A eterna disputa entre Borgonha e Bordeaux pela excelência em vinhos é apaixonante, misteriosa e muitas vezes acaba em discussões calorosas sem um final conclusivo. São dúvidas ou comparações sem sentido, do tipo: loira ou morena, praia ou montanha, clássico ou moderno, e assim por diante.
O terroir borgonhês é de concepção mais simples de ser entendido, mais clássico, embora fazer o simples tenha seus mistérios. Temos geralmente, terrenos pequenos, poucos hectares (menos de uma dezena), em uma colina bem posicionada (Côte de Nuits), bem drenada e bem balanceada na sua composição de solo. Em suma, é o esquema clássico de um grande terroir, trabalhando com uma só uva (Pinot Noir).
Já em Bordeaux, tudo muda. Temos mais de uma uva, os terrenos são bem maiores, divididos em parcelas, conforme esquema abaixo, referente ao Château Lagrange (Troisième Grand Cru Classé do Médoc, Saint-Julien). Todos os grandes chãteaux tem esquema semelhante de parcelas em seus vinhedos (plan parcellaire).
Médoc: Predominância da Cabernet Sauvignon
Só para nos posicionarmos melhor, estamos falando de Borgonha tinto e vinhos da margem esquerda de Bordeaux (Médoc). Voltando ao esquema acima, cada parcela de vinha de um château bordalês seria um vinhedo específico no terroir borgonhês. Portanto, há uma filosofia de concepção completamente diferente entre estes dois grandes terroirs. Em Bordeaux, temos uma vinificação separada, parcela por parcela, semelhante ao que acontece com os vinhos-bases em Champagne. Então, depois de tudo vinificado separadamente, teremos vários lotes de Cabernet Sauvignon, vários lotes de Merlot, vários lotes de Cabernet Franc e/ou Petit Verdot em menor número. Continuando o raciocínio, o bordalês tem a convicção que a Cabernet Sauvignon sozinha é incompleta, tem arestas a serem aparadas, aromas e texturas a serem adicionados. Devemos lembrar que a Cabernet Sauvignon é majoritária no corte bordalês de margem esquerda. Daí, a necessidade de mesclar uvas como a Merlot, principalmente. De fato, esta uva fornece fundamentalmente maior maciez ao conjunto, agregando também certa complexidade aromática. O grande problema é saber qual a melhor proporção entre as uvas e quais os melhores lotes de cada uma delas que devem entrar nesta mistura (o famoso assemblage). E este é o pulo do gato para os grandes Bordeaux. Diante de vinhos recém-nascidos, os provadores devem ter extrema sensibilidade em avaliar a potência de cada safra e vislumbrar seu desenvolvimento depois das uvas mescladas e consequentemente, o vinho amadurecido em barricas de carvalho. É um trabalho de grande responsabilidade e que requer vivência de várias safras num mesmo château. Tudo que sobrou deste assemblage rigoroso para o chamado “Grand Vin” será novamente avaliado para os chamados segundos vinhos de cada château.
Clos de Vougeot: Fragmentado em mais de oitenta produtores
Voltando à comparação filosófica com a Borgonha, o terreno especificamente que seria cada parcela de um vinhedo bordalês não assume tanta importância como uma parcela na Borgonha. O fator humano no terroir bordalês compromete-se com mais esta missão em harmonizar as várias parcelas da melhor forma possível. Filosofando mais uma vez, o maior Grand Cru da Borgonha, Clos de Vougeot com cinquenta hectares de vinhas, seria razoavelmente compatível para padrões bordaleses. E nesta filosofia bordalesa, eles reuniriam todas as parcelas dos cerca de oitenta produtores deste Grand Cru, fariam um grande assemblage, e designariam um Grand Vin e um segundo vinho. Na média, provavelmente seria um vinho bem melhor que muitos dos Clos de Vougeot de produtores duvidosos. Entretanto, provavelmente seria derrotado por um Clos de Vougeot como Méo-Camuzet. Voltamos à eterna questão: Loira ou Morena?
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