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Jermann: Quando o produtor faz a diferença!

6 de Abril de 2016

Hoje em dia estranhamente os vinhos biodinâmicos e naturais estão supervalorizados pela mídia, induzindo muitos consumidores ao êxtase sensorial, como condição sine qua non na produção de grandes vinhos. Não vou entrar no mérito dos vinhos biodinâmicos que se cercam das chamadas “forças cósmicas”, mas quanto aos naturais com ausência de dióxido de enxofre (SO2), os riscos de potabilidade são enormes, sobretudo quanto à conservação não ideais em adegas e o próprio transporte do vinho até seu destino final. Agora quanto aos vinhos orgânicos ou biológicos, parece-me uma condição obrigatória e quase natural, sobretudo para as vinícolas de destaque e de produção relativamente baixa. A não utilização de pesticidas, herbicidas e de outros produtos químicos sintetizados, não combina com a preservação do planeta, recuperação de ecossistemas, e de um mundo menos poluído.

Azienda Jermann

Contudo, antes de adotar qualquer filosofia de trabalho, é preciso saber fazer vinhos. Não adianta você disponibilizar a cozinha do Fasano, por exemplo, com todos os equipamentos de última geração, produtos de alta qualidade, para alguém que não sabe cozinhar. Não há milagres. Portanto, precisamos em primeiro lugar nos certificar da competência de quem faz os vinhos, sua sensibilidade diante da matéria-prima chegada na cantina, percebendo o potencial da respectiva safra, e saber extrair com maestria sua melhor expressão na taça. Nicolas Joly, por exemplo, pai da biodinâmica, faz um branco  extraordinário do Loire calcado em Chenin Blanc (Coulée de Serrant) não só porque é biodinâmico, mas antes de mais nada, porque é um enólogo de mão cheia.

gambero rosso

Evento Gambero Rosso

Tudo isso para falar da vinícola Jermann (pronuncia-se iermã), referência na região de Friuli-Venezia Giulia, extremo nordeste da Itália. Fiel a suas raízes, Jermann trabalha com maestria com uvas regionais como Pinot Grigio, Friulano, Ribolla Gialla, Picolit, entre outras. Embora elabore tintos, sua especialidade são os brancos de pureza impressionante, numa região notabilizada por este tipo de vinho.

Fixando-se em dois de seus brancos de grande destaque, vamos falar sobre Vintage Tunina e o moderno Where Dreams. O primeiro é um clássico “tre bicchieri” de muita personalidade e de um exótico corte de uvas (Sauvignon Blanc, Chardonnay, Ribolla Gialla, Malvasia e Picolit). As uvas são colhidas num vinhedo de 16 hectares chamado Ronco del Fortino com maturação um pouco mais tardia. A vinificação, estabilização e afinamento em sua elaboração não tem nenhum contato com madeira. Aqui percebemos a sabedoria e mão do enólogo em mesclar com harmonia uvas autóctones (locais) e as chamadas internacionais (Sauvignon e Chardonnay). Seu aroma é tão exótico quanto o corte das uvas. Toques florais, minerais, herbáceos e vegetais, de grande classe. Em boca, tem um ataque marcante que se prolonga num equilíbrio perfeito entre álcool e acidez, sustentada por uma maciez extremamente agradável. Persistência tre bicchieri!. Proponho uma harmonização com risoto de camarão e aspargos, ou pratos que envolvam alcachofras.

jermann

vinhos degustados

O segundo vinho, Where Dreams, mostra toda a versatilidade do enólogo, saindo de sua zona de conforto. A proposta é fazer um Chardonnay aos moldes franceses de Beaune, lembrando um Puligny-Montrachet Premier Cru, por sua delicadeza. A propósito, esses vinhos foram degustados no evento Gambero Rosso, e uma pessoa chamou-me a atenção em mencionar um Meursault ao invés de um Puligny. Estranhei um pouco a observação, mas entendi posteriormente. De fato, por razões de logística, ele foi degustado erroneamente numa taça bordalesa. Com isso, seu frescor não ficou tão intenso e principalmente a textura, ficou mais gorda, mais espessa, lembrando realmente um Meursault. Dito isso, o vinho realmente é elegante, bem balanceado e mesclado com a barrica (onze meses em barricas francesas). Seus aromas de frutas tropicais, fino tostado, baunilha, manteiga e pâtisserie, são notáveis. Em boca, equilibrado, elegante e longo.

Em suma, vinícola referência é isso. Atuar com maestria em seu terroir, promovendo tradição e tipicidade. Jermann além disso, mostra versatilidade em moldar vinhos modernos e alguns como Where Dreams, fugindo de suas origens. Seus vinhos ainda podem ser encontrados na importadora Cellar (www.cellar.com.br) e a filosofia da azienda é de uma vitivinicultura biológica.

Cores do vinho: As aparências enganam

31 de Março de 2016

Qual a cor correta de um vinho branco? A princípio, todas. Depende de vários fatores, entre os quais, tipo de uva, vinificação, região, amadurecimento em madeira, idade, estilo do produtor, tipo de vinho, e vai por aí afora. Para ilustrar o assunto, a foto abaixo fala por si.

semillon e laranja

Vinho à esquerda, oito anos mais velho

Evidentemente, temos um exemplo extremo, mas vale a pena elucidar o caso. O vinho à esquerda trata-se de um Sémillon australiano do Hunter Valley, estilo particular e único deste varietal 100% Sémillon. Neste terroir, a chuva chega cedo no período de maturação das uvas. Portanto, as mesmas são colhidas precocemente com acidez bastante elevada, gerando vinhos de baixa alcoolicidade. Para enfatizar esta acidez, a vinificação é feita em aço inox, evitando a fermentação malolática. Porém, o mais interessante, é que este branco fica muito mais atrativo quando envelhece e aí, estou dizendo 10, 15, 20 anos. Neste estágio, seus aromas lembram frutas secas e um tostado sugerindo madeira. Como disse, é um estilo único de Sémillon.

semillon hunter valley

ILR Reserve: Top da vinícola

O vinho acima é um dos ícones da vinícola australiana Brokenwood, o ILR Reserva Sémillon. Por incrível que pareça, com seus treze anos, estava novo, com muito pouca evolução. Prevejo pelo menos, mais dez anos em adega. Ainda tinha muito cítrico no aroma (limão), notas herbáceas, e um exótico e típico aroma de lanolina, algo parecido com shampoo, coisa rara em vinhos. Pela acidez, acompanhou bem o prato de bacalhau. Importadora KMM (www.kmmvinhos.com.br).

vinho laranja

Jakot (Friulano)

A foto acima refere-se ao vinho à direita na foto inicial. Trata-se de um vinho laranja da região do Friuli, nordeste da Itália. Como a influência eslovena é bastante grande, temos o nome Jakot (esloveno) para a uva Friulano (italiana). Esta uva é a antiga Tocai Friulano, onde o nome Tocai não pode ser mais mencionado em razão do grande vinho Tokaji húngaro, mais antigo e detentor deste nome.

Outra explicação, é sobre os vinhos laranjas, tão em moda atualmente. Na verdade, de novidade não tem nada. Esses vinhos são na realidade a origem da vinificação em brancos. Antigamente na Georgia, berço da vitivinicultura mundial, as uvas brancas eram fermentadas junto com as cascas, gerando vinhos rústicos e de certa tanicidade. Modernamente, sabemos que os brancos são vinificados sem o contato das cascas, gerando vinhos mais finos e delicados. Como a moda é cíclica em todos os sentidos, resolveram reinventar esses vinhos antigos com o nome “laranja” devido à sua cor no processo final de vinificação. Evidentemente, são vinhos exóticos para nossa geração, tendo seus méritos e suas indicações enogastronômicas.

bacalhau semana santa

bacalhoada: o prato dos dois brancos

Dadas as explicações, vamos ao exótico Dario Princic Jakot 2011. São vinhas antigas de sessenta anos com um hectare de extensão, gerando apenas duas mil garrafas. A fermentação com as cascas leva 22 dias em toneis de castanheiras. Posteriormente, o vinho estagio em velhos toneis de madeira de dimensões variadas. O resultado é um vinho multifacetado com aromas de frutas secas, damasco, gengibre, notas de chá, cítricos, e vários outros aromas. Evidentemente, tem estrutura de sobra para acompanhar pratos de bacalhau, como foi o caso, e tantos outros pratos onde a maioria dos brancos não tem força suficiente. Importadora Piovino (www.piovino.com.br).

Em suma, um contraste de cores, aromas e sabores, de dois vinhos antagônicos com origem, filosofia e métodos de vinificação totalmente diferentes, mostrando a diversidade no mundo dos vinhos.

semana santa

entrada para o champagne

jacquesson 738

Um champagne a ser batido

O champagne acima foi nosso amuse-bouche que precedeu os dois vinhos brancos comentados. Este champagne é sensacional!. Equilibrado, marcante, cremoso, persistente, e nos atuais dias, com preço bem honesto diante de seus concorrentes. Realmente, um champagne a ser batido.

A cuvée 738 é baseada na safra 2010, complementada com 33% de vinhos de reserva. Um corte com predomínio da Chardonnay (61%), acrescido com Pinot Noir (18%) e Pinot Meunier (21%). Champagne marcado pela elegância da Chardonnay e com longo poder de longevidade. Esta cuvée passa cerca de quatro anos sur-lies e o vinho-base é fermentado em madeira inerte. Existem algumas cuvées D.T. (dégorgement tardive), onde o tempo sur-lies é de nove anos. Vale cada centavo seu preço. Importado pela Franco-Suissa (www.francosuissa.com.br).

Presunto Cru: Parte I

4 de Março de 2013

Cada país têm sua grafia e pronúncia específicas para o termo. Prosciutto na Itália, Jamón na Espanha e Jambon na França. Além de Portugal, os três países citados elaboram belos exemplares e são também, grandes países vinhateiros. Portanto, a harmonização embora polêmica, é praticamente obrigatória com seus erros e acertos. Na França, o famoso Jambon de Bayonne é uma indicação geográfica protegida na região sudoeste deste país, conhecida também por país basco. Como todo presunto cru, seu processo de elaboração passa por uma salga regulamentada e posterior maturação. Este é um dos produtos onde o sal é intrínseco ao alimento e portanto, indissociável ao mesmo. A lição número um para a harmonização correta é evitar o choque tanino x sal, no caso de vinhos tintos. Voltando ao Jambon de Bayonne, as indicações clássicas e locais para a harmonização são um vinho rosé (irouléguy, um rosé local. rosés da provence ou rhône), um vinho tinto (novamente o local irouléguy. um beaujolais ou um tinto do languedoc), ou um branco doce (um colheita tardia local sob a denominação Pacherenc de vic-bilh). Convenhamos, são indicações diversas, polêmicas e fundamentalmente, pessoais. A equação se complica quando entra em jogo o grau de maturação do presunto, ou seja, quanto mais curado for, maior a concentração de sabor do mesmo. No caso do exemplo acima, um rosé de Tavel pode ser interessante para um certo grau de cura. Já um Beaujolais, embora de baixa tanicidade, pode não ter força suficiente para o presunto. A opção pelo vinho licoroso só tem sentido se for um presunto intensamente curado e neste caso, pode ser sublime (a acidez combatendo a gordura, o sal contrapondo o sabor doce, e a intensidade e textura de ambos sendo semelhantes).

Jambon de Bayonne

Partindo agora para a Itália, temos inúmeras denominações de presunto cru porém, as denominações Parma e San Daniele sobressaem-se. Para o prosciutto di Parma, mais intenso, as recomendações locais em termos de harmonização são Malvasia dei Colli di Parma, um vinho branco,  além de indicações como Lambrusco e o espumante Prosecco, do Veneto. Pessoalmente, com um presunto de média cura, um Dolcetto novo e frutado ou um Valpolicella de mesmas características pode ser uma boa indicação. Quanto ao San Daniele, para mim o mais delicado entre os presuntos crus, um branco aromático da região do Friuli é a escolha certa. Sendo da mesma região, pode ser a uva local Tocai Friulano, agora simplesmente Friulano, ou um Pinot Grigio.

Prosciutto San Daniele

Para finalizar esta primeira parte, a indicação da apelação francesa Beaujolais para embutidos ou charcutaria é clássica. Ocorre, que não se trata apenas de salames, mortadelas ou presuntos cozidos. O presunto cru fornece uma presença de sal muito particular e uma enorme variação de maturação no portfólio de cada produtor. Portanto, não é sempre que os vinhos de Beaujolais combinam perfeitamente com essas iguarias. No caso do San Daniele, muito delicado, Beaujolais é a primeira escolha para os tintos.

Próxima parada, presuntos da península ibérica.


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