Hoje em dia estranhamente os vinhos biodinâmicos e naturais estão supervalorizados pela mídia, induzindo muitos consumidores ao êxtase sensorial, como condição sine qua non na produção de grandes vinhos. Não vou entrar no mérito dos vinhos biodinâmicos que se cercam das chamadas “forças cósmicas”, mas quanto aos naturais com ausência de dióxido de enxofre (SO2), os riscos de potabilidade são enormes, sobretudo quanto à conservação não ideais em adegas e o próprio transporte do vinho até seu destino final. Agora quanto aos vinhos orgânicos ou biológicos, parece-me uma condição obrigatória e quase natural, sobretudo para as vinícolas de destaque e de produção relativamente baixa. A não utilização de pesticidas, herbicidas e de outros produtos químicos sintetizados, não combina com a preservação do planeta, recuperação de ecossistemas, e de um mundo menos poluído.
Azienda Jermann
Contudo, antes de adotar qualquer filosofia de trabalho, é preciso saber fazer vinhos. Não adianta você disponibilizar a cozinha do Fasano, por exemplo, com todos os equipamentos de última geração, produtos de alta qualidade, para alguém que não sabe cozinhar. Não há milagres. Portanto, precisamos em primeiro lugar nos certificar da competência de quem faz os vinhos, sua sensibilidade diante da matéria-prima chegada na cantina, percebendo o potencial da respectiva safra, e saber extrair com maestria sua melhor expressão na taça. Nicolas Joly, por exemplo, pai da biodinâmica, faz um branco extraordinário do Loire calcado em Chenin Blanc (Coulée de Serrant) não só porque é biodinâmico, mas antes de mais nada, porque é um enólogo de mão cheia.
Evento Gambero Rosso
Tudo isso para falar da vinícola Jermann (pronuncia-se iermã), referência na região de Friuli-Venezia Giulia, extremo nordeste da Itália. Fiel a suas raízes, Jermann trabalha com maestria com uvas regionais como Pinot Grigio, Friulano, Ribolla Gialla, Picolit, entre outras. Embora elabore tintos, sua especialidade são os brancos de pureza impressionante, numa região notabilizada por este tipo de vinho.
Fixando-se em dois de seus brancos de grande destaque, vamos falar sobre Vintage Tunina e o moderno Where Dreams. O primeiro é um clássico “tre bicchieri” de muita personalidade e de um exótico corte de uvas (Sauvignon Blanc, Chardonnay, Ribolla Gialla, Malvasia e Picolit). As uvas são colhidas num vinhedo de 16 hectares chamado Ronco del Fortino com maturação um pouco mais tardia. A vinificação, estabilização e afinamento em sua elaboração não tem nenhum contato com madeira. Aqui percebemos a sabedoria e mão do enólogo em mesclar com harmonia uvas autóctones (locais) e as chamadas internacionais (Sauvignon e Chardonnay). Seu aroma é tão exótico quanto o corte das uvas. Toques florais, minerais, herbáceos e vegetais, de grande classe. Em boca, tem um ataque marcante que se prolonga num equilíbrio perfeito entre álcool e acidez, sustentada por uma maciez extremamente agradável. Persistência tre bicchieri!. Proponho uma harmonização com risoto de camarão e aspargos, ou pratos que envolvam alcachofras.
vinhos degustados
O segundo vinho, Where Dreams, mostra toda a versatilidade do enólogo, saindo de sua zona de conforto. A proposta é fazer um Chardonnay aos moldes franceses de Beaune, lembrando um Puligny-Montrachet Premier Cru, por sua delicadeza. A propósito, esses vinhos foram degustados no evento Gambero Rosso, e uma pessoa chamou-me a atenção em mencionar um Meursault ao invés de um Puligny. Estranhei um pouco a observação, mas entendi posteriormente. De fato, por razões de logística, ele foi degustado erroneamente numa taça bordalesa. Com isso, seu frescor não ficou tão intenso e principalmente a textura, ficou mais gorda, mais espessa, lembrando realmente um Meursault. Dito isso, o vinho realmente é elegante, bem balanceado e mesclado com a barrica (onze meses em barricas francesas). Seus aromas de frutas tropicais, fino tostado, baunilha, manteiga e pâtisserie, são notáveis. Em boca, equilibrado, elegante e longo.
Em suma, vinícola referência é isso. Atuar com maestria em seu terroir, promovendo tradição e tipicidade. Jermann além disso, mostra versatilidade em moldar vinhos modernos e alguns como Where Dreams, fugindo de suas origens. Seus vinhos ainda podem ser encontrados na importadora Cellar (www.cellar.com.br) e a filosofia da azienda é de uma vitivinicultura biológica.