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Latour-Giraud: Meursaults fora do radar

9 de Novembro de 2023

(Originalmente publicado em pisandoemuvas.com)

Há produtores que estão fora do radar das principais publicações, não fazem barulho como outros vizinhos, nem têm suas alocações vendidas meses antes de os vinhos chegarem às prateleiras. Quando aparecem notas a seu respeito, ganham curtos parágrafos, mesmo que elogiosos. Esse é o caso do Domaine Latour-Giraud, com mais de três séculos de história e com a maior área de produção de Genevrières, prestigiado premier cru de Meursault, hoje uma das cidades mais disputadas pelos enófilos por causa dos vinhos cada vez mais estrelados de Jean Marc Roulot, Arnaud Ente, Coche Dury.

Pierre Latour comanda o Domaine Latour-Giraud, que fica na antiga rua que abrigava um leprosário em Meursault. Hoje a rue de l´hopital não existe mais, tendo sido substituída por uma vicinal que corta a cidade e a interliga às cidades de Volnay e Puligny-Montrachet. Nem o GPS tem o Domaine no seu radar. Sorte que o senhor parado por nós sabia como se chegar lá.

Pierre Latour é um homem de cerca de 60 anos, educado e curioso. Nunca tinha recebido brasileiros e queria saber o que nos tinha levado lá. Com cerca de 85% da produção voltada para brancos e 15% para tintos, o Domaine faz Meursaults em um estilo diferente dos feitos por Roulot. Talvez um estilo entre Roulot e Lafon. São vinhos brancos feitos para a guarda, com fruta e um estilo menos mineral, muito gastronômicos. A safra 2014 é considerada por ele uma das melhores dos últimos anos. Em 2015, são vinhos mais acessíveis na juventude, talvez semelhantes aos 2009, sem grande capacidade de envelhecimento.

O Meursault Cuvée Charles Maxime é daqueles vinhos que os críticos pontuam com 89 a 90 pontos, mas que são a mostra de que pontos funcionam no basquete, não nas taças. Um chardonnay gastronômico, opulento, refinado e mineral, de comprar de caixa. O Les Narvaux é mais mineral, outro também para se comprar de caixa. No terreno dos premiers crus, o primeiro a desfilar é o raro Bouchères, com um toque mais acentuado de frutas secas; o próximo é o Poruzots, mais gordo; depois chega o suculento e profundo Charmes.

Pierre Latour comenta que o preço da terra na Bourgogne está cada vez mais alto. Um hectare de premier cru Charmes, em Meursault, pode custar um milhão de euros, o que cria um grande problema para os domaines familiares. A lei de transmissão na França recolhe 30% dos bens a serem herdados para seus cofres e põe pressão sobre o futuro em uma atividade de capital intensivo e sujeita às intempéries da natureza. Pressão ainda maior desde o início da década, quando as safras foram menores do que a média.

O preço alto do terroir faz com que a geração que assume um Domaine tenha de desenhar estratégias para se manter no comando: pode-se vender parte do estoque nas caves, pode-se vender 20% a 30% do domaine para outros viticultores, pode-se chegar até a vender o Domaine todo, tentação para pessoas que nunca viram um cheque tão alto. “Isso preocupa muito e isso traz grandes problemas para a Bourgogne, que é artesanal”, diz Pierre, pai de duas meninas. Ele quer manter a tradição familiar.

Antes de chegar ao Meursault Genevrières, a razão de nossa visita ao Domaine, Pierre Latour abre um Puligny Champs Canet, um dos mais refinados Pulignys, com um toque floral delicado. “É bom ter a oportunidade de fazer um vinho fora de Meursault”, afirma. Com dois hectares e meio de Genevrières, ele resolveu vinificar duas parcelas desse terroir: a normal e a chamada Cuvée des Pierres, geralmente quatro barris de vinho, com as uvas com mais de 50 anos. São dois vinhos distintos, ambos refinados, elétricos, com acidez que mostra um potencial de envelhecimento superior a uma década. Muito interessante seria colocá-lo às cegas em uma degustação com o Perriéres de Jean Marc Roulot.


Os vinhos não vêm para o Brasil, mas são facilmente encontrados nos Estados Unidos e se configuram em barganhas em relação aos preços que Roulot e companhia estão cotados hoje. Pierre Latour não está no radar de muitos, mas definitivamente entrou no meu.

Bordeaux: Briga de Vizinhos

16 de Abril de 2019

Separados por uma rua, os Chateaux Haut Brion e La Mission Haut Brion convivem em  harmonia em Pessac-Léognan. Na verdade, existe uma briga saudável pela excelência de seus vinhos, sendo praticamente impossível dizer quem é o melhor, a não ser pelo gosto pessoal, algo bastante subjetivo. 

 esse branco te leva para o céu!

Para abrir os trabalhos, começamos com um par de borgonhas de tirar o fôlego. Primeiramente, o branco acima já degustado várias vezes, confirma sua excelência, Domaine d´Auvenay. Neste Puligny Premier Cru, produção de apenas 900 garrafas,  uma vinificação impecável de Madame Leroy. Um branco cheio de aromas elegantes, muito bem balanceado e uma persistência sem fim. Bate muito Montrachet com folga.

img_5905vinhedo com nível de Grand Cru

O segundo vinho, trata-se de um dos vinhedos mais respeitados com Premier Cru. Juntamente com Les Amoureuses e Cros  Parantoux, talvez sejam os vinhedos mais expressivos na categoria Premier Cru com nível de Grand Cru. Esse que provamos do Domaine Fourrier, é o número 5 do mapa abaixo com menos de um hectare, apenas 0,89 hectare. O maior de Armand Rousseau é o número 1 com 2,21 hectares. Sylvie Smonin 2, Louis Jadot 3, e Bruno Clair 4, completam a lista com 1,6 ha, 1 hectare, e 1 hectare, respectivamente.

Um belo exemplar não denotando a maioridade com 18 anos de vida. Um tinto ainda com muita fruta, toques de incenso e especiarias. É um belo produtor, mas num pontinho abaixo de Rousseau. Um Chambertin de respeito.

clos st jacques vignoble

cinco produtores com a maior parcela para Rousseau

img_5907grandes garrafas

Finalmente, chegamos ao embate de gigantes com os quatro vinhos servidos às cegas nas belas safras de 89 e 90. São praticamente 400 pontos na mesa destes chateaux fora de série. Uma das degustações mais difíceis, tal o nível elevadíssimo de seus vinhos.

No flight acima, um páreo impressionante. O La Mission 89 (100 pontos) tinha características de maciez semelhante ao 90, porém com mais corpo e extrato. Dava a entender que podia ser o grande Haut Brion 89. Agora o Haut Brion 90 (98 pontos) estava magnifico. Era o vinho menos pronto do painel com certa austeridade, mas taninos finíssimos. Um vinho de longa guarda que necessita de decantação para ser apreciado no momento. Enfim, um flight às cegas muito difícil.

img_590689 sem o brilho habitual

Neste embate, estamos comparando um vinho de 100 pontos (Haut Brion 89) com um vinho de 96 pontos (La Mission 90). Primeiramente, o La Mission estava delicioso, macio, envolvente, e muito mais acessível que seu oponente de flight. Embora o Haut Brion 89 seja um vinho irretocável com 100 pontos inconteste e um dos melhores Bordeaux das últimas décadas, esta garrafa não estava tão esplendorosa como deveria ser. Portanto, não estava tão clara sua supremacia.

Analisando os dois flights extremamente equilibrados, podemos perceber que os dois Haut Brions tem uma certa austeridade frente aos La Missons, devido à presença maior das Cabernets no corte. Os vinhos parecem mais tânicos. Já os La Missions tem maior porcentagem de Merlot no corte, proporcionando vinhos mais macios.

pratos bem executados

Alguns pratos do extenso menu do restaurante Dom se destacaram. Um peixe amazônico muito bem cozido com molho delicado e farofa, além de um prato com mix de cogumelos bastante distinto. O serviço de sommellerie impecável da sempre simpática Gabriela Monteleone.

Voltando aos vinhos, fica mais uma vez provada a enorme injustiça de colocarem apenas o Haut Brion como única exceção do Médoc na classificação de 1855. Já que é para fazer exceções, que corrigissem a  injustiça de não incluir o La Mission Haut Brion na lista, um dos chateaux mais bem pontuados em toda história por Robert Parker.

Por fim, é bom frisar que estas conclusões estão longe de serem definitivas. A cada degustação, a cada desafio às cegas, as impressões podem mudar radicalmente, principalmente levando em conta o estado das garrafas em si e como elas evoluem  de adega para adega com seu histórico muitas vezes incerto.

Assim é mundo do vinhos, cheio de incertezas, e poucas verdades definitivas. Como dizia o saudoso e provocador Antonio Abujamra, vamos idolatrar a dúvida!