A doçaria portuguesa além de famosa e diversificada, satisfaz os mais vorazes paladares. De sabores ricos, intensos e porque não dizer, inesquecíveis. Numa prova de quatro doces tradicionais e quatro vinhos fortificados não menos clássicos, o embate entre ambos não foi nada fácil. É sobretudo, uma imposição de sabores. Por isso, não tente combinar doces portugueses com vinhos delicados. Sabiamente, os portugueses inventaram a fortificação e a diversificaram para estas situações.
pão com damascos e sementes de abóbora
Antes propriamente dos doces, o pão com damascos e sementes de abóbora (foto acima) também entrou na brincadeira. O vinho que melhor escoltou a iguaria foi um Madeira 10 anos doce com a casta Tinta Negra Mole. As castas nobres para o Madeira são: Sercial, Verdelho, Boal, e Malvasia, em ordem crescente de doçura. Voltando à harmonização, os sabores do Madeira sintonizaram bem com os sabores do pão, além da similaridade de texturas de ambos. O grau de doçura do vinho também foi compatível com o prato.
versatilidade na harmonização
O Moscatel acima além de ser um belo vinho em si, foi o que mais agradou de maneira geral no confronto com os doces. De fato, sua intensidade de sabor e grau de doçura são componentes importantes nesta harmonização. É bem verdade, que em alguns casos, passou um pouco por cima do prato, mas sem distorções de sabores e conflitos importantes. Ficou bem com o cestinho de amêndoas e quase não foi páreo para o terrível Ovos Moles de Aveiro. A doçura e intensidade do vinho ficaram no limite da distorção de sabores. Neste caso, ao invés de tentarmos confrontar o doce com sabores ainda mais intensos no vinho como por exemplo, um Pedro Ximenez, é melhor aprecia-lo sozinho e depois finalizarmos com uma bela aguardente portuguesa, limpando o paladar.
Sobre o Moscatel de Setúbal, a casa José Maria da Fonseca é praticamente uma unanimidade nesta denominação. Este exemplar de coleção privada, é um Moscatel de safra (2004) envelhecido em madeira por dez anos. Como curiosidade, a aguardente vínica para sua fortificação é um Armagnac em sua forma bruta, importante destilado francês. Além de sua intensidade de aroma e sabores, sua textura é untuosa devido sobretudo ao elevado açúcar residual (182 g/l neste exemplar). Contudo, seu equilíbrio é fantástico e sua persistência aromática, expansiva. Os aromas de mel, flores, toques cítricos e um exótico perfume de salvia, são de grande harmonia e complexidade.
Porto 10 anos: um estilo difícil para os pratos
Embora o produtor Graham´s esteja acima de qualquer suspeita quanto a qualidade de seus ótimos Portos, este estilo 10 anos não ornou muito bem com os doces conventuais à base de ovos. Com o pastel de Belém a harmonização não comprometeu, mas faltou sintonia de sabores. O que melhor combinou foi o travesseiro de sintra com sua textura delicada e a pequena proporção de recheio, equilibrando o nível de açúcar. Os aromas de frutas passas como ameixa, figos e tâmaras, de grande destaque no vinho, não tiveram muita sintonia com os doces. Além disso, sua textura mais delgada, prejudicou muito nas harmonizações. Os outros Portos com declaração de idade como 20, 30 e 40 anos, com certeza saem-se melhor, pois além da doçura mais acentuada, os aromas de caramelo, frutas secas como nozes e amêndoas, ficam mais evidentes.
Mouchão Licoroso: um estranho no ninho
Este foi o vinho que mais destoou do painel. Embora seja um belo fortificado da região do Alentejo, região esta sem tradição neste tipo de vinho, seus sabores estavam completamente dissonantes com os pratos. O vinho em si é muito bem feito, até porque é proveniente da Herdade do Mouchão, uma propriedade de alta reputação. A uva é a Alicante Bouschet, tinta de muita estrutura e concentração. O vinho passa cerca de quatro anos em tonéis de madeira inerte, fazendo um estilo LBV, se comparado aos vinhos do Porto.
quarteto português: intensidade e doçura
No sentido anti-horário, partimos do cestinho de amêndoas em maior destaque na foto acima, passando pelo pastel de Belém, depois o travesseiro de sintra, e por fim, os ovos moles de Aveiro em forma de coração.
Começando pelo pastel de Belém, o único vinho que respeitou o doce foi o Porto 10 anos, embora não havendo sintonia de sabores e portanto, sem emoções. Já os demais vinhos, passaram por cima do prato. Como ressalva, o Moscatel de Setúbal com seu perfil aromático, foi o que mais se acomodou aos sabores do doce.
Para o cestinho de amêndoas, duas harmonizações foram muito bem. Tanto o Moscatel de Setúbal, como o Madeira, tiveram grau de doçura compatível com o doce, além de sintonia de sabores, sobretudo o Madeira. O Moscatel na verdade, acabou sendo um pouco invasivo, mas bastante prazeroso. Tanto o Mouchão, como o Porto, os sabores ficaram distorcidos na harmonização.
Com o travesseiro de Sintra, o Porto 10 anos foi o que se amoldou melhor, conforme comentário acima. Os demais vinhos passaram por cima do prato, sendo o Madeira um pouco menos invasivo.
Finalizando, os ovos moles de Aveiro passou como um trator por cima dos vinhos. O único que resistiu em seu limite foi o Moscatel de Setúbal, salvo pelo gongo. De fato, a doçura absurda do doce com a não menos viscosa textura, destruiram qualquer tentativa de harmonização. Qualquer alternativa de contraste é inútil. Por outro lado, a ideia óbvia de igualar açúcar e intensidade na escolha do vinho, satura em demasia o paladar.
Enfim, mais uma experiência enogastronômica sempre válida, mesmo que as harmonizações não saiam a contento. O mais importante é detectar os pontos conflitantes e procurar corrigi-los na medida do possível.
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