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Grappa em sua essência

7 de Setembro de 2018

Grappa para os italianos, Marc para os franceses, Bagaceira para os portugueses, Tresterbrand para os alemães, sua origem está no que o italiano chama de vinaccia ou bagaço de uvas, subproduto da fermentação do vinho que posteriormente é destilado. É o maior exemplo vínico de sustentabilidade. Nada se perde, tudo se transforma.

grappa produzione schemacomeço e fim da destilação são desprezados

No esquema acima, a destilação em alambique deve ser precisa, aproveitando ao máximo o coração da bebida. O começo e fim são desprezados com aromas e componentes indesejáveis. Para obtenção de 15 a 20 litros de Grappa bruta, perde-se 2 litros no início do processo (cabeça) e mais 3 litros no final (cauda). Terminado o processo a bebida contem entre 65 e 86° de álcool. É comercializada entre 37,5 e 60 ° de álcool. 

Em 100 kg de uvas, temos 75 litros de vinho e 25 kg de vinaccia (bagaço), ou seja, 100 garrafas de vinho e 3 garrafas de grappa. Rendimento muito baixo. A vinaccia no início do processo contem cerca de 3,5° de álcool.

Para não contrariar nosso Maestro, um dos maiores especialistas no assunto, vamos falar somente do destilado italiano, a melhor e mais diversificada expressão deste tipo de bebida. E quando se fala em Grappa, estamos falando do nordeste italiano, regiões do Veneto e Friuli. Para representa-las, nada melhor que dois gigantes da Grappa: Jacopo Poli e Nonino.

Jacopo Poli

Fundada em 1898 no Veneto, no apagar do século XIX, Poli mostra um grande arsenal dividido em três grandes grupos: Grappe (grapas), Distillati (destilados), e Liquori (licores). As uvas, muitas delas locais, são a matéria-prima essencial em seus produtos.

Dentro do mundo das Graspas, outro sinônimo da bebida, temos as jovens (Giovani) que não tem passagem por madeira em seu amadurecimento. É pura expressão da fruta, lembrando realmente frutas em caroço como ameixa, pêssego, lichia, entre outras. Podem ser feitas a partir de uvas brancas ou tintas da região na forma de varietal ou blend.

tulipa específica para degustação

A Grappa acima é elaborada com a uva Vespaiolo, típica do Veneto, na elaboração de um grande vinho de sobremesa de nome Torcolato. Pois bem, esta grappa vem do bagaço destas uvas na elaboração deste vinho exclusivo. Esta é uma das grappas diferenciadas do produtor sem passagem por madeira. A foto da taça é mera ilustração. Deve ser servida entre 10 e 15 °C para melhor apreciação de seus toques frutados e florais.

grappa poli sassicaia

exclusividade Poli

A Grappa acima é do grupo Barricate (amadurecida em barricas). No caso, a vinaccia das uvas Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc na elaboração do mito toscano Sassicaia. Os aromas de fruta em caroço se misturam aos toques de baunilha, café, e cacau, dados pela barrica. Grande acompanhamento para os Puros após uma bela refeição. Esta deve ser servida entre 18 e 20°C.

Há também no portfolio, Grappas aromatizadas com plantas e ervas, dando um toque amargo ou doce/amargo. São as chamadas Aromatizzate. Depois da destilação, há uma infusão com estas plantas, fundindo sabores.

img_4982um rival do Cognac

Saindo agora das Grappas e passando aos Destilados, ainda no mundo Jacopo Poli. A foto acima, mostra um destilado de vinho (brandy) elaborado com a uva Trebbiano, a mesma Ugni Blanc de Cognac. Neste caso, o brandy envelhece dez anos em madeira nesta sequência: sete anos em carvalho da Eslavônia, dois anos em carvalho de Limousin (o mesmo do Cognac) e um ano em carvalho francês de Allier. Bebida refinada e complexa. Deve ser servida em tulipa entre 18 e 20°C.

grappa chiara di moscato

não é Grappa

Além dos destilados de vinho (brandy), Poli ainda propõe destilados de frutas como pera ou framboesa, equivalentes às Poire e Framboise francesas, respectivamente. Além disso, elabora um curioso Gin do Veneto. Para completar, mais uma curiosidade, destilados de uvas, isso mesmo, uvas. Trata-se de destilar o mosto de uvas fermentado. São uvas aromáticas como Moscato e Malvasia. O produto é diferente de uma Grappa já que tem um sabor levemente doce. Enquanto a Grappa é feita do bagaço das uvas, praticamente sem nenhum açúcar residual, o destilado de uvas advindo do mosto fermentado, conserva maior riqueza aromática e açúcar residual. Uma diferença sutil, mas importante. Pode-se brincar com essas diferenças no acompanhamento de Puros …

grappa crema-mokabebida cremosa

Por fim, os chamados Liquori. Licores que podem ser doces, secos ou cremosos. São infusões de frutas e álcool com graduações finais abaixo de 40° de álcool. As doces podem ser de mirtilo, ameixa, ou limão, por exemplo. Os licores secos podem ser de ervas. Já os cremosos contem café, cacau, ou ovo com açúcar (lembrando um zabaione). 

Resumindo, o arsenal Poli abrange todos os gostos e texturas possíveis. Um mundo que vai muito além das grappas, sendo estas a sua especialidade.

Familia Nonino

Fundada com um ano de diferença de Jacopo Poli em 1897 no Friuli, em Udine. Com um arsenal semelhante, oferece produtos de alta qualidade e variada gama. Vamos neste caso, nos ater somente às Grappas.

grappa nonino -riserva-5-years-antica-cuvée-cask-strengthgrappa barricata

Nonino Riserva Antica Cuvée Cask Strength é elaborada com um blend (vinaccia de Cabernet, Merlot e Schioppettino), passando de 5 a 20 anos em madeiras diversas (carvalho francês de Limousin e Never, além de Sherry ou Jerez). A indicação 5 anos refere-se ao tempo mínimo em madeira de algumas partidas do blend. O termo Cask Strength pressupõe que não haja retificação na bebida, respeitando o álcool natural. Isso explica seus 59,9° de graduação alcoólica. Além disso, não há adição de corante. Realmente, uma Grappa diferenciada.

img_5010Grappa in purezza

Picolit Cru The Legendary Grappa é outra preciosidade da Nonino. Elaborada com a vinaccia da uva Picolit, raríssima na região por sofrer de uma doença chamada aborto floral. Picolit é a denominação de um dos melhores vinhos doces do Friuli. Nesta Grappa não há nenhum contato com madeira, sendo o grande diferencial sua graduação alcoólica, na ordem de 50° graus. Este fator potencializa seus aromas e sabores. Melhor apreciada a 12°C de temperatura.

seleção impecável de tabaco

Para dar conta de todo este arsenal “espiritual”, nada melhor que o cenário acima. Uma seleção de Puros da mais alta qualidade com tabacos envelhecidos. Outra especialidade de nosso Maestro. Entre baforadas e tulipas, o tempo, a conversa, e a música,  fluem melhor …

Os Espíritos estão no ar

6 de Setembro de 2017

No penúltimo artigo deste blog, vide Quando o céu é o limite!, prometi escrever algo sobre o prolongamento do almoço, após aquela sucessão de embates maravilhosos dos melhores Montrachets, Hermitages, Bourgognes, Bordeaux, e mais algumas preciosidades.

Já fora da mesa, a festa continuou com cafés, chás, e sobretudo, os Puros e os Espíritos. Aqueles destilados deslumbrantes que aquecem a alma, selando comme il faut, um almoço memorável.

cenário irresistível

Quando eu falo em Espíritos, observem acima um guardião atrás das bebidas. À esquerda, uma seleção de Puros em caixas de laca impecáveis das melhores procedências, algo como Gérard Père et Fils da Suíça. Ao lado, a mesa de bebidas com o que há de mais exclusivo em destilados, principalmente Grappas, uma das paixões do anfitrião.

marcos dona beja

Dona Beja sabia das coisas …

Parece estranho falarmos de cachaça numa hora dessas, mas esta da foto acima, é de impressionar não só qualquer gringo, como o mais exigente dos cachaceiros profissionais. Não tanto pelo sabor, mas sobretudo pela suavidade. É impressionante como mesmo provada em temperatura ambiente, não se sente o álcool. Um perigo aos desavisados!    

Para quem não conhece, Dona Beja é uma cachaça do tempo do Império. Com toda esta história, o atual proprietário Mario Moraes Marques, rebatizou a cachaça como Dona Beja a partir de 1992, até então chamada cachaça Rainha. Esta provada da safra de 1972 é a joia da coroa. Foram produzidos apenas cinco mil litros desta pérola que passaram dezoito anos em toneis de carvalho, perdendo álcool naturalmente, sem diluição com água. Se você tem algum preconceito com a bebida, dê um traguinho nesta!

marcos timeless

embate de gigantes

Agora falando em Cognac, temos duas preciosidades acima. Louis XIII, cognac topo de gama da Maison Remy-Martin, um blend com partidas centenárias, acompanhado por várias gerações em adega até estar pronto para comercialização. Normalmente, seu grande rival é o Richard, topo de gama da grupo LVMH, outro cognac com enormes predicados e à altura de uma disputa de gigantes. Maiores detalhes, vide artigo Cognac: Richard ou Louis XIII?

Mas não vamos falar de Richard, e sim de Timeless. Criado em 1999 também pela Hennessy (grupo LVMH), Timeless consegue ainda ser mais exclusivo. São apenas duas mil garrafas numeradas contendo um blend envelhecido das onze melhores safras de Cognac do século XX. São elas: 1900, 1918, 1929, 1939, 1947, 1953, 1959, 1961, 1970, 1983 e 1990.

Neste duelo não houve vencedores e sim, preferências. Afinal de contas, são dois excepcionais Cognacs com inúmeros predicados e virtudes. Pessoalmente, preferi o Louis XIII. Numa sintonia fina, me pareceu mais marcante e refinado. Já o Timeless, parece ser um produto muito mais de exclusividade, de poder experimenta-lo, embora seja divino. Essa tese fica reforçada na comparação de preço, onde a diferença pode chegar a seis vezes.

marcos louis XIII 1900

Cognac Louis XIII de 1900

Para os colecionadores, a garrafa acima trata-se de um exemplar autêntico da virada do século XX. Um dos pontos a serem verificados são os 25 dentes em volta da garrafa de crista de Baccarat, ou seja, 12 saliências de um lado e 13 saliências do outro. Notem também, que naquela época a tampa da garrafa era dentada e de formato oco. Diferente da atual, lisa e no formato flor-de-lis.   

marcos poli sassicaia

vinhos de pedigree

Agora vamos para uma excepcional seleção de Grappas ou Grappe (italiano). Sabemos que toda a grappa nasce do bagaço das uvas no processo de vinificação. Entretanto, há bagaços especiais como das uvas destinadas ao mais nobre tinto de Bolgheri, o grande Sassicaia, foto da esquerda. Já a grappa da direita, é fruto do outro extraordinário vinho italiano, Torcolato, um néctar doce do Veneto, obtido com a uva branca Vespaiolo.

Pela própria natureza dos vinhos, a Grappa Sassicaia é mais encorpada, mais viril, e tem uma passagem maior por madeira. Já a Grappa Torcolato é toda feminina, delicada, com aromas florais. Em resumo, grappas excepcionais, cada qual em seu estilo. Digamos que Sassicaia está mais para um Bolivar, enquanto Torcolato está mais para um Hoyo de Monterrey.

marcos poli rum e porto

requintados barris

Nesta seleção de grappas, vemos a força e caráter decisivos dos barris. O da esquerda, de rum extra-vecchio da Martinica da casa Clement, uma das mais reputadas marcas do Caribe. Um rum delicado, onde esses barris acabam aromatizando de forma sublime o destilado recém-elaborado. Já o da direta, uma barrica de Porto Colheita safra 1991. Um Porto Niepoort, uma das casas mais reputadas pelos seus esplendorosos Colheitas. Transmite notas muito elegantes ao destilado. Realmente, mais exclusivo, impossível. Novamente, a preferência é muito pessoal.

 marcos grappa costa russi

Gaja: isso sim é requinte!

Quem diria! uma grappa de Angelo Gaja, mas não de qualquer Barbaresco. No rótulo, um dos Crus que perfazem a santíssima Trindade (Costa Russi, Sori Tildin, e Sori San Lorenzo). A vinaccia ou bagaço das uvas na elaboração do Costa Russi dá origem à destilação que posteriormente terá um envelhecimento em madeira. Grappa de muita personalidade com toques de cogumelos e chocolate amargo (cacau).

 marcos h. upmann RR

H. Upmann Piramide Reserva

Provavelmente da Cosecha 2010, este Puro amadurece três anos antes de sair ao mercado. Casa de grande reputação, H. Upmann tem um estilo elegante, mas de muita personalidade. Este Piramide apresentou ótimo fluxo, notas de especiarias e amadeiradas. Acompanhou muito bem a seleção de grappas, além dos majestosos Cognacs.  

Agora sim, cumprida a promessa neste verdadeiro deleite entre Puros e Espíritos, mesmo para o mais cético ateu. Que assim seja!  


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