O intrincado mosaico borgonhês deixa qualquer aficionado pelos seus vinhos de cabelos em pé. Por mais estudos, teorias, e uma certa racionalidade em entender seus vinhos, a Borgonha desafia enófilos, enólogos, críticos e apaixonados pela região, caindo por terra todas suas convicções. E este é certamente, um dos motivos, talvez o principal, pela fascinação e admiração por este desafio quase intransponível. Foi o que aconteceu numa degustação às cegas proposta pelo amigo Roberto Rockmann, viciado e alucinado por estes tintos sutis e misteriosos.
Na mesa com as letras A, B e C, três tintos da Côte de Nuits de comunas diferentes. Chambolle-Musigny, Vougeot e Nuits Saint-Georges, interpretadas por produtores de respeito, tentando passar a tipicidade de seus vinhos. A safra 2007 foi comum a todos. Safra sabidamente de característica precoce, acessível em tenra idade, e já com seus sete anos podendo proporcionar alguns aromas de evolução. Todos também estão na categoria Premier Cru, bastante restrita em termos de produção e que é capaz de expressar com clareza a respectiva tipicidade de sua comuna.
Feita essas considerações e apresentações, vamos aos detalhes de cada um dos vinhos abaixo:
O fator humano pesou neste rótulo
Na minha modesta opinião sobre a comuna de Chambolle-Musigny, a primeira sensação esperada nestes vinhos é a elegância, a delicadeza, a sutileza. Infelizmente, o produtor abusou da madeira neste exemplar. Erro crucial para ofuscar os predicados descritos acima. Mesmo assim, um bom vinho, mas nunca um verdadeiro Chambolle-Musigny.
Elegância: marca inconteste da Borgonha
Pouca gente sabe que existem outros vinhos nesta comuna, além do emblemático Clos de Vougeot, o maior Grand Cru da Borgonha com cerca de cinquenta hectares de vinhas distribuídas dentre inúmeros produtores. O rótulo acima, um belo Premier Cru “Les Cras”, numa localização pouco privilegiada na colina, demonstrou finesse, própria de sua comuna e sua nobre vizinhança. É bem verdade, que sua persistência aromática não é tão expansiva, mas o competente produtor Bertrand Ambroise soube extrair com astúcia a essência de seu terroir.
Este produtor, Thibault Liger-Belair, reverenciado pelos melhores críticos da região, inclusive o papa Clive Coates, acabou me decepcionando, sobretudo no quesito elegância. E não há contradição nesta afirmação. Explico melhor, nesta região de Nuits-Saint-Georges, os vinhos costumam ser mais rústicos, evidentemente dentro de uma sintonia fina com o que há de melhor na sagrada sub-região de Côte de Nuits. Entretanto, neste Premier Cru Les Saint Georges, trata-se de mais uma exceção, entre tantas quando se trata da capciosa Borgonha. Os vinhos deste vinhedo costumam ser elegantes e longevos. No exemplar acima, não contesto a longevidade, pois o mesmo possui uma estrutura tânica invejável. Contudo, dentro do alto padrão de Les Saint Georges, e por tratar-se de um produtor de alto nível, seus taninos são relativamente rústicos, provocando uma secura e uma adstringência desagradáveis no final de boca. Repito, na minha modesta opinião. E esta opinião não foi nem de longe unanimidade entre os degustadores desta noite.
Não é preciso dizer que errei todos os exemplares, mas degustação às cegas é sempre um ato de humildade. É mais um incentivo e motivação para continuarmos os desafios desta fascinante região. Como dizem os entendidos, Borgonha é sempre o estágio final da longa jornada do degustador persistente e inquieto. Que venham mais desafios, meu caro Roberto!
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24 de Julho de 2014 às 11:55 AM |
Parabéns pelo artigo, obrigado por difundir nossa região .
Forte abraço Bourguignon.
Jean Claude Cara
http://www.brasilbourgogne.fr
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25 de Julho de 2014 às 12:00 PM |
Certezas inexistem com tamanhas particularidades e são escancaradas às cegas, razão pela qual é um belo desafio de humildade fazê-las. Espero em breve fazer com vcs ás cegas a degustação de dois gênios de Chambolle e depois uma com a safra 2009 e alguns premiers crus entre a Côte de Beaune e a de Nuits.
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25 de Julho de 2014 às 5:31 PM |
vamos à luta. prontos para mais um desafio. abraços,
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28 de Julho de 2014 às 1:42 PM |
“Burgundy, says Hugh Johnson, is easier to judge, taste and understand than Burgundy. Here I must take issue. Appreciate and enjoy: yes. Understand: no. Burgundy is an enigma. I have spent more than 40 years as a wine professional, first as a merchant, now as a writer. I feel I understand Bordeaux. I doubt I will ever comprehend Burgundy. Yet I visit 250 growers in Côte d´Or every year and now I live here. (…). Mr Clive Coates in “Wines of Burgundy”.
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28 de Julho de 2014 às 3:07 PM |
Concordo plenamente.
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