Discutir sobre a Borgonha é sempre prazeroso, instigante e sobretudo, sem conclusões definitivas, lembrando um pouco as infindáveis discussões sobre futebol, ou seja, não se chega a lugar algum. Dentro desta perspectiva, o tema de hoje pode ser interessante, principalmente para aqueles que estão iniciando no assunto. Um dos fatores que mais intrigam os degustadores é desvendar as peculiaridades de cada “climat”, termo muito típico para designar terroirs específicos nesta região. Só para ficar nas comunas mais famosas como Chambolle-Musigny, Vosne-Romanée, Pommard, Volnay, Chambertin, entre outras, os escritores, críticos e apaixonados por este vinhos, tentam marcar as principais características específicas de cada uma delas. Seguindo este raciocínio, podemos propor alguns paineis em dupla, comparando vinhos aparentemente diversos, distintos. Seguem abaixo alguns exemplos:
Côte d´Or: O coração da Borgonha
Volnay x Chambolle-Musigny
Num primeiro momento, temos uma comuna da Côte de Beaune (Volnay) e uma comuna da Côte de Nuits (Chambolle). Terroirs bem separados, já que na Borgonha, mesmo em vinhedos lado a lado, as diferenças podem ser marcantes. O ponto principal a ser comparado é a delicadeza, a elegância e a sutileza destes respectivos vinhos. A priori, os vinhos de Chambolle parecem vencer o páreo. Teoricamente, teriam mais profundidade, poderiam ser mais marcantes. Só que treino é treino e jogo é jogo. Na prática, às cegas, dependendo do produtor, os respectivos terrenos e a filosofia do produtor, tudo pode mudar. Entretanto, vale a bincadeira. Dois belos Premiers Crus, lado a lado, um de cada comuna, às cegas. Como sugestão, um Chambolle do craque Mugnier e um Volnay do diferenciado Lafarge.
Pommard x Nuits-Saint-Georges
Força, personalidade e até uma certa rusticidade, marcam esses tintos robustos para padrões borgonheses. Pommard é também chamado o “Barolo” da Borgonha. Já o terroir de Nuits-Saint-Georges é mais complexo. A porção que me refiro é mais ao sul, mais afastado de Vosne-Romanée. Aqui sim, são vinhos robustos, mais duros na juventude, porém podem envelhecer maravilhosamente. Nas duas comunas não existem Grands Crus. Como disse, para padrões borgonheses, falta-lhes algo mais refinado numa sintonia mais ajustada. Proponho para Pommard, os produtores Domaine Courcel ou Comte Armand, e para Nuits-Saint-Georges, Henri Gouges ou Faiveley.
Henri Gouges: Meu preferido de Nuits-St-Georges
Corton x Gevrey-Chambertin
Vinhos firmes, uma certa austeridade, um cunho másculo e novamente o antagonismo: Côte de Beaune x Côte de Nuits. Corton é a exceção. Único Grand Cru tinto da Côte de Beaune e Chambertin da Côte de Nuits, com o maior número de Grands Crus por comuna (são nove no total). Ambos geologicamente apresentam influência direta de um subsolo calcário, fornecendo finesse e elegância. Corton do produtor Chandon de Briailles e Chambertin do inacessível Rousseau. Na impossibilidade deste último, Domaine Trapet.
Embate de Gigantes
Vosne-Romanée x Morey-Saint-Denis
Aqui a proposta é mais ousada e até certo ponto, leviana. Comparar Vosne-Romanée com outros tintos da Borgonha pode ser para alguns um verdadeiro insulto. Contudo, como experiência vale. Um grande Bonnes-Mares, um Clos de Tart ou o grande Musigny, este último de Chambolle, podem ás cegas, surpreenderem degustadores até mesmo com os DRCs à mesa. Entenda-se DRC como os fabulosos Grands Crus da Domaine de La Romanée-Conti. Sem a presença de rótulos, os soberbos tintos de Vosne tornam o embate mais democrático.
Quase sempre uma surpresa às cegas
Enfim, esse é um dos caminhos divertidos para tentar compreender a Borgonha. É como as mulheres. É divertido, prazeroso, enriquecedor e necessário este contato, mas entende-las é uma outra história. Quanto mais estudamos, quanto mais formulamos teses, menos compreendemos. Eis é o fascínio.
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