O vinho e o tempo


Como é difícil prever a longevidade de um vinho, sem falar nas questões de gosto pessoal que variam imensamente. Embora os tintos tenham mais atributos para vencer o tempo, alguns brancos parece seguir o mesmo caminho.

Vamos nos ater somente a vinhos secos, de mesa, de duas grandes regiões francesas: Bordeaux e Bourgogne. Uma dupla de brancos e uma de tintos.

uma década de diferença

Pessac-Léognan

Na foto acima, temos uma double magnum de Smith Haut Lafitte 2000, um dos mais prestigiados chateaux para brancos bordaleses, embora faça tintos também. O tamanho da garrafa traz mais um fator de longevidade onde a evolução do vinho é mais lenta. Esses vinhos costumam ser uma mescla de Sauvignon Blanc e Sémillon em partes quase iguais. Particularmente para este Chateau e nesta safra, temos 95% Sauvignon Blanc e 5% Sauvignon Gris, nada de Sémillon. Embora o vinho seja fermentado em barricas com posterior processo de bâtonnage, o fato de não haver Sémillon, afeta de maneira significativa a longevidade do vinho. Afinal, é esta uva que dá estrutura e potência ao conjunto. O que segura de fato neste caso, é a bela acidez da Sauvignon Blanc. Entretanto, sozinha, não consegue caminhar por períodos muito longos. Como este é um vinho de exceção, encontra-se no auge aos 17 anos de idade. Muita fruta no aroma, toques de mel e flores, e uma textura macia pelo contato sur lies. Começa insinuar alguns toques oxidativos bem discretos. A própria cor denuncia o fato, pois seus toques dourados claros são bem evidentes. É hora de beber.

Corton-Charlemagne

Assim como no caso bordalês, Bonneau du Martray produz tintos e brancos. Os vinhedos ficam na montanha de Corton com amplo destaque para os brancos. Seu perfil é elegante, altivo e bem mineral. Este é um terroir que me agrada muito pela textura e mineralidade de seus vinhos que de certo modo, lembram os grandes Chablis Grands Crus como Les Clos, por exemplo. Novamente, um trabalho preciso e marcante em barricas e posterior bâtonnage. Neste solo com alta porcentagem de calcário, a Chardonnay ganha elegância e acidez notáveis para uma grande guarda. De fato, este 1991 com seus 26 anos não sente a passagem do tempo. A própria cor, muito mais clara e jovial se comparada ao bordalês. Pelo vigor, pela vivacidade, pelo equilíbrio, é vinhos para mais dez anos com muita segurança. E olha, que estou falanda de garrafa standard (750 ml). Coisas da Borgonha. Aqui, a Chardonnay ganha outra dimensão.

trajetórias diferentes

Praticamente tintos de mesma idade, sendo os dois exemplares em double magnum. Brigar com a longevidade de um grande Bordeaux não é para qualquer terroir, mesmo se tratando de Borgonha. Aqui, chega a ser até covardia, dada a procedência de cada um dos vinhos.   

Clos Vougeot

Um dos Grands Crus mais polêmicos da Côte de Nuits, este exemplar parte não de um produtor, mas um negociante de prestígio na região, Dominique Laurent. Ele gosta de comprar e educar os vinhos em sua coleção própria de barricas. A safra 99 é muita boa, generosa em aromas e de textura muito agradável. O vinho tem até um bom extrato, concentração, mas falta uma lapidação mais apurada. Pessoalmente, acho a madeira um pouco invasiva, tirando aquelas sutilezas tão apreciadas nesses caldos delicados. Um vinho que encontra-se no auge, pronto a oferecer seu melhor, ainda com bom poder de fruta. Já se fosse um Méo-Camuzet ou um Domaine Leroy, a história seria bem diferente. Saudades de Clos Vougeot Leroy 1988 …

Chateau La Mission Haut-Brion     

Voltamos à Pessac-Léognan e a comparação com seu eterno rival, Haut-Brion, é inevitável. Embora de estilos diferentes, são vinhos de altissimo nível, capazes de romper décadas. Haut-Brion tem a sutileza de um Lafite, enquanto La Mission tem a força de um Latour. Neste exemplar da safra 2000, estamos diante de um nota 100. E aqui não tem conversa, é um vinhaço. Com seus 17 anos de idade, realmente é um adolescente com todo o vigor. A cor ainda impenetrável, os aromas minerais, de frutas escuras e defumados, são intensos e austeros. Uma estrutura de taninos admirável, densa, profunda, e de alta qualidade. Vai precisar de décadas para polimerizar tudo isso. Apenas com um ano de diferença do Borgonha citado acima, a comparação é cruel. Seria como um bom carro de luxo lado a lado com uma Ferrari. Não dá para a saída …

Voltando ao tema

Terroir é um conceito que precisa sempre ser interpretado com precisão e filosofia bem definida. Cada produtor em sua porção de terreno, procura extrair suas potencialidades e particularidades no sentido de imprimir um DNA seu, distinto, que marque o estilo de seus vinhos.

No caso do Smith Haut Lafitte, bordeaux branco, a opção pela Sauvignon Blanc de maneira exclusiva é sua marca diferenciada. Já Bonneau du Martray, segue o classicismo absoluto na montanha de Corton, potencializando sua mineralidade sem invenções.

No caso dos tintos, Dominique Laurent imprime seu estilo próprio nos vinhos que educa em suas barricas. Paga um preço caro por esta distinção,  já que o homem deve interferir até certo ponto num terroir cheio de sutilezas.

Por fim, La Mission Haut-Brion. A conjunção perfeita do terroir (solo, clima, uvas e interpretação humana). Numa safra magnífica como 2000, as características são potencializadas numa estrutura monumental. Aqui, só o tempo, a longevidade, são capazes de traduzir na taça este futuro promissor.

 

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