes porém, nada como um belo champagne para iniciar os trabalhos.

img_5598Blanc de Blancs com estilo

Larmandier-Bernier é um produtor artesanal e biodinâmico com 16 hectares de vinhas na Côte des Blancs, por excelência terroir de Chardonnay. Esta é uma cuvée especial só com vinhedos Grand Cru de idade avançada, entre 50 e 80 anos. O vinho-base, boa parte é vinificado em madeira inerte com longo trabalho sur lies. Este trabalho continua com a prise de mousse, onde permanece nas caves pelo menos sete anos, antes do dégorgement. Portanto, estamos falando de um Blanc de Blancs Millésime. A safra 2009 foi generosa com uma riqueza de fruta extraordinária. Pelas características acima, trata-se de um champagne cremoso, generoso, e altamente gastronômico. Por sua classe e equilíbrio, merece pratos de aves ou frutos do mar com alto refinamento. Uma galinha d´angola (pintade) com creme de morilles seria perfeito.

bela dobradinha!

Em seguida, uma dupla adorável de Borgonhas de apelações mais simples, extremamente indicada para o dia a dia. A apelação Saint-Romain esta fora do circuito das badalações, uma reentrância acima de Auxey-Duresse, próximo a Meursault. Um branco com ótimo poder de fruta, aliado a um trabalho exemplar de barricas. Na ótima safra 2015, um branco muito agradável aromaticamente, bem equilibrado, e com uma persistência surpreendente para um nível de vinho, teoricamente simples. 

Passando ao tinto, estamos falando de um Borgonha genérico elaborado e engarrafado pelo produtor, Michel Magnien, especialista nas comunas de Morey-St-Denis e Chambertin. Portanto, estamos falando de uvas da Côte de Nuits, a melhor área da Borgonha para Pinot Noir. Novamente a safra 2015 com seu esplendor de frutas. Um tinto delicado, elegante, e muito bem equilibrado em todos os quesitos. Por 160 reais, não vale a pena se arriscar em aventuras perigosas na ofertas de Pinot Noir sem expressão.

harmonização divina!

Aqui, o ponto alto do jantar com belos pratos na Trattoria Fasano. Este carpaccio de Namorado com temperos delicados e flor de sal, combinou maravilhosamente com o Chablis Grand Cru do vinhedo Les Preuses 2016 do Domaine Fèvre. São somente 4500 garrafas por safra de uma área de vinhas de 2,3 hectares, plantadas entre 1950 e 1973. O vinho tem um mix de aço inox com barricas de extremo refinamento. A mineralidade aflora tanto nos aromas, acompanhando lindos toques florais, como na salinidade em boca. Agudo, incisivo, com um frescor notável. Bela pedida para este verão insolente. 

img_5603Sancerre de estilo próprio

Neste último branco, Alphonse Mellot mostra um estilo próprio, sobretudo nesta cuvée Edmond. Os vinhedos somam seis hectares com idade entre 40 e 87 anos, em solos de marga pedregoso e subsolo Kimmeridgiano, o mesmo solo de Chablis com fosseis marinhos, também chamado de Virgule. É um Sancerre trabalhado em barricas de diferentes idades e tamanhos com longo contato sur lies. Portanto, trata-se de um Sancerre macio, com nuances de madeira, e sabores refinados. Um Sancerre feito à moda borgonhesa. Por ser muito gastronômico, fica ideal com ostras gratinadas e temperos sutis.

sutilezas à mesa

Passando agora aos tintos, toda a sutileza da Côte de Nuits no terroir de Vosne-Romanée. Este Premier Cru Les Beaux Monts fica na parte alta entre os Grands Crus Richebourg e Echezeaux. O vinhedo de solo pedregoso tem alta densidade com dez mil pés por hectare. As uvas são vinificadas parcialmente com engaço e o amadurecimento é feito em barricas 50% novas, de 15 a 18 meses. O resultado é um vinho elegante e sedutor. Taninos refinados e um equilíbrio perfeito entre álcool e acidez. Acompanhou divinamente esta costeleta à milanesa com tagliolini na manteiga de sálvia (foto acima). 

0a86f97d-9e30-4000-8675-f18a775b0671o brilho de um Grand Cru

Passando a régua, um brilhante Grand Cru de Vosne-Romanée, um Richebourg da ótima safra 2005. O que impressiona neste vinho é sua prontidão com todos os terciários de um Borgonha envelhecido de grande classe. Sous-bois, ervas finas, notas de caça, especiarias delicadas, e outros aromas maravilhosos. Thibault Liger-Belair possui este vinhedo na parte histórica, original,  da área de Richebourg. São apenas meio hectare de vinhas plantadas entre 1931 e 1936. A vinificação é feita parcialmente com engaço (30%) e o trabalho com madeira, extremamente criterioso. São 18 a 24 meses em barricas, sendo 60% novas. Pela cor (foto acima), percebemos a riqueza deste tinto com quase quinze anos de vida. Equilíbrio, elegância e longa persistência, resumem bem sua essência e complexidade. Um belo fecho de refeição!

Enfim, acho que o desfile de vinhos acima definem bem os critérios de Amauri de Faria. Seu amor pela França, sua paciência em garimpar preciosidades no mosaico bourguignon, conhecendo os atalhos onde pode-se perder facilmente, acaba sendo tarefa para poucos que ele não delega a ninguém. Sempre um privilégio partilhar de sua companhia. Que Bacco continue te iluminando!

Petrus: a Chave para o Paraíso

1 de Dezembro de 2018

Não está explícito, mas o rótulo mostra a chave do céu. Degustar Petrus é sempre um momento de tensão onde a disputa (esplendor x expectativa) ganha proporções monumentais. De fato, um dos Bordeaux mais caros da história, valendo milhares de dólares uma garrafa, se espera sempre fogos de artifício. 

Embora Petrus seja elaborado quase exclusivamente com uvas Merlot, seu terroir proporciona vinhos de grande estrutura de taninos, capazes de envelhecer por décadas, sobretudo nas grandes safras. É um tinto geralmente fechado na juventude que lentamente vai adquirindo evolução em garrafa. Seu apogeu ocorre com pelo menos dez, quinze anos de safra. Nos grandes anos, esse tempo pode facilmente dobrar.

Para entender melhor este intrincado terroir, favor acessar link deste blog Petrus e a Argila Azul

Além do link, o vidéo abaixo ajuda elucidar o assunto.

Numa degustação memorável na Trattoria Fasano, algumas raras garrafas de Petrus envelhecido desfilaram pelas taças em cinco flights didaticamente escolhidos, mostrando vários estilos e períodos diferentes de evolução.

img_5372uma década de evolução

Embora 11 anos os separem, o 88 tem cores mais intensas na taça. Parece menos evoluído, com muita mineralidade, e uma montanha de taninos. Deve ser obrigatoriamente decantado por duas horas. Talvez a nota um pouco menor que o 99 de Parker deva-se a uma excessiva extração na vinificação. Já o 99 mais jovem, é muito mais prazeroso. Seus taninos são dóceis e sedosos. Muita fruta no aroma, num momento ótimo para ser apreciado. Um belo começo com esse 99 surpreendendo a todos.

img_5373a complicada década de 70

Este flight mostra claramente o quão longevo são os grandes terroirs como Petrus. Vinhos de anos complicados, já envelhecidos, mais de 40 anos, e ainda assim deliciosos e interessantes. O 76 segue o estilo do prazer como 99. Ainda com fruta, maciez em boca, e aromas delicados. Sem nenhum sinal de decadência. É muito melhor provar um Petrus plenamente evoluído de uma safra pouco badalada do que tomar uma grande safra ainda com aromas e sabores fechados. Já o 73, um ano complicado para Bordeaux, Petrus foi o vinho da safra. Estava um pouco turvo na taça, mas com uma força extraordinária para sua idade. Bastante terciários no aroma e um final de boca relativamente seco, denotando que a fruta já está indo embora. Melhor tomar, não há porque esperar.

img_5375só o devido tempo para aproximá-los

Quase 20 anos entre as safras, demonstra claramente que Petrus precisa de tempo em adega. Este 98 à esquerda, é um mamute, um vinho quase perfeito (98 pontos Parker), mas que precisa de longo tempo em adega para domar esta montanha de taninos. Muita fruta concentrada no aroma, além de notas de café e chocolate escuro. Previsão de apogeu para 2040. Quem viver, verá!

Já o 82 é puro deleite. Aromas terciários dos grandes Bordeaux e boca macia com taninos aveludados. Falta talvez um pouco mais de concentração das grandes safras, mas sua elegância compensa. Mesmo na margem direita, Petrus não foi dos mais expressivos na mítica safra 82. Está num momento ótimo para ser apreciado e foi para muitos, o vinho mais prazeroso do almoço.

img_5377200 pontos na mesa!

Aqui, só jogando a moeda para cima, cara ou coroa. Dois monstros engarrafados, demonstrando que Petrus nas grandes safras molda vinhos indestrutíveis. São 200 pontos incontestáveis, mas que precisam de décadas em adega para revelarem tudo que sabem. Vai ser uma tortura espera-los. Talvez o 89 seja mais prazeroso no momento. Parece ser mais macio, mais dócil. Já o 90 tem mais frescor, mais austeridade, mas impressiona muito por sua estrutura. Seu apogeu está prevista para 2054. Prova-los agora significa decanta-los por horas para conseguir arrancar alguns segredos. Tecnicamente, um flight perfeito!

alguns dos pratos para o desfile bordalês 

Entre um flight e outro, pappardelle com ragu de pato e polpettone com batatas ao forno, foram algumas das delicias servidas na Trattoria Fasano num serviço sempre atencioso. 

a turma toda e as rolhas impecáveis

Um dos confrades mostrou sua habilidade em abrir vinhos antigos. Rapidez e eficiência que poucos sommeliers profissionais demonstram na prática.

img_5383aqui se separam os homens dos meninos

Um final apoteótico. Dois velhinhos em plena forma, mostrando claramente que idade não tem limites. Um com quase 50 anos, outro com pouco mais de 50 anos. Duas extraordinárias safras de Petrus com praticamente 100 pontos cada uma, e sendo as duas, os melhores vinhos das respectivas safras em Bordeaux.

Os estilos são totalmente diferentes, mas igualmente encantadores. O 75 é um vinho mais viril, cheio de taninos, ao estilo 88 comentado acima. Estava um pouco turvo na taça, mas com uma estrutura espetacular, embora haja melhores garrafas. Mesmo assim, um grande vinho. Já o 64, o mais velhinho, tem um vigor espetacular com muita elegância. Segue o estilo do 99, mas com mais extrato e estrutura. Nenhum sinal de decadência e com muita fruta nos aromas, embora seus terciários sejam maravilhosos. Além disso, a safra de nosso querido Beato. Não podia terminar melhor!

doçura e amargor sublimes!

Calma, ainda falta a sobremesa e o costumeiro Yquem para encerrar a festa bordalesa. Mas nosso maestro não ia trazer qualquer Yquem. Tinha que ser algo especial como a safra 83, superior a 82 no que diz respeito a Sauternes. O que tem diferente neste 83 é sua agradável acidez, frescor, o que o torna muito mais equilibrado em açúcares. Fez par perfeito com o Tiramisu da casa. Aliás, um dos melhores da cidade. Embora não seja uma harmonização clássica, este  Yquem e este tiramisu em particular, tinha uma sintonia em níveis de açúcar, além dos lado cítrico do vinho complementar bem o sabor do cacau.

Esta confraria se supera a cada evento. Depois do paraíso, não conheço outros caminhos. Mas desses confrades, não podemos duvidar de nada. O imponderável sempre acontece. Obrigado a todos vocês mais uma vez pela companhia e incrível generosidade. Que Bacco nos proteja sempre!

Hits da Borgonha

16 de Abril de 2018

Vez por outra, é bom dar um passeio pela Borgonha buscando comunas distintas em épocas onde o glamour do vinho tinha um sentido mais romântico e filosófico do que os atuais dias onde o marketing e a especulação imperam num dos terroirs mais fascinantes da França. Foi com esses propósito, que um grupo de amigos reuniu-se na Trattoria Fasano num belo almoço outonal. 

Old School

Diferentemente de champagne ou vinho branco, iniciamos os trabalhos com um aperitivo distinto, um Charmes-Chambertin 1964 da velha guarda da Borgonha. Notem no rótulo abaixo, que não há menção Grand Cru. Nesta época, Charmes-Chambertin como Lieu-Dit (território consagrado) era mais relevante para os conhecedores. É um vinho muito mais de alma que de corpo. Seus aromas etéreos com notas de chá, manteiga de cacau e sous-bois, além das sutilezas em boca, nos leva a outros tempos …

IMG_4478.jpgsafra 1964: sabor nostálgico

Descendo mais um pouquinho no tempo, chegamos a mítica safra de 1959, minha safra também, para nos deliciarmos com toda a energia deste Pommard Village sem identificação do vinhedo. Aparentemente sem pedigree, o vinho é de uma força extraordinária, justificando sua fama de Barolo da Borgonha. Com seus quase 60 anos, tem sua rusticidade domada pelo tempo com aromas terciários fantásticos. Sem sinais de declínio. 

1959, uma das safras históricas

Deixando de lado a nostalgia, vamos para 1997 na comuna de Volnay, sabidamente de tintos delicados, exceto por este produtor, Domaine Marquis d´Angerville. Sobretudo em seu grande tinto, o monopole Clos des Ducs do século XVI de pouco mais de dois hectares, mostra extrema virilidade, taninos bastante firmes, aromas recatados, dando indícios de sua longa guarda. Este provado da safra 1997, mostra-se ainda muito jovem, necessitando de decantação. Seus aromas um tanto tímidos mostra um lado sanguíneo, notas de alcatrão, e frutas escuras. Sua incrível acidez e estrutura tânica o permitirão vencer décadas de lenta polimerização, liberando seu bouquet.

IMG_4482.jpgum tinto para envelhecer

O outro grande nome da comuna de Volnay é Domaine Lafarge, de estilo mais feminino e elegante, mas igualmente complexo e sedutor. Seu monopole Clos des Chenes 1999 provado há anos, ainda está na memória …

DRC Romanée-St-Vivant em dois tempos

Entrando no terroir sagrado de Vosne-Romanée, um dos meus DRCs preferidos, Romanée-St-Vivant. É sempre um vinho vibrante, gracioso, sem muita timidez. A safra 1995 da foto abaixo, mostra já um vinho delicioso em sua maioridade, mas com muita vida pela frente. Taninos firmes e polidos, aromas de cerejas negras, especiarias, toques balsâmicos, e uma boca harmoniosa. Aqui não há vinhos comuns …

diferentes momentos de evolução

Agora para tudo, sua majestade Romanée-St-Vivant DRC 1978 entra em cena. Um dos cinco melhores Borgonhas que já provei numa safra mítica da região. Esta garrafa estava incrivelmente jovem comparada a outras degustadas. Um vinho praticamente imortal, com uma energia e vivacidade ímpares. Suas notas de cerejas negras, rosas, especiarias delicadas, toques balsâmicos, são de um riqueza e harmonia absolutas. Impossível não ser seduzido por todo este encantamento. Aquela garrafa da ilha deserta …

IMG_4487.jpgum bebê engatinhando

Ainda em Vosne-Romanée, um pequeno infanticídio com a criança acima, um Echezeaux Liger-Belair da ótima safra 2015. Um vinho elegante, muito bem equilibrado e com ótima riqueza de fruta. Vide, foto acima.

flagey echezeaux

uma comuna que se confunde com Vosne-Romanée

O mapa acima tenta ilustrar a complexidade deste terroir chamado Echezeaux com área em torno de 37 hectares. É um pouco menor do que Clos de Vougeot, Grand Cru com 50 hectares de vinhas. Nos dois casos, cerca de 80 produtores disputam espaço e imprimem por conseguinte seu estilo de vinho. Portanto, uma comuna com vinhos bastante heterogêneos. 

A rigor, os Grands Crus Echezeaux e Grands-Echezeaux pertencem à comuna de Flagey-Echezeaux conforme mapa acima, e frequentemente confundida e englobada na badalada comuna de Vosne-Romanée. Em termos de terroir, existem 11 diferentes Climats em torno de Grands-Echezeaux formando o mosaico chamado Echezeaux. Em linhas gerais, os climats adjacentes a Grands-Echezeaux de solo mais argiloso, mostram vinhos mais robustos e concentrados. Não é por acaso, que as vinhas DRC para esta apelação estão concentradas nesta porção de terreno, sobretudo no climat Les Poulaillères. Já Liger-Belair, objeto de nosso tinto degustado, possui vinhas nos climats Les Crouts e Les Champs Traversins, de solo mais arenoso e menos argiloso. Isso proporciona vinhos mais leves e elegantes. Seu grande diferencial, são vinhas muito antigas, em torno de 65 anos. Daí se explica a delicadeza de seus vinhos.

IMG_4484.jpgfettuccini com cogumelos e molho rôti

Um dos pratos de grande sucesso do almoço na Trattoria Fasano foi o Fettuccini com cogumelos e molho rôti. A textura da massa estava perfeita para a densidade dos borgonhas, além dos aromas e sabores do prato instigarem o aspecto de evolução desses vinhos baseados em sous-bois e algo terroso.

IMG_4490.jpgum vinho enigmático

Por fim, um dos tintos mais enigmáticos da Côte de Nuits, Clos de Tart, monopole histórico da comuna de Morey-St-Denis. Seu rótulo sóbrio traz o peso de sua história e tradição. Um vinho sempre muito difícil de se mostrar, pedindo tempo ao tempo, mas de uma riqueza impressionante, incitando o degustador a tentar revelar seus segredos. O vinho é muito equilibrado, muito estruturado em todos seus componentes, mas ainda a ser lapidado. Esse seu mistério e relutância em não se revelar por completo me remete de alguma forma ao mítico Romanée-Conti. Sempre um privilégio prova-lo. 

bolivarianos em ação

Finalizando a conversa, nada como uma sessão espiritual, Puros e Cognacs. A seleção ficou a cargo da Casa Bolivar, uma das mais tradicionais marcas cubanas conhecida por sua destacada fortaleza em aromas e sabores. No caso, um duplo figurado lembrando um concorrente à altura, Partagas Salomones. Além disso, uma bitola exclusiva de nome Geniales com ring 54 de ótimo fluxo completou o deleite.

IMG_4493.jpgencontro espiritual

Essa garrafinha dentilhada de  Baccarat quando entra em cena, não há espaço para a concorrência. Cognac Louis XIII, a excelência desta apelação francesa, primando pelo extremo cuidado na seleção e envelhecimento dos melhores cognacs da Maison Remy Martin. Personalidade, força, em perfeita harmonia com a elegância e delicadeza de um verdadeiro néctar.

O que mais dizer, senão agradecer aos amigos pela companhia, bom papo, e alto astral. Que Bacco nos proteja em busca de novas orgias. Abraço a todos!

 

 


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