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Screaming Eagle: Esse voa alto!

20 de Março de 2020

Para quem acha caro vinhos como Opus One, Caymus, Spottswoode, Silver Oak, e outros tantos cult wines americanos, não faz ideia dos preços de um Screaming Eagle que em safras recentes podem alcançar facilmente pelo menos três mil dólares a garrafa, a preços internacionais. Fora isso, a dificuldade em achar e ainda comprovar sua autenticidade.

Fundada em 1986, fez sua primeira safra em 1992 por preços estratosféricos para um Cabernet de Oakville, comuna que deu origem ao mítico vinho. A perspectiva é de 500 a 800 caixas por ano, sendo que em 2012 foi lançado um branco Sauvignon Blanc com média de 50 caixas por ano.

Se fizermos uma conta redonda, 20 hectares para 2000 garrafas do vinho principal, ou seja, um hectare para cada 100 garrafas. Um rendimento tão ridículo quanto seu preço. Quando novo, uma verdadeira tinta na taça. Continuando o raciocínio, o grande Chateau Latour com cerca de 80 hectares de vinhas faz por volta de 220 mil garrafas do chamado Grand Vin.  É uma questão de terroir, assemblage das vinhas, e séculos de experiência em fazer grandes vinhos. Já os americanos precisam concentrar mais suas vinhas, diminuírem rendimentos para um mesmo resultado final em teoria. Não há milagres!

napa valley rutherford oakville

comunas famosas em Napa Valle

Em 2012, a vinícola lança o chamado “second flight”, vinhas que foram desclassificadas para o primeiro vinho. Enquanto o primeiro vinho é dominado amplamente por Cabernet Sauvignon, o segundo vinho divide com a Merlot o blend para o Second flight.

Na verdade o chamada Second Flight começa com as safras 2006, 07, 08 e 2009, nos lançamentos dos vinhos principais. A partir de 2015, a nomenclatura muda para “The Flight”. 

A vinícola fica em Oakville do lado leste, perto de Dalla Valle. Do lado oposto em Mayacamas, temos Harlan Estate, Opus One e os vinhedos históricos To Kalon e Martha´s Vineyard. Vizinhança ilustre. A vinícola conta com praticamente 20 hectares de vinhas em solos rochososos de origem vulcânica, e todo tipo de pedra, ideal para o amadurecimento da Cabernet Sauvignon.

Screaming-Eagle and the flightThe Flight, mudado em 2015

O vinhedo tem 52 parcelas divididas em 60% Cabernet Sauvignon, 30% Merlot, e 10% Cabernet Franc. A vinificação ocorre em tanques, barris, de acordo com a parcela em questão. Em média, o vinho é amadurecido 65% em barricas francesas novas por aproximadamente 20 meses, dependendo da safra.

É imprescindível sua decantação, sobretudo quando a safra for jovem. Mesmo em safras mais antigas, é bom abri-lo com no mínimo duas horas de antecedência. O vinho é muito concentrado, ricos em aromas  e com taninos de seda que vão se mesclar ao conjunto pouco a pouco.

screaming eagle box

a caixa tradicional com três garrafas

vinhos perfeitos, 100 pontos

O vinho da esquerda (Harlan) custa no mínimo três vezes mais que o Dominus porém, os vinhos se equivalem em qualidade, sendo o Harlan um estilo um pouco mais potente, enquanto o Dominus vai pela veia bordalesa de mais elegância. Contudo, ambos com muita classe e sutileza.

Pessoalmente, prefiro o Harlan Estate como grande vinho norte americano, praticamente o Latour das Américas, o qual também não é nada barato. Contudo, Screaming Eagle fica no vácuo, sobretudo a safra 1997 com 100 pontos Parker. Nas palavras de dele: “não há nada melhor do que o Screaming Eagle 97, um vinho perfeito”.

Portanto, Screaming Eagle 97 e Harlan Estate 94 são os melhores 100 pontos que já provei em termos de Cult American Wines. Quanto ao custo/benefício, se é que cabe este termo, o Dominus Estate de Christian Moieux, proprietário do Chateau Petrus, é uma pechincha e o mais bordalês de Napa Valley.

informações no contrarrótulo: Screaming Eagle

São vinhos de bom teor alcóolico, mas muito equilibrados em sabor e extração. Seu nivelamento se dá por cima com os componentes perfeitamente equilibrados. Muito raramente, se percebe o álcool com nitidez. Essa é a diferença dos grandes vinhos.

Baseado no fato acima é que a mais impactante degustação vista até hoje foi o célebre “Julgamento de Paris”, onde grandes vinhos franceses e americanos se confrontaram às cegas, julgados por juízes franceses em plena capital do vinho. Os resultados só demonstraram que a força da Califórnia é indiscutível, independente de números ou outras discussões subjetivas.

Neste sentido, continuo afirmando que os grandes vinhos californianos são os únicos capazes de confrontar a elite francesa. É lógico que estou falando dos “grandes”, pois a imensa maioria dos americanos continuam potentes e pendendo para o álcool. É o cenário que vemos nas poucas ofertas do mercado brasileiro.

Varanda com Americanos

22 de Outubro de 2019

Essa é uma boa parceria, Varanda Grill e Cult wines americanos. Num ótimo almoço com uma das melhores carnes de São Paulo, o desfile de vários notas 100 da elite americana fez uma parceria de primeira em termos de harmonização. Carnes extremamente suculentas, grelhadas com maestria, foram agraciadas com os mais potentes e finos taninos dos grandes tintos de Napa Valley. Para iniciar e selar o almoço, um branco e um tinto da vinícola butique Sine Qua Non foram a cereja do bolo com vinhos arrebatadores.

7d256fb0-7489-433c-99e1-548818832956o time completo

Antes de partir para os tintos de Napa, vamos falar desta dupla Sine Qua Non com vinhos mágicos e cheios de personalidade. Trata-se de uma pequena vinícola ao norte de Los Angeles com inspiração nos vinhos do Rhône. Portanto, uvas como Syrah, Grenache, Viognier, Roussanne e Marsanne, são interpretadas de maneira magnífica com vinhos impactantes. Os vinhedos estão localizados em Santa Barbara, Santa Rita Hills e Santa Maria com rendimentos muito baixos.

img_6789vinhos de corpo e alma

O vinho da esquerda, The Petition 2005, é um corte inusitado com as uvas Chardonnay, Viognier e Roussanne com 15,8% de álcool. Um branco denso, encorpado, quase um Sauternes sem açúcar. Os aromas são de frutas exóticas, especiarias, notas de incenso, e algo floral. Tem o perfil dos grandes Hermitages brancos de topo de gama. Enfrenta bem pratos com bacalhau, carnes defumadas, e cozidos bem condimentados. Tem 95 pontos Parker. Um branco impactante.

Já o tinto à direita, The Inaugural 2003, vem do vinhedo Eleven Confessions em Santa Rita Hills. O vinho é à base de Grenache com 10% de Syrah. Passa 38 meses em barricas francesas. Uma explosão de aromas de frutas em geleia, especiarias, ervas, notas defumadas e um fundo mineral. Encorpado, denso, e muito longo em boca. Lembra os grandes Grenaches espanhóis e até algo dos grandes Prioratos. Tem 100 pontos Parker e muita vida pela frente, embora já delicioso.

Cabernets e suculência das carnes

O vinho da esquerda, Dalla Valle Maya 1992, um Maya histórico de 100 pontos. Pena que o vinho estivesse um pouco cansado, mas seus taninos são de veludo numa mistura de 55% Cabernet Sauvignon e 45% Cabernet Franc. Aromas elegantes com toques de cacau, defumado, e fruta escura lembrando ameixas. Exemplar difícil de ser encontrado que está no auge para ser bebido.

À direita, o único 100% Cabernet Sauvignon do painel da AVA Rutherford, Scarecrow 2006. Decantado por duas horas, é um vinho poderoso com vinhas de mais de 60 anos. Embora tenha passado por barricas novas francesas, o vinho tem fruta extraordinária com belos toques de alcaçuz. Seus taninos são bem moldados e casou perfeitamente com a suculência das carnes acima.

napa valley rutherford oakvilleo filé-mignon de Napa

As AVAs acima, American Vitucultural Area, de Rutherford e Oakville, são os melhores terroirs para Cabernet Sauvginon americano. Do lado oeste, perto Mayacamas Mountains, o solo é aluvial e pedregoso, enquanto do lado leste, Vaca Mountains o solo tende a ser mais vulcânico. Vinícolas como Harlan Estate, Screaming Eagle, Dalla Valle, Opus One, Inglenook, Heitz Cellars, estão todas neste pedaço. Os Cabernets de Rutherford tendem a ser mais austeros, duros, enquanto os de Oakville são mais opulentos.

filé-mignon (tenderloin) perfeitamente grelhado

Este foi o vinho mais pronto, mais evoluído, e de estilo mais francês do painel. Um típico corte de margem esquerda com 93% Cabernet Sauvignon, 6% Cabernet Franc, e 1% Merlot, e 15 meses de barricas francesas novas. Delicioso com notas de tabaco, estrebaria, frutas escuras, ervas finas, café, além de taninos totalmente polimerizados. Não é muito longo em boca, mas superequilibrado. Casou perfeitamente com o corte acima divinamente grelhado ao ponto.

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200 pontos na mesa

O duelo final tinha que ser com 200 pontos na mesa em estilos completamente diferentes. Os dois partem de cortes bordaleses com Cabernet Sauvignon de maneira majoritária. O Madrona Ranch 2002 da vinícola Abreu localizada na AVA Santa Helena parece mais pronto e mais exuberante. É um vinho mais direto com perfil americano dos grandes tintos. Muito sedutor e extremamente aromático. Já o Harlan 2001 é mais um da extensa coleção de 100 pontos. É extremamente elegante, diferenciado e de estilo europeu. Aromas de muita classe e um equilíbrio em boca fantástico. É dificil um cult wine bater este vinho, sobretudo quando ele atinge a perfeição. Os dois vinhos merecem longa decantação no momento e tem poder de guarda em adega. É claro que o Harlan vai mais longe com apogeu previsto para 2040. O Abreu Madrona Ranch tem mais uns dez anos de evolução. De todo modo, um duelo de gigantes!

Agradecimentos a todos os confrades, especialmente ao nosso Presidente com vinhos surpreendentes e muito bem adegados. Foi um show de harmonização, boa conversa, e uma experiência sensorial incrível. Os Estados Unidos mais uma vez mostraram sua força e enorme competência em elaborar grandes vinhos. Que Bacco nos conduza sempre pelos melhores caminhos!

Napa Valley: Parte II

22 de Outubro de 2012

Dando sequência ao terroir Napa Valley, falaremos especificamente das AVAs (Área Viticultural Americana) mais famosas como Santa Helena, Rutherford, Oakville e Stag´s Leap.

Começando com St. Helena, é a AVA mais quente das quatro citadas e relativamente menos prestigiada que as demais, embora tenha vinícolas de peso como Beringer, Spottswoode e Joseph Phelps com seu fabuloso Insignia. De um modo geral, seus vinhos costumam ser muito potentes, faltando de certo modo alguma elegância encontrada com mais facilidade nas comunas imediatamente a sul.

O vale afunila na direção sul-norte

Contígua à St. Helena, a comuna seguinte é a venerada Rutherford, chamada por muitos com certo exagero, a Pauillac de Napa.  Seus mais característicos vinhos são capazes de traduzir na taça um toque mineral terroso, conhecido como “dust rutherford”, ou seja, poeira de rutherford. Os lendários tintos de Inglenook, com vinhedos revitalizados pelo cineasta Francis Coppola através da vinícola Rubicon exprimem bem este caráter. Outra tradição local é a vinícola Beaulieu Vineyard com seu Georges de Latour Private Reserve , um clássico local.

O clima aqui parece ser ideal para a Cabernet Sauvignon. Quente o suficiente para sua maturação ideal, frio o suficiente para alongar seu ciclo, proporcionando notável estrutura tânica. Os solos a oeste são mais pedregosos, misturando areia e argila, enquanto a parte leste predominam solos vulcânicos. Os aromas minerais com toques terrosos e a característica fruta escura dos clássicos Cabernets estão aqui presentes. Vinícolas como Frog´s Leap e Caymus são destaques desta comuna.

Como exceção, a AVA Calistoga a norte de St Helena, e portanto mais quente ainda, tem como destaque a vinícola Araujo Estate Wines. Seu espetacular vinhedo Eisele, de solo predominantemente vulcânico, molda um dos mais emblemáticos Cabernets do Napa, que pode envelhecer por décadas. Outra vinícola de destaque é o Chateau Montelena, principalmente pelo seu Chardonnay que desbancou grandes nomes na mítica degustação de Paris em 1976. Seu estilo clássico e elegante, lembra um bom exemplar da Borgonha. O diferencial destes dois exemplos é que são vinhedos de altitude, aproveitando com inteligência a bela amplitude térmica local.

Próximo post, as AVAs de Oakville e Stag´s Leap.

Napa Valley: Parte I

18 de Outubro de 2012

Pouco se fala dos vinhos americanos no Brasil. Evidentemente, as notícias, as divulgações, giram em torno de um interesse comercial. Como os americanos consomem praticamente todo seu vinho produzido, além de grande importador da Europa, a pouca oferta exportada é cara e portanto, presa fácil para seus concorrentes do chamado Novo Mundo. É o que acaba acontecendo em nosso mercado.

Quarta potência no mundo do vinho, os Estados Unidos no conjunto da obra são a melhor resposta aos chamados vinhos do Velho Mundo, mudando definitivamente a face do mercado internacional, a partir da histórica Degustação de Paris em   1976.

Especificamente Napa Valley, tema de nosso artigo, responde por 20% dos valores comercializados da Califórnia, apesar de sua produção girar em torno de apenas 4%. Sabemos que mais de 90% do vinho americano concentra-se neste estado da costa oeste.

Napa Valley é uma das áreas nobres da Califórnia, muito bem situada em termos de clima e solos. Se há um lugar no mundo onde a Cabernet Sauvignon possa fazer frente ao terroir sagrado do Médoc (a chamada margem esquerda de Bordeaux. Favor verificar artigos específicos sobre Bordeaux em cinco partes), esse lugar é Napa Valley, especificamente em comunas famosas como Rutherford, Oakville e Stag´s Leap, conforme mapa abaixo:

16 AVAs formam o famoso Napa

As contíguas AVAs  (Área Viticultural Americana) desde Santa Helena a norte até Stag´s Leap mais ao sul, funcionam como as famosas comunas do Medóc (Pauillac, St Julien, St Estèphe e Margaux). Neste local, os vinhedos desenvolvem-se entre as cadeias de montanhas Mayacamas a oeste e Vaca Range, a leste. O clima tende a ser mais quente ao norte, próximo a Calistoga, e mais frio ao sul, próximo à cidade de Napa. Os nevoeiros frios pelas manhãs entram pelo sul através da baía de San Pablo e vão perdendo força, à medida que caminham para o norte.

Os solos do Napa são extremamente complexos e diversificados. São de origem vulcânica, sedimentar e também aluvial. Argila, areia, pedras e marga são seus principais componentes. Em linhas gerais, no fundo do vale, próximo ao rio Napa, os solos são aluviais, argilosos e relativamente profundos. Já os solos nas encostas, são mais diversificados, mais pedregosos, pobres e pouco profundos.

As AVAs de Santa Helena, Rutherford, Oakville e Stag´s Leap, serão abordadas em detalhes no próximo post, mostrando suas requintadas vinícolas e terroirs diferenciados.


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