Caminhos da Enogastronomia


Em artigo recente, falei de algumas combinações clássicas que estão sendo esquecidas em certas publicações, mas também comentei que a prospecção de novas harmonizações não devem ser descartadas, sempre dentro de um raciocínio lógico que inclui em última análise o chamado bom senso. Para dar alguns exemplos, vamos ao primeiro deles:

Foie Gras Grillé aux Pommes

A peça de foie gras crua cortada em pedaços e posteriormente levemente grelhada é um prato de grande refinamento, acompanhado pelo clássico vinho doce de Sauternes. Entretanto, podemos eventualmente mudar este cenário para um Porto Tawny com declaração de idade ou melhor ainda, um grande Colheita (há vários artigos neste blog sobre vinho do Porto). A combinação com vinho de Sauternes também já foi comentada em artigos deste blog. A mudança fundamental para o vinho do Porto é basicamente trocar álcool por açúcar (componentes do vinho). Para aqueles que incomodam-se com a evidente doçura e untuosidade (alto nível de glicerol) de um autêntico Sauternes, podem optar pelo Porto, menos doce e untuosidade mais comedida. Ele continua ter a mesma presença e força aromática do Sauternes, mas o açúcar residual sensivejmente menor é compensado pelo álcool, já que trata-se de um vinho fortificado. E por que a escolha Tawny e não Ruby? 

Primeiramente, os Tawnies tem um componente de acidez mais relevante que os Rubies e taninos mais polimerizados e menos evidentes. Os aromas terciários do Tawny com toques empireumáticos (caramelo), além de frutas secas e frutas em calda (laranja, cidra, damascos) têm muito mais a ver com os aromas do prato. É uma bela experiência com Tawnies preferencialmente de 20 anos de idade declarada ou um Colheita equivalente. Temperatura de serviço em torno de catorze graus. 

Culinária Japonesa

O segundo exemplo é a consagrada harmonização entre espumantes, champagnes, com a comida japonesa. De fato, a leveza, o frescor, a textura, são fatores importantes neste casamento. Ocorre que originalmente, a bebida indicada e continua sendo, para acompanhar estes pratos é o saquê (bebida elaborada com a fermentação de arroz, atingindo teor alcoólico em torno de dezesseis graus). A velha máxima vale aqui também: pratos locais com bebidas locais.

No mundo do vinho, o que mais se aproxima do saquê é tradicional vinho de Jerez, especialmente os da categoria Fino. Dentro desta especialidade, a Manzanilla é ainda mais indicada, sobretudo com sashimis. Ele apresenta o mesmo frescor dos espumantes, com uma personalidade bastante própria. Seu teor alcoólico é semelhante ao saquê, e os preços podem ser convidativos. Servi-los gelados, em torno de oito graus, mesma temperatura recomendada aos espumantes.

Risoto de Abóbora com Carne Seca

Este terceiro exemplo também já foi comentado neste blog como uma das mais surpreendentes harmonizações. Trata-se de um prato regional elaborado com técnica italiana (efeitos da globalização). Portanto, aqui não existe ainda uma harmonização clássica. Contudo, um Tokaji três Puttonyos elaborado de maneira tradicional (característica oxidação) é algo que vale a pena experimentar. O vinho tem personalidade para a carne seca e seu toque oxidado casa-se muito bem com o sabor da carne. A acidez combate bem a eventual gordura e a doçura do vinho é perfeita com o toque adocicado da abóbora.

A bela opção para quem não abre mão de um tinto são os vinhos de Rioja elaborados pela escola tradicional, sobretudo Reserva e Gran Reserva. Os taninos costumam ser bem domados e acidez é o ponto alto de seu equilíbrio. Os aromas levemente oxidados, as frutas em compota e seus toques empireumáticos e de baunilha equilibram a sutil doçura do prato. O eventual excesso de sal, se houver (a carne deve ser devidamente dessalgada), não incomoda a leve tanicidade do vinho. O corpo do vinho também é bem adequado à textura do risoto.

Enfim, é isso. Podemos sempre procurar novas alternativas, descobertas, calcadas nos verdadeiros princípios da enogastronomia baseada em atitudes de bom senso. Sempre é bom lembrar que estas experiências devem ser testadas previamente para que seus convidados e amigos não sirvam de cobaias. 

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